17.2.18

Dica (719)



En la biblioteca del azar (Antonio Muñoz Molina)
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Como se faz um canalha



«Há imagens que não se esquecem e que definem as pessoas. Uma delas é a de Rui Rio num barco, no Rio Douro, a abrir uma garrafa de champanhe com os seus convivas enquanto assiste à demolição de uma das torres do Bairro do Aleixo. No bairro – sei-o porque estava lá – o clima era de desespero, com um enorme aparato policial montado, mulheres que gritavam de raiva ao ver a sua casa ser implodida, homens a chorar junto ao gradeado enquanto o pó dos destroços se espalhava, crianças atónitas junto ao lugar onde até há poucos dias brincavam e que parecia, agora, um cenário de guerra. Se acaso a demolição daquelas torres tivesse sido negociada com a população, talvez um Presidente da Câmara estivesse junto aos moradores naquele momento, de consciência tranquila por ter cumprido o seu dever e garantido uma alternativa para a vida daquela gente. Se não fosse esse o caso, uma pessoa normal que tivesse tomado convictamente aquela decisão teria ao menos o pudor de se remeter ao silêncio perante o sofrimento dos outros. Rui Rio não fez uma coisa nem outra. Foi para a frente do bairro, no aconchego de um barco no meio do rio, juntou os amigos e celebrou, frente aos cidadãos desesperados da sua cidade, o momento em que as suas casas a vinham a baixo. Perante o sofrimento dos outros, Rui Rio sorriu e brindou.»

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O desafio de Pedro Nuno Santos ao PS



«O artigo de Pedro Nuno Santos, “Os desafios da social-democracia”, dirige-se a um interlocutor errado. O congresso do PSD é o último sítio onde esse desafio terá resposta. Pelo contrário, o desafio começa em casa. Quais os conteúdos de uma verdadeira opção social-democrata que o PS possa propor a si próprio? Sem esta definição, será difícil ao PS, como defende PNS no final, “garantir que a mudança política conseguida em 2015 seja uma efetiva viragem e não apenas um parêntesis na história do PS e da democracia portuguesa”.

1. A atual experiência governativa é historicamente singular porque foi a primeira vez que o PS esteve disponível — ou foi forçado pela aritmética eleitoral — a procurar um acordo com a esquerda. Ao contrário do que afirma PNS, o Partido Socialista não “deixou de estar obrigado” a governar com a direita, simplesmente porque essa sempre foi uma escolha. De resto, o fundo dessa convergência — os pilares estruturais da alternância, do Tratado Orçamental, as leis laborais e a submissão à NATO — mantém-se intacto.

É certo que os acordos assinados com a esquerda permitiram suster a ofensiva liberal e remover do programa do Governo propostas eleitorais do PS que a continuavam. Assim, foram definidos alguns avanços e criadas condições para outros. A solução política desta legislatura é essencialmente defensiva, com limitados ganhos para a classe trabalhadora e que não resolveram os problemas estruturais do país. Não é menos importante por isso, mas é o que é: um acordo político imediato, longe de um projeto estratégico para redefinir Portugal.

A evolução neoliberal da família política socialista é um fenómeno global. Os tempos dos Partidos Socialistas do ‘Estado de bem-estar social’, no contexto de crescimento económico dos anos 1950 e 60, terminaram com a estagnação dos anos 70. Não há volta atrás. Os seus novos programas políticos integraram acriticamente os pilares da ofensiva neoliberal, ou, como PNS bem identifica, a doutrina das “reformas estruturais": a globalização económica, a flexibilização laboral, a liberalização financeira. A União Europeia, liderada pela aliança entre a nova ‘social-democracia’ e os conservadores, não é mais do que a institucionalização destes princípios: as leis da concorrência que proíbem qualquer intervenção pública nas economias e pressionam as privatizações; as regras orçamentais cegas; a suposta ‘independência’ do Banco Central Europeu, que serve para promover os mercados financeiros. Foi aí que o programa social-democrata soçobrou e desistiu de si próprio, arrastando todo o espectro político para a direita.



