6.10.18

Monserrat Caballé



Calou-se hoje, uns meses depois de chegar aos 85.
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Banksy? Genial!



Parem as máquinas porque esta é a mais extraordinária notícia do dia. Banksy, cuja identidade nunca foi revelada, terá sido o autor da destruição de uma das suas obras, que tinha acabado de ser leiloada pela Sotheby's por mais de um milhão de euros.(Comando à distância, que terá accionado uma máquina destruidora de papel, instalada na moldura.)

Orbán, Trump, Bolsonaro: como chegámos até aqui?



«Bolsonaro sairá amanhã à frente na corrida para a 2.ª volta das eleições brasileiras – e eu sou dos que temo que seja mesmo eleito no próximo dia 28. Os Le Pen pai e filha já chegaram duas vezes à 2.ª volta das presidenciais francesas. Trump foi eleito presidente da maior economia e do maior arsenal de armas do mundo. A extrema-direita tem 15%-25% dos votos em meia Europa e, só na UE, dirige ou participa em governos de coligação de dez países (da Itália e Bélgica à Hungria e Polónia).

Há pelo menos 25 anos que este processo está em curso. Desde que a direita radical começou a assaltar o poder nos países pós-comunistas, que Berlusconi chegou ao governo aliado com a extrema-direita e que os EUA passaram a ter presidentes como Bush Jr. e Trump, que se discute se o clamor racista, xenófobo e o discurso do ódio e do Estado policial (e/ou da sociedade em armas) que se foi banalizando são ou não a versão séc. XXI do fascismo. Agora que também o Brasil pode somar-se à lista, perguntemo-nos como chegámos até aqui.

Antes de mais, o ponto a que chegámos é um estádio já avançado da transição autoritária por que está a passar o Ocidente pela segunda vez nos últimos cem anos (desde o fim da I Guerra Mundial). Ela segue efectivamente alguns dos passos que seguiu nos anos 1920 e 30: não pela via do golpe militar que rompia bruscamente com o regime mas pela via da transição legal para a ditadura. Sintoma central dessa transição é a degradação generalizada da qualidade do sistema democrático, adoptando, antes de mais, formas de reforço do poder executivo que violam constituições, atacam políticas sociais que se julgava terem-se tornado ganhos definitivos e violam tratados internacionais (suspendendo, como a França ou a Grã-Bretanha, a aplicação da Convenção Europeia de Direitos Humanos) e que são incompatíveis com a democracia. Não há fascismo sem emergência, sem que a maioria da sociedade acredite que vive em estado de emergência – social e económica por causa de uma crise, securitária por causa daquilo que lhe explicam ser uma guerra (contra “o terror”, por exemplo, ou, como no Brasil, contra “o crime”). É nesta emergência tornada permanente, e que parece não terminar nunca, que, ao mesmo tempo que se fragiliza ao extremo a vida dos mais pobres, dos sem poder, o Estado adopta medidas securitárias “extraordinárias”, concedendo poderes discricionários às polícias e aos serviços de informação, sem controlo judicial e democrático (tortura, invasão de domicílio, vigilância não autorizada...). O Estado e os media banalizaram um discurso autoritário contra a democracia (disfarçado, contudo, de preocupação com a “protecção da democracia”) que defende que a lei não protege os cidadãos, e por isso há que revogar direitos e liberdades cívicas dos “suspeitos” de pôr em causa a “segurança”, mas, dessa forma, generalizando a todos os cidadãos a retirada desses direitos e dessas garantias. O discurso da paranóia securitária, não só culpabiliza minorias étnicas e grupos sociais inteiros (que podem ir dos muçulmanos em países ocidentais aos pobres e favelados no Brasil, suspeitos de parasitarem o Estado e de serem ameaças potenciais de roubo e violência), como justifica suspender, na prática, a democracia.

É por isto que, mais do que em quaisquer outros recursos do Estado, é nos aparelhos securitários que a extrema-direita se quer infiltrar. Como se percebe bem pelas denúncias do Conselho da Europa sobre a polícia portuguesa, ou pelo que se passou recentemente na Alemanha, os neofascistas nem sequer precisam de chegar ao poder e nomear ministros para atingir este fim. Da Rússia às chamadas democracias consolidadas ocidentais, nas Américas ou em Israel, muita gente no topo destes aparelhos na Europa partilha os mesmos mitos dos neofascistas dos nossos tempos: que está em curso uma “invasão demográfica” (muçulmana, africana...) do Ocidente, feita por homens e mulheres que são “inassimiláveis”, que vêm ofender “o nosso modo de vida”, os “valores cristãos” e/ou “tradicionais”. Outra versão desta construção do “inimigo interno” é aquela que nos últimos anos regressou em força ao Brasil, aos EUA, mas também à Europa: a de que há uma conspiração (escolha-se o adjectivo) “cosmopolita”, “marxista”, “politicamente correta” contra “a família”, a “tradição” ou a história e os “heróis” nacionais – como há dias se achou, de forma muito reveladora, que o Conselho da Europa estava a fazer com Portugal...

