27.1.18

Mona Lisa




(O vídeo pode não ser visto com alguns browsers)
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Edmundo Pedro - foi hoje o fim, a poucos meses de chegar aos 100



Acaba de se saber que morreu, depois de uma longuíssima vida, cheia de luta e de sofrimento, mas com uma alegria à prova de bala. Tive o privilégio de ser sua amiga, de gostar muito de conversar om ele, de ler muitos dos seus textos por vezes antes de serem publicados. Falámose há pouco tempo, quando fez 99, referimos a festa inevitável que teria lugar para assinalar os 100 – festa que já não existirá.

Retomo um resumido «percurso existencial», de que gosto muito, escrito pelo próprio.

«Comecei a trabalhar aos doze anos numa oficina de serralharia. Daí em diante, interrompi o curso diurno da Escola Industrial Machado de Castro e passei a estudar à noite. Aos treze, entrei para o Arsenal da Marinha. Aí conheci dois vultos cimeiros do movimento operário de então, meus colegas de trabalho na oficina de máquinas do Arsenal: António Bento Gonçalves e Francisco Paula de Oliveira. Este último viria a celebrizar-se sob o pseudónimo de “Pavel”.

O primeiro era então Secretário-geral do PCP, o segundo Secretário-geral da Federação da Juventude Comunista. Ambos exerceram no meu espírito uma influência determinante.

Filiei-me na Juventude Comunista aos treze anos, pouco depois de ser admitido naquela empresa do Estado.

Fui detido pela primeira vez pela polícia política no dia 17 de Janeiro de 1934, pouco depois de ter completado os 15 anos de idade, por estar envolvido na preparação da tentativa de greve geral que deflagraria no dia seguinte. A minha primeira detenção está, pois, estreitamente ligada ao movimento de protesto contra a liquidação do sindicalismo livre. Esse movimento ficaria conhecido na história das lutas operárias como o «18 de Janeiro». Pela minha acção na preparação desse evento, fui condenado pelo Tribunal Militar Especial, acabado de criar por Salazar, à pena de um ano de prisão e à perda dos «direitos políticos» durante cinco anos…

Logo que fui libertado, retomei a oposição à ditadura como militante da Juventude Comunista. Em Abril de 1935 fui eleito, com Álvaro Cunhal, entre outros, para a direcção da Juventude Comunista.

Preso, uma vez mais, em Fevereiro de 1936, sob a acusação de ser dirigente da JC, acabaria, em Outubro desse ano, por ser deportado para Cabo Verde, onde fui estrear o tristemente célebre Campo de Concentração do Tarrafal. Ao fim de nove anos, regressei a Lisboa para ser, de novo, julgado no Tribunal Militar Especial. Depois de ter aguardado julgamento, ao todo, durante dez anos, fui condenado, por aquele tribunal de excepção, à pena de vinte e dois meses de prisão correccional, acrescida da perda dos «direitos políticos» pelo período de dez anos!

Ao longo de todo tempo que mediou entre o fim de 1945 e o 25 de Abril de 1974, conspirei sempre contra a ditadura. De forma especialmente activa, a partir da campanha para a Presidência da República do general Humberto Delgado, durante a qual comecei a preparar, com Piteira Santos, Varela Gomes e outros, um movimento insurreccional que pusesse fim à ditadura.

Estive envolvido, com o grupo inspirado por Fernando Piteira Santos, no «12 de Março» de 1959. Mas, dessa vez, não fui referenciado na polícia política.

Dois anos depois, no dia 1 de Janeiro de 1962, tomei uma parte muito activa no chamado «golpe de Beja», ocorrido na madrugada daquele dia, no Quartel de Infantaria Três, aquartelado na cidade de Beja. Depois daquele movimento ter abortado, fugi para o Algarve onde fui detido, em Tavira, na manhã desse mesmo dia, junto com Manuel Serra e o então capitão Eugénio de Oliveira. Pela minha intervenção nesse movimento fui condenado, em 1964, a três anos e oito meses de prisão maior e à perda do «direitos políticos» pelo período de quinze anos. Cumpri quatro anos de cadeia. Fui libertado no fim de 1965.

Aderi ao Partido Socialista, por intermédio de Mário Soares, em Setembro de 1973. Sou, portanto, um dos fundadores daquele partido.

