9.11.18

Paraty: casas, cachoeiras e alambiques



Hoje foi dia para Paraty. Vai-se percorrendo as muitas e magníficas ruas do Centro Histórico, com as casas de tipo colonial muito bem preservadas, e recorda-se a história desta pequena cidade que já foi o mais importante porto exportador de ouro do Brasil, que viveu também do ferro e da cana-de-açúcar e que foi entreposto privilegiado de escravos, aqui concentrados e depois em parte distribuídos por outras regiões. Foram precisamente esses escravos, que exerciam as tarefas que os nativos recusavam, que permitiram um sucesso relativamente fácil até 1888 quando a escravatura foi abolida. A partir daí, seguiu-se um século XX difícil e relativamente estagnado.

Hoje Paraty vive quase só do turismo (embora não se vejam multidões neste momento…) e um pouco de agricultura. Rodeada por reservas ecológicas, é uma das regiões mais preservadas do Brasil.

E por falar disso, claro que não falhei uma ida às célebres cachoeiras, nem um almoço numa localidade de vegetação de cortar a respiração, como também a corta a ponte suspensa pela qual se acede ao restaurante…

Last but not the least, também fui a uma destilaria, explicaram-se tudo sobre alambiques e cachaças – e deram-mas a provar, obviamente.

Amanhã… o Rio espera-me. 




 .

De Minas Gerais a Paraty



Foi bem longo o dia de ontem para vir de Tiradentes a Paraty, com uma paragem em Petrópolis. Desta, há que salientar o belo Museu Imperial, onde estão expostos quadros, mobílias, jóias e outros artefactos de realezas que também foram nossas – Pedros, Joões, Carlota Joaquina e muitos mais. Tudo acompanhado de completíssimas árvores genealógicas e descrições, concisas mas claras, das vidas dos intervenientes. Dada a proibição de captar imagens no interior (como é normal), fica apenas a do edifício.

Hoje andarei por Paraty. Falhei descrições de alguns locais importantes de Minas Gerais, mas serão feitas nem que seja já em Lisboa.

Tudo óptimo excepto o clima, por vezes penso que estou na Bélgica e não no Brasil! Céu de chumbo, uns quinze minutos de Sol em quatro dias, chuviscos nos primeiros, chuva ininterrupta ontem. Hoje? Logo se verá… 
.

7.11.18

Brasil, Brasil



Deixo para mais tarde descrições turísticas do dia de hoje, porque muitos me pedem impressões no campo político. Antes de mais, que fique claro que três dias em viagem de passeio não chegam para se ter qualquer opinião consolidada. Em todo o caso, aí vão umas pinceladas.

Ontem assisti, na TV, ao último minuto de uma declaração que Moro fez para justificar a aceitação do cargo de ministro da Justiça. Seguiram-se três comentadores, com ar sereno e formal, que resumiram o que Moro dissera, sem qualquer crítica ou distanciamento, frisando aliás que o facto de ele levar para o ministério várias pessoas dos tribunais constitui uma garantia de competência reforçada. Passou-se para a Economia e dois especialistas explicaram (também sem a menor reserva, didaticamente), o que Paulo Guedes vai fazer: usar o dinheiro das privatizações para diminuir a dívida («Não tenham medo, não vai haver nenhuma reestruturação») e reformar a segurança social. A mensagem do conjunto das intervenções era clara: estes dois ministros são a cara de um governo que vai ser competente.

Esta manhã, tomei o pequeno-almoço com duas brasileiras de 30 e tal ou 40 anos, desempoeiradas, funcionárias públicas. Nenhuma votou Bolsonaro «que é um doido», optaram pelo voto nulo. Teriam escolhido sem hesitação Lula, mas não Haddad. Não só porque foi um mau candidato, mas sobretudo pela vice, Manuela d’Ávila, «essa extremista louca». No meio disto tudo, em quem depositam grande esperança: no ministro da Economia. Quando lhe expus as minhas reservas, concordaram plenamente, até por saberem que, como funcionárias públicas, serão «vítimas». Mas se o homem endireitou a economia do Chile sem ser chileno, certamente que salvará a do seu país. Elas foram trabalhar e eu desejei-lhes felicidades…

Em suma: tenho a sensação (provisória…) de que, acabada a guerra da campanha eleitoral, esta gente agarra-se seja ao que for e que isso passa, principalmente, por acreditar na mensagem que está a ser subliminarmente transmitida: vem aí um bom governo, para muitos apesar de Bolsonaro – que, afinal, só teve 1/3 dos votos dos eleitores… 
.

6.11.18

De Belo Horizonte a Ouro Preto



Belo Horizonte ficou para trás, com os seus três milhões de habitantes, um centro com edifícios de Nimeyer entre palácios clássicos, nada de muito extraordinário.

