15.7.18

A quinta coluna



Daniel Oliveira no Expresso de 14.07.2018:

«Augusto Santos Silva nunca apreciou a atual solução governativa. Ela é contraditória com a clivagem política fundamental que acredita existir na Europa e em Portugal: em vez de esquerda contra direita, europeístas contra eurocéticos e moderados contra populistas. Uma visão coerente com o enorme entusiasmo que mostrou com a vitória de Emmanuel Macron, o homem que traiu e enterrou o Partido Socialista Francês. Assim sendo, PCP e BE estão, do seu ponto de vista, no espaço político oposto ao do PS. E PSD e CDS, podendo ser concorrentes, são aliados estratégicos. A ‘geringonça’ é e sempre foi, para Santos Silva, uma fase tática que aceitou por razões igualmente táticas. Mas um solução contranatura.

Numa entrevista à Rádio Renascença, Santos Silva defendeu que a ‘geringonça’ deveria ser reeditada depois das próximas eleições. Mas o compromisso deveria ser maior: entre outras áreas, teria de haver um entendimento sobre a União Europeia. Recordo que, em dezembro do ano passado, Santos Silva disse ao jornal “Die Zeit” que não era “fundamentalmente contra medidas de austeridade”, apenas achava que tinha sido necessário dar “um sinal de recuperação à população”. Ao contrário de Costa, Santos Silva acredita na solução austeritária imposta durante a crise. Não é por isso credível que esteja a defender que o PS faça qualquer tipo de cedências ao PCP e ao BE em política europeia. O que Santos Silva está a dizer é que, para haver um novo entendimento, comunistas e bloquistas têm de passar a defender as vantagens do dogmatismo monetário, a cegueira dos limites orçamentais, e que o combate à inflação tem prioridade face à promoção do emprego, como expressamente exige o dogma do BCE. BE e PCP teriam de se transformar no oposto do que são.

Tem razão Manuel Alegre quando sublinha a contradição entre a defesa da reedição da ‘geringonça’ e a exigência de que os partidos se entendam naquilo em que estão irremediavelmente distantes. Mas o que Santos Silva pretendeu defender na Renascença não foi a renovação da ‘geringonça’, foi uma negociação que a leve a um beco sem saída e assim a enterre. Santos Silva não quer uma clarificação do PCP e do BE, quer uma clarificação do PS. Isto é apenas a continuação do debate iniciado no último congresso. Quer provar por dentro o que Assis não conseguiu provar de fora. É, sempre foi, uma espécie de quinta coluna dentro da ‘geringonça’. Só que, enquanto Assis e Sousa Pinto tiveram a coragem de assumir a divergência e por isso ficaram longe da esfera de influência da direção do PS, Santos Silva preferiu agarrar o lugar de ministro, que também deve ao PCP e ao BE. A forma enviesada como combate a ‘geringonça’ é coerente com a forma pouco clara como se comprometeu com esta solução de Governo. Uma e outra, mais do que um perfil político, traçam um perfil de personalidade. António Costa veio desautorizar a tese de que a ‘geringonça’ só se repetirá com um acordo em torno da Europa — que é o mesmo que dizer que não se repetirá. Não é a primeira vez que Santos Silva se substitui a Costa na definição estratégica do PS. A questão é saber se o faz por autorecriação ou com autorização do primeiro-ministro, que depois tempera a coisa, deixando que fique o recado. Como não tenho qualquer razão para pensar que Santos Silva deixou de estar no núcleo duro do líder, continuo a achar que Costa está a jogar um jogo duplo e perigoso, que tem tudo para correr mal nas próximas eleições.»
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