No primeiro congresso realizado na legalidade, em Dezembro de 1974, fui eleito para a sua Comissão Nacional e, em seguida, para a sua Comissão Política. Fui integrado no seu Secretariado Nacional em 1975. Em 25 de Abril de 1976, nas primeiras eleições legislativas, fui eleito Deputado pelo PS. Exerci esse cargo durante onze anos. Em 1977/78, fui designado Presidente da RTP. Actualmente continuo no PS, mas como militante de base.

Ninguém na minha família escapou à repressão salazarista. O meu pai estreou comigo o Campo de Concentração do Tarrafal. Esteve ali, tal como eu, cerca de nove anos. Foi, reconhecidamente, o mais perseguido de todos os presos daquele presídio de má memória. É considerado o mártir do Tarrafal. Morreu no exílio, em França, dois anos antes do 25 de Abril. A minha mãe esteve detida durante longo tempo por ser militante do PCP. A minha irmã Gabriela, que fugira de Portugal para evitar ser detida pela sua actividade no âmbito do movimento estudantil, morreu em Paris, aos vinte anos, na emigração política. Um irmão meu, o João Ervedoso, foi assassinado no âmbito de uma manifestação estudantil, por um provocador ao serviço da polícia política, quando tinha acabado de completar catorze anos. O meu irmão Germano, o mais novo dos três, entretanto falecido, esteve detido durante três anos por envolvimento na preparação da tentativa insurreccional de Beja. A minha própria mulher, para não fugir à sina da família, também experimentou os cárceres da polícia política.» 
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Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto



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Marcelo no seu espelho de selfies



José Pacheco Pereira num texto do Público de hoje:

«Os ciclos de amor e desamor políticos com o Presidente da República são isso mesmo, ciclos. Até aos incêndios e as reprimendas públicas que fez ao Governo, o Presidente era detestado à direita, que via nele uma muleta essencial da “geringonça”, e era afavelmente tolerado pela esquerda, que o via como inesperado aliado. Depois dos incêndios, passou a ser amado pela direita a tal ponto que foi a direita portuguesa a principal força “comemorativa” dos seus dois anos de Presidência. Antes via nele uma força perversa que funcionava atrás de António Costa por ódio a Passos Coelho, agora considera-o o grande disciplinador do Governo, que o impede de se deitar nos braços malditos do BE e do PCP.

Há depois uma terceira tese, que certamente não desagradará ao Presidente — é de que estas oscilações de simpatias e antipatias revelam a independência do seu mandato, nem dependente da esquerda, que governa, nem da direita, que é oposição. E, em anexo, uma quarta tese, muito vocal nos “homens do Presidente” que são comentadores em prime time, de que a sua enorme popularidade lhe dá uma força política própria, que o coloca por cima dos partidos e que em última instância lhe permite fazer literalmente o que quiser. Quem manda no país é ele, em união directa com o povo sem intermediários, que faz do Presidente o primeiro dirigente político genuinamente “popular” de há muito tempo a esta parte. Por último, uma humilde e solitária quinta tese, a minha, é de que nada disto é o que é, e apenas “parece” ser, porque não há verdadeiro escrutínio dos actos presidenciais e do seu significado e o Presidente, assim solto das amarras da crítica e da razão, faz uma política própria que tem aspectos positivos, mas também aspectos negativos e alguns mesmo mais do que negativos — perigosos.

Marcelo Rebelo de Sousa ganhou a Presidência por uma combinação de méritos próprios, uma intensa campanha conduzida na e pela comunicação social, por ele ser “um deles”, e uma conjuntura de cansaços e esperanças que teve o seu apogeu como momento de viragem em 2015 e lhe deu um país politicamente estável. Como já disse e repito, Marcelo não seria o Presidente que é sem ter por detrás uma conjuntura que todos imaginavam como altamente instável, mas que se revelou solidamente estável: a aliança política do PS com o BE e o PCP e mesmo o PAN. Pela primeira vez, havia uma alternativa à esquerda que podia competir com a tradicional aliança PSD-CDS, este grupo de partidos que funcionava como uma “frente de rejeição” do PAF, mudava a realidade nacional, pondo a direita longe de poder governar sem ter maioria absoluta. O risco de tal solução para todos envolvidos gerava uma moral de resistência, que hoje está já um pouco esbatida, mas que permitia assegurar que seriam ultrapassadas todas as dificuldades que poderiam pôr em causa a solução de governo.

