3.2.18

Escolhida a palavra do ano 2018


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Dica (707)




«An ex-YouTube insider reveals how its recommendation algorithm promotes divisive clips and conspiracy videos. Did they harm Hillary Clinton’s bid for the presidency?»
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Marcelo consola obras de arte

Justiça e poder político e económico



«A discussão que surge sobre a Justiça sempre que há um surto de grandes e pequenos casos é reveladora de tendências que são preocupantes sobre a democracia portuguesa, até porque traduzem correntes subterrâneas, que se manifestam aqui e ali, mas, no essencial, permanecem muito no fundo. Essas tendências misturam demasiadas coisas e são difíceis de identificar exactamente por isso, e surgem ao de cima sob muitas formas que nada têm que ver com a Justiça. Mas, quando surgem debaixo dessa bandeira da Justiça, essa forma é uma das mais perigosas. Essas tendências têm um traço em comum que não tem que ver com a Justiça mas sim com o poder político, e com o poder político de forma fáctica, exercido por quem manda e não por quem tem a legitimidade democrática e legal de mandar. Por isso, são particularmente corrosivas.

Aceitemos, para este efeito, uma definição simples de Justiça: Justiça significa que quem cometeu um crime ou uma ilegalidade deve pagar por esse crime ou ver reposta a legalidade em qualquer trato que seja ilegítimo. E deve pagar o preço do crime ou da ilegalidade seja qual for a sua profissão, condição social, cargo, riqueza ou pobreza. Eu sei também que esta fórmula é não só simples, mas também simplista; há toda uma nuance de crimes e ilegalidades, atenuantes e agravantes, circunstâncias e particularidades, e é sempre mais difícil punir os “de cima” do que os “de baixo”, mas, no essencial, serve-me. Acresce um outro factor cada vez mais importante: o direito é um produto social, logo é diferente nos tempos, nos lugares e nos modos, e, por isso, não é independente da forma como os indivíduos e os grupos percebem a escala da sua gravidade e do “preço” a pagar pelo crime. E, por último, e isso é cada vez mais relevante numa sociedade democrática, é sujeito a tensões e pressões que são, nalguns casos, democráticas e noutros demagógicas. Este efeito é hoje muito importante, porque o crime não é fácil de discutir em democracia, mas é facílimo em demagogia.

Agora vamos para o outro lado: o crime é tanto mais “político” e deve ser interpretado politicamente quando ele não remete para um desvario individual, ou uma cupidez especial. Num certo sentido os alegados crimes de Ricardo Salgado, José Sócrates, dos homens do BPN, de Luís Filipe Vieira, Rui Rangel, Manuel Vicente, dos homens da Operação Furacão, dos gestores maravilha da PT são todos crimes com uma forte componente política. Só foram possíveis porque esses homens tinham acesso ao poder desportivo, cultural, económico, social e político, num contexto que lhes facilitou os alegados crimes e a impunidade que tiveram durante muito tempo.

Por isso, a questão mais importante e que ajuda a compreender estes aspectos e a sua perigosidade para a democracia é perceber que quem manda em Portugal, ou pelo menos em quase tudo em Portugal, é um poder que não é democrático, é um círculo de poder e de confiança (prefiro esta fórmula à de oligarquia, por razões que ficam para depois), transversal no plano partidário e político, assente no mútuo conhecimento das elites, nas relações que estabelecem entre si, nos mecanismos de poder secreto e discreto que exercem. Ele atravessa todos os lugares de poder fáctico, consultoras financeiras, escritórios de advogados, em particular da chamada “advocacia de negócios”, consultores governamentais, conselhos de administração, mas também jornalistas com funções de direcção, juízes e magistrados, autarcas (poucos mas importantes), agências de comunicação, donos de jornais, televisões e órgãos online, e políticos. Contrariamente à percepção corrente, os lugares de deputados na Assembleia da República estão quase todos fora destes círculos de verdadeiro poder.