O fascismo nunca triunfa só com fascistas. Os que lhes emprestam credibilidade (e lhes dão o voto) é que são o problema. Um dia acordamos com eles no governo. A criar raízes.»

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5.10.18

O 5 de Outubro de há 100 anos – a pneumónica




Há 100 anos, a capital foi atingida severamente pela segunda vaga de gripe pneumónica. Morreram milhares de pessoas. Um relato impressionante!
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Música do dia



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Ronaldo?



Tivesse a FLAMA (Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira) declarado a independência da ilha nos idos de 70 e TVs e, sobretudo, redes sociais portuguesas tinham perdido 2/3 do seu conteúdo nas últimas 48h.
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Como se elege um fascista



«O erro da ditadura foi torturar e não matar.” “O soldado que vai à guerra e tem medo de morrer é um cobarde.” “Deveriam ter sido fuzilados uns 30 mil corruptos, a começar pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.” “Seria incapaz de amar um filho homossexual.” Dirigindo-se a uma deputada: “Não te estupro porque você não merece.” “Mulher deve ganhar salário menor porque engravida.” “Nem para procriador o afrodescendente serve mais.” “Parlamentar não deve andar de ónibus.” Como ficaram os brasileiros anestesiados, a ponto de poderem eleger como presidente o autor destas alarvidades? Um homem que nem sequer está livre de acusações de corrupção. O PT tem culpas. Por não ter livrado o Brasil da dependência das matérias-primas, o que tornou a crise inevitável. Mas foi com ele que assistimos ao maior salto económico e social da história do Brasil. Por não ter feito a reforma política e ter mantido todo o sistema dependente da compra e venda de deputados, incluindo os seus. Mas foi ele que fez as leis que facilitaram o combate à corrupção, mal de sempre no Brasil. Por não ter percebido que as primeiras manifestações, em 2013, não eram uma contrariedade mas uma oportunidade para mudanças mais profundas. Preferiu entregar o protesto à direita.

O PT falhou, falhou, falhou. Mas não foi o PT que fez Bolsonaro. Foi o golpe. Os que fizeram cair Dilma, criando um ambiente de exceção constitucional, não tinham ninguém para pôr no seu lugar. Só o caos. Com o mais popular dos candidatos preso, e a oposição ao PT amarrada ao mais impopular governo da história, Bolsonaro ficou sozinho no descontentamento. Foi à direita tradicional, sobretudo ao PSDB, que foi buscar os votos. Não foi ao PT. O grotesco Jair Bolsonaro não é o representante da fúria popular contra a elite. Tem 40% de apoio entre os mais ricos, 38% entre quem tem curso superior e 37% no sul. Tudo acima da sua média. Entre quem recebe mais de 10 salários mínimos o índice de rejeição do candidato do PT chega aos 57%, o de Bolsonaro fica-se pelos 37%. Nos eleitores com menos de dois salários mínimos acontece o oposto: Bolsonaro tem uma rejeição de 48% e Haddad de 20%. Se só votassem homens com mais de cinco salários mínimos Bolsonaro seria eleito na primeira volta com mais de 50% dos votos. Se só votassem mulheres pobres ficava nos 10%. Numa entrevista que fiz a Gregório Duvivier, o humorista da “Porta dos Fundos” defendeu que a irritação da classe média com o PT se deve a uma perda relativa de estatuto. Enquanto ficava no mesmo lugar, viu os ricos ficarem mais ricos e distantes e milhões a saírem da miséria e a aproximarem-se. Não se vencem eleições no Brasil com a classe média ressentida, mas sempre foi com ela que os fascistas ganharam músculo. Para porem os pobres na ordem.

Graças à popularidade de Lula, Fernando Haddad irá à segunda volta. Terá de se confrontar com uma ideia instalada pelos media: que os extremos se tocam. Como se o prefeito que encheu São Paulo de ciclovias e transportes públicos fosse comparável à besta que grita que vai fuzilar os opositores. Esta normalização de Bolsonaro revela que, para a elite económica, política e mediática brasileira, mais vale um fascista do que um democrata que queira redistribuir rendimento. Só na segunda volta saberemos até que ponto o classismo, e não a democracia, continua a ser a marca identitária de quem manda no Brasil.»