Cavaco Silva fez tudo para que tal solução não fosse possível, Marcelo acolheu-a como favorável a uma estabilidade política de que ele faria parte e cujos frutos seria capaz, como foi, de recolher. Já era evidente na campanha que o terreno que desejava para a sua presidência era o da estabilidade política, e António Costa era o único que lho podia dar. Quando os primeiros resultados económicos favoráveis começaram a surgir, era ouro sobre azul e a colaboração entre Marcelo e Costa correspondia a uma respiração natural que irritava profundamente o PSD do Diabo.



26.1.18

Drogados?



(Hugo van der Ding no Facebook)
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Dica (703)

«C'était cela, Mai-68»



Um belo texto de Jean Daniel – ainda ele, agora com 97 anos.

«Mai-68, ce n'est pas une date, ce n'est pas une expression, c'est une image débordante de vitalité, de romantisme, une vision. (…)
Quand l'heure était venue, d'écrire, de relire, de corriger, de faire cette suite de textes qu'on appelle un journal, sans savoir ce qui allait advenir dans l'esprit des lecteurs, alors il y avait le moment de la délivrance et de la fierté. C'était cela, Mai-68.»
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Cada um recebe o Van Gogh que merece

Dos Frasquilhos não reza a História



«O Estado, através da Parpública, vai propor a recondução de Miguel Frasquilho como "chairman" da TAP, o que vai acontecer já a 31 de Janeiro, durante a próxima assembleia-geral da companhia aérea. Sim, é esse Frasquilho, o que está a ser investigado no Besgate e que, alegadamente, recebeu 100 mil euros do "saco azul" do BES, mas distribuídos em depósitos na conta dos pais e irmão. Tanta personalidade à rasca e a pedir dinheiro emprestado à família e eu não tenho coragem para pedir 100 euros ao meu pai.

Resumindo, o "saco azul" do BES pagou cerca de 98 mil euros a Frasquilho, "chairman" da TAP, e aos pais e irmão. Segundo se sabe, os pagamentos a familiares eram frequentes no GES. O GES parece o meu falecido tio Orlando que, no Natal, metia envelopes com dinheiro no bolso da família toda. Uma vez, pôs um no bolso da minha namorada.

Frasquilho alega que o dinheiro era para pagar dívidas que ele tinha aos familiares. Imagina se o Frasquilho estivesse a dever na padaria, no barbeiro ou na casa de artigos de circo onde compra as gravatas. Já estou a ver o contabilista do BES a ter de dividir estes pagamentos todos. Não admira que o contabilista, na altura Machado da Cruz, tenha fugido durante uns tempos. Como é que ele iria justificar ter de passar um cheque de prémio em nome de uma pessoa que nada tem que ver com a empresa? A não ser que seja por causa de a família o aturar.

Frasquilho justificou tudo isto com "acertos de contas entre familiares". Normalmente, acertos de contas entre familiares é o que vem nos títulos das notícias que envolvem tiros e mortes. Associo "acertos de contas entre familiares" a assassinatos com enxadas e muita berraria, por causa de uma herança. Estes acertos de contas entre familiares são muito silenciosos. Aposto que nunca há discussões na ceia de Natal em casa do Frasquilho.

A verdade é que o governo da suposta transparência vai reconduzir Miguel Frasquilho como "chaiman" da TAP e parece ser, realmente, um acerto de contas de família, porque nem o PSD nem o CDS dizem nada. Não há família mais unida do que o Bloco Central. Acho que temos de mandar este caso do Frasquilho para ser julgado em Angola.

Antigamente, quando havia este tipo de suspeitas e acusações sobre alguém, era logo acautelado o risco de fuga. Neste caso, é o oposto, ele fica na empresa onde mais facilmente pode fugir. Parecendo que não, aquilo ainda tem vários aviões. Eu até já admito que ele fique na TAP, mas não devia poder aproximar-se até menos de 500 metros de um avião, como já aconteceu com o Carrilho em relação à Bárbara Guimarães.»

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25.1.18

Despenalizar a morte assistida


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Proibir, proibir – agora a bicharada



Resolução da Assembleia da República n.º 20/2018


Recomenda ao Governo que crie um grupo de trabalho para prevenir e lidar com os casos da «Síndrome de Noé» mais conhecida por acumulação de animais
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que crie um grupo de trabalho constituído por profissionais de saúde e comportamento animal, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, com vista à prevenção e tratamento de casos da «Síndrome de Noé», mais conhecida por acumulação de animais.

