21.7.18

Isto tem piada



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Dica (784)




«China calls itself a democratic dictatorship, so it looks like the title’s question is a very odd one to ask. You can find various indices that measure countries on a line with dictatorship at one end and democracy at the other. So how can a country actually be (rather than call itself) a democratic dictatorship?»
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E sem analgésicos adequados


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Israel: um novo Estado racista



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Sempre fui amigo de Israel e não só pelas razões que vêm do Holocausto. Era também por outras razões, desde aquelas a que, no tempo da fundação do Estado de Israel, o seu primeiro amigo, a URSS, e o Avante! eram pró-israelitas contra “as monarquias feudais árabes”, até aos eventos mais recentes que colocavam uma pequena democracia armada no meio de inimigos governados por ditaduras, umas mais cruéis do que as outras, mas nenhuma recomendável. Havia muita coisa que era genética no Estado de Israel, fundado por sionistas que eram na sua maioria socialistas, e que tinham ideias utópicas sobre a sociedade, construíram os kibutz no meio dos desertos, e os políticos não usavam gravatas, eram muitas vezes mulheres de força num oceano de homens por todo o lado, Europa e Oriente, e havia uma pulsão igualitária pouco comum. E era um país eficaz pela necessidade absoluta de estar rodeado de inimigos, ia apanhar nazis na América Latina e julgava-os, tinha os melhores serviços de informação, e um exército de cidadãos comandado pelo mérito que os promovia a oficiais.

Claro que Israel tinha também lados negros igualmente genéticos. Para se constituir como Estado expulsara, com a colaboração de muitos dirigentes árabes que lhe fizeram o jogo criando uma situação de alarme, uma parte da população que vivia em cidades como Jaffa, violou até hoje os termos reconhecidos pela comunidade internacional das suas fronteiras com a instalação de colonatos, tinha no seu seio comunidades judaicas tão fundamentalistas como os seus vizinhos muçulmanos, e, nos últimos anos, recorreu a métodos de terrorismo de Estado em várias terras vizinhas a começar por Gaza. Com a direita no poder e Benjamim Netanyahu tudo se agravou e já estão longe as perspectivas de paz assentes na solução dos dois Estados, que estiveram quase a ser consagradas no tempo de Yasser Arafat. Agora não foi sequer a gota de água, foi uma torrente que se abriu com a nova lei da nacionalidade que institui na prática uma situação de apartheid e de racismo.

Quando se pergunta de onde vem o súbito agravamento da situação internacional em vários focos, no Irão, na Coreia do Norte, no Médio Oriente, a resposta é Trump. Não é o único, mas é o principal. Foi ele que deu carta-branca à monarquia absolutista saudita e a Benjamim Netanyahu, e no dia seguinte, ainda o avião presidencial americano voava de regresso, a Arábia Saudita agravou as hostilidades no Iémen, e voltou-se contra o Qatar, e, em Israel, iniciou-se a mais inútil das escaladas com a deslocação da embaixada americana para Jerusalém em desprezo do direito internacional, e o Exército israelita começou a atirar a matar contra manifestantes em Gaza. Duas cartas-brancas e dois conflitos que imediatamente se agravaram, com Trump a colocar-se do lado sunita de uma velha guerra religiosa e geopolítica contra os xiitas, e a bater palmadinhas nas costas do seu “querido Bibi”, envolvido ele e a sua família em escândalos de dinheiros e benefícios próprios.

Como é óbvio, o “querido Bibi” acossado pela Justiça empurrou a actual legislação racista que acaba com os últimos traços de um Estado de Israel que pertencia a judeus e árabes, assente na “completa igualdade de direitos políticos e sociais (...) para todos os seus habitantes”, independentemente de religião, raça e sexo, como se lia na Declaração de Independência de 1948.

Agora, passa a haver uma situação que institucionaliza o estatuto de cidadãos de segunda, aos árabes israelitas, muitos dos quais, aliás, são cristãos, retirou o árabe de língua oficial de Israel e tornou Israel uma variante de Estado mais parecido com a teocracia iraniana. Israel era um pólo cosmopolita numa zona do mundo cada vez mais envolvida em ancestrais conflitos de religião e poder, agora tornou-se mais uma nação do Médio Oriente, mais parecida com os seus vizinhos na sua recusa da democracia e do primado da lei. Esta legislação é racista e num país como Israel implica uma nova forma de apartheid, mas é acima de tudo um golpe no que de melhor tinha Israel, que era ser uma democracia num mar de ditaduras. Mais um passo no caminho da crise mundial das democracias.

Resistam ou vão a caminho da servidão, moderna, tecnológica, “social”, branca, bruta e malévola.»
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20.7.18

Porque estamos em 2018



«O que eu gostava que algum primeiro-ministro, algum presidente deste país respondesse assim:

— Porque não um Museu das Descobertas/Descobrimentos?
— Porque estamos em 2018.