2.2.18

E foi a primeira vez que vi nevar



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Dica (706)

Um belo texto de Ai Weiwei



«I was a child refugee, writes Ai Weiwei, Chinese artist and activist. I know how it feels to live in a camp, robbed of my humanity. Refugees must be seen to be an essential part of our shared humanity. (…)

At this moment, the west – which has disproportionately benefited from globalisation – simply refuses to bear its responsibilities, even though the condition of many refugees is a direct result of the greed inherent in a global capitalist system. (…)

Establishing the understanding that we all belong to one humanity is the most essential step for how we might continue to coexist on this sphere we call Earth. I know what it feels like to be a refugee and to experience the dehumanisation that comes with displacement from home and country. There are many borders to dismantle, but the most important are the ones within our own hearts and minds – these are the borders that are dividing humanity from itself.»

Ler na integra aqui.
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Amazon? O Porto que se cuide…



If Workers Slack Off, the Wristband Will Know. (And Amazon Has a Patent for It.)

A Amazon patenteou uma pulseira que permite às entidades empregadoras seguir todos os passos dos seus colaboradores. Mais do que isso, a pulseira vibra sempre que tem a informação de que algo errado está a ser feito pelo funcionário.

. «What if your employer made you wear a wristband that tracked your every move, and that even nudged you via vibrations when it judged that you were doing something wrong? What if your supervisor could identify every time you paused to scratch or fidget, and for how long you took a bathroom break?
The online retail giant, which plans to build a second headquarters and recently shortlisted 20 potential host cities for it, has also been known to experiment in-house with new technology before selling it worldwide.
Current and former Amazon employees said the company already used similar tracking technology in its warehouses and said they would not be surprised if it put the patents into practice.»
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Lex and drugs and rock and roll



«O tema da semana é a Operação Lex. O juiz Rui Rangel, alegadamente, andou a vender decisões judiciais. Estou convencido de que a febre do empreendedorismo deu cabo deste país. Se a Judiciária não tem chegado a tempo, o Rui Rangel, alegadamente, ainda abria uma loja no Chiado.

Rangel é suspeito de quatro crimes de tráfico de influência por, alegadamente, ter prometido influenciar o resultado de processos. O processo tem 15 arguidos, entre os quais Rui Rangel, Fátima Galante e Luís Filipe Vieira. Há uma luta renhida entre o número de casos de legionela na CUF e o de arguidos no processo Lex: 14-15, neste momento.

Segundo foi noticiado, Luís Filipe Vieira terá prometido ao juiz um futuro cargo na universidade do Benfica. Custa-me a acreditar. Um cargo na futura universidade do Benfica?! Mas quem é que se vende por isto?! Se ainda fossem dois bilhetes para a bancada principal do estádio para assistir a um clássico... E quem é que quer ir para a universidade do Benfica se, provavelmente, vai ter aulas de Filosofia com o Rui Vitória? Isto é o equivalente a meter uma cunha para ir à Universidade de Verão do PSD quando todas as pessoas sabem que quem frequenta aquela universidade são betos que estão de castigo nas férias grandes porque chumbaram o ano.

Confesso que não sabia que um juiz desembargador não podia ser detido sem ser em flagrante delito. Teria sido decisivo quando optei por esta carreira e a vida que levo. De certa maneira, percebo que seja difícil algemar um indivíduo de toga. Com aquelas mangas, é complicado encontrar os pulsos. Um juiz só pode ser detido em flagrante delito. Ou seja, se for apanhado a roubar uma lata de sardinhas no híper pode ir preso, se estiver envolvido em processos que lhe renderam milhões, não vai de cana. Nisto, há que reconhecer que a justiça é igual para todos.

Segundo vários especialistas, a investigação a Rui Rangel, e cito, "não será prejudicada por o juiz não ser detido". A dele talvez mas, pelo que já vimos, o problema são as outras em que ele é juiz.