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05.10.2012 – República



Há seis anos estava tudo errado: o Presidente e a bandeira.
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4.10.18

Brasil




A coisa por lá está preta, bem preta.
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Web Summit?



«Daqui por 10 anos, pessoas de todo o mundo continuarão a ter de viajar milhares de quilómetros, deixando a correspondente pegada ecológica, para se encontrarem em Lisboa para discutir e celebrar a tecnologia. Nessa altura, ao que parece, a tecnologia ainda não lhes permitirá reunir à distância.»

Rui Rocha no Facebook
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A novela de Tancos: já não existem polígrafos?



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"Há dois Mários Centenos"



«O deputado eleito nas listas do PS considera que é mesmo importante baixar a factura da luz às famílias. Também discorda do Governo em termos estratégicos: se depender de Paulo Trigo Pereira, os superávits preconizados pelo executivo socialista bem podem esperar...

António Costa deixou na entrevista à TVI que não se confirma a descida do IVA da electricidade neste Orçamento. O primeiro-ministro admitiu que a factura da luz talvez desça, mas por outras vias. Concorda com esta opção?
O preço da electricidade em Portugal é dos mais caros da Europa e o peso dos gastos da energia nos orçamentos das famílias portuguesas também é muitíssimo elevado. Temos que reduzir isto. A questão é que uma baixa da taxa do IVA teria uma repercussão orçamental brutal. Está na taxa máxima. Mesmo que fosse para a intermédia teria uma implicação brutal e depois teríamos que ver como iríamos financiar isto, se era com aumento de impostos, se era de outra maneira.

O objectivo é reduzir os encargos que as famílias e as empresas têm com a energia e há várias maneiras de o conseguir. Uma é retirar da factura que as famílias pagam componentes que não têm nada a ver com a energia. Por exemplo, a taxa de ocupação do subsolo. Há uma série de rendas que estão nos chamados CMEC que vão para municípios e que deviam ser as empresas a suportar e que são repercutidas nos municípios. A ideia, que já está contemplada no Orçamento do Estado anterior, é que esses custos não devem estar na factura. Ainda por cima os municípios têm liberdade para definir esta taxa, a da ocupação do subsolo, que é o direito de passagem, se quiser. Há taxas inacreditáveis que estão a ser praticadas. Outra questão essencial é pensar nas famílias mais carenciadas e na tarifa social de energia que está muito pouco implementada. É um direito que as famílias têm, mas, por desconhecimento ou por outra razão qualquer, o facto é que há relativamente poucas famílias a aderirem à tarifa social de energia. Se calhar, tem que se simplificar os mecanismos burocráticos.

O economista Ricardo Cabral, que conhece muito bem, escreveu há dias no PÚBLICO que provavelmente pela primeira vez desde 1973 poderíamos ter défice zero em 2018, a anunciar em 2019, ano de eleições. Paulo Trigo Pereira manifestou-se contra a redução tão acelerada do défice.
Eu acho que não vamos ter défice zero, até porque existem as chamadas medidas “one-off” que têm a ver com capitalização. Mas sim, podemos vir a ter um défice de cerca de menos 0,2.

Tecnicamente é zero.
Já agora, as décimas do défice são geríveis pelo Ministério das Finanças. O ministro das Finanças, com o grau de liberdade que tem nas cativações, na reserva orçamental, na dotação orçamental do Ministério das Finanças, pode ajustar — entre duas e três décimas é perfeitamente ajustável. Acho que não será zero, haverá algum défice, à volta de -0,2% sem medidas extraordinárias. Se eu concordo que o défice vá a zeros? Discordo. Aliás, eu e Ricardo Cabral, meu estimado amigo e colega, fizemos um livro, mais dois investigadores, em que defendemos algo que não se fala e que é a coisa mais importante que se devia estar a discutir neste momento, que é o objectivo de médio prazo para as finanças públicas. Ou seja, para onde queremos prosseguir? Vamos continuar a reduzir o défice eternamente? Isto devia estar a ser discutido, porque está a ser discutido agora a nível europeu e vai ser deliberado no início de 2019. E se o objectivo de médio prazo para as finanças públicas — ou seja, o saldo que devemos atingir no médio prazo — continuar a ser o que está agora, que é de mais 0,25% do PIB, temos que continuar a apertar o cinto até 2022-2023.

A razão que nos levou a escrever o livro é que nós achamos essencial rever isto. Mário Centeno vai ter um papel, enquanto líder do Eurogrupo, nesta matéria. Isto não deve ser só para Portugal. Os tratados, o Programa de Estabilidade, a Lei de Enquadramento Orçamental, falam sempre de um défice de -0,5%. Depois há a regra do -3. Isto é absolutamente crucial para Portugal e para o próximo Governo, já agora, que isto seja revisto em baixa. O que acho razoável, e é aquilo acho expectável, é que este ano o défice sem medidas extraordinárias ande à volta de -0,2 e para o ano a mesma coisa. Chegámos ao limite da redução do défice que é perfeitamente sustentável do ponto de vista da dinâmica das finanças públicas e da dinâmica da dívida pública. Nós não precisamos de continuar a apertar, apertar, apertar o cinto.