— Porquê encarar agora a escala de seis milhões de escravos que Portugal traficou no Atlântico?
— Porque estamos em 2018.

— Porquê estabelecer a relação entre o passado colonial português e o racismo contemporâneo?
— Porque estamos em 2018.

— Porque é que a recente estátua do Padre Vieira com indiozinhos é anacrónica, equívoca e ofensiva?
— Porque estamos em 2018.

— Porque é que quando falamos numa propensão dos portugueses para a mistura temos de falar na violação sistemática a que foram sujeitas as mulheres indígenas e negras?
— Porque estamos em 2018.

O que é que 2018 tem de especial? A confluência de muitíssimas coisas que há décadas não conhecíamos ou em que nunca tínhamos pensado, pontos de vista novos, antes sem espaço, sem voz, fontes que antes não tinham sido consultadas, um ror de coisas que muitíssima gente mais devia poder conhecer, se essas coisas, esses estudos, essas criações, essas correcções de fábulas perpetuadas ao longo de séculos, pudessem ser amplificadas.

Alexandra Lucas Coelho

Na íntegra AQUI.
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20.07.1944 – A Operação Valquíria




O atentado falhado contra Hitler.
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Jean-Louis Trintignant: quando o fim se aproxima




“Hace un año que no salgo” de casa, cuenta. “No puedo leer, porque me estoy quedando ciego. Y los libros eran un gran placer. Veo la televisión, escucho música, duermo mucho. Me quedo en el sofá, reflexionando sobre las cosas buenas y malas. Sin hastío, por suerte”

E uma entrevista:


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Será a ciática europeia contagiosa?



«O homem cambaleante, mas bem-disposto, afinal, estava sofrendo de um súbito ataque de ciática. Assim foi diagnosticado por António Costa, pelo chefe de governo holandês e pelo próprio porta-voz da Comissão Europeia, este em jeito de boletim clínico, assim todos nos tratando como néscios europeus. Amparado pelos membros superiores de altos dignitários de Estados-membros mais superiores ou mais inferiores, Jean-Claude Juncker conseguiu descer do palanque e caminhar sem antes dar os seus etílicos beijos. Uma ciática de muitos graus!

Eis, diante de nós, um pormenor desta Europa política. Guiada não por estadistas, que esses já quase não existem, mas por políticos vulgares que não se dão ao respeito, nem servem de exemplo credível. Tudo boa rapaziada, numa qualquer função ou disfuncionalmente, entre beijos, abraços e cachecóis de futebol, cheios de “non-papers” e, não raro, vazios de ideias e estratégias. Nas cimeiras aparecem-nos sempre entre sorrisos tão falsos quanto enfastiados, tweetando das salas e corredores para o mundo, fotos de família aparentemente unida, decisões sem decisão. Aparentam andar felizes, entre bolinhos, croquetes, bebidas espirituosas e amendoins. A mediocridade tomou conta do directório europeu.

Esta é a Europa que nos querem prodigalizar. Esta é a Europa que dão a entender aos jovens de hoje como sendo o seu farol à distância de uns euros com que tudo julgam ou fingem comprar.

O poliedro europeu atingiu a sua plenitude de imperfeição. Países do Leste são sinceros: só lá estão pelo dinheiro e quanto ao resto estão-se borrifando para as regras básicas da democracia. Na Hungria, o músculo é que conta e ninguém cora pela criminalização da ajuda a desvalidos imigrantes. Na Polónia, essa coisa da separação de poderes foi ao ar, apesar da fingida ameaça de Bruxelas. Visegrado é o itinerário da nova peregrinação contra os que não são deles. A Alemanha já não é o que era e a chanceler – antes odiada como o diabo personificado, ora louvada como o exemplo do equilíbrio e sensatez – limita-se a mudar a cor da jaqueta em razão dos seus aliados e adversários internos ou externos. O Reino Unido procura, com um "Brexit" voluntarista e atamancado, ficar fora da União, mas com um pé dentro, para substituir o estar na União, mas com um pé fora. A primeira-ministra britânica anda aos papéis sem ninguém a avisar do papel que está a fazer! O Presidente francês, sem o ar soberbo e presunçoso dos que o precederam, lá vai tentando aparentar que a França ainda é importante. No Sul, a música é variada e para todos os gostos. Nós, sempre a fazer o papel do bom aluno, seja no ciclo austeritário, seja no ciclo reversitário, com os salamaleques do costume perante figurinhas de doutos comissários e outros altos funcionários de uma bem instalada Comissão. Em Espanha, depois do justo castigo de corruptos e corruptores, está agora uma "geringonça" de largo espectro, entre engasgadelas sobre as autonomias e independentismos e mais preocupada com magnos problemas para o bem-estar da população, como são a “estrutura” do Vale dos Caídos ou as inadiáveis reformas fracturantes. Na Itália, eis a total imprevisibilidade de um governo que olha para a Europa como a Antárctida olha para a Amazónia. Quanto à Grécia desgravatada, a Europa convenceu-a que tem futuro e lá anda a esquerda do poder a fingir que o é.

