28.4.18

Dica (751)

O meu mundo não é deste reino




Expresso Economia, 28.04.2018.
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Salazar – Se têm saudades, festejem, festejem



… porque ele nasceu num 28 de Abril.
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Competir no e ao centro



«Há quem se dê bem com os quadros de análise esquerda versus direita. Não é o meu caso, que de há muito penso que é uma maneira muito redutora de olhar para a realidade política dos nossos dias. Mas a verdade é que, apesar de sempre o fazer com muita resistência, não pude escapar a essa dicotomia e usei-a nos últimos anos. Uma das razões é que a radicalização da nossa vida política nos anos do ajustamento tornou a fractura direita-esquerda uma realidade impossível de evitar, visto que a viragem drástica à direita materializada no Governo PSD-CDS, acompanhada pelo abandono por parte do PSD do seu património genético social-democrata, criou uma frente de direita de facto. Por seu lado, o acordo PS-BE-PCP gerou uma resposta com uma protofrente de esquerda. A dicotomia não era perfeita, porque o PS conseguiu manter uma identidade de centro-esquerda, facilitada pela viragem do PSD, que deixou parte do terreno político vazio e que o PS ocupou, impedindo a existência de uma frente de esquerda perfeita.

O que se passa nos dias de hoje é que, com a mudança da liderança do PSD, que abandonou parte dos aspectos mais agressivos da viragem à direita nos anos de Passos Coelho, a política recentrou-se para fora dos extremos, o que teve efeitos no PSD e no PS e a reacção entre irritada e utilitária do CDS e do PCP e do BE. As negociações entre PSD e PS, mesmo com escassa substância, tiveram o efeito de ajudar o PS a poder fazer uma política em duas frentes e o PSD de se demarcar da oposição muito agressiva que caracterizara os dois primeiros anos da “geringonça”. Não é, insisto e insisto muito, uma viragem consolidada e segura, mas é uma viragem. Pode agora começar a falar-se do centro, esse fantasma da política portuguesa que ninguém quer na bandeira, mas de que PS e PSD sabem precisar para ganhar eleições.

As próximas eleições que poderiam realizar-se no modelo frente de esquerda (PS+BE+PCP) versus frente de direita (PSD+CDS) podem agora realizar-se numa competição pelo centro político, uma entidade difícil de definir, mas que agrega uma parte muito significativa do eleitorado urbano, politicamente mais qualificado e informado, e que pode, quando no seu terreno aparece uma alternativa, escolher sem clubite identitária. Ou seja, premeia ou pune o partido que lhe pareça merecer essas atitudes, e que historicamente se desloca do PS para o PSD e vice-versa, em particular em função da performance governativa. Soares, Sá Carneiro, Cavaco, Guterres, Sócrates, Passos Coelho (em 2011), todos beneficiaram desse efeito, ou o desbarataram.

O problema para o PSD é que, à data em que escrevo, o PS tem muito mais condições para usufruir dessa ocupação do centro político, até porque mesmo com a “geringonça” pode manter-se no terreno do centro-esquerda e o PSD só agora se deslocou para o centro-direita-centro--esquerda, com o terreno ainda muito minado pelo seu passado recente e pelo corte muito ambíguo com as políticas do “ajustamento”. Na verdade, enquanto, do ponto de vista do eleitorado central, o PS tem feito quase tudo bem, o PSD fez apenas o recentramento com as negociações com o PS, mas errou ou não explorou todos os outros factores que pesam na competição ao centro.

De facto, a competição pelo centro é diferente do confronto frente de esquerda--frente de direita. Para o eleitorado mais informado e qualificado do centro, contam à cabeça três coisas com que o PSD tem tido muita dificuldade em lidar, quer por erros próprios, quer por falta de massa crítica partidária de um PSD muito desertificado de quadros políticos, muito dependente de políticos de carreira no interior do partido e por uma ruptura com vários sectores da sociedade, processo que se tem acentuado desde que Cavaco Silva deixou de ser primeiro-ministro.