3.10.18

Pela atribuição de bandeira portuguesa ao Aquarius II



«O ‘Aquarius’ II é um navio de salvamento de migrantes, cuja atividade salvou milhares de vidas. Desde a sua primeira viagem, em fevereiro de 2016, este navio resgatou cerca de 30 mil pessoas e foi responsável pelo registo e denúncia de crimes cometidos contra os direitos humanos de migrantes e refugiados.

Este navio teve dois registos de embarcação e por duas vezes os perdeu. Viu primeiro Gibraltar retirar-lhe o pavilhão, no dia 14 de agosto deste ano. E, mais recentemente, perdeu o registo concedido pelo Panamá, por pressão das autoridades italianas. O objetivo do Governo italiano é claro e manifesto: impedir que o ‘Aquarius’ prossiga as operações de resgate, comprometendo a sua operação e fazendo perigar dramaticamente a vida de milhares de pessoas.

Ao navio ‘Aquarius II’, à sua tripulação e às ONG envolvidas devemos cada vida que foi salva e cada denúncia que foi feita. Mas devemos também o incansável exemplo de solidariedade de quem nunca desistiu do humanismo como alternativa à xenofobia.

Por isso, em defesa dos direitos humanos, os/as subscritores/as desta carta aberta apelam ao Governo da República Portuguesa para que conceda ao ‘Aquarius II’ o registo de embarcação no nosso país, permitindo dessa forma a continuação das suas missões de salvamento de pessoas cuja vida e cuja esperança se afunda no Mediterrâneo.»

Pode juntar-se à iniciativa e assinar uma Petição a partir DAQUI.
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02.10.1968 – México: «Não queremos olimpíadas, queremos revolução»



No dia 2 de Outubro de 1968, na Plaza de las Tres Culturas (Tlatelolco), ao Norte da cidade do México, terminou um movimento dos estudantes mexicanos, que durou 146 dias. Aproveitando a realização dos Jogos Olímpicos na capital do país, tinham procurado chamar a atenção do mundo para a corrupção do poder e o autoritarismo do Partido Revolucionário Institucional, no poder durante mais de setenta anos. «Não queremos olimpíadas, queremos revolução», gritava-se entre muitos outros slogans.

Acabou por ser o único movimento estudantil da época, que terminou com uma matança brutal. Ainda hoje não se sabe exactamente o número de mortos, que varia entre os 44 «documentados» e os mais de 300 reivindicados pelas famílias. E os responsáveis continuam impunes.

A ler: Solo la muerte doma a los estudiantes.




Dez dias depois começaram os Jogos Olímpicos que viriam a ficar na História pelo célebre Black Power Salute.



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Web Summit: mais 10xanosx10




Há tempo para Le Pen ou Bolsonaro virem como PRs sem poderem ser desconvidados.
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O racismo, a polícia e a independência



«Portugal surge, frequentemente, no topo dos relatórios internacionais sobre violência policial devido às acusações de discriminação racial de que são alvo afrodescendentes ou estrangeiros no momento em que são detidos ou que estão sob a guarda das forças policiais. O relatório da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (um organismo independente dos direitos humanos dos 47 países do Conselho da Europa), divulgado esta terça-feira, é apenas mais um.

Portugal é citado neste relatório por duas razões: a acusação contra 18 agentes da esquadra da PSP em Alfragide, que respondem em tribunal por suspeitas de racismo e tortura infligidas a moradores negros do Bairro Cova da Moura, e por causa de Elson “Kuku” Sanches, um jovem negro de 14 anos, supostamente alvejado por um polícia a curta distância. No primeiro caso, a IGAI, a Inspecção-geral da Administração Interna, decidiu arquivar as acusações e limitou-se a sugerir a suspensão de um polícia e a transferência de um segundo. Mas, como se sabe, o Ministério Público achou que existiam motivos suficientes para levar a tribunal os agentes, que ainda não foram condenados. No segundo caso, o agente foi absolvido.

Claro que é o caso de Alfragide que faz com que Portugal surja no topo destes relatórios elaborados por instituições europeias das quais o país faz parte. Mas este caso não deve ser usado como desculpa, simplesmente por ter sido mediatizado, como diz Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia. A discriminação racial pode ser invisível a um determinando nível, de tão subcutânea que é, nos manuais escolares ou no quotidiano. Mas a verdade é que ela está lá. O número de crimes de discriminação racial registados (48) em 2017, pela Direcção-Geral da Política de Justiça, é o dobro do ano anterior. Desengane-se quem pense que a questão é meramente estatística.