Este processo Lex é um pau de dois bicos. Se, por um lado, podemos pensar que a justiça está a funcionar e até fazem juízes desembargadores arguidos, assusta saber que a justiça chegou a um ponto em que há (lá terei de usar a palavra mais usada no país), alegadamente, juízes desembargadores a vender decisões judiciais. - "Ó shor juiz, a quanto é que está o quilo da decisão judicial?" - Acho que a balança no símbolo da justiça não está lá para isso. Portanto, há uma espécie de sentimento de segurança dúbio. É como se eu, alegadamente, confiasse na justiça.»

João Quadros
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1.2.18

E não precisou de nenhum código de conduta

«Os Dias da História»



Uma efeméride por dia – vale a pena ouvir alguns minutos, todos os dias, AQUI.
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Sherlock Holmes e o caso do camarote presidencial



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:

«Estamos perante um caso em que se desconfia que, em troca de dois bilhetes para ir à bola, um ministro concedeu um benefício que não tem poder para conceder a cidadãos que não precisam de favores para o obter. As autoridades judiciais não costumam ser tão zelosas. Ainda não foi assim há tanto tempo que houve para aí uma confusões envolvendo uns submarinos e um centro comercial em Alcochete sem que qualquer gabinete tivesse sido revistado.»

Na íntegra AQUI.
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Manuel Serra: 1932-2010



O tempo passa depressa. Manuel Serra morreu há oito anos, em 31 de janeiro de 2010. Porque nunca é demais recordar os grandes lutadores antifascistas, retomo, em parte, um texto que então escrevi.

Foi na Juventude Operária Católica que, aos 17 anos, Manuel Serra tomou consciência da pobreza, da repressão e das injustiças que o rodeavam.

Já como oficial da marinha marcante, integrou-se na corrente mais extremista da campanha de Humberto Delgado para a presidência da República, em 1958, onde defendeu o recurso à luta armada para o derrube do regime.

Na noite de 11 para 12 de Março de 1959, chefiou os civis no falhado Golpe da Sé, sendo detido e levado para o Aljube onde permaneceu seis meses, depois de cinco dias de tortura de sono. Numa primeira fuga espectacular, saiu pelo seu pé do Hospital Curry Cabral onde se encontrava internado: vestido de padre, seguiu directamente para a embaixada de Cuba em Lisboa e pediu asilo político. Apesar de vigiado em permanência por quatro agentes da PIDE, chefiados por Rosa Casaco, estudou um novo plano de fuga, mudou de visual muito rapidamente, cortando o cabelo e a barba, e aproveitou uma mudança de turno para sair em pleno dia para a embaixada do Brasil, já que o seu objectivo era precisamente juntar-se a Humberto Delgado naquele país.

Partiu em Janeiro de 1960 e foi no Brasil que começaram os preparativos para o que viria a culminar no Golpe de Beja, em 1 de Janeiro de 1962. Depois dos factos que são do conhecimento público, relacionados com o falhanço do golpe em questão, Manuel Serra tentou esconder-se no Sul do país, mas acabou por ser detido em Tavira. Seguiu-se um mês de grande violência, com tortura de sono e espancamentos, um julgamento com condenação a dez anos de prisão e longas estadias em Peniche e em Caxias. Liberto no início de 1972, foi ainda detido por um curto período em Novembro de 1973. Tudo somado, quase doze anos passados em prisões da PIDE.

A seguir ao 25 de Abril, foi um dos fundadores do MSP (Movimento Socialista Popular) que mais tarde se integrou no Partido Socialista como grupo autónomo, mas divergências internas e controvérsias atribuladas precipitam a saída, em Janeiro de 1975, para a criação da FSP (Frente Socialista Popular). No quadro deste pequeno partido, participou nas campanhas de Otelo Saraiva de Carvalho para a presidência da República e, em 1980, foi um dos fundadores da FUP (Força de Unidade Popular).

Ficou na história dos belos lutadores da resistência em Portugal, que aliaram a coragem à aventura e até ao prazer do risco, e dava jeito que ainda por cá andasse. Na memória dos que o conheceram pessoalmente – e eu conheci-o bem – restará um enorme sorriso e um coração do tamanho do mundo. Será sempre assim que o recordarei.