Aprovada em 5 de janeiro de 2018.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues

(Daqui)

Não têm mais nada que fazer? Outro grupo de trabalho) E este deve ser dos bons!
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Nem 30 nem 300



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:



Na íntegra AQUI.
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A Triumph, ainda




«À saída da reunião, vivia-se entre o “alívio” de poder seguir com a vida para a frente e a tristeza de largar a vida e os "amigos" que sempre conheceram. "Esta noite, em princípio, será a última de vigília. É um dia feliz e triste. Foram 28 anos aqui".»

Dói, e muito, que a insolvência da empresa onde se trabalhou durante décadas possa ser motivo de «alívio» e até de «felicidade». Terrível.
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Censura




Mesmo a propósito quando não há dia em que não me revolte contra autocensuras, proibicionismos e obrigatoriedades. Para vivermos infelizes e morrermos liofilizados.

«Há hoje, no espaço público, sinais de um regresso a concepções e normas de convivência social que julgávamos estarem ultrapassadas. Quer pelo peso de alguns séculos de civilização ocidental, quer como consequência daquilo que veio a ser uma das suas marcas identitárias, estas normas acabaram mesmo por representar características de regimes contra os quais hoje o Ocidente se debate. Falo da censura e das limitações à liberdade de expressão.

Ao contrário de uma imposição de Estado ou de regime sobre um conjunto vasto de súbditos, como forma de limitar as liberdades individuais e de controlar as opiniões da população, estes fenómenos estão hoje, muitas vezes, a resultar de processos inversos: partindo da autocensura e da “censura por pares” imposta na sociedade e, lentamente, a ser exigida aos Estados e aos seus legisladores.

A origem é apenas uma, apesar dos múltiplos rostos que pode assumir: resulta da imposição de um pensamento e um discurso politicamente correcto. A sobrevalorização da forma face ao conteúdo quase nos obriga hoje — ou em muitos casos obriga mesmo — a avaliar e ponderar cuidadosamente a linguagem, o discurso, o uso de determinadas palavras em detrimento de outras, a escolha de imagens, metáforas, géneros, preferências, ou até manifestações de opinião.

Quase tudo hoje está sujeito a uma leitura de intenções, avaliadas pelos detentores dessa verdade socialmente construída. Intenções avaliadas a partir da forma do discurso, e que, avisadas ou descabidas, contra reais ameaças ou atacando inadvertidos cidadãos, tornam a comunicação, a acção política, o conceito de liberdade de opinião, limitado a um conjunto de parâmetros que vulgarmente designamos por “politicamente correcto”.

Um quase tudo que se manifesta em: pinturas do século XIX que já não “convém” expor num museu dado que, e cito, “objectificam determinados grupos sociais”; editoriais sem qualquer qualidade e público, mas que são vítimas de apelo à revolta e à censura; o recente desaconselhamento, com direito a intervenção do governo francês, da edição dos textos panfletários de Céline; em palavras que são criadas e impostas para que o seu uso respeite a “nova sociedade”, ou o “homem-novo”; livros que são reeditados e revistos, alterando palavras que não são admissíveis aos olhos da civilização contemporânea bem pensante, como no caso do “perigoso” Mark Twain. Estes são apenas poucos exemplos do que temos assistido nos últimos anos. O espaço público é menos livre assim? Certamente. São práticas próprias de democracias? Não. E eventualmente mais próximas de outros regimes contra os quais estas democracias combateram há bem menos de um século.

Uma elite iluminada, responsável pela definição dos critérios sobre o bem-pensar, o bem-fazer e o bem-dizer, não só se assume como legitimada pela história, pelo progresso, pela sua visão moralizadora e descontaminada da sociedade, como tem, paulatinamente, transformado em agenda legislativa muitas destas matérias. Impondo comportamentos ou penalizando transgressões. Isto resulta da democracia que tanto defendem, afirmando que através dela se deve procurar o progresso das sociedades. Ou melhor, em muitos casos, “impondo” a sua visão de progresso.