O primeiro dos factores é fundamental para travar o populismo e a deriva abstencionista: a imposição de um quadro mínimo de atitudes éticas com medidas exemplares e oportunas de demarcação ante a corrupção, o tráfico de influências e actos de moral duvidosa, mesmo que não necessariamente ilegais. Rio vem com uma imagem de rigor ético e falou da necessidade de um “banho de ética”, o que era uma vantagem face a um PS ainda muito enterrado no “caso Sócrates”. Porém, sucede que nestas matérias a primeira impressão conta muito e raras vezes dá a oportunidade de uma segunda impressão, e os casos de Elina Fraga e Barreiras Duarte mancharam essa primeira impressão.



27.4.18

Dica (750)




«A cada ano, a desvalorização que muitos fazem do 25 de Abril mostra como as cabeças não foram descolonizadas. E enquanto não forem continuará a ser muito difícil travar alguns debates em Portugal. Continua a ser possível, por exemplo, falar-se em Museus dos Descobrimentos e outras pérolas.»
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27.04.1974 – Caxias com novos «hóspedes»: os pides



O Diário de Lisboa de 27 de Abril relata que, na madrugada desse dia, 170 agentes da PIDE foram levados da António Maria Cardoso para a prisão de Caxias, depois de cerca de outros 200 terem fugido por uma passagem subterrânea que ligava a sede daquela polícia a um outro prédio. 24 horas depois da saída dos presos, Caxias teve novos «hóspedes».

Além disso:
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A democracia portuguesa teve um fundador?



Sempre a ter surpresas. E vergonha também.
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44 x 25 do 4



«Na passada quarta-feira, o país comemorou o quadragésimo quarto ano da Revolução de Abril. Foi bonito. Durante um dia, o número quarenta e quatro não foi associado a velhacarias.

Na habitual cerimónia na Assembleia da República, o Presidente da República chamou a atenção para os perigos do populismo, enquanto tirava uma selfie com cravos. Marcelo Rebelo de Sousa, talvez por respeito para com o padrinho (que teve de ir para a Madeira quando nem hotel tinha marcado), na cerimónia do 25 de Abril, voltou a repetir o que tinha feito no ano passado: não usou o cravo vermelho na lapela, mas levou-o na mão. Apesar de tudo, sempre é um avanço em relação a Aníbal Cavaco, que nunca usou um cravo vermelho. Suponho que por opção, ou porque qualquer símbolo da revolução posto ao peito de Aníbal, de imediato, murcha.

Quando eu era pequeno e vi aquele cartaz do miúdo a pôr o cravo no cano da G-3, achava que ele trabalhava para a PIDE e que aquilo tinha sido uma tentativa de entupir as metralhadoras para os fascistas se safarem. Depois o meu pai lá me explicou que era um símbolo da revolução. Achei estranho uma flor ser um símbolo revolucionário e, durante algum tempo, achava que MFA queria dizer Movimento dos Floristas Armados... Desculpem.

Há que reconhecer que o 25 de Abril tinha uma boa banda sonora. Muito melhor do que, por exemplo, a revolução francesa, que era muito à base de marchas e tambores, e a revolução industrial, que era, quase, só barulho. Para mim, a nível de banda sonora, o 25 de Abril está em segundo, logo a seguir ao 26 de Julho de Cuba.

Outro argumento a favor do 25 Abril é o facto de ter sido uma revolução sem sangue. Os capitães de Abril reuniram-se para fazer uma revolução, e penso que foi o Salgueiro Maia que disse - "Tudo bem. Mas desde que não meta sangue, que a mim o sangue faz-me muita impressão. Não posso ver sangue." E o Otelo concordou: - "Tens toda a razão, camarada, eu sei o que é isso. Tenho pavor de agulhas. Ainda ontem fui levar uma vacina e ia desmaiando. Portanto, fica decidido. O 25 de Abril vai ser uma revolução sem sangue, nem agulhas… nem baratas; que me arrepiam todo."

Voltemos ao presente. Este ano, tivemos uma comemoração quase tão calma e pacífica como a própria revolução. Para celebrar a data da liberdade, António Costa convidou quem quisesse a ir visitar os Jardins da Residência Oficial de São Bento, onde estavam alguns dos mais emblemáticos símbolos de Abril. De destacar, a chaimite, onde foi transportado Marcelo Caetano, que esteve exposta em São Bento e a seguir foi alugada pela Remax a um casal de franceses - "Aluga-se chaimite com muito cachet a São Bento, mil e quinhentos euros/mês - foi um instante."