(Fotografia e fonte para a elaboração deste texto: Rui Daniel Galiza e João Pina, Por teu livre pensamento. Histórias de 25 ex-presos políticos portugueses, Assírio & Alvim) 
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O dilema da justiça



«Zorro, uma personagem de ficção, era o disfarce de Don Diego de la Vega para dar voz aos fracos e oprimidos numa Califórnia sem lei. Zorro, com a sua espada e capa negra, fingia acobardar-se perante os poderosos quando não tinha a máscara. Mas, na realidade, era sagaz como uma raposa (daí "zorro"). A justiça portuguesa, depois de anos sem fim em que pareceu dormir uma longa sesta, gerindo investigações sem fim e pondo em causa os seus próprios objectivos, parece agora querer mostrar que pode ser o Zorro dos oprimidos portugueses. Os processos mediáticos dos últimos dias, desde aquele que parece apontar para o há muito visível casamento de interesses entre o mundo da política, dos negócios e do futebol até aos anedóticos (o que pretende "queimar" Mário Centeno e o da investigação à compra de livros e revistas por ex-secretários de Estado de José Sócrates), têm diferentes pesos e medidas. Mas começam com um erro: a justiça, em vez de se comportar com decoro, está a querer fazer a festa, atirar os foguetes e apanhar as canas ao mesmo tempo. É um erro que pagará caro.

Há muito para investigar neste aparente país de "brandos costumes". E casos que cheiram há muito a esturro, desde a acção de "facilitadores" de negócios ao pouco transparente universo do futebol casado com a política. A desertificação moral do regime tem muito que ver com estes conluios que devem ser investigados ao pormenor. Talvez, depois de muitos anos a ser vista como carro-vassoura do regime, a justiça portuguesa esteja a soltar o seu grito de Ipiranga. Mas tudo tem de ser levado a sério. Para que os portugueses, no caso de falhanço de tantas investigações, não comecem a encarar tanto foguetório como uma versão de uma telenovela mexicana. É preciso seriedade e bom senso (e acusações bem formuladas) para que depois ninguém possa invocar cabalas e teorias da conspiração ou da constipação. Vários desafios se colocam à justiça portuguesa: ser competente é o maior. Portugal, se esse for o caso, agradecerá. De outra forma ninguém mais a levará sério.»

Fernando Sobral
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31.1.18

Uma vitória do populismo


«Há uns anos, até o mais despudorado dos jornalistas teria vergonha em publicar uma notícia sobre a suspeita de favorecimento de um ministro que ousou pedir dois bilhetes para um Porto-Benfica. Hoje esse assunto é manchete de jornais, notícia nas rádios, abertura das televisões e um maná para as redes sociais exultarem com mais uma “prova” da indecência dos políticos. E é assim não apenas por causa da degradação do jornalismo ou pela persistente mania da gente da Justiça em tornar público o que deve ser segredo: é-o também por directa responsabilidade de quem nos representa. Quando um partido como o PS se dedica a criar “códigos de ética” nos quais governantes e deputados são vistos crianças que precisam de ser adestradas para resistirem a ofertas de bilhetes para espectáculos, está a alimentar as suspeitas que pretende combater; quando a classe política deixa subentender que nas suas consciências há lacunas de princípios que impedem a separação entre o que se pode ou não pode fazer, estão escancaradas as portas para o gérmen do populismo que transforma um bilhete para a bola num caso de corrupção. (…)

Que se legalize o exercício do lobbying, que se criminalizem as omissões ou “os esquecimentos” em torno das declarações obrigatórias dos bens patrimoniais dos políticos no Tribunal Constitucional, tudo bem. Mas evite-se a tentação de dar à turba o que a turba mais deseja: cimento para a sua cultura de ódio a quem nos representa. Seguindo esse caminho, o da cedência, o da cobardia e o do medo de enfrentar o fel que se derrama das redes sociais, acabaremos por ter de viver todos os dias com epifenómenos como o que afecta Mário Centeno. E então a democracia não agonizará pelo mal mas pela sua suposta cura.» 