Mas não era a liberdade de expressão precisamente um dos pilares fundamentais da democracia? Posso em muitos destes casos até concordar com a defesa que se faz de algumas destas matérias. Mas não posso aceitar imposições. Posso até compreender algumas destas agendas políticas e sociais. Mas não posso aceitar a ditadura do politicamente correcto. Posso até querer activamente participar nestes processos de consciencialização. Contudo, não entendo uma sociedade democrática sujeita a censura e a impedir a liberdade de expressão. Impor uma sociedade descontaminada e esterilizada pode ser a ambição de regimes totalitários, nunca de democracias.»

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24.1.18

Não #Triumpharam

Dica (702)




«‘Scientific’ eugenics is on the rise, and grabbing a foothold in respected journals. The claim that these theories are a credible part of a general discussion should worry us all.»
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O Ronaldo de Belém



(Público de hoje)
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#Triumphemos



A ler: Onde Marcelo não foi. 

Já agora:

As trabalhadoras da antiga Triumph, estão desde 5 de janeiro, em vigília à porta das instalações da fábrica, para lutarem pelos seus direitos. São mulheres, guerreiras que merecem o nosso apoio.
Criou-se um conta solidária para dar conta ás suas necessidades.
Por favor apoiem obrigada.
NIB: 0036 0160 99100083668 86
IBAN: PT50 0036 0160 99100083668 86
SWIFT/BIC: MPIOPTPL
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Como agir no caso do dr. Rio



«A primeira semana de Rui Rio à frente do PSD foi boa. Mesmo muito boa. Não mexeu um dedo e manteve um discreto quase silêncio, não deu demasiada importância ao dossier Hugo Soares, assunto que aliás pouco mais merece do que uma réstia de paciência, não doutrinou, não propôs, nada de nada. Rui Rio sentou-se à beira da árvore a contemplar o universo e, se tem opinião sobre o pacto da justiça, sobre os números do desemprego, sobre o golo do Ronaldo do Eurogrupo, sobre as putativas listas transnacionais que tanto ânimo levantaram entre os deserdados eleitorais, sobre a Supernanny ou o canhão da Nazaré, tudo ficou pelo silêncio bucólico. Se não conspirou, já tão longe não iria, mas essa atitude zen teve pelo menos um efeito confortável para o PSD, tão agitado que andou nestes últimos meses: pôs os outros a falar dele, todos às escuras. Seguem por isso algumas recomendações a quem de direito sobre como agir ou não agir no caso do empossado presidente do PSD.

PUB Primeira recomendação. Deixar seguir a caravana, mexer o mínimo possível. A disputa no PSD foi entre soluções de recurso e espelhos do passado. Um candidato tinha saudades de si próprio, o outro tinha saudades da sua câmara. São motivos respeitáveis e até carinhosos para se atirarem ao cargo, mas dois sexagenários a reverem glórias antigas está longe de ser a renovação refrescante que a política de direita vai exigindo aos berros. Portanto, no PSD a novela segue dentro de instantes: os cavaquistas ensaiarão a seu tempo o divórcio de Rio e, entretanto, continuarão a fazer audições, com a galáxia do Observador, da Fundação Manuel dos Santos e de outros distintos think tanks, para acharem um jovem empresário macronizável, que pareça poder pegar nos estilhaços da próxima derrota eleitoral do PSD e CDS e aconchegar uma política de charme populista à direita. Então, a melhor estratégia, e esta é recomendação para o Governo, é deixar o PSD fazer das suas e contrastar mostrando serviço ao país. Cada dia em que se sinta emprego melhor ou mais confiança económica enterra os jogos intestinos do PSD.

Segunda recomendação, esta para os parceiros de esquerda. Não se deixem impressionar, não exagerem a pressão do PSD, que é pouca, e não ajudem o PSD a ajudar o PS a ser o centro de referência da política. Portanto, nem tenham nem mostrem receio quanto a pactos PS-PSD. Isso é fava contada: ou não resulta em nada, ou o que resulta só dá mais má fama aos nefandos pactos. Atirem-se por isso a discussões que interessam, como sobre a justiça e, mais do que tudo, prioridade das prioridades, a saúde. O pacto Semedo-Arnaut sobre a nova Lei de Bases da Saúde é o que conta neste debate, porque indica experiência e alternativa. Mostrem que têm propostas pensadas, que sabem os caminhos para governar com soluções mobilizadoras. E não se incomodem muito nem com os silêncios nem com as palavras de Rio. Olhem em frente e não para o lado.

