16.6.18

Não se ponham a dançar em conjunto



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Marcelo vai-se encontrar com Trump no final deste mês. É um encontro protocolar e normal entre dois Estados que têm relações diplomáticas. Não tem sentido pôr em causa que o encontro aconteça. Mas... o terrível “mas”...

Sabe-se que Trump não lê quase nada do que lhe é enviado pelos diferentes serviços e o resultado é que a informação que provavelmente lhe é dada antes do encontro com Marcelo deve caber em meia folha em letras grandes. A julgar pelos precedentes conhecidos deve incluir a transcrição fonética ou coisa parecida do nome de Marcelo, os pontos de litígio entre os dois países, com relevo para a Base das Lajes, e — e é aqui que as coisas se complicam — um perfil psicológico do Presidente português. A folhinha dirá coisas sobre os “afectos”, talvez sobre as selfies e a popularidade de Marcelo, aconselhará o Presidente americano a ser igualmente próximo e íntimo, como foi com Macron e Kim. Imensas palmadas nas costas, muita linguagem corporal. E essa sugestão será certamente seguida por um presidente que gosta da encenação e da coreografia. O problema é o... outro Presidente que gosta das mesmas coisas, Marcelo Rebelo de Sousa. Por isso, a tentação vai ser grande de andarem a mostrar como gostam um do outro e a usar o narcisismo e a vaidade para marcar pontos. Ambos. Durará uns minutos, mas será penoso de ver.

Trump não sabe nada sobre Marcelo e Portugal, mas Marcelo sabe mais do que o suficiente sobre Trump para nos poupar o espectáculo e reduzir a coreografia ao mínimo. Trump é um adversário da União Europeia, da OTAN, do sistema de globalização de que Portugal faz parte, dos acordos que Portugal assinou com os EUA e que este rompeu sem consideração por nada e sem qualquer política consistente que não seja a de agradar à sua “base” e ao seu ego. Trump é um perigo para a paz e a estabilidade mundial, um amigo demasiado próximo de Putin, Kim, Duterte, Erdogan, acabou por elogiar em termos entusiásticos o novo Governo italiano, apoiou Le Pen, os racistas ingleses e alemães, e de transformar o bom do Canadá em inimigo da América. A lista seria longa, mas aponta sempre para a mesma coisa: machismo, poder, autoritarismo, força e violência.

Quando Marcelo for ter com Trump, terá de ter em conta que a maior repercussão da sua viagem vai ser o tweet de circunstância que ele faz quando encontra os seus congéneres estrangeiros, no intervalo dos frisos de militares, bombeiros e polícias que ele gosta de colocar como paisagem de fundo, para além de Kim Kardashian. Não é até impossível que ele lhe faça um daqueles elogios guturais que costuma fazer, “nice guy”, “very clever guy”, vindo do “beautifull sunshine country, Spain. I’m sorry, Portugal”, “I love bullfights”, e inanidades do género. Pode até perguntar-lhe sobre as oportunidades de negócios imobiliários nas praias do “Mediterrânio”, e se Portugal também quer uma Torre Trump — “I’m joking, President Marcell”.

Senhor Presidente, o nosso, faça tudo para o evitar ter por perto. Mande aumentar a distância dos púlpitos. Deixe a promiscuidade para a alt-right portuguesa, que tem bons contactos no “trumpismo”. Fale-lhe nos imigrantes que isso basta para o pôr maldisposto, e, quanto às Lajes, não vale a pena ter muita esperança, porque ele deve achar que “custa muito dinheiro” e ainda lhe pede que aumente a contribuição para a OTAN. Nada de bom para Portugal virá do lado de Trump, muito menos dos republicanos, e pouco dos democratas, e lembre-se que a mossa que Trump está a fazer às democracias também cá chegará, ou melhor, já cá está. Talvez repetir na América o discurso do 25 de Abril sobre o populismo tenha mais sentido.

Com Trump é preciso distância, cara cerrada, no máximo esboços de sorrisos, mais esgares do que esboços, com o ar mais enjoado do mundo. A chanceler Merkel faz isso bem. Trudeau e Macron andaram a bajulá-lo e saiu-lhes mal. Bem feito! Marcelo não deve, nem precisa de ser mal-educado, mesmo com o protótipo da má-educação que tem à sua frente, mas deve ter em conta que nos está a representar, e intimidades com Trump são um insulto ao povo português.

Lembre-se, que, quando Trump for para dentro da Casa Branca, entre o último aperto de mão e a porta, ele já se terá esquecido de tudo, do seu nome, de Portugal, de tudo. Mas nós não.»
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