(Daqui)
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Éticas, confiança e honra



Vou contar uma história. Um grande amigo anglo-indiano, com quem lidei muito durante três anos numa tarefa internacional, explicou-me que, na empresa onde trabalhava em Inglaterra (a mesma que era a minha em Portugal), era impensável que alguém fosse obrigado a anexar facturas às notas de despesas feitas em serviço (por exemplo em viagem), já que isso seria considerado uma falta de confiança no empregado, absolutamente inaceitável.

Mas existiam regularmente auditorias internas aleatórias e, aí sim, era pedido que fulano ou beltrano justificasse o que parecesse estranho. E se fosse «apanhado», o resultado não era pêra doce: tinha efeitos em promoções, aumentos ou não de salários, alteração eventual de responsabilidades nas funções atribuídas. E era «vergonha» garantida no meio.

Passaram mais de 20 anos, não sei se isto se mantém, mas nunca mais me esqueci da história. Assim é que devia ser: sem códigos de conduta para minudências, sem denúncias anónimas, sem a Justiça de um país a perder tempo com insignificâncias.
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31.01.1891 - A Revolta no Porto



Foram necessários quase 20 anos para a implantação da República, depois da revolta de 31 de Janeiro de 1891, no Porto.



«A Revolta de 31 de Janeiro de 1891 foi o primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal.

A revolta teve lugar na cidade do Porto, registando-se um levantamento militar contra as cedências do Governo (e da Coroa) ao Ultimatum inglês por causa do Mapa Cor-de-Rosa, que pretendia ligar, por terra, Angola a Moçambique. As figuras cimeiras da "Revolta do Porto" foram o capitão Leitão, o alferes Malheiro, o tenente Coelho, o dr. Alves da Veiga, o actor Verdial e Santos Cardoso, além de vultos eminentes da cultura como João Chagas, Aurélio da Paz dos Reis, Sampaio Bruno, Basílio Teles, entre outros.

Os revoltosos descem a Rua do Almada, até à Praça de D. Pedro, (hoje Praça da Liberdade), onde, em frente ao antigo edifício da Câmara Municipal do Porto, ouviram Alves da Veiga proclamar o governo provisório da República e hastear uma bandeira vermelho e verde. Com fanfarra, foguetes e vivas à República, a multidão decide subir a Rua de Santo António, em direcção à Praça da Batalha, com o objectivo de tomar a estação de Correios e Telégrafos.

No entanto, o festivo cortejo foi bruscamente interrompido por uma forte carga de artilharia e fuzilaria da Guarda Municipal, posicionada na escadaria da igreja de Santo Ildefonso, no topo da rua, vitimando indistintamente militares revoltosos e simpatizantes civis. Terão sido mortos 12 revoltosos e 40 feridos.

A reacção oficial seria implacável, tendo os revoltosos sido julgados por Conselhos de Guerra, a bordo de navios de guerra, ao largo de Leixões. Para além de civis, foram julgados 505 militares. Seriam condenados a penas entre 18 meses e 15 anos de prisão mais de duzentas pessoas.

Em memória desta revolta, logo que a República foi implantada em Portugal, a então designada Rua de Santo António foi rebaptizada para Rua de 31 de Janeiro.»

(Daqui)

A comunicação social é que está a produzir a política



«Já há muito tempo que falo sobre o contínuo política-media, uma realidade já com vários anos, em que não se pode analisar a acção política sem incluir a sua componente mediática e comunicacional. Mas agora, na empobrecida política nacional, com actores muito medíocres, que vivem nas chamadas "redes sociais", começa a haver apenas uma agenda mediática na política, com total dependência das regras mediáticas e do contínuo passa-se à dependência.