Encharcada em questões de minorias ruidosas e mediáticas, por mais respeitáveis que sejam, a Europa esquece os problemas das maiorias sem voz europeia. Possuída pelas políticas monetárias e subjugada ao magno poder banqueiro, é incapaz de ir além de meras declarações românticas sobre os paraísos e escapatórias fiscais. Nesta Europa decadente de valores, axiologicamente relativista, espiritualmente desertificada, só parecem contar os euros como forma de exercício de poder e permuta de influências. O financeiro domina o político e determina o económico. O social – apesar dos discursos – não é uma premissa, antes um resultado meramente adjectivo.

Esta Europa, sem verdadeira liderança, é lenta e preguiçosa nos actos, atrasada nas decisões, prolixa no palavreado. Na União (!), todos se demarcam de todos! Todos iguais, todos diferentes. Todos solidários, todos egoístas. Todos unidos, todos de costas voltadas. Todos em cadeia, todos encadeados.

Sem visão e sem liderança, a União caminha aos solavancos, não em geometria variável, mas em cacofonia assimétrica. Incapaz de responder, em tempo certo, aos desafios da globalização, a Europa deste alucinante inverno demográfico menospreza a ideia de família e passa de Velho Continente a Continente velho, no nevoeiro de crescente irrelevância. Entre um Trump errático e disruptivo, um Putin ardiloso e jogador de xadrez e um dragão chinês paciente, estratégico e insensível aos direitos humanos, Juncker definiu, ainda que burlescamente, o estado da “Nação Europeia”: sem rumo, trôpega, embriagada com tanta ciática institucional. Será contagiosa?»

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19.7.18

Da série «Grandes Capas»



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19.07.1975 – Mário Soares na Fonte Luminosa



No seguimento do chamado «caso República», depois de muitas peripécias, o jornal saiu para a rua em 10 de Julho de 1975, com o nome de um director nomeado pelo MFA (e não com o de Raul Rego). Os ministros socialistas que faziam parte do IV Governo Provisório (Mário Soares, Salgado Zenha e Almeida Santos) pediram a demissão, e foram seguidos pelos do PSD, o que provocou a queda do Governo e a sua substituição pelo seguinte – o quinto e último presidido por Vasco Gonçalves –, que tomou posse em 8 de Agosto.

Entretanto, no dia 19 de Julho, o PS organizou a famosa manifestação da Fonte Luminosa – marco importante na história daquele Verão quente de 1975.

Foi António Guterres que organizou o comício, no qual discursaram vários dirigentes socialistas, sendo Salgado Zenha o penúltimo e Mário Soares a encerrar, com um discurso violentíssio contra o PCP e o governo de Vasco Gonçalves. Alguns excertos desse discurso (tirados de O Portal da História).

«O dia de hoje foi um dia grave na história do nosso povo. Depois de uma campanha alarmista de boatos sem precedentes, de uma ‘intentona’ artificial, de uma falsa conjura com intenção de enganar o povo; depois disso, organizaram-se barreiras para impedir que o povo dos arredores de Lisboa, deputações do povo de Portugal viesse aqui manifestar-se livremente, em favor da liberdade, da democracia, do socialismo. (...)

É uma cúpula de paranóicos, a direcção do PCP. É uma cúpula de irresponsáveis a dos dirigentes da Intersindical, que não representam o povo português. E as Forças Armadas, dando cobertura a esses irresponsáveis, indo acreditar que havia uma marcha sobre Lisboa, que nunca existiu – que só existiu na cabeça desses paranóicos – constituíram também graves responsabilidades. (...)

Dizemos que a reacção não passará, mas digamos também que a social-reacção não passará. Temos dito, e prova-se na prática da nossa acção política quotidiana, que nós não somos anticomunistas. Quem está a provocar o anticomunismo, como nem Caetano nem Salazar foram capazes de provocar é a cúpula reaccionária do PCP. (...)

A situação portuguesa é de tal maneira grave, o ambiente requer um Governo de salvação nacional e de unidade das forças políticas, que nós dizemos daqui ao Presidente da República e ao Conselho da Revolução que o primeiro-ministro designado para constituir o 5.º Governo Provisório não nos parece ser neste momento um factor de coesão e de unidade nacional. Portanto dizemos-lhes, com a autoridade de sermos um partido maioritário na representação do povo português, que será melhor eles escolherem uma outra individualidade que dê mais garantias de apartidarismo real, para que possa formar um governo de coligação nacional. (...)