A crítica mais certeira que estas instituições têm feito ao país radica no facto de o Estado se ter convencido que basta uma inspecção-geral para afastar qualquer ténue dúvida sobre o comportamento policial. O Estado e os cidadãos teriam tudo a ganhar se, como recomenda este último relatório, fosse criado um órgão independente com o objectivo de investigar todos os eventuais abusos e discriminação policial. Nem todos os polícias são racistas ou xenófobos. Os que não o são certamente que nada teriam a temer.»

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2.10.18

Da série «grandes títulos»



Que ninguém se assuste, Portugal não vai acabar: não há exércitos espanhóis nas fronteiras, nem qualquer ameaça de Trump contra a Geringonça!
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02.10.1925 – José Cardoso Pires



José Cardoso Pires nasceu em 2 de Outubro de 1925 e já morreu há 20 anos – tempo a mais.

Tive a sorte de o conhecer. Poderia descrever aqui como, pelo mais puro dos acasos, almoçámos juntos, perto do Largo do Carmo, no dia 25 de Abril de 1974; os sustos que apanhávamos, nesta casa, quando ele (que nunca se entendeu bem com automóveis) saía guiando o carro a 20 km à hora, depois de larguíssimas horas de conversa e de uns tantos copos de wkisky; como se comia bom peixe num barracão em plena praia da Caparica, «Tricana» de seu nome.

Deixo um apontamento sobre um episódio passado há décadas. Na mais total das inconsciências, eu julgava então que, para um escritor como ele, a prosa fluía espontaneamente, «ao correr da pena» no sentido estrito da expressão. Daí a minha perplexidade quando, no andar da Costa onde se refugiava, ele ia escrevinhando coisas, aparentemente mais do que banais, que íamos dizendo numa conversa a três. Mostrou-me então longas tiras de papel onde punha palavras, pequenas frases e trocadilhos para mais tarde utilizar. Disse-me também que uma das maiores preocupações, nas sucessivas revisões que fazia dos seus textos, era tirar adjectivos. Mal eu sabia quanto esta conversa, que nunca esqueci, viria a ser-me útil muitos anos depois.

Não sei se estas vivências tiveram ou não uma influência decisiva para que ele seja, desde há muito, o meu autor português preferido. Julgo que sim, é bem provável que sim.

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«Público», um novo jornal humorístico



Nada tenho contra o facto de o Público se tornar um jornal humorístico, mas este destaque de um texto de Rangel sobre a Roménia e a Eslováquia merece uma comenda. Alô, Belém, não há por aí alguma medalha?
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Ideologias e interesses no debate sobre a saúde



«A discussão em curso sobre a nova lei de bases da Saúde é por vezes apresentada como um debate entre quem pretende melhorar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e quem por razões ideológicas ou corporativas pretende deixar tudo como está. Esta forma de enquadrar a polémica é triplamente equívoca. Primeiro, é hoje consensual que há problemas sérios no funcionamento do SNS e que são necessárias novas soluções. Segundo, todas as partes do debate são influenciadas por razões de natureza ideológica. Terceiro, os factores decisivos para o futuro do SNS não são hoje as considerações técnicas nem as convicções ideológicas - são os interesses em jogo e a capacidade que têm de impor as suas vontades.

A questão central no actual debate sobre o futuro do SNS é a relação entre o Estado e o scetor privado empresarial. Não se trata de saber se devem ou não existir serviços privados de saúde. A par com o Estado e o sector social (onde o papel das Misericórdias é central), o sector empresarial é um actor institucional estabelecido e reconhecido no sistema de saúde português. O debate centra-se hoje em saber se deve ou não o Estado contribuir para reforçar o papel deste sector na provisão de serviços de saúde em Portugal.

De facto, embora a Constituição portuguesa estabeleça como dever do Estado a protecção da saúde através de um através de um SNS universal e tendencialmente gratuito, o sector privado tem assegurado alguns serviços essenciais. Áreas como a medicina dentária, os exames de diagnóstico, a diálise e a fisioterapia são ainda hoje escassamente cobertas pelos serviços públicos de saúde, embora o recurso aos prestadores privados seja em larga medida financiada pelo Estado (por via de convenções, benefícios fiscais, etc.). Até aqui os serviços públicos continuaram a assumir um papel central na provisão de cuidados de saúde pública (por exemplo, na vacinação), nos cuidados de saúde primários (principalmente nos centros de saúde) e nos serviços hospitalares. Mas o cenário aqui descrito tem vindo a mudar.