Terceira recomendação. Os pontos fracos do PSD (e do CDS, cujo histrionismo de repente se revelou atrapalhado pelo silêncio de Rio) são agora a justiça, porque não sabe o que quer, as leis eleitorais, porque sabe o que quer mas tem vergonha de dizer, e sobretudo os serviços públicos e a economia, porque com tudo o que pode dizer é melhor ficar calado, como aquela de “fazer pior do que Maria Luís Albuquerque”. A resposta do campo parlamentar maioritário só pode ser ponderação na justiça, avanço nos serviços públicos, ignorar as leis eleitorais e dar um passo em frente onde ele falta: corrigir as leis laborais criando um fosso entre o Governo e a direita.

Em resumo, a minha recomendação é que o PS e as esquerdas deixem o dr. Rio sossegado a fazer das suas e que façam pela vida.»

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23.1.18

Com Rui Rio a “geringonça” tem de mudar



Daniel Oliveira no Expresso diário de 23.01.2018:


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23.01.1928 – Jeanne Moreau faria hoje 90



Jeanne Moreau morreu há poucos meses, em 31 de Julho do ano passado. Com uma carreira muito longa de actriz, realizadora e cantora, iniciada em 1950, e uma filmografia impressionante com cerca de 130 nomes listados, Jeanne Moreau faria hoje 90 anos. Trabalhou com uma lista notável de realizadores, entre os quais Luis Buñuel, Wim Wenders, Michelangelo Antonioni, Orson Welles, François Truffaut, Louis Malle, etc., etc. (Há muita informação disponível na sua página oficial.)

A recordar a sua participação em Gebo et l’Ombre, de Manoel de Oliveira (2012), onde faz o papel de Candidinha.




Momentos inesquecíveis? Entre outros, Le Tourbillon, em Jules et Jim de François Truffaut:




Aqui, num belíssimo duo com Maria Betânia:




A ver, esta entrevista:


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Não é anedota, não



Tribunal pede que morto seja alvo de perícia médico-legal psiquiátrica.

«Obviamente, não é possível» – respondeu a psiquiatra que até conheço pessoalmente. No seu lugar, eu teria dito:«Não sei se consigo, mas vou tentar».
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Frankenstein em Davos



«Frankenstein saiu do mundo das trevas há 200 anos. A novela de Mary Shelley, fruto de um pedido feito por Lorde Byron em 1816 aos seus convidados presentes na vila que tinha junto ao lago de Genebra na Suíça, tornou-se um símbolo sobre os perigos do progresso científico sem limites. Que hoje poderíamos reinterpretar na antecâmara da inteligência artificial sem fronteiras éticas. Frankenstein é um fantasma alimentado pela electricidade. Aprende a falar e a comportar-se como os seres humanos, mas isso não é suficiente para que faça parte da comunidade destes. Donald Trump é o Frankenstein destes tempos modernos. Num mundo global, ele é o intérprete de todos os fantasmas que queremos esconder. Por isso a sua presença em Davos, a Ágora ateniense dos profetas da globalização, é uma última esperança. O seu discurso está previsto para dia 26 e será tão aguardado como foi o de Xi Jinping, no ano passado. Mas se este se tornou o símbolo da globalização, do Trump do "America First", há pouco a esperar.

Davos, este ano, tem como tema "construir um futuro comum num mundo fracturado". Trump é um empresário da construção, mas o seu maior objectivo parece ser não deixar pedra sobre pedra do passado. Em Davos, quer descobrir-se um novo equilíbrio a que se chamaria "globalização equitativa". Trump deseja o contrário: uma economia concentrada nos desejos de uma minoria sem referências culturais, sociais ou éticas. Gerida por um grupo de cúmplices que usam o populismo como álibi democrático. Não deixa de ser curioso que, há dias, Edward T. McMullen, embaixador dos EUA na Suíça, tenha dito ao Le Temps: "Trump não é um político, não o quer ser e nunca o será." Está tudo dito. McMullen dirigiu a campanha das primárias de Trump na Carolina do Sul e foi presenteado com este cargo. Davos não é muito longe de Genebra. Mas o mundo de Byron e de Mary Shelley é muito diferente do de Trump e dos seus acólitos. Os primeiros queriam compreender o mundo. Trump quer que o mundo seja o seu reflexo. Nem Davos mudará isso.»