O MFA que faça pois atenção, porque a hora é de autocrítica, é de emendar os erros passados. E esse MFA que iniciou esta revolução que foi chamada justamente a mais bela da Europa, uma revolução das flores, esse MFA se escutar a voz do Povo, tem todas as condições para, aliado ao Povo, poder salvar ainda a nossa revolução que está em perigo, porque há aqui e ali manchas de contra-revolucionários que querem polarizar à sua volta o descontentamento provocado pelo sectarismo e pelo fanatismo intolerável dos sociais-reaccionários que são a direcção do PCP». (...)

Este foi um dia de vitória. Tenhamos confiança no futuro, tenhamos confiança no nosso Povo. A revolução está em marcha e não pára.

Venceremos!»
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Nicarágua: desgraçado povo!



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Trump despede-se de 1989



Daniel Oliveira no Expresso diário de 18.07.2018:

«Uma das coisas que me incomoda na forma como tratamos o fenómeno de Donald Trump é a incapacidade de pensarmos para além das nossas irritações. Trump é errático e parece irracional? Sim. Mas, talvez por contágio, acabamos por acompanhar a sua irracionalidade e falta de consistência. É por isso que muita gente ainda atribui a eleição de Trump à estupidez do eleitorado ou às redes sociais. Somos quase tão infantis como Trump quando falamos de Trump.

Quase todos olham para as relações de Trump com a Europa e com a Rússia como se estivéssemos apenas perante idiossincrasias tontas de um lunático a soldo de Putin. Espantam-se por Trump ser mais doce com um regime autoritário do que com as democracias europeias. Poderemos dizer, e eu tenderei a subscrever, que as escolhas de Trump são demasiado arriscadas para os interesses dos Estados Unidos e denunciam, em muitos casos, uma total incapacidade de medir a dose e o tom nas suas declarações públicas. Nisso, a explicação parece-me óbvia: ele só quer saber o que pensa a sua base eleitoral de apoio. Mas isso não quer dizer que não tenha uma estratégia. Resumir tudo a uma traição aos europeus perante um inimigo comum é ignorar que algumas coisas mudaram no mundo.

A primeira é a Europa. Com o fim da Guerra Fria, este continente deixou de ser um espaço de confronto entre dois polos ideológicos. Os EUA partilham alguns interesses com os europeus e outros são contraditórios. A Alemanha tem interesses específicos no Leste europeu que nada dizem aos norte-americanos. Na realidade, apenas são relevantes para a Alemanha e os restantes europeus são obrigados a apoiar quem manda. Ao contrário do que acontecia pelo menos desde a descolonização, em que o Ocidente tinha interesses geralmente comuns, o poder dispersou-se e as alianças passaram a ter geometrias variáveis. Isso é bem evidente na salganhada da Síria. Não podemos passar o tempo a recordar o fim da Guerra Fria e o nascimento de uma nova ordem mundial, passando pela perda de relevância da Europa no mundo, e depois analisar o comportamento de Donald Trump, por mais errático que seja, ignorando essa nova realidade. Mesmo na crítica ao discurso de Trump sobre as contribuições financeiras para a NATO temos um dever de honestidade. Na União Europeia, a Alemanha interessa-se por si e impõe àqueles que a ela querem estar aliados o preço a pagar por isso. Na NATO, os EUA interessam-se por si e impõem aos aliados o preço a pagar por isso. Dantes eram indispensáveis para os EUA e eles pagavam por isso. Hoje somos menos e não querem pagar tanto. Chocados? Só os que contam a história do mundo através de filmes de Hollywood.

A segunda é a Ásia. Apesar da geoestratégia e do poderio militar ainda contar muito no xadrez internacional, o lugar que cada um ocupa no tabuleiro de uma economia totalmente globalizada está hoje muito mais dependente do poder comercial e financeiro do que estava há trinta anos. E a maior preocupação dos EUA é, neste momento, a China e o seu poder económico (com ele virá o resto). Claro que a Rússia conta e a forma como vai interferindo na vida interna dos países diz-nos como pode contar bastante. Mas é neste mundo a três que Trump pensa quando fala com Putin. Estará provavelmente enganado ao pensar que num mundo a três poderá contar com a Rússia, mas não está enganado ao saber que as coisas não se dividem entre um “mundo livre” liderado pelos EUA com uma aliança de ferro com a Europa e um bloco liderado pela Rússia. Esse mundo já não existe. Interessa o comércio, não a velha Guerra Fria. Trump não desfez a ideia de Ocidente, apenas confirmou o enterro do Ocidente enquanto entidade política. Se olharmos para a União Europeia percebemos que a Europa fez o mesmo há algum tempo.