Há 30 anos a saúde privada em Portugal consistia maioritariamente em actividades dispersas e de escala reduzida. Algumas empresas providenciavam aqueles serviços que o Estado nunca assegurou. Por seu lado, grande parte dos médicos complementava o exercício da profissão no sector público com actividades mais ou menos frequentes em consultórios e clínicas privadas de pequena dimensão. Por vezes, a acumulação de funções públicas e privadas - e a recorrente confusão de papéis - provocou distorções e ineficiências no funcionamento do sistema público. No entanto, a possibilidade que era dada aos médicos de exercerem actividades públicas e privadas em simultâneo funcionou - e continua a funcionar - como válvula de escape do sistema, face à incapacidade do Estado em remunerar os profissionais de saúde de acordo com as suas aspirações. Tanto ou mais do que colmatar as deficiências no funcionamento do SNS, era esse o papel tradicional da medicina privada em Portugal.

Desde então, o panorama da saúde privada em Portugal mudou radicalmente. Nas últimas duas décadas assistiu-se a uma expansão acelerada do sector privado em Portugal, com uma natureza muito distinta do que sucedia tradicionalmente. Os projectos empresariais na área da saúde assentam hoje em grandes grupos económicos que apostam em simultâneo na criação e gestão de centros hospitalares e na oferta de seguros de saúde que alimentam uma boa parte da procura dos hospitais privados. Estes hospitais não se dedicam apenas aos internamentos, absorvendo também uma parcela cada vez maior das consultas em regime ambulatório, conduzindo assim à crescente concentração da oferta de saúde privada.

Os investimentos dos grupos económicos no sector da saúde seguem uma lógica estritamente financeira. O seu objectivo é não apenas gerar e distribuir lucros, mas também apostar na valorização imobiliária dos edifícios que adquirem e captar as poupanças dos indivíduos e famílias através da actividade seguradora. Os recursos financeiros assim obtidos não são necessariamente investidos na expansão e melhoria da qualidade dos serviços de saúde prestados, estando antes sujeitos às estratégias de gestão de portfólio comuns a qualquer grupo económico, sejam quais forem as suas áreas de actuação.

Não é surpreendente que os grupos privados que investem neste sector se empenhem em transformar o SNS, visando promover a expansão da oferta privada. O objectivo é recentrar o papel do Estado, tornando-o essencialmente em financiador do sistema de saúde e deixando para os privados a provisão de uma parcela crescente de serviços. Se tal evolução traria benefícios para o conjunto da sociedade é outra questão.

O processo de financeirização da saúde acima descrito não é uma especificidade portuguesa, sendo observável em vários países do mundo. Os riscos deste processo têm sido debatidos internacionalmente e incluem: a tendência para a dualização dos cuidados de saúde (ou seja, a existência de serviços privados de maior qualidade para ricos e serviços públicos com recursos reduzidos para pobres); a degradação e a precarização das condições laborais dos profissionais de saúde, sujeitos à pressão permanente para a geração de lucros; a redução a médio-prazo dos níveis de investimento no sector; a delapidação da legitimidade democrática de um serviço público de saúde geral e universal (já que as classes médias, sobre quem cai o grosso da carga fiscal, começam a questionar a razão de ser do seu contributo para o sistema); e, não menos importante, a captura das agências públicas por interesses cada vez mais poderosos e cujos lucros dependem crucialmente da actividade reguladora do Estado.

Este debate é, com certeza, influenciado por convicções ideológicas. De um lado há quem esteja convencido que a pressão da concorrência é sempre factor de melhoria de qualidade; do outro quem considera que a lógica de mercado não conduz necessariamente à eficiência e muito menos à equidade em todas as esferas da vida em sociedade. Não existem ainda muitos estudos que permitam a qualquer uma das partes reivindicar a validade das suas convicções.

Seria bom que nenhuma reforma estruturante do sector da saúde fosse feita sem ter por base dados mais sólidos sobre a sua pertinência. Não é para aí que as coisas parecem caminhar. Mais do que a ideologia ou a ciência, hoje na saúde são os interesses que falam mais alto.»

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Da série «Grandes Capas»



1.10.18

Hermano José versão Cavaco


Aznavour: uma entrevista dois dias antes de morrer aos 94


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Charles Aznavour, o arménio



Charles Aznavour − ou, mais exactamente, Shahnour Vaghinagh Aznavourian (Շահնուր Վաղինակ Ազնավուրյան) − nasceu e morreu hoje em Paris, francês mas de origem arménia e, nesse país em que estive há uma meia dúzia de anos, terá sempre a nacionalidade dos seus pais emigrantes.