Fernando Sobral
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22.1.18

Dica (701)




«The rise of populism on both sides of the Atlantic is being investigated psychoanalytically, culturally, anthropologically, aesthetically, and of course in terms of identity politics. The only angle left unexplored is the one that holds the key to understanding what is going on: the unceasing class war waged against the poor since the late 1970s.»
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If you live in America



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Afinal, vivemos no paraíso e não sabíamos



Portugal, los nórdicos del sur de Europa.

É ler o texto e agradecer o exagero aos deuses galegos.
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22.01.1961 – O dia em que o Santa Maria foi assaltado por «piratas»



Em 22 de Janeiro de 1961, algures no mar das Caraíbas, 12 portugueses e 11 espanhóis, comandados por Henrique Galvão, assaltaram um navio em que viajavam cerca de 1.000 pessoas, entre passageiros e tripulantes, e protagonizaram aquela que foi, muito provavelmente, a mais espectacular das acções contra a ditadura de Salazar.

Mesmo sem atingirem os objectivos definidos – chegar a Luanda, dominar Angola e aí instalar um governo provisório que acabasse por derrubar as ditaduras na península ibérica – conseguiram chamar a atenção do mundo inteiro que noticiou, com estrondo, a primeira captura de um navio por razões políticas, no século XX. (Em Portugal, julgo que as primeiras notícias só foram publicadas no dia 24!)

Os aliados da NATO não reagiram como Salazar pretendia ao acto de «pirataria» e só cinco dias mais tarde é que a esquadra naval americana localizou o navio. Depois de várias peripécias e negociações, o Santa Maria chegou ao Recife em 2 de Fevereiro e os revolucionários receberam asilo político.

Volto à questão da repercussão internacional, que foi muito grande, porque a vivi pessoalmente. Estudava então em Lovaina, na Bélgica, e acordaram-me às primeiras horas da manhã para me dizerem que um navio português tinha sido assaltado por piratas, em pleno alto mar. Entre a perplexidade generalizada e o gozo («ces portugais!…»), os poucos portugueses que então lá estudávamos passámos horas colados a roufenhos aparelhos de rádio, sem conseguirmos perceber, durante parte do dia, o que estava concretamente em jogo, já que não eram identificados os piratas nem explicados os motivos da aparatosa aventura. Quando, já bem tarde, foi referido o nome de Henrique Galvão, e descrito o carácter político dos factos, respirámos fundo e pudemos finalmente dar explicações aos nossos colegas das mais variadas nacionalidades. Houve festa e brindou-se à queda da ditadura em Portugal – para nós iminente a partir daquele momento, sem qualquer espaço para dúvidas...

A ditadura não caiu mas levou um abanão. O assalto ao Santa Maria foi o pontapé de saída de um annus horribilis para Salazar, ano que iria terminar com a anexação de Goa, Damão e Diu. (Pelo meio, em Fevereiro, começou a guerra colonial...)

Vivemos hoje numa outra galáxia, tudo isto parece quixotesco e irreal? Mas não foi.: Henrique Galvão, Camilo Mortágua e companheiros foram «os nossos heróis» daquele início da década de 60.



A ler: O desvio do Santa Maria e o princípio da Guerra do Ultramar.
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21.1.18

Catalunha – E viva a democracia europeia!




«El Ministerio Público sostiene que si las autoridades policiales confirman ese viaje solicitará al magistrado que active la euroorden. »

Enquanto não conseguem prendê-lo em Espanha, «prendem-no» na Bélgica?
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Dica (700)




«It is time to base the economy on a more rounded view of human nature than that one that just considers individuals as selfish calculators of utility.»
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Proibicionismos

A noite americana (e outros contos)



Quando tanto se fala dos primeiros cem dias do «reinado» de Trump, lembrei-me deste texto de Nuno Brederode Santos, escrito depois da noite em que Obama foi eleito.

«Como tanta gente, vivi entre amigos a noite americana. Uma poltrona, um copo à mão e um cinzeiro que começa imaculado, mas sobre o qual chovem beatas ao ritmo do apuramento dos votos. Em volta, vozes familiares, risos conhecidos, exaltações antigas - ou seja, idiossincrasias da minha colecção pessoal. Não quero chocar ninguém, mas nem James Bond, nem Indiana Jones, nem Rambo: as grandes emoções são sedentárias.

