31.1.19

Venham beatos e geeks, mas deixem a religião fora da política



«Sou ateu, laico, republicano e socialista. Mas nada me move contra a Igreja Católica. Nem contra as outras, desde que tenham mais de 500 anos para lhes conhecermos bem as manhas. Os meus amigos até se divertem com o que acham ser a minha lenta caminhada para Roma. Sou de uma família ateia, parte de ascendência judia, e isso dá-me o desprendimento de quem nada tem para resolver com o seu passado.

Como anda o mundo até tenho uma certa simpatia pela existência de comunidades de fé que não permitam que as pessoas com menor formação moral se entreguem ao individualismo sem norte. E como o que vejo crescer, como alternativa, são igrejas de autoajuda, lideradas por semianalfabetos que fazem da fé um mero negócio – pelo menos de forma mais desbragada do que as igrejas tradicionais –, prefiro a velha Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR). Segura e previsível. Ainda mais agora que tem um Papa admirável. Não fosse acreditarem em Deus e terem uma certa tendência para se meterem na vida das pessoas, até me convertia. Ou seja, quando deixarem de ser uma igreja e católicos contem comigo.

Deve ser por esta minha atual bonomia com a ICAR que não me choca nada que Marcelo tenha ido ao Panamá para ficar com os louros das Jornadas Mundiais da Juventude de 2022. Se a fé nas startups traz miúdos imberbes para gastarem dinheiro em Lisboa, contribuindo para a economia nacional, não vejo porque uma fé mais antiga não possa dar o seu contributo. Um milhão de jovens beatos não é pior do que milhares de jovens geeks. Religião por religião, sempre prefiro as do livro às do tablet.

A única coisa que realmente me incomoda é Marcelo Rebelo de Sousa ter