A terceira é a relação entre o capitalismo e a democracia. Havia, pelo menos na aparência, uma relação entre capitalismo e democracia. E não apenas na aparência. As burguesias nacionais eram isso mesmo: nacionais. Os seus interesses eram muitas vezes coincidentes com os interesses das nações. E acabaram por ser, em grande parte das vezes, elementos fundamentais na construção das democracias nacionais. Democracia liberal, Estado-nação e industrialização são parentes com relações muito próximas. Com a globalização e financeirização da economia, as elites económicas estão a perder o seu vínculo nacional e, com isso, o seu vínculo à democracia. Por isso tenho escrito que penso termos entrado na fase pós-democrática do capitalismo. Hoje, os melhores exemplos de eficácia competitiva no capitalismo global vêm de ditaduras como a China. O fascínio que Trump tem por homens de mão pesada não é uma tara sua, corresponde ao arquétipo do líder político atual. A eleição de Trump, impossível há trinta anos, prova isso mesmo. Da normalização do poder dos eurocratas sobre os eleitos à criação, nos acordos de comércio internacional, de instrumentos de mediação que estão acima das leis dos Estados e dos seus tribunais, tudo nos explica que há um divórcio crescente entre a democracia e o capitalismo que segue em linhas paralelas com a perda de poder dos Estados. Para analisar a política norte-americana temos, por isso, de esquecer as velhas divisões ideológicas. Sim, Putin pode ser aliado de Trump, assim como o poderia ser Xi Jinping. A democracia é irrelevante neste jogo porque ela é irrelevante para o futuro do capitalismo financeiro. Na realidade, até é um empecilho.

Podem fazer de Trump um pateta porque ele é um pateta. Mas quando um pateta chega ao poder é sempre mais do que isso. Não sei se Trump é o começo de uma era, tenho a certeza de que encerra definitivamente o mundo de 1989. Os que se chocam com a forma como trata os velhos aliados e os velhos inimigos é porque ainda estão nesse tempo que acabou. Outros que sucedam Trump farão, com outra elegância e mantendo a patine do passado, o mesmo.»
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18.7.18

Mandela 100


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Dica (783)



Onde pára a maioria? (José Soeiro) 

«Os exemplos são muitos. Depois de ter repetido, a propósito de assuntos tão diversos como as carreiras dos professores, as pensões antecipadas, a meta de 1% para a Cultura ou a renovação de equipamento para hospitais que “não há dinheiro”, o Governo descobriu subitamente uma disponibilidade de desembolsar mais 4 mil milhões em despesas militares, para ir de encontro à exigência da NATO e à pressão de Trump de gastar 2% do PIB (do PIB, não é sequer do Orçamento!) em defesa. Num país que dedica à Cultura, por exemplo, 0,1%, ou seja, 20 vezes menos.
Ao longo destes últimos meses, a Esquerda tem estado onde sempre esteve: não cala as suas posições nem abdica das suas propostas sobre cada assunto, mas nunca faltou à maioria para nenhum progresso nem nunca se pôs de lado de nenhum processo negocial. Resta saber se o PS pretende, em cada uma destas matérias, falar com a Esquerda ou faltar à Esquerda.»
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17/18.07.1936 – A Guerra Civil Espanhola



Na noite de 17 para 18 de Julho de 1936, teve início a terrível Guerra Civil Espanhola que iria durar quase três anos.

**** Um site precioso.

**** Muita informação em arquivos da RTP

**** Um conjunto de textos em El País.

**** Dois vídeos:






**** Duas canções emblemáticas:




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O nó górdio de Azeredo



«Como se sabe Alexandre, o Grande, resolveu com uma espada um problema insolúvel: o nó górdio, impossível de desatar. Cortando-o, poderia dominar o mundo. Menos criativo, Azeredo Lopes tornou-se ele próprio num nó górdio: só removendo-o será possível erradicar a metáfora absoluta que é mantê-lo como ministro. Não sendo um personagem de "Alô, Alô!", por razões temporais, Azeredo Lopes tem conseguido sobreviver ao pântano de Tancos porque ninguém dá por ele. Mas, um ano depois desse mistério envolvido em vários enigmas, custa a perceber como ele ainda é capaz de ir prestar "justificações" ao Parlamento. A acreditar na bondosa explicação dada por Azeredo Lopes e pelo seu ajudante-de-campo, o CEME Rovisco Duarte (que anunciou sorridente a "boa nova" da recuperação de mais material do que tinha sido "roubado") tudo estava controlado. Mas, tanto tempo depois, não se sabe o que foi "roubado", como o foi, quem o fez e quem foi culpado da inexistência de segurança num complexo militar. Coisas poucas para Azeredo Lopes, por certo. Mas que desprestigiam uma instituição que nos habituámos a respeitar, as Forças Armadas. O segredo, aqui, não é a alma do negócio. Ou não deveria ser.