Vivida a festa, porém, logo na manhã seguinte vemos alguns, dos que era lícito pensar que a celebravam, falando agoiros em nome da prudência, com caras soturnas e olhar sombrio. É deprimente a militância no cinzento. É a recusa do encanto em nome de qualquer desencanto que aí venha. É a recusa dos afectos porque amanhã estaremos todos mortos. Nós sabemos que os valores iluminam o sentido da História e os interesses fazem a gestão do cruzeiro da vida. Mas os valores libertam muitos condenados e assustam muitos carcereiros. Devemos-lhes a literatura, a música, a pintura. Já os interesses, esses, são contas em papel pardo, sem as quais o merceeiro não nos fia. Depende deles o nosso dia. Nós sabemos. E creio que Obama, o "menino magricela com um nome esquisito", saberá que quase sempre os valores desaguam nos interesses e dissolvem-se neles. Mas, que raio!, isto avança por marés. Sigamos esta por agora. Se e quando esmorecer e sobrevier o desencanto, pois também esse é finito e precário - como nós e como o encanto que ele matou. Mas então sobrevirá outra maré alta de valores, trazida por outro alguém que ousou e que subirá um pouco mais no areal dos interesses. Talvez relembrar os interesses seja pôr um frio juízo nos calores da noite americana (ou nesse novo imaginário que mobilizou, de mãos dadas, a maioria de tantas velhas minorias). Mas a ilusão que galvanizou essa noite, por muito que desfaleça, terá deixado na praia alguma verdade irreversível. E a verdade, como as baleias, não tem guelras: mais tarde ou mais cedo, tem de vir à superfície respirar. Depois de Martin Luther King, poucos acreditavam na viabilidade de um caminho entre o Pai Tomás e Malcolm X. Afinal havia um e Obama fez dele uma alameda: subentender as raças, em vez de falar delas. Pressupô-las como experiência e memória, para logo as superar na proposta de uma acção conjunta. Ele sabe e nós sabemos que não há mandato que chegue para endireitar os dois de Bush. E que, mesmo sem Bush, já havia na América muito para endireitar. Mas a aventura ainda mal começou. Deixem tentá-la, porque algo, senão de bom, pelo menos de melhor, irá ficar.

Um ambiente de rixa de taberna em fim de noite, em tempo de salários em atraso. Um chefe de Governo (e chefe de tudo o mais, de resto), sentado entre a potestade e o escárnio, brada "fascistas!", por cinco ou seis vezes, dirigindo-se aos adversários políticos. Acácios em pose de Estado embrulham, com pompa e latim, inconstitucionalidades, ilegalidades e agressões várias às regras mais rudimentares da coexistência democrática. Há deputados façanhudos que pensam o impensável e dizem o indizível. Uma maioria prepotente que impede o exercício de um mandato popular e que aproveita pretextos para suspender o funcionamento da própria assembleia em que impera. Tudo isto para calar um deputado que à falta de senso comum acrescenta a arreigada convicção de que a política se faz para os media, pelo que nada melhor do que jogar com o circense e o bizarro (e ao qual acabaram por proporcionar um dia fasto). E tudo isto é assegurado por seguranças privados, pelo receio de tais mandantes de que a PSP obedeça à normal cadeia de comando que culmina no "colonizador". Grandes momentos de televisão. Grandes momentos de democracia. Durante tudo isto - e até ao recuo em toda a linha do PSD/M - o PSD nacional não tugiu. Escondeu-se no silêncio e no embaraço. Não sei como vai ser: Jardim não consegue impor-se no continente, mas ninguém, no PSD nacional, consegue refrear os seus abusos na Madeira.

No passado domingo, escrevi aqui "O parlamento no seu labirinto", brincando com o título de Gabriel Garcia Márquez. Já de madrugada e correndo a blogosfera, encontrei, no "Bicho Carpinteiro", uma prosa de José Medeiros Ferreira sobre o mesmo tema e sob o título "Cavaco Silva no seu labirinto". Logo calculei que haveria quem visse no meu texto a réplica ou a indirecta que ele não era (o que, de facto, viria a suceder). Por isso, logo no domingo, entendi dever explicar-me a JMF, que recebeu o caso com a bonomia que as velhas amizades consentem. Faço aqui este registo, para esclarecimento de todos os que hajam lido ambos os textos.»

Diário de Notícias, 09.11.2008
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