É um ícone nacional, não só pelo seu êxito como cantor, mas também e talvez sobretudo, pela sua acção após o terramoto de 1988. Percorreu o país pouco depois, criou uma Fundação específica para o efeito, que reuniu mais de 150 milhões de dólares, tem estátuas (vi uma em Gyumri, a cidade mais arrasada em 1988) e o governo doou-lhe uma casa que avistei em Yerevan, onde funciona a referida Fundação. Os arménios não esquecem.




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Extrema-direita na Áustria: devemos ficar preocupados?



«Estar a viver temporariamente em Viena dá-me o pretexto ideal para falar sobre os recentes acontecimentos políticos na Áustria e as suas possíveis consequências no quadro europeu.

Até recentemente, a política doméstica austríaca não merecia especial atenção além-fronteiras. E os austríacos agradeciam. Afinal de contas, depois das catástrofes políticas do século passado, é preferível deixar o grande plano para outros atores. Mas tudo muda. E hoje, a Viena outrora de Strauss e Schubert vive tempos assustadores. Pelo menos é essa a percepção daqueles com quem me cruzo diariamente, desde o cidadão comum aos especialistas em ciência política. Obviamente esta percepção é muito provavelmente enviesada e até minoritária – afinal de contas, as sondagens continuam a indicar elevados níveis de apoio ao novo governo. Mas isso é que é assustador. Porquê? Façamos então um breve exercício de memória.

No último ano, o Partido Popular (ÖVP), partido habituado a governar ao longo dos anos, ganhou as eleições. Mas enfrentou, novamente, uma vitória sem maioria parlamentar, aliando-se, desta vez, com a extrema-direita do Partido da Liberdade (FPO), que arrecadou cerca de 31% dos votos. Embora esta coligação não seja uma novidade para os austríacos – aconteceu também em 2000 –, o partido tem muito mais poder atualmente, incluindo o controlo de importantes ministérios. Muito já se escreveu sobre o Partido da Liberdade: partido nacionalista, conservador, anti-imigração e islamofóbico fundado por nazis (entre outros) depois da 2.ª Guerra Mundial. Quando entrou para o Governo em 2000, outros países da União Europeia impuseram, em protesto, pequenas sanções à Áustria. Contudo, a paisagem política europeia atual dita outra reação: aceitação silenciosa. Até porque Kutz, líder do ÖVP, prometeu construir um governo pró-europeu.

Mas a extrema-direita na Áustria não é uma novidade e tão pouco se fica pelas estruturas de poder político formais como o parlamento e o governo. A extrema-direita também se faz sentir nas ruas. O movimento “identitário” pan-europeu iniciado em França no ano de 2003 tem o seu “bloco” mais visível, atualmente, na Áustria desde a sua implementação em 2012. Embora a importância real deste grupo seja frequentemente inflacionada pela cobertura mediática que lhe é dada, a sua longevidade e recente crescimento merecem, porém, algum destaque quando falamos na extrema-direita na Áustria.

Muitos questionam qual o verdadeiro perigo da ascensão da extrema-direita na Europa. Parece haver duas perspetivas dominantes: 1) os media retratam esta ascensão num tom apocalíptico que tem pouca adesão à realidade – recorde-se o alerta do primeiro-ministro português à saída da reunião de chefes de Estado e Governo em Salzburgo há uns dias atrás; ou 2) a Europa devia estar muito preocupada porque, a passos largos, estamos a caminhar para uma Europa cada vez menos democrática e tolerante. Eu partilho a visão mais pessimista. E acredito que a inclusão do Partido da Liberdade como parceiro governativo constitui uma mudança sistemática na política austríaca com severas repercussões e implicações para o resto da Europa. Por várias razões. Pelo peso eleitoral e territorial do partido no país: já não é a primeira vez que chega ao governo e desde a sua implementação que tem aumentado substancialmente a sua expressão eleitoral; é também apoiado por grupos da sociedade civil, grupos e movimentos de extrema-direita e direita radical. Pela posição geográfica do país: é particularmente assustador à luz das recentes derivas à direita com traços autoritários dos países vizinhos, como a Hungria, Croácia e Polónia. E por aquilo que representa para os partidos austríacos mainstream habituados a dividir o poder entre si. Na última eleição o ÖVP virou completamente à extrema-direita em alguns temas importantes. Em campanha eleitoral, Kurz chegou mesmo a aliciar os simpatizantes da extrema-direita com a promessa que ele é que seria capaz de implementar uma política anti-imigração eficaz, ao contrário do FPO. Enquanto o partido social democrata (SPÖ) optou pelo silêncio em questões fraturantes.