Tancos é a carga da brigada ligeira de Azeredo Lopes: a evidência de que só a custo o poderemos encarar como ministro. Ainda por cima da Defesa. Num país minimamente civilizado Azeredo Lopes seria despromovido a grumete. Aqui continua como ministro, a falar da NATO e do orçamento para a Defesa. Nada que admire: Aguiar Branco também foi ministro da Defesa e ninguém se importou. Não se compreende como Azeredo Lopes e Rovisco Duarte continuam nos seus condomínios institucionais. Tancos é, no seu labirinto de ocultações e meias-verdades, um laboratório perfeito do que é o mundo dos inquéritos oficiais em Portugal. Onde até os investigadores desconfiam uns dos outros. Mas custa que alguém que tutela um elemento fulcral dos deveres do Estado seja tão inexistente como Azeredo Lopes. Resta saber porque continua a passar revista às tropas.»

Fernando Sobral
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João Semedo – Da dignidade



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17.7.18

Aquele em quem confiávamos



José Manuel Pureza no Expresso diário de 17.07.2018;

«Há essa coisa meio misteriosa de, dos nossos mortos, recordarmos o sorriso. O João morreu-me. E o que eu mais recordo dele é o sorriso. Aquele sorriso de olhos semicerrados que exibia um gosto imenso pela vida. “Tive a vida que escolhi – disse ele - a vida que quis, não tenho nada de que me arrependa no que foi importante. Sim, fui muito feliz (…)”. É isso: lembro o sorriso do João porque esse era o sorriso de um homem feliz.

Conheci o João Semedo pela mão do Miguel Portas (tinha que ser…). E rapidamente ele se tornou num camarada, depois num amigo, e depois no meu irmão mais velho. Fiz todos os diálogos com o João, pedi-lhe todos os conselhos, todas as opiniões. O João esteve sempre lá, nunca me faltou.

O meu vazio com a morte do João é, pois, pessoal antes de ser político. Um irmão não se substitui. Mas é também um imenso vazio político. Falta-me o camarada com quem fiz tantos e tão cúmplices anos de caminho. O João ensinou-me que um partido não se faz de frações que se fecham em ser frações. E que as mudanças que contam não se fazem de partidos que se fecham em ser partidos. O João tinha essa qualidade sábia de ser um homem de partido como conheci poucos e de, sem nunca perder essa lealdade sem sombra, ser um artífice de maiorias para mudar o que tinha que ser mudado. Foi como homem de partido, totalmente livre e totalmente comprometido, que o João construiu plataformas, conversas, redes, movimentos, maiorias. E foi isso que fez do João um nome certo de tantas mudanças essenciais.

Os homens e as mulheres das diversas esquerdas confiavam no João. Sabiam que ele não amolecia na defesa da firmeza de princípios e que ele não se escusava a nenhum esforço para juntar gente, vontades e saberes para dar força às causas da democracia avançada em Portugal. Foi por isso que foi com ele que António Arnaut quis trabalhar uma proposta para salvar o Serviço Nacional de Saúde.

Foi por isso que Laura Ferreira dos Santos e João Ribeiro Santos contaram com ele para a consagração em lei do direito a morrer com dignidade.

Mas havia uma outra razão para o João ser um tipo de toda a confiança. É que o João conhecia a realidade, estudava-a meticulosamente. Por isso as suas propostas de mudança nunca eram panfletárias e tinham sempre uma autoridade irrecusável. O João foi sempre um ativista da mudança das estruturas e das vidas. Sempre pelos de baixo. Juntando conhecimento, elegância e ambição de radicalidade da transformação.

Quando se fizer a História das conquistas de uma democracia avançada em Portugal, o nome do João Semedo estará lá, como referência maior. Sei disso. Mas a mim fica o vazio de ter perdido o meu maior amigo.»
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Que a herança que nos deixaram não seja desbaratada


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Prós e Contras



Quanto ao programa de ontem, sobre Descoberta(s), Descobrimento(s), ou seja lá o que podia ter sido, muito haveria a dizer, mas fico pelo seguinte: se eu fosse funcionária da RTP, nunca organizaria um debate sobre Física Quântica, pela simples razão de que pouco ou nada sei sobre o tema. Era só.
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Sim à morte assistida




Em jeito de homenagem a João Semedo, que hoje nos deixou, repesco um texto seu publicado no Expresso de 20.02.2016. Grande lutador por esta causa, entre tantas outras, não teve tempo para a ver vitoriosa. Mas ficámos nós cá para continuar a lutar – em nome dele, também.