Já repararam que cada vez menos a política produz política? Ou seja, são cada vez menos actos e actores políticos que geram controvérsia ou debate ou novidade ou atenção, a não ser pela mediação da comunicação social. É o que a comunicação decide colocar na agenda, seja importante ou trivial, que move politicamente partidos, políticos, o parlamento, o Governo e o Presidente da República e que dá amplitude às questões. Isso significa que o aspecto anedótico dos "casos" se sobrepõe a questões estruturais, e o efeito perverso é que, ao ser assim, ficam dependentes do ciclo de atenção dos media, que é como sabemos muito curto. Ou, se não é muito curto é artificialmente empolado, quando o assunto pode ganhar em ser tratado de forma populista ou tablóide, como foi o caso da Raríssimas ou das "adopções" da IURD. À falta de produtos próprios, ou seja de políticas próprias, os políticos acabam por ser porta-vozes do tabloidismo nacional e, mesmo que haja no meio deste lodo matérias genuinamente relevantes, o modo como são tratadas retira-lhe significado político, acentuando apenas o aspecto casuístico.» 

José Pacheco Pereira
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30.1.18

Jornais noutras eras



Expresso diário de 30.01.2018.
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Dica (705)

Gandhi foi assassinado há 70 anos



Mahatma Gandhi foi assassinado em 30 de Janeiro de 1948, com 78 anos, depois de ter sido o artífice lendário e decisivo dos direitos cívicos, que levaram á independência da Índia. Mas nem tudo foi fácil depois e vale a pena ouvir uma curta descrição em «Os Dias da História» de hoje.

Raj Ghat, memorial e local onde se encontram as cinzas de Ganghi, em Nova Deli, por onde já passei duas vezes. Continua a ser a grande, a enorme referência do país:



A morte e a multidão de dois milhões de pessoas, que terão acompanhado o funeral:




Londres, em 20.10.1932, um discurso que ficou célebre:


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As vistas curtas do Partido Socialista


«Mais um janeiro que termina, mais um brilharete de Mário Centeno, transformado em mantra pelo Partido Socialista. Já ninguém se lembra do objetivo aprovado no Parlamento para o défice em 2017, mas o importante é que este tenha ficado abaixo do então previsto. Mais de dois mil milhões de euros (em contabilidade pública). Foi quanto custou ao país a inscrição na liga da elite europeia das Finanças de 2017. Dirá o Governo, não sem razão, que este resultado se deve ao crescimento económico. Mas não explica porque preferiu usar esse crescimento para reduzir o défice além do prometido às instituições europeias, em vez de o investir em saúde, educação ou infraestruturas. Os valores do investimento público deste Executivo são humilhantes e mostram o paradigma de um Governo bloqueado pelo sucesso do seu próprio ministro das Finanças. (…)
Se de facto quisesse romper com este modelo, o Partido Socialista precisaria de ver muito além dos brilharetes orçamentais. As vistas curtas de Mário Centeno não chegam para a mudança necessária.»

(Daqui)
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Rui Rio e Jacqueline Onassis



«O já desaparecido dirigente chinês Chou Enlai foi uma vez convidado a especular sobre como o curso da História teria sido diferente se, por exemplo, quem tivesse sido assassinado fosse Nikita Khrushchev em vez de John F. Kennedy.

O austero marxista Chou não acreditava que meros acontecimentos pessoais alterassem a História. Porque isso fazia parte de movimentos sociais. Mas era capaz de pensar que algumas coisas poderiam ser diferentes. Como? Chou Enlai disse então: "Bem, penso que dificilmente Aristóteles Onassis teria casado com a senhora Khrushchev." Neste caso dificilmente um liberal duro não concordaria com um marxista como Chou. Há coisas simples que ultrapassam as barreiras ideológicas. Muitos anos depois, sem ter de se defrontar com um dilema transcendente ao que se poderia ter colocado a Aristóteles Onassis, Rui Rio decidiu mostrar que já é líder do PSD (ou pelo menos de uma concelhia desse partido). Questionou por isso o Governo com voz dura: "Porque é que a Google em Portugal tem de ir parar a Lisboa?"

