16.8.18

A delícia turca de Trump



«Em 1889, o Expresso do Oriente partiu da Gare de l'Est em Paris e chegou, finalmente, a Istambul. Os europeus puderam, finalmente, ir de comboio até aos limites do continente e vislumbrar o Oriente. Istambul, já desde os tempos da Rota da Seda, era uma ponte geográfica entre o Ocidente e o Oriente. Foi a jóia de impérios e centro de poder político e espiritual. Do Império Romano do Oriente, Bizâncio, e do Império Otomano, até 1923. Ataturk modernizou-a. E a Turquia, na sua grandeza, tornou-se a porta por onde dois mundos se espreitavam e conheciam. Erdogan, rechaçado pela União Europeia, procurou um novo rumo, mais musculado, para a Turquia, tentando torná-la um exemplo para o Médio Oriente e para a Ásia Central. E foi aí que este importante país da NATO (com o seu segundo maior exército) entrou em choque com os Estados Unidos. Ancara está contra o apoio dos EUA aos curdos, está ao lado do Irão e do Qatar contra a Arábia Saudita e é a voz mais sólida para confrontar Israel na região. Nada disso agrada a Donald Trump. O caso do pastor americano preso na Turquia é um disfarce para as suas reais intenções: domar Erdogan.

A táctica é a mesma: a asfixia económica, transformada na arma política por excelência da era Trump. Cuidem-se pois todos os países que desafiem os "tweets" do CEO da Casa Branca. Só que esta pressão sobre Erdogan e sobre a economia da Turquia é inaceitável. Mesmo que a Europa não goste de Erdogan e das suas políticas, uma crise profunda da sociedade turca é tudo o que menos interessa à Europa. Porque seria uma vitória de um Trump que quer destruir a União Europeia. Mas também porque a Europa não pode esperar que um país com uma economia arruinada seja uma barreira contra terroristas ao mesmo tempo que acolhe milhões de refugiados de África. Isto para já não falar da necessidade que a Europa terá do segundo maior exército da NATO. Desestabilizar a Turquia é correr um risco equivalente a brincar com a chegada de um tsunami imprevisível. A Europa não pode esquecer isto.»

Fernando Sobral
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