16.7.18

Masoquismo ou autofagia?


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Manuel António Pina sobre Rui Rio



Ter um blogue/baú tem muitas vantagens. Hoje descobri que, exactamente há 8 anos, Manuel António Pina publicou uma deliciosa crónica a propósito da recusa de Rui Rio dar o nome de Saramago a uma rua no Porto. O que ele não escreveria agora sobre o novo líder do PSD…

«Noticia o JN que Rui Rio mais os seis vereadores da coligação PSD/CDS que manda na Câmara do Porto chumbaram uma proposta do vereador Rui Sá, da CDU, no sentido de ser atribuído o nome de José Saramago a uma rua da cidade.
Não custa a crer que Rio e os "seus" vereadores estejam a ser injustamente acusados de mesquinhez e que a responsabilidade do sucedido caiba, sim, ao vereador Rui Sá.
Com efeito, este terá dado por assente que Rio e o PSD/CDS soubessem quem foi José Saramago, não tendo tido o cuidado de lhes explicar tratar-se de um escritor português recentemente falecido, Prémio Nobel da Literatura (o único Nobel da língua portuguesa).
Se o tivesse feito, decerto Rio exclamaria "Ah, sim? Não me diga!", logo votando favoravelmente a proposta, seguido em ordem unida por todo o pelotão PSD/CDS.
Quando, daqui a uns anos, Rui Rio (quem?) for recordado como um camarário do tempo de Saramago que tentou impedir que o seu nome fosse dado a uma rua do Porto (assim como um tal Sousa Lara ficou conhecido por ter censurado "O Evangelho segundo Jesus Cristo"), era bom que se contasse a história toda.»

(Quanto ao link para o texto no JN, que eu tinha no blogue, perdeu-se no limbo dos jornais, que não respeitam o seu próprio passado.)
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Áustria versus China? O mundo como nunca o imaginámos




«Si la durée légale de travail reste normalement fixée à huit heures par jour et quarante heures par semaine, la nouvelle loi permet des dépassements jusqu’à douze heures quotidiennes (au lieu de dix) et soixante heures hebdomadaires (au lieu de cinquante).»

Entretanto na China:

«A Academia Chinesa de Ciências Sociais propôs uma semana de trabalho de quatro dias ou 36 horas para os funcionários na China, a ser implementada até 2030.»
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O cisne negro



«Donald Trump representa um acontecimento extremo, imprevisível, que desfaz os esquemas estabelecidos e põe em causa a própria noção de Ocidente.

1. Donald Trump é um “cisne negro”. Cisne negro (Black Swan, 2007, e Dom Quixote, 2011) é o título de um livro do epistemólogo e matemático libanês Nassim Taleb sobre os riscos e a incerteza. O cisne negro é um acontecimento extremo, imprevisível e que desfaz os esquemas estabelecidos. A metáfora de Taleb inspira-se na avis rara do escritor latino Juvenal, numa época em que todos os cisnes eram brancos. A descoberta de um cisne negro na Austrália, no século XVII, desintegrou aquela convicção milenar. O cisne negro é um acontecimento “aberrante” e que muda tudo. Pode ser um cataclismo ou uma invenção. Taleb dá como exemplos a Internet, a I Guerra Mundial, a queda da URSS ou o 11 de Setembro.

Podemos argumentar que não é Trump quem muda o mundo e que foi uma imprevista mudança do mundo que o fez chegar à Casa Branca. O certo é que só depois dele podemos procurar causas ou explicações. A Europa estava preparada para gerir crises na “normalidade”, mas a chegada do cisne negro mudou o quadro.

2. Trump despreza os aliados, mostra deferência perante os inimigos e aprecia os “homens fortes”. Na cimeira da NATO confirmou o seu papel de demolidor da “velha ordem” nascida da II Guerra Mundial e do seu sistema de alianças. A sua “América forte” implica a renúncia à própria liderança americana na “ordem mundial”. Não representa o que o establishment político-militar americano pensa: é o que o Presidente faz.

Como olhar Trump? O primeiro risco é segui-lo na anedota e no teatro com que distrai os seus críticos. Edward Luce, chefe da delegação do Financial Times em Washington e autor de um livro sobre Trump (The Retreat of Western Liberalism, 2017), faz um aviso: “Quanto mais Donald Trump denigre a NATO maior é o escândalo que provoca na Europa. A moral faz-nos sentir bem. Mas também pode provocar cegueira intelectual.” Os democratas americanos preferiram a “justa indignação à clareza analítica”. Acreditaram, por exemplo, que as mulheres jamais votariam Trump. Enganaram-se. “Os Estados Unidos nunca retirarão as tropas da Europa, dizem em Bruxelas. Mas Trump pode fazer exactamente isso. Qual das margens do Atlântico teria mais a perder?”