16.2.18

Dica (718)

Manuel Clemente, um paradigma: abandonar o tempo, perder o mundo


«Francisco, recuperando a dinâmica interna das comunidades do cristianismo antigo, lança às comunidades a capacidade de decidir. Libertos do espartilho de directrizes claras, perante o incómodo do decidir, escolher e reflectir, a instituição, valorizando a tradição, encontra resposta fácil e segura no conservadorismo. E é este o problema da liberdade numa instituição altamente hierarquizada e sacramentada, habituada a receber ordens muito claras e pouco ou nada questionáveis.

De facto, fomos informados que Manuel Clemente apenas replicara uma indicação de João Paulo II, que reactualizara a castidade dos séculos I e II. E o mais interessante encontra-se exactamente nisso: a resposta ao desafio de Francisco é encontrada num Papa anterior, não numa resposta nova, inovadora. Incapaz de dar respostas ao desafio da liberdade fomentada por Francisco, Manuel Clemente é a imagem de uma Igreja, de um paradigma, que se refugia na tradição, no que a hierarquia já ditou, mesmo que agora não dite. (…)

Ironicamente, ao dar liberdade aos bispos, indo ao encontro do cristianismo primitivo, Francisco faz sair da sombra o conservadorismo latente pela incapacidade da actualização e pela valorização da tradição. (…)

Poderemos mesmo afirmar que a liberdade potenciada por Francisco permite o lugar à normalidade do conservadorismo. É uma ironia que seja através da reacção a um desafio de Francisco que se torne visível e se perceba a dimensão estatística significativa do percurso de conservadorismo na moral familiar e sexual lançada por João Paulo II.»

(Daqui)
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RTP: uma entrevista abaixo de cão




As perguntas feitas a Salvador Sobral por José Adelino Faria, no telejornal de ontem da RTP 1, foram abaixo de tudo o que se possa imag.inar! Valeram as respostas de alguém inteligente e com uma paciência de santo Ou ter-se-ia levantado e saído pela porta fora.

Corpo são em mente assim-assim



«Hoje vamos falar de Educação Física. Calma. Na verdade, vamos falar do regresso da Educação Física como disciplina que conta para a média de acesso ao ensino superior. O projecto de resolução do Bloco de Esquerda, que na passada quarta-feira foi discutido na Comissão de Educação e Ciência, propõe que a disciplina de Educação Física volte a contar para a média de conclusão do ensino secundário e para o acesso ao ensino superior... Quem diria? Logo eles, que têm ar de quem gosta de se estender à sombra e curtir.

A esta hora, alguns estarão a pensar: "Isto não se faz." Como se a vida de um adolescente anafado não fosse já suficientemente complicada.

Fico um bocado dividido com este tema, mas de certa maneira acho bonito que Educação Física passe a contar para a média, só para tramar os marrões. E os estudantes do secundário também estão divididos entre aqueles que fazem "flic-flacs" como quem bebe um copo de água e os que têm de beber um litro de água para correr cem metros. Vai ser um mundo cruel para marrões, porque os que já ficavam com as miúdas mais giras, agora, também ficam com boas médias.

Pelo que percebo, agora há Ginástica, mas não conta para a média. Foi uma decisão que ainda ficou dos tempos do Crato, que - pode ser só coincidência - era gorducho e marrão a Matemática. Crato, no liceu, sabia de cor a transformada de Fourier, mas não conseguia dar uma cambalhota completa sem a ajuda de três professores e um patrão de costa para desatar nós.

A minha opinião? Para quem ainda liga a isso, eu acho que não faz sentido uma disciplina como Educação Física não contar para a média. Para isso, mais valia não haver. Como não conta para nada, os que não gostam de Educação Física vão para lá descansar e pôr a conversa em dia. A partir do momento em que não conta para nada, o professor de Ginástica fica a fazer figura de parvo, ainda por cima vestido de fato de treino. Mais valia existir um rapper a dar aulas.

Imaginem que a Matemática não contava para a média. Quantos alunos é que iriam determinar a equação reduzida da mediatriz de um segmento só porque curtem bué fazer equações reduzidas?! Os alunos só estudam Matemática porque é obrigatório para a média. Se não contasse, nunca mais fariam uma conta, a não ser a quantos dias faltavam para receber a mesada. Na verdade, Educação Física vai-lhes fazer mais falta do que Matemática. Porque, no futuro, se arranjarem emprego, vai-lhes fazer mais falta terem fôlego para ainda conseguirem ir a correr apanhar o autocarro a tempo de chegar a horas ao trabalho do que saber calcular o volume da pirâmide de chocolate que comeram ao pequeno-almoço.