No entanto, a inclusão do Partido da Liberdade no governo não é o resultado mais assustador per se. A extrema-direita sempre esteve presente na política Austríaca. Enquanto em 2000 a Áustria estava isolada e era um outlier (o que explica as sanções impostas por vários países europeus), em 2018 a Áustria é mais um caso de sucesso entre muitos outros onde a extrema-direita e a direita radical estão a crescer, como na Alemanha, Suécia, Grécia e Holanda. Passados quase 20 anos, o panorama europeu é muito diferente. A extrema-direita e o populismo estão hoje mais musculados, poderosos e imbuídos em algumas instituições nacionais e até no Parlamento Europeu.

No próximo dia 4 de Outubro está previsto um protesto na cidade de Viena, que vai reunir grandes figuras do panorama cultural e intelectual austríaco, incluindo Elfriede Jelinek, prémio Nobel da Literatura. Espera-se que esta seja uma das maiores manifestações desde o início de funções do governo, em 2017. Esperemos que muitos mais protestos se repitam. E que os europeus respondam em massa contra o populismo e a extrema-direita nas próximas eleições europeias em Maio de 2019.»

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30.9.18

É mais ou menos isto


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Indonésia: isto é que é um enormíssimo drama!




«O número de mortos nos terremotos e no tsunami que atingiram a ilha indonésia de Sulawesi dobrou e chegou a 832 em um balanço divulgado neste domingo (30). Porém, esse número pode subir, pois 29 pessoas seguem desaparecidas e mais de 500 estão feridas – muitas em estado grave.
Estima-se que 350 mil pessoas tenham sido afetadas pelo terremoto ou pelo tsunami, sendo que 16.732 estão desabrigados ou deslocados desde sexta-feira (28).»
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30.09.1935 – Porgy & Bess



Porgy & Bess estreou-se na Broadway, em Nova Iorque, há 83 anos, com um elenco formado unicamente por elementos afro-americanos – uma decisão mais do que ousada para a época, que retardou o seu êxito até 1976.

«Summertime» é certamente o trecho mais conhecido da ópera, mas há muitos mais.








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Pobreza



«Desculpem. Eu sei que não gostam da palavra pobreza. Que ninguém quer ouvir falar disto. Que vos estou a maçar num fim de semana. Que não é sexy. Que não é confortável. Que não é “conversa que se tenha”. Que não está no mainstream da discussão política. E já agora, não está, porquê? Consta que este é um Governo de esquerda. Convinha que se notasse.

Eu percebo. Quem não é pobre — e a maioria dos leitores do Expresso não o é — prefere que se escondam os pobres em bairros sociais que ficam lá no fim de uma linha de autocarro que ninguém quer saber sequer como funciona ou não funciona. Mas tenham paciência: é uma conversa que temos de ter. E como sabem os que me leem às quartas no online do Expresso, vamos tê-la pela segunda vez esta semana.

Esta semana acordei com uma notícia da TSF segundo a qual uma mãe com duas filhas, família monoparental, está visto, ia ser despejada da casa de habitação social que ocupou (ilegalmente, é certo) porque... ganha 580 euros e com 500 e poucos euros líquidos de rendimentos mensais já não se qualifica para apoios sociais.

É um caso que dói ouvir; basta imaginar que estamos no lugar dela. Vá. Não custa nada. 25 notas de 20 euros a terem de dar para tudo. Habitação, alimentação, água, luz, gás, material escolar, comunicações. 25 notas de 20 euros. Eu não conseguiria. Eu não sei como se faz. Como se vive assim, ou melhor, como se sobrevive assim.

Entre a pobreza extrema e a mediana de subsistência mínima temos toda esta classe dos pobres que trabalham. Não tão pobres que tenham acesso a apoios sociais, mas suficientemente pobres para não conseguirem ter uma vida minimamente decente. Não se compreende como aceitamos isto com naturalidade.

A política de baixos salários, o tabu em torno de se explicar que a nossa falta de competitividade externa não é um problema de produtividade dos trabalhadores, é um problema de produtividade da Economia, sendo a diferença aqui que se tem em conta a ineficiência na obtenção, organização e gestão dos bens de capital, e que não se resolve criando um exército de pobres trabalhadores ou, melhor, trabalhadores pobres, tudo isto tem de poder ser discutido.

Estes salários, que aliás estão ainda uns 6000 milhões de euros abaixo dos níveis comparáveis pré-crise se medirmos os rendimentos de trabalho em percentagem do PIB, criam toda uma classe de pobres envergonhados da sua pobreza, envergonhados de saberem que o seu trabalho duro não é suficiente para o seu sustento e dos seus. Fazem mal. A vergonha não é deles. É nossa.»

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