A pergunta é pertinente: porque é que a Google não vai para a Guarda, para Bragança ou para Beja? Há muito que há uma excessiva centralização de serviços públicos em Lisboa, coisa com que PS ou PSD nunca se preocuparam muito. Qualquer um deles tem na sua sala de troféus a deslocalização de qualquer serviço público existente nas vilas e freguesias do interior, porque eram caras e não rentáveis. Poderia ser que Rui Rio quisesse mudar essa postura. Mas tudo não passou de um populismo bairrista. A resposta é simples: a Google decidiu, por razões operacionais, e o Governo não risca aí como nos países onde se fazem planos quinquenais. Este é mais um daqueles momentos tacanhos em que se finge que se é pela descentralização e se acaba no ridículo. Foi uma péssima forma de Rui Rio se estrear a debitar alternativas ao Executivo de António Costa. Imagine-se que teria de optar, na versão de Chou Enlai, como Onassis, entre a senhora Kennedy e a senhora Khrushchev.»

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29.1.18

O adeus a Edmundo Pedro


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«O Tempo e o Modo» – 55 anos



Ler AQUI.
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#bebeusopasdecavalocansadoempequenino


Um cidadão informado não bebe leite.

E dizem que é deputado!
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Uma zona euro de credores e devedores?



«É interessante, e útil, olhar para algumas séries históricas de variáveis macroeconómicas que ilustram o que ocorre na zona euro. É certo que as estatísticas podem ter várias leituras e, tal como na figura abaixo, o efeito depende do ano base escolhido. No entanto, essas variáveis podem contar uma história.

Uma das maiores divergências entre países como a Alemanha e Portugal reflecte-se na posição de investimento internacional líquida, estatística macroeconómica que é uma medida lata das obrigações financeiras (ou seja, da dívida líquida) do país face ao exterior.

A figura revela que, entre 1996 e 2016, países como a Alemanha e a Holanda tornaram-se países credores do resto do mundo, em particular do resto da zona euro, e os países da periferia tornaram-se progressivamente mais devedores.

E é surpreendente por mais uma razão. Devido a um efeito do tipo histerese, que resulta dos juros e dividendos que remuneram os activos detidos por não residentes serem superiores aos auferidos por residentes sobre os activos que possuem no exterior (balança de rendimentos negativa), não obstante a melhoria do saldo da balança corrente e de capital dos países periféricos observada desde 2008, a posição de investimento internacional líquida de Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda continua muito negativa, tendo-se deteriorado no caso destes últimos dois países.

A política de austeridade, acompanhada por uma política monetária acomodatícia sem precedentes, permitiu diminuir ligeiramente os passivos externos líquidos de Portugal e Espanha. Na Grécia, a posição de investimento internacional continua a degradar-se. A Irlanda é um caso à parte porque a sua zona franca torna as suas estatísticas dificilmente interpretáveis. Mas provavelmente, dos países periféricos, é o país com maiores desequilíbrios externos.

No presente, as taxas de juro da dívida soberana dos países periféricos e a diferença de taxas de juro da dívida pública de países periféricos e de países como a Alemanha (spreads) continuam a cair, com reflexos positivos nas contas externas desses países, o que tende a contribuir para a redução dos respectivos passivos externos.

A normalização da política monetária alteraria essa situação, pois resultaria previsivelmente num aumento tanto dos spreads como das próprias taxas de juro. No longo prazo, estes dois efeitos afectariam negativamente a despesa líquida do país com juros e dividendos pagos a não residentes e, por conseguinte, a trajectória da dívida externa e da posição de investimento internacional do país.

No curto e médio prazo, como uma parte significativa da dívida externa portuguesa, em particular, a componente de dívida pública, foi contraída a taxas de juro substancialmente mais elevadas do que as que se observam no presente, a despesa líquida do país com juros e dividendos a não residentes ainda continuaria a descer.

Mas os desequilíbrios são demasiado elevados, mesmo com o programa de expansão quantitativa. Não é, por isso, expectável que os países devedores consigam algum dia reduzir os respectivos passivos externos para níveis sustentáveis. A reestruturação de dívida continua na ordem do dia.