O grande problema dos adolescentes com a Educação Física é terem de mudar de roupa. Os nossos jovens estão numa fase em que não se justifica terem de se despir se não for para fazer "nudes".

Ficamos por aqui. Nunca esquecei: "Mente sã em corpo são" - diziam os antigos que já estão todos mortos e cheios de bicho.»

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15.2.18

Dica (717)




«La gente está imbuida hasta tal extremo en el sistema establecido, que es incapaz de concebir alternativas a los criterios impuestos por el poder.»
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Quem fala assim não é gago nem gaga



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:




Na íntegra AQUI.
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Astana



Ouviremos hoje, falar de Astana – por causa da bola, claro. Mas se querem ter uma ideia desta cidade única no seu estilo, com a marca de Norman Foster e não só, sem ser através do Jorge Jesus, ficam aqui umas notas, escritas quando por lá andei.
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Que bem rosna Passos



«Passos Coelho tinha de vir a público, antes de se ir embora de presidente do PSD, continuar o seu combate a favor da desregulação das relações laborais, para dar mais poder aos patrões, deixando os assalariados em situação mais frágil, obrigando-os a aceitar condições cada vez mais desvantajosas.

E veio no seu estilo inconfundível de político direitinho, certinho, com o pin de Portugal na lapela do casaco. Tão direitinho e certinho que ao referir-se ao PCP e ao BE invocando a “linguagem” animal empregou o verbo rosnar, em vez do verbo ladrar, referindo-se ao velho provérbio “cão que ladra não morde”.

De facto, um homem que se a vê a si tão cheio de virtudes seria incapaz de utilizar o verbo que designa a comunicação dos cães optando por uma versão menos desagradável, na sua convicção de homem direitinho e certinho, sem um cabelo desalinhadinho.

Na verdade, ao longo destes dois anos e meio, Passos não tem parado de rosnar. O Governo não caiu, ao contrário do que ele profetizou em consonância com o piar de Cavaco Silva. Não mordeu nada.

Mas o mais inesperado foi o diabo não entender o rosnar de Passos, o que o levou a ficar quietinho no inferno não atendendo ao chamamento do constante rosnar do doutor Passos. Voltou a não morder por falta de comparência do diabo.

Ainda há tempos, Passos rosnou a bem rosnar apostando tudo em Teresa Leal para candidata à Câmara de Lisboa. E nem sequer mordeu em Cristas, quanto mais em Medina.

O resultado de tal rosnar foi tão mauzinho que teve de se ir embora. Sem rosnar (um homem certinho e direitinho não vai andar por aí), viu o seu candidato ser derrotado por Rui Rio. Passos está em maré de ter de ir ao dentista para descobrir as razões de tanto rosnar e de tão pouco morder.

Levaram-no, no dia 12 deste mês, a uma assembleia de jovens e continuou a sua luta a favor do empobrecimento, mas desta vez com algumas variantes face à dureza da realidade contra a qual não adianta piar, como dizia o senhor professor Cavaco.

Passos prometera empobrecer o país fazendo dele um dos mais competitivos do mundo. Colado a Schäuble e a Merkel, jamais lhe passou pela cabeça que o país podia crescer apagando os seus quatros anos de austeridade. Jamais lhe passou pela cabeça que Centeno fosse escolhido para presidente do Eurogrupo. E que Portugal crescesse, como cresceu. E que o desemprego caísse, como está a cair. E que as exportações tivessem atingido níveis bastante aceitáveis. E que se respire. Sim, respira-se em Portugal. No tempo da austeridade sufocava-se. Respirando-se, pode-se encarar o futuro, incluindo com todas as dificuldades que se adivinham. Mas respira-se. Não se sufoca.

Bem rosnou Passos, mas em nada mordeu. Deixa a liderança do PSD a Rio, sem poder morder os calcanhares a Costa.»

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14.2.18

Je t'aime!



Dia dos Namorados...
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Dica (716)

Deles será o reino dos céus




É Imprensa Falsa, claro, mas pode ser que Manuel Clemente acredite e fique feliz.
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A minha alma está parva…




«Em França não existe idade legal para um menor concordar com uma relação sexual - embora o tribunal superior do país tenha decidido que as crianças com menos de cinco anos não o podem consentir.»
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Revolução Industrial 4.0 e alterações climáticas: que grande salto?



«laus Schwab, fundador do Fórum Económico Mundial, disse recentemente em Davos que a Revolução Industrial 4.0 "vai ser um tsunami". Não duvidamos. Os representantes das grandes multinacionais tecnológicas como Bill Gates, Mark Zuckerberg, Elon Musk ou Jack Ma também nos dizem que a Revolução Industrial 4.0 vai mudar tudo na maneira como trabalhamos, como nos relacionamos e mesmo como pensamos. Instituições internacionais como a OIT, a OCDE ou a União Europeia apresentam estudos e organizam conferências sobre o impacto que estas mudanças terão no contrato social, no emprego, na educação. Curiosamente, este debate não tem em conta o maior desafio que a humanidade enfrenta: as alterações climáticas e a mudança dos padrões energéticos. Assim, o tsunami de uma Revolução Industrial 4.0 embate de frente com outro tsunami. No meio, a Humanidade no pior dos cenários.

A Revolução Industrial 4.0 tem duas forças motrizes: a tecnologia e a globalização. A tecnologia tem ditado a automatização e a miniaturização de vários processos, reduzindo a necessidade de trabalho humano em alguns sectores. A capacidade de armazenar e tratar dados cada vez maiores permite novos cenários, mas a inteligência artificial (IA) será mais disruptiva do que tudo o que vimos antes: quem não antevê que uma IA munida de BigData seja capaz de prever a probabilidade de cancro de formas que os médicos nunca poderão fazer? Ou que uma IA não possa defender um cliente em tribunal? Ou escrever notícias para um jornal? A globalização, nascida da desregulação do comércio internacional e da maior integração dos factores de produção, tem significado deslocalização de indústrias, competição pelo emprego e pelo salário entre trabalhadores que podem estar perfeitamente em continentes diferentes. A perspectiva em termos do futuro do trabalho é-nos apresentada com laivos de distopia: a indústria 4.0 acabará com quase todos os empregos através da digitalização e automatização de todos os aspectos da produção e distribuição: os robôs! Os robôs! O mundo que vemos em séries como Black Mirror é o horizonte que nos apresentam como mais plausível.

Mas no discurso público e mediático não se fala de outras duas ondas que concorrem em sentido contrário: a energia e as alterações climáticas. Todas as revoluções industriais até hoje implicaram revoluções energéticas. Os avanços nos últimos dois séculos basearam-se em combustíveis fósseis e, apesar de alguma dissociação energética a que temos assistido nos últimos anos (a capacidade de fazer mais com menos), os dados tendem a indicar que o consumo de energia em termos mundiais irá aumentar, ainda mais se fizermos caso das promessas da Revolução Industrial 4.0 (é preciso sempre descontar o viés pelo statu quo de quem faz as previsões, nomeadamente a Agência Internacional de Energia, com a sua crónica supervalorização dos combustíveis fósseis e a crónica subavaliação das energias renováveis).

Não se antevê, excepto nos sonhos de positivistas, uma nova fonte mágica de energia e globalmente prevê-se um aumento do consumo energético. Mesmo um aumento sem precedentes da eficiência energética é insuficiente, já que todos os seus ganhos são absorvidos pela contínua expansão do consumo. Isso parece querer dizer que nos iremos manter dependentes dos combustíveis fósseis. Sem uma alternativa urgente a essa dependência de fósseis, a situação climática torna-se catastrófica. Todos os anos deste século estão na lista dos 20 anos mais quente desde que há registos e o agudizar dos fenómenos climáticos extremos até em Davos é identificado como a maior ameaça que alguma existiu sobre a civilização humana.



13.2.18

Dia da Rádio



Não havia aparelhos de televisão nas casas «normais», nem sequer tinha nascido o transístor e sonhar com o iPod seria bem mais inimaginável do que ver a Sophia robô a pôr likes em posts do Facebook. Mas depois do relógio de pulso, um rádio privativo era prenda dourada na adolescência. E foi assim que este aparelho entrou no meu quarto e ficou durante anos numa daquelas mesas de cabeceira com tampo de mármore e uma portinha para o penico.

Fugia dos adultos logo que possível e ouvia-o horas a fio. De noticiários não me lembro, mas sei que havia muita música portuguesa, «Os Companheiros da Alegria» e nem sei mais exactamente o quê. Futebol não me interessava, mas o «paraíso» chegava com os relatos dos campeonatos de hóquei em patins, certamente porque Portugal ganhava muitas vezes (contra a Espanha, de preferência…). Emídio Pinto, Raio, Edgar, Jesus Correia e Correia dos Santos eram os meus Ronaldos.
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Vandana Shiva



Vale muito a pena reservar cerca de meia hora para ouvir a intervenção de Vandana Shiva num programa da série «O Tempo e o Modo», emitido há alguns anos pela RTP2. 

«Vandana Shiva alia a física quântica ao ativismo social para resistir pacificamente a um sistema que considera ter colonizado a terra, a vida e o espírito. Conta-nos como começou a defender a floresta, as sementes e os modos de vida e produção locais contra o controlo e o registo de patentes feitos pelas multinacionais.

A análise de Shiva vai mais além: remete-nos para as profundas implicações que o sistema capitalista patriarcal tem na construção de um mundo desigual, com consequências dramáticas, como a fome ou as alterações climáticas, que, para Shiva, são sintomas de implosão de uma civilização que falha material e espiritualmente. A nossa civilização, para sobreviver, terá de rever o seu modelo de compreensão e de interação com o mundo, tendo como exemplo o conhecimento holístico das civilizações chinesa e indiana, que, para Shiva, sobreviveram à História essencialmente porque diferem do Ocidente na relação que estabeleceram com a natureza.»


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Wall Street tropeçou nos próprios pés





Mariana Mortágua
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As guerras culturais



«A expressão "guerra cultural" é corrente na vida política e comunicacional americana, mas praticamente inexistente em Portugal. Ela designa conflitos que, sendo políticos, remetem para mundividências culturais no sentido lato e que são confrontacionais. Eles envolvem questões religiosas, de género e de raça, com uma forte componente simbólica, e tem -se acentuado muito na era Trump. Trump aliás usa-os como instrumento político e deliberadamente agudiza-os.

O conflito que opõe os jogadores de futebol americano negros que se ajoelham quando toca o hino para protestar contra as violências racistas provocam a fúria do Presidente e dos sectores que o apoiam, a chamada "base", com destaque para o porta-voz que é a Fox News. Na verdade, se no início do protesto havia jogadores que pura e simplesmente se recusavam a levantar, a maioria usa uma fórmula que não deixa de ser respeitosa com o hino e com a bandeira, ajoelha-se. Mas a violência verbal, as ameaças, os boicotes as inimagináveis pressões para que sejam despedidos são típicas de uma verdadeira "guerra".

Não adianta dizer que a prática de tocar o hino e de os jogadores se levantarem é recente, que é abusivo dizer que quando os jogadores protestam em nada significa que o estejam a fazer contra as forças armadas, os veteranos, os patriotas, como diz Trump. Claro que nós percebemos que o que enfurece Trump é saber que o protesto é contra ele, e que vem de um mundo "americano" que mergulha nos sectores que o apoiaram, e por isso é-lhe demasiado sensível. Mas a "guerra cultural" encontra-se na ideia do patriotismo sagrado que é representado na bandeira e no hino e ele manipula esse sentimento e exacerba-o para esquecer a questão da cor e da injustiça motivada pela cor.

Um país sem guerras culturais

Por cá não temos nada de parecido, passadas as guerras do aborto, do casamento de pessoas do mesmo sexo, e, em embrião, da já esquecida questão dos colégios que se tentou colocar nesse plano, tanto mais que a Igreja teve um papel significativo na mobilização das manifestações. Recentemente houve também uma questão desta natureza mas não parece ter mobilizado muita gente. Tinha a ver com a discussão da idade a partir da qual uma pessoa podia mudar de sexo e qual o papel dos sistemas de saúde pública nestes casos. Mas, na verdade, Portugal, como aliás grande parte da Europa, como se vê mesmo na católica Irlanda, não parece muito virado para "guerras culturais". Talvez porque nas sociedades europeias haja uma relativa homogeneização dos costumes e, com o avanço da descrença, a religião não tenha já hoje uma grande capacidade de dividir.

No entanto, eu sou prudente quanto ao que possa acontecer no futuro, porque com o populismo vem também "guerras culturais".»

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12.2.18

Há feriado, pois


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Dica (715)



Labor 2030: The Collision of Demographics, Automation and Inequality (Karen Harris, Austin Kimson, Andrew Schwedel) 

«Demographics, automation and inequality have the potential to dramatically reshape our world in the 2020s and beyond. Our analysis shows that the collision of these forces could trigger economic disruption far greater than we have experienced over the past 60 years.»
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12.02.1929 – Dia de recordar Nuno Bragança



O Nuno morreu com 56 anos, faria hoje 89 e apeteceu-me voltar a ouvir um notável documentário que a RTP tem online, com curtos extractos de uma entrevista e, sobretudo, com depoimentos de um conjunto de pessoas, que o conheceu bem: Pedro Tamen, Maria Velho da Costa (depoimento interessantíssimo do ponto de vista literário), António Alçada Baptista, Nuno Teotónio Pereira, Carlos Antunes, Maria Belo e Fernando Lopes – mais de metade já desaparecidos.

Mas retomo também as minhas recordações pessoais, ainda bem vivas. De uma colheita anterior à minha, foi sempre reconhecido por todos como absolutamente excepcional, mesmo antes, bem antes, de A Noite e o Riso por aí aparecer com estrondo.

Errando pelos mesmos meios oposicionistas, os destinos juntaram-nos também em casa de amigos comuns, onde passámos longas semanas de férias – nos tais anos sessenta que por cá também foram loucos embora só para minorias, em plena Serra da Arrábida, sem electricidade e quando um gira-discos a pilhas, vindo da América, fez figura do mais sofisticado robô. Um pouco mais tarde, viria a acampar, no sentido estrito da palavra, no minúsculo apartamento em que o Nuno viveu vários anos em Paris. E confirmo o que a lenda conta: saía de casa por volta das cinco da manhã, para escrever durante algumas horas antes de iniciar mais um dia de trabalho.

Para a História ficou sobretudo o escritor e o excelente documentário U Omãi Qe Dava Pulus, de João Pinto Nogueira. Eu registo também o católico resistente, boémio e espartano, fundador de O Tempo e o Modo, membro do MAR (Movimento de Acção Revolucionária), colaborador das Brigadas Revolucionárias, o conspirador por feitio e por excelência – neste caso, não tanto A Noite e o Riso, antes Directa e Square Tolstoi.

Reencontrei há algum tempo uma velha fotografia, de um jantar colectivo, onde fiquei sentada em frente do Nuno. Bem mais de metade dos que lá estavam já se foram embora e não me apetece mostrá-los. Mas devo-lhes muito do que hoje sou. Muito, mesmo.
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Olá Sophia, bem-vinda Erica num telejornal perto de si?




O mundo pula e avança e nós continuamos a pôr uma pala em frente dos olhos.


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Originalidades tributárias



«“Em Itália, nada é mais definitivo do que o provisório”, li há tempos no Corriere della Sera, a propósito de o belíssimo “Fratelli d’Italia” só agora se ter tornado oficialmente o hino de Itália, ou seja, passados 71 anos (desde 1946!).

Na altura, logo o meu pensamento se focou também na nossa idiossincrasia, em muitos aspectos com contornos não muito diferentes da dos italianos. Neste caso, não no nosso hino, aliás, com uma letra de todo descabida nos tempos que passam. Mas, logo me foquei em impostos e taxas. E, percorri mentalmente, tributos inicialmente paridos como provisórios, que, com o tempo, se eternizaram, isto é, se tornaram consuetudinariamente definitivos…

Daqui parti para originalidades do nosso sistema fiscal. Já nem sequer falo na normalidade da anormalidade de pagarmos impostos cobrados sobre matéria colectável que, por sua vez, já contém impostos e bem pesados, de que os exemplos mais notórios são o IVA sobre o Imposto Automóvel contido na base tributária do custo do veículo e o mesmo IVA sobre o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) que pagamos na gasolina e no gasóleo dos veículos.

Limito-me aqui a falar de um encavalitamento tributário absolutamente original datado da governação socialista de 2008 e continuado até agora, assim ganhando definitividade. Curiosamente ligado ao polémico tema do serviço público de rádio e televisão. Refiro-me à taxa ou contribuição para o audiovisual que se destina a financiar aquele serviço público, e que pagamos na factura da energia. É que sobre essa mesma taxa (que, aliás, se paga mesmo não tendo consumo radiofónico ou televisivo público) incide o omnipresente IVA!

Uma tributação ao arrepio de todas as normas de bom senso e razoabilidade fiscais. Uma originalidade tão absurda, quanto abusiva.

Diz o artigo 1º do Código do IVA que estão sujeitas a imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços, a título oneroso.

Alguém, de boa-fé, acha que a contribuição obrigatória para o audiovisual (que, em 2018, atingirá 186,2 milhões de euros) se enquadra na letra e no espírito daquele Código? Alguém pode achar que esta contribuição é “uma transmissão de um bem ou uma prestação de serviço”?

Dir-se-á que o que está em causa do ponto de vista quantitativo não merece muita atenção, pois apenas se trata de lançar o IVA (à taxa reduzida de 6%) sobre uma taxa (2,85 € mensais) o que implica apenas mais 17,1 cêntimos por mês para cada contrato de electricidade, embora no total ainda vá render ao Estado mais de 11 milhões de euros.

A questão não é de quantidade. É de princípio. Esta medida é o espelho de como o Estado trata os contribuintes. Numa qualquer alínea perdida num mar de remissões das leis orçamentais, à socapa, criou-se e estabilizou-se uma nova e original forma de sacar dinheiro: um imposto sobre uma taxa, depois de já haver amiúde taxas sobre impostos! Original, sem dúvida. Só falta agora existir em versão completa um imposto sobre uma taxa sobre um imposto…

Curiosamente, safou-se desta sobrecarga do IVA uma outra taxa bem mais recente: a Taxa Municipal Turística que não lhe está sujeita nos termos do nº 2 do artigo 2º do Código. Para situações idênticas, tratamento diferente. É outro dos vícios do nosso sistema tributário cheio de remendos, interpretações administrativas, omissões e contradições! Assim se isentam desta anomalia os turistas e a continuam a suportar os residentes.»

António Bagão Félix
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11.2.18

Foi há 28 anos

Dica (714)




«Four companies dominate our daily lives unlike any other in human history: Amazon, Apple, Facebook, and Google. We love our nifty phones and just-a-click-away services, but these behemoths enjoy unfettered economic domination and hoard riches on a scale not seen since the monopolies of the gilded age. The only logical conclusion? We must bust up big tech.»
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Há 11 anos



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Tempo de congressos



«A Primavera é a estação do renascimento. Até para os partidos, que têm sempre mais dificuldade em respirar oxigénio renovado, porque geralmente preferem o ar condicionado onde se reproduzem as ideias bolorentas onde gostam de viver.

Vêm aí, como borboletas primaveris, os congressos do PSD, do CDS e do PS. Uns serão mais apelativos do que outros. Mas nenhum será como o do PSD, no qual será entronizado Rui Rio como o líder que poderá descobrir o caminho marítimo para o poder. É um projecto político de dificuldade extrema. Um alpinismo trepidante em busca do tecto do mundo. Regressar ao poder é hoje, para o PSD, como conquistar o Everest. É a mais alta montanha do mundo e, lá em cima, está António Costa com os seus sherpas económicos. Mas o PSD necessita de tentar. Afastando-se do seu legado austeritário que lançou Passos Coelho no abismo. Tentando criar um discurso de futuro, de esperança e de optimismo. Algo que o PSD tinha renegado, no seu frenesim de tentar perceber se ainda era social-democrata ou liberal versão Singapura. O grande cimento ideológico do PSD foi sempre não ter uma ideologia clara. Tinha um projecto de poder. Isso chegava-lhe. Agora já não é suficiente, entre projectos mais sólidos como os do PS e do CDS.

Escalar o Everest não se adivinha fácil. É um percurso de alto risco, já que todos sabem que não é fácil chegar ao pico nem, depois, voltar a descer para consolidar os feitos. E, lá em cima, todos intuem que não há espaço para todos. Ao contrário de outros tempos, esta escalada tem o perigo de se converter numa excursão. Porque ainda não são visíveis as linhas de um projecto galvanizador para a sociedade portuguesa. Ou Rui Rio tem-no escondido nos bolsos ou ainda anda em busca dele num quadro de "onde está Wally?". Para voltar ao poder o PSD tem de ter uma equipa forte e ideias envolventes. Não basta seguir a espuma dos dias das redes sociais para disparar sobre o Governo. Afinal mais do que o futuro do PSD o que está em jogo é o futuro de todos.»

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