Seguiu-se uma longa estrada para Mariana, que passa perto de algumas das célebres minas de ferro e de ouro, tão bem exploradas pelos ingleses e que tão úteis lhes foram em tempos da revolução industrial. (Só se fala de minérios, fui ouvindo uma verdadeira lição sobre variedades e subtis diferenças…)

Mariana é uma verdadeira pérola! Deve o nome a D. Maria Ana, mulher de D. João V, foi a primeira capital de Minas Gerais em 1711, não tem hoje mais do que 60 mil habitantes e vive do turismo e de extracção de minerais. Se tem igrejas magníficas, com destaque para a de S. Francisco, construída entre 1762 e 1794, foram as casas e as pequenas ruas que me encantaram, não só pela indiscutível beleza, como por serem belas pegadas que por lá deixámos!

Imagens, incluindo a de topo:





Por fim, Ouro Preto, onde estou agora e ficarei esta noite. Um pouco maior do que Mariana e tudo em ladeiras com um empedrado diabólico e igrejas espalhadas por tudo quanto é sítio! Muito haveria que contar, mas há uma outra igreja de S. Francisco de Assis, que não pode ser omitida, obra-prima do estilo rococó, com obras do célebre Aleijadinho. E não resisto a contar uma história: num das imagens vêem-se quatro animais, obra do dito Aleijadinho. Encomendaram-lhe quatro estátuas de leões, mas ele não fazia a mínima ideia do que era um leão. Explicaram-lhe que era num bichon grande, forte, e feio. Saíram, de facto, quatro estátuas, mas com cara de macaco – o que de mais parecido Aleijadinho julgava conhecer…

Dele, Aleijadinho, continuarei a ouvir falar amanhã, noutras paragens.



,

Belo Horizonte



Já aterrei há algum tempo, deu para ver alguma coisa e deixo aqui estes pelos painéis da igreja de S.Francisco. Projectada por Niemeyer, tem no interior azulejos e pinturas de Portinari e outras preciosidades, que não vi porque está tudo em manutenção. Amanhã há mais e o dia será longo.

E, sim, também já deu para ouvir que Bolsonaro reflectiu muito durante a convalescença da facada, que o discurso amaciou e que isto vai…
.

4.11.18

Alô Brasil



Amanhã, quando o Sol nascer, estarei já no meu local de culto em Lisboa, que dá pelo nome de Aeroporto Humberto Delgado, rumo ao Brasil para uns dias de digressões várias, há muito programados. Há quem me diga que não é um bom momento para o fazer, mas penso o contrário: ir já, antes que se faça tarde…

Quando regressar, pode ser que entretanto alguém tenha acabado de escrever o guião da telenovela sobre Tancos. E quem sabe se ela nada tem a ver com unhas, touradas e outras questões transcendentes. Isto deve andar tudo ligado!
.

As terríveis migrações na América Latina




Isto é absolutamente impressionante!

«La multitudinaria caravana de migrantes centroamericanos que empezó en Honduras ya atravesó tres fronteras. Solo le queda la estadounidense. Desde que un grupo de cientos de personas salió de la ciudad hondureña de San Pedro Sula el 12 de octubre, la masa humana no ha parado de engordar a medida que avanza. Ahora son miles —4000, dicen los más conservadores; 7000, dicen los menos—, y a plena luz del día atravesaron el estado de Chiapas, uno de los tramos de México más peligrosos para los indocumentados de Centroamérica en la última década. Ahora caminan por Oaxaca.
Entre analistas, académicos, periodistas y debates públicos han circulado ideas acerca de que este impulso de salir en avalancha no es espontáneo, de que se trata de centroamericanos pobres manipulados por intereses políticos ocultos. Algunos sostienen que el origen de la caravana es Donald Trump, para demostrar a México que tiene que aceptar el acuerdo de tercer país seguro, que consiste en que si un centroamericano cruza México sin pedir asilo ya no puede hacerlo en Estados Unidos. Otros dicen que esto salió del presidente nicaragüense, Daniel Ortega, y su necesidad de desviar la atención de la brutal represión en su país. Otros dicen que la oposición política del presidente hondureño, Juan Orlando Hernández, quiere desprestigiarlo. Son teorías sin pruebas. (…)

Los nadies de Centroamérica dejan al desnudo a sus países. Sin la ayuda de sus gobiernos, miles de centroamericanos decidieron buscar una mejor vida para ellos y los suyos o, en muchos de los casos, simplemente buscar vida.»
.

Dica (825)




«If mind-stopping cliches of violence and corruption do not correspond with voting patterns or Bolsonaro’s governmental plan why did he win the election? It was not a free or fair process. (…)

International capital and the US government now have exactly what they want in Brazil. All natural resources will be opened to exploitation from foreign capital. The US military will be able to use the Alcantara rocket launching base as a take off point for forays into Venezuela. Brazil’s participation in the BRICS is dead in the water and US Petroleum companies will be swimming in Brazilian oil. Regardless of the level of participation by the US and its institutions, these events fit a pattern of US interventions in Latin America over the past 100 years. If we are truly interested in defeating fascism it is important to move beyond cliches and work to identify the real actors at play, so that their power can be countered. In order to do this, we have to move beyond the idea that Brazil operates in a geopolitical vacuum and that the return to neofascism, which was previously installed with ample US government support from 1964-1985, can be explained by oversimplified generalizations on public opinion.»
.