O risco para a zona euro é este: tornar-se, de forma permanente, num clube de credores e de devedores, onde os credores “mandam” nos devedores.»

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28.1.18

Sérgio Godinho – do novo disco




«Há-de haver outra perspectiva / Para usarmos a alegria em vida»
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Rui Rio pergunta


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Rajoy com açúcar



E a frase é mesmo dele.
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Dica (704)



A nova etapa da governação (Manuel Carvalho Da Silva) 

«No atual contexto de crescimento económico, onde já há muita gente a fazer muito dinheiro, por exemplo, no negócio imobiliário e em áreas de exportação, se o Governo não intervier no reequilíbrio de poder entre trabalho e capital, o resultado será só um: um aumento crescente das desigualdades. Há quem à Direita clame contra qualquer alteração na legislação do trabalho, acusando a Esquerda de querer essa revisão por razões ideológicas. Será que as pessoas quererem viver melhor, em particular quando há condições para isso, é um preconceito ideológico?»
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Em que mundo queremos viver?



«Ursula K. Le Guin, a grande escritora de ficção científica (que morreu há poucos dias), era fascinada pelas cinzas do capitalismo industrial. E propunha, de alguma maneira, o regresso às leis da natureza.

Como referia Margaret Atwood, o que a movia era uma simples questão: em que mundo queremos viver?

Tema que, de certa maneira, nos atira para o que se discute nestes dias em Davos: o futuro da globalização face às nuvens do proteccionismo, o lugar do nacionalismo no meio da gritaria do populismo, o destino do trabalho neste contexto virtual e robotizado. Le Guin, num dos seus livros mais marcantes ("The Left Hand of Darkness") apresentava-nos um planeta, Gethen, que estava dividido em duas sociedades. Numa delas, o rei está louco, e os cabalistas e os poderes pessoais abundam.

Num dia estás no círculo do poder, no outro estás fora. Na outra sociedade a burocracia opressiva governa tudo e todos e um comité secreto sabe o que é melhor para os cidadãos. Se alguém for um perigo, será exilado ou isolado. Sem hipóteses de contrapor factos.

Walter Benjamin disse uma vez que o que levava os homens e mulheres à revolta não eram os sonhos dos netos, mas sim as memórias de antepassados oprimidos. Talvez fosse isso, que tem a ver com a morte do "capitalismo insustrial" na Manchester da década de 1970, que marcou a música de Mark E. Smith, o líder do grupo The Fall, que desapareceu também por estes dias.

Mais do que a sua alucinação pós-punk e pós-industrial, sempre fiquei muito mais marcado por outro grupo de Manchester, os Joy Division, que mostrou que a música podia ser muito mais do que puro entretenimento: permite-nos ler as zonas mais negras e subterrâneas das emoções humanas. De alguma maneira o som dos The Fall, construído numa cidade industrial em ruínas onde os mais novos não sabiam o que fazer, era uma espécie de ficção científica.

E não deixa de ser curioso como a obra de Ursula K. Le Guin e de Mark Smith nos fazem olhar de outra forma para o que se discute em Davos. Mesmo se os que ali estão presentes estão reféns do que pode dizer Donald Trump para mostrar que o proteccionismo pode ser bom para a globalização (a ideologia que move Davos).

Estamos claramente no limiar de um novo mundo e de uma nova forma de perceber melhor a relação dos cidadãos, da democracia e do valor do trabalho com a Inteligência Artificial, as elites que se criaram e a acumulação de "data".

É um mundo que abre novos desafios e que abre o caminho à revolta nacionalista (e populista), porque os deserdados de hoje olham para o que tinham apenas há alguns anos e descobrem que não têm rede de segurança para si e para os seus. E compreendem a implantação de uma sociedade "low cost", onde há apenas limiares mínimos de sobrevivência garantida. Que mundo vamos ter. E, melhor, em que mundo queremos viver?»

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