Para terminar, alguma direita ficou chateada com a inauguração do Jardim Mário Soares, outrora conhecido como Jardim do Campo Grande. Não fiquem chateados. Imaginem que aproveitavam o 25 de Abril para inaugurar a Praça Otelo Saraiva, onde está agora a Praça de Touros do Campo Pequeno.»

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26.4.18

Dica (749)




«Much of the western world is experiencing a social crisis. Basic public services—in the UK, for instance, the National Health Service—are set at unsustainably low levels of funding. Unemployment, already high amongst the young, is set to rise rapidly as workers may be replaced by machines powered with artificial intelligence (AI).»
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26.04.1937 - Guernica




Guernica foi bombardeada em 26 de Abril de 1937.
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26/27.04.1974



O mais importante foi isto.
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Passado. Para sempre



«Antes do 25 de Abril de 1974, a minha escola tinha um muro que separava rapazes de raparigas.

Antes do 25 de Abril de 1974, o meu pai confinava as críticas ao regime e ao pouco que a vida nos dava, às paredes da casa.

Antes do 25 de Abril de 1974, a minha mãe inibia-se de pintar as unhas, sinal de exterior de uma mulher putativamente devassa.

Antes do 25 de Abril de 1974, um tio fugiu para escapar à guerra colonial. Outros fugiram simplesmente para ir à procura de uma vida melhor.

Antes do 25 de Abril de 1974, o meu avô, galego marcado pela guerra civil espanhola, indignava-se com a guerra colonial portuguesa e questionava: porque não lhes dão a independência.

Vale a pena lembrar sempre o 25 de Abril de 1974, "por muito repetitivo que pareça", como sublinhou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, porque ele ofereceu a todos o bem mais valioso para a construção de uma sociedade, a liberdade. A liberdade política, a social, a religiosa, de expressão e económica.

Aquilo que hoje parece um dado adquirido não o é. Foi por isso que na Assembleia da República alertou para os perigos do messianismo e defendeu a necessidade de renovação do sistema político. "A permanente proximidade aos cidadãos e aos seus problemas é essencial para evitar fenómenos de lassidão" disse o Presidente, acrescentando que é preciso combater o cepticismo em relação aos partidos que pode ser usado por "tentações perigosas de apoios populistas, ilusões sebastianistas, messiânicas e providenciais".

Basta olhar para os populismos preconceituosos que crescem na Europa (sem esquecer as ditaduras que habitam noutros continentes), para concluir que os alertas presidenciais não são apenas retóricos.

A memória é decisiva para construir um país melhor, orientado pelo farol das liberdades. É por isso, por muito repetitivo que pareça, que o 25 de Abril de 1974, deve estar sempre presente. Para que as escolas com muro, o condicionamento industrial ou a censura sejam parte do passado. Para sempre.»

Celso Filipe
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E depois veio a Junta de Salvação Nacional




Quando ouvimos isto, pela 1:30 am de 26 de Abril, depois de uma espera de várias horas, o ambiente pareceu um pouco sinistro, quando comparado com o que tínhamos vivido nas ruas. Mas a elas voltámos, poucas horas depois, sobretudo em Caxias, na longa espera pela libertação de todos os presos políticos.
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24.4.18

25 Abril – Falta (muito menos de) 1 dia


@alfredocunha
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Também há isto, claro



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Onde estive eu no 25 de Abril? Foi assim



Noite cerrada, o telefone a tocar pouco depois das quatro da manhã, alguém que me diz que a tropa está na rua, uns minutos de espera, de ouvido colado a um velho aparelho de rádio, a voz inconfundível de Joaquim Furtado: «Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de se recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma.»

No primeiro acto de desobediência a novas autoridades, que ainda nem o eram, saí imediatamente e só regressei a casa na madrugada do dia seguinte. Fui ter com amigos, reunimos máquinas fotográficas, deambulámos de carro e a pé pela cidade – horas e horas primeiro pelas ruas da baixa, depois no Carmo até à rendição de Marcelo.

Pelas 11 da manhã, quando absolutamente nada estava ainda decidido, alguém me tirou esta fotografia, no Largo do Corpo Santo, em Lisboa – guardo-a como a mais preciosa de toda uma vida. Tinha acabado de perguntar àquele soldado, empoleirado no tanque, o que se passaria a seguir. Que não sabia, mas que estava com Salgueiro Maia e que tudo ia correr bem. E eu também não duvidei, nem por um minuto, que sim, que ia acabar o pesadelo em que vivera desde que tinha nascido. Sem me passar pela cabeça temer o que quer que fosse.