“Ele inventa os seus próprios factos” e, instintivamente, sabe visar os pontos vulneráveis do interlocutor, insiste Luce. Sabotar as alianças diminui a força da América. “Mas o maior perdedor é a Europa. A sua sobrevivência depende da garantia americana.” A Rússia não só ameaça a sua fronteira oriental como interfere activamente na tentativa de desagregação da UE a partir do Leste, dos populismos nacionalistas e, inclusive, das tentações autoritárias.

Conclusão: “A América liberal encarou Trump literalmente mas não seriamente. A Europa não deveria repetir este erro.” Acabou o mundo pós-1945. Merkel reconheceu, em tom pessimista, que a Europa tem de tomar o destino nas suas mãos. É mais fácil fazer diagnósticos do que indicar a terapia. Mas com Trump, e provavelmente mesmo depois de Trump, mudou a aliança.



15.7.18

Em Espanha, hoje, foi assim



Hundreds in Spain protest transfer of Franco’s remains.

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«Fuga de cérebros» versus «ilegais»




A ler - é isto.
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A quinta coluna



Daniel Oliveira no Expresso de 14.07.2018:

«Augusto Santos Silva nunca apreciou a atual solução governativa. Ela é contraditória com a clivagem política fundamental que acredita existir na Europa e em Portugal: em vez de esquerda contra direita, europeístas contra eurocéticos e moderados contra populistas. Uma visão coerente com o enorme entusiasmo que mostrou com a vitória de Emmanuel Macron, o homem que traiu e enterrou o Partido Socialista Francês. Assim sendo, PCP e BE estão, do seu ponto de vista, no espaço político oposto ao do PS. E PSD e CDS, podendo ser concorrentes, são aliados estratégicos. A ‘geringonça’ é e sempre foi, para Santos Silva, uma fase tática que aceitou por razões igualmente táticas. Mas um solução contranatura.

Numa entrevista à Rádio Renascença, Santos Silva defendeu que a ‘geringonça’ deveria ser reeditada depois das próximas eleições. Mas o compromisso deveria ser maior: entre outras áreas, teria de haver um entendimento sobre a União Europeia. Recordo que, em dezembro do ano passado, Santos Silva disse ao jornal “Die Zeit” que não era “fundamentalmente contra medidas de austeridade”, apenas achava que tinha sido necessário dar “um sinal de recuperação à população”. Ao contrário de Costa, Santos Silva acredita na solução austeritária imposta durante a crise. Não é por isso credível que esteja a defender que o PS faça qualquer tipo de cedências ao PCP e ao BE em política europeia. O que Santos Silva está a dizer é que, para haver um novo entendimento, comunistas e bloquistas têm de passar a defender as vantagens do dogmatismo monetário, a cegueira dos limites orçamentais, e que o combate à inflação tem prioridade face à promoção do emprego, como expressamente exige o dogma do BCE. BE e PCP teriam de se transformar no oposto do que são.

Tem razão Manuel Alegre quando sublinha a contradição entre a defesa da reedição da ‘geringonça’ e a exigência de que os partidos se entendam naquilo em que estão irremediavelmente distantes. Mas o que Santos Silva pretendeu defender na Renascença não foi a renovação da ‘geringonça’, foi uma negociação que a leve a um beco sem saída e assim a enterre. Santos Silva não quer uma clarificação do PCP e do BE, quer uma clarificação do PS. Isto é apenas a continuação do debate iniciado no último congresso. Quer provar por dentro o que Assis não conseguiu provar de fora. É, sempre foi, uma espécie de quinta coluna dentro da ‘geringonça’. Só que, enquanto Assis e Sousa Pinto tiveram a coragem de assumir a divergência e por isso ficaram longe da esfera de influência da direção do PS, Santos Silva preferiu agarrar o lugar de ministro, que também deve ao PCP e ao BE. A forma enviesada como combate a ‘geringonça’ é coerente com a forma pouco clara como se comprometeu com esta solução de Governo. Uma e outra, mais do que um perfil político, traçam um perfil de personalidade. António Costa veio desautorizar a tese de que a ‘geringonça’ só se repetirá com um acordo em torno da Europa — que é o mesmo que dizer que não se repetirá. Não é a primeira vez que Santos Silva se substitui a Costa na definição estratégica do PS. A questão é saber se o faz por autorecriação ou com autorização do primeiro-ministro, que depois tempera a coisa, deixando que fique o recado. Como não tenho qualquer razão para pensar que Santos Silva deixou de estar no núcleo duro do líder, continuo a achar que Costa está a jogar um jogo duplo e perigoso, que tem tudo para correr mal nas próximas eleições.»
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