Os liberais portugueses e Bolsonaro



«Por uma vez, estou de acordo com António Araújo: “Bolsonaro e Trump revelaram que há uma direita que, em parte se julgava liberal, mas que tem traços muito mais autoritários do que propriamente liberais” (PÚBLICO, 31.10.2018). Há quinze anos, Freitas do Amaral chegou à mesma conclusão. Não surpreende que Jaime Nogueira Pinto apoie Bolsonaro, ou que, entre este e o PT, Nobre Guedes opte pelo homem que acha que polícia que “matar dez, quinze ou vinte [bandidos], com dez ou trinta tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado” (Bolsonaro, 28.8.2018). Ou até que Paulo Portas não tenha encontrado na “vida pública do capitão Bolsonaro nenhum indicador eticamente reprovável em termos pessoais” (TVI, 29.10.2018). Há muito que se percebeu bem que, quando a extrema-direita ganha escala e atrai uma parte tão significativa da direita clássica, esta não hesita em colar-se-lhe.

Aquilo, contudo, para que já não há paciência é para a tese de que quem “fabricou” Bolsonaro e é culpado do seu triunfo, é a esquerda! “Tantas vezes a esquerda gritou pelo fascismo, que o fascismo finalmente apareceu” (João Miguel Tavares, PÚBLICO, 25.10.2018). A tese, que explica História com fábulas, baseia-se na ideia de que “o obsessivo anúncio [da chegada do fascismo] ajudou, e muito, a que [a profecia] viesse a concretizar-se”. Claro que JMT sabe (deduz-se) que o fascismo chega com as crises. Para ele, contudo, o fascismo não vem pela mão daqueles que, criando e beneficiando com as elas, se reservam a carta do fascismo para atrair o descontentamento das classes médias e de uma parte das classes populares (no Brasil, a grande maioria destas virou-lhe as costas) e, simultaneamente, optar por uma transição autoritária para suprimir as formas mais perigosas de contestação social. Não: JMT acha que Bolsonaro é culpa de uma “esquerda que se tornou profundamente conservadora, recusando qualquer mudança no statu quo”, deixando aberto o “espaço revolucionário” (sic) para aqueles que “anunciam mudanças radicais e o combate aos interesses instalados”.

Estranho: esta mesma direita andou os anos da troika a queixar-se da resistência dos “profissionais dos serviços e empresas públicas [que] são hoje a aristocracia ofendida do regime democrático”, e que, “privilegiados a quem os regime deixou de satisfazer as expectativas”, “com os seus diplomas, contratos coletivos, ordens e sindicatos”, e que, “na sua compreensível irritação, podem ser tentados a deitar tudo abaixo” (Rui Ramos, Expresso, 14.7.2012) - isto é, fazerem revoluções, sinónimo, pelos vistos, de defesa de direitos e da dignidade social. Agora, queixa-se a mesma direita de que a esquerda que representa estes “contratos coletivos” e estes “sindicatos”, afinal, já não querem fazer revolução alguma e deixam a bandeira aos fascistas… Não se queixem, portanto, professores, operários, empregados, mulheres, indígenas, LGBTs, estudantes, que os fascistas venham atrás deles, que os intimidem no emprego, na rua, nas redes sociais, que os processem juízes tão independentes quanto Sérgio Moro - e que os espanquem e ameacem literalmente de morte.

Queixam-se estes liberais (assim se dizem eles) da “oligarquia” da esquerda e do que chamam (que lata!) uma “elite” de “escritores, comentadores, historiadores, músicos ou jornais a criar vídeos, e manifestos (…) e o diabo a quatro, onde do alto da sua imensa sabedoria tentam explicar ao povo brasileiro (…) em quem ele deve votar” (JMT, PÚBLICO, 29.10.2018). Quem usa esta retórica (que muito fascista, dos anos 30 ou de hoje, subscreveria) que denuncia o elitismo dos “intelectuais” relativamente ao “povo”, parece esquecer-se de quem desde há mais de trinta anos, desde os anos do cavaquismo, dispõe de quantas páginas e microfones quiser (os Barretos, as Mónicas, os Ramos, os Espadas, os Valentes, os Césares das Neves, os Nogueiras Pintos…, querem que prossiga?), pontificando nas universidades e nos media públicos e privados contra o 25 de Abril, o “totalitarismo” socialista, a descolonização, as políticas sociais, a educação pública, as ciências sociais, os portugueses que vivem à custa do Estado e não aprendem… Não lhes perguntem pelo passado deles mesmos, nem das suas relações com o Estado. O que lhes interessa agora é dizer que Bolsonaro está “muito em consonância com o povo e nada em consonância com os professores da Universidade de São Paulo ou com os letristas das maravilhosas canções brasileiras” (F. Bonifácio, PÚBLICO, 1.11.2018). Isso. Profes e músicos. Pelos vistos eram quem mandava no Brasil.»

Manuel Loff
.