Já no Largo do Carmo, a espera, as dúvidas, os boatos, o megafone de Francisco Sousa Tavares – e também os cravos, a Grândola. Pelo meio algumas corridas, evacuação obrigatória do local quando se pensou que o quartel não se renderia a bem, almoço tardio com últimos feijões do fundo de uma panela numa tasca do Largo da Misericórdia, pelo mais total dos acasos na companhia de José Cardoso Pires; um carro estacionado mesmo em frente, com as quatro portas abertas para o que desse e viesse. Regresso ao Carmo, o desenrolar de tudo o que se sabe, o poder que Marcelo Caetano não quis deixar cair na rua antes de sair de chaimite, os gritos sem fim de vitória, que se cravaram na memória e ainda hoje fazem arrepiar. A liberdade, enfim, que nunca se imaginara poder ser tão grande.

Passaram 44 anos. Portugal é hoje, sem qualquer espécie de dúvida, um país melhor do que era naquela quinta-feira de Abril. Mas não é aquilo que sonhámos, não foi por isto que tantos lutaram durante décadas de ditadura, que alguns morreram, não é o que podia e o que devia ser hoje. Falhámos uma oportunidade única, nós que tivemos na mão uma das mais belas revoluções dos tempos modernos. Os humanos não são deuses omniscientes, e ainda bem, porque teria sido absolutamente insuportável, naquela primeira semana luminosa, naquele 1º de Maio triunfante, uma espécie de «regresso ao futuro» em que pudéssemos ver o Portugal de hoje.

O mundo está agora mais perigoso, a Europa navega à vista sem que se entenda nem mais ou menos para onde, muitos regimes não democráticos estão a tomar as rédeas do poder. Sem sabermos exactamente como, nem muitas vezes com que instrumentos, resta-nos continuar a lutar pelo futuro, com a mesma força com que festejámos a chegada da democracia há quarenta e quatro anos. É também para isso que ainda estamos vivos.

Uma primeira versão deste post, entretanto alterada, fez parte de uma brochura que a APRe! divulgou em 25 de Abril de 2014, com textos escritos por um grande grupo de membros da Associação.
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Falar para um muro chamado Centeno



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Melo Antunes, 1984


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23.4.18

25 Abril – Faltam 2 dias


@eduardogageiro
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Nunca pensei viver…


@nikiasskapinakis

Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade – (e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
– no negro desespero sem esperança viva –
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general?


Tantos morreram de opressão ou de amargura,
tantos se exilaram ou foram exilados,
tantos viveram um dia-a-dia cínico e magoado,
tantos se calaram, tantos deixaram de escrever,
tantos desaprenderam que a liberdade existe –
E agora, povo português?


Essas promessas – há que fazer depressa
que o povo as entenda, creia mais em si mesmo
do que nelas, porque elas só nele se realizam
e por ele. Há que, por todos os meios,
abrir as portas e as janelas cerradas quase cinquenta anos -
E agora, meu general?


E tu povo, em nome de quem sempre se falou,
ouvir-se-á a tua voz firme por sobre os clamores
com que saúdas as promessas de liberdade?
Tomarás nas tuas mãos, com serenidade e coragem,
aquilo que, numa hora única, te prometem?
E agora, povo português?


Jorge de Sena40 anos de servidão

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Dica (748)



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«A decade on from the financial crisis and Europe is finally on a stable path towards recovery, with growing economies and robust improvements in labour market participation in all Member States. However, the long-term implications of the crisis still weigh heavy on Europe’s most disadvantaged youth.»

Os recordes que Centeno quer bater



«O Público titula "Governo aspira a bater o recorde europeu de redução da dívida". O que me faz espécie é que uma intenção destas, com Centeno por trás, pareça o género de competição em que Portugal deva estar e não suscite mais do que a reacção polarizada entre o PS e o BE e PCP, com o PSD no meio e o CDS sem poder bater palmas, mas com vontade de o fazer. Não é como o Ronaldo a meter golos, não é como os pastéis de Belém, não é como o Porto a melhor cidade para se visitar na Europa, não é como o sítio onde o Airbnb tem maiores taxas de lucro, não é um recorde de corrida de atletismo.

É outra coisa muito diferente: é uma opção política sobre os portugueses, sobre o desenvolvimento do País, sobre a sustentabilidade a prazo, ao nível nacional. Quem escreve isto não defende obviamente que haja um descalabro orçamental, como se insinua sempre hoje nos argumentos dos partidários do 8 ou 80, cada vez mais comuns em matérias de défice, mas alguém que entende que bater recordes deste tipo é uma política errada para o País e boa apenas para uma pessoa, para as ambições de Centeno.


Uma democracia não tem tempos longos

Ah! e outra coisa – não é sustentável a não ser que aceitemos duas coisas: uma contínua degradação de tudo o que é serviço público e uma muito elevada taxa de impostos sem termo para diminuírem significativamente. Sim, porque não é por acaso que se sucedem as notícias do cada vez maior descalabro dos serviços públicos e uma modestíssima diminuição dos impostos sobre as pessoas está apenas prometida para daqui a ano e meio, já na década de 20. E mais ainda o grande argumento de que só assim se pode atacar a gigantesca dívida, tendo superavits. Também suspeito que esta afirmação serve para dizer que não é preciso reestruturar a dívida de qualquer forma, pelo que bastaria uma longa continuidade de défices zero ou de superavits para a domar.

Repare-se no "longa", a mesma palavra que apareceu no discurso dos defensores da troika, Cavaco falando em 10 ou 20 anos e Passos concordando. Eu não sou economista, nem pretendo ter mais do que o conhecimento vulgar e da vulgata – aliás a maioria destes argumentos são da vulgata do "economês" dos anos do lixo – de economia, mas a questão é que os pseudo-argumentos dos economistas dados durante a crise foram falsos argumentos económicos e eram, na verdade, afirmações políticas, puras e duras. E não foi preciso qualquer conhecimento especializado para, seguindo a linha do bom senso, ter acertado muito mais do que os defensores do "ajustamento", que não fizeram qualquer reforma fora das leis laborais que não fosse o "enorme" aumento de impostos. Não houve nenhum milagre na saída da troika, houve esse "enorme aumento de impostos" e meter debaixo do tapete tudo quanto era crise bancária. Os mercados estão satisfeitos? Eles lá sabem porquê.


Fiem-se no boom e nas taxas de juro baixas e não corram

O que tenho dito e repetido é que este modelo da troika, e do "passismo" aperfeiçoado por Centeno não é sustentável porque não corresponde às necessidades do País para resolver os seus problemas estruturais, que estão longe de dependerem apenas do défice e da dívida. A tentativa de o tornar "longo" não entra em conta com o processo democrático, depende de uma pressão externa "europeia" cujos efeitos negativos no nosso desenvolvimento são péssimos, limita decisivamente a nossa autonomia para escolher políticas de desenvolvimento mais razoáveis para garantir que o País cresça e que não esteja sempre tudo preso por um fio. Centrar toda a política na redução do défice para o zero e pensar que os seus efeitos não geram mecanismos perversos, quer na saúde do País, quer na sua impreparação perante crises, quer no seu escasso desenvolvimento – e Portugal continua a crescer muito devagar, e não é por acaso – é uma visão estreita e de vistas tão curtas como o valor do défice zero.

É pouco agradável fazer de Cassandra, que ao prever desgraças foi tomada como louca, mas se se tivesse destruído o cavalo de Tróia, como ela insistiu com Príamo para o fazer, talvez Tróia se tivesse salvo.»

José Pacheco Pereira
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22.4.18

25 Abril – Faltam 3 dias


@alfredocunha
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Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes



«Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupas a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.»

Maria Velho da Costa, Cravo, Moraes Editores, 1976
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Saúde: o que aí vem




Abrirá todo o espaço possível, crateras se necessário. E já vai mostrando ao que vem:

«Como exemplo do que poderá ser o modelo a propor pelo PSD, o responsável da direcção de Rio declarou ao PÚBLICO: “O ideal é um sistema do tipo que hoje existe na ADSE, que serve os funcionários públicos e cuja filosofia é preciso alargar a todos os cidadãos que não trabalham para o Estado.”
Certo é que a direcção do PSD é “frontalmente contra a proposta do BE, pois esta pressupõe o regresso à tutela e à prestação de serviços pelo Estado de todos os cuidados de saúde e exclui as parcerias na prestação de cuidados de saúde por privados, comparticipados pelo SNS”, conclui o responsável da direcção de Rui Rio.»
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Capitalismo e democracia



«A conciliação entre capitalismo e democracia é uma velha promessa partilhada por forças políticas de Direita e largos setores da social-democracia e, após a queda do Muro de Berlim, o Mundo que nos anunciaram foi o de uma vivência mais pacífica e desenvolvimentista, exatamente porque o capitalismo e a democracia, a partir daí, andariam de mãos dadas e expandir-se-iam em todas as geografias. Quase 30 anos depois onde estamos e o que podemos confirmar ou infirmar?

A Leste e a Oeste capitalismo e democracia, longe de se conjugarem, parecem tender a separar-se. A Leste o capitalismo renasceu das cinzas, mas de democracia temos, com raras exceções, um conjunto de versões encenadas. A Ocidente, a democracia liberal estruturada no capitalismo do pós-Segunda Guerra Mundial - baseada, pelo menos em princípio, em direitos políticos e sociais garantidos pelo Estado social de direito democrático e no primado da paz e da cooperação internacional - dá sinais claros de perigosa degenerescência.

Uma manifestação desse estado de degradação é o crescente autoritarismo em quadrantes bem diversos, a esmagadora maioria deles "ocidentais" quanto à pertença a blocos como como é o caso da Turquia, da Hungria, da Polónia, das Filipinas, ou até o Brasil. Em todos esses países, estão em risco direitos políticos essenciais - a separação de poderes entre o judicial e o executivo, a liberdade de informação e de expressão - para não falar em direitos sociais fundamentais, como a liberdade de associação sindical ou o direito à greve.

Uma segunda manifestação de degenerescência é o crescente belicismo das grandes potências supostamente capitalistas e democráticas. De uma invasão do Iraque justificada por armas de destruição massiva que "provadamente" existiriam nesse país, chegamos recentemente a bombardeamentos à Síria justificados pela "provável" utilização de armas químicas. Enquanto em 2003 teve de ser construída uma certeza - depois confirmada como falsa - agora bastou invocar uma mera probabilidade. Isto significa desrespeito pelo direito internacional e uma escalada no belicismo. A agressão é justificada sem necessidade de investigar, confirmar ou infirmar suspeitas. Primeiro prime-se o gatilho, castiga-se preventivamente, depois logo se verá como gerir as consequências de destruição e de agravamento de ódios.

Uma terceira manifestação da degradação é a regressão social a que se assiste no "Ocidente", desde logo na União Europeia. Apesar da constatação de crescentes desigualdades, vai sendo desconstruído o Estado social, a pretexto da competitividade da economia e da sustentabilidade das contas públicas. Economias que cresceram muito depois dos anos 70 do século passado tornaram-se incapazes de garantir os direitos sociais que então vigoraram? Algo está a evoluir numa direção muito errada.

A degenerescência do "capitalismo democrático" que estamos a experimentar serve para nos lembrar que o casamento entre capitalismo e democracia que conhecemos no pós-guerra é afinal um episódio transitório e excecional. Na realidade, instituições democráticas básicas como o sufrágio universal só emergiram de forma generalizada depois da Segunda Guerra, isto é, há cerca de 70 anos. Se queremos interpretar com rigor o que está a acontecer e encontrar respostas para a grave situação que se está a viver, precisamos de assumir conscientemente que o capitalismo esteve, na maior parte do tempo do seu desenvolvimento, associado a formas autoritárias de exercício do poder político, como aconteceu em Portugal até 1974, ou a democracias muito mitigadas.

Não se pode dizer que o capitalismo esteja bem, menos ainda que se recomende. De qualquer modo, o que está em maior risco é a democracia, não o capitalismo. Em vésperas do 25 de Abril é bom relembrar esta realidade e assumir que a riqueza gerada pelo trabalho e atividades de toda a sociedade tem de ser gerida tendo como prioridade a efetividade da democracia. Hoje são muito evidentes os efeitos cumulativos desastrosos das políticas austeritárias sobre o trabalho, a educação e a saúde. Aproveitemos para exigir correção de políticas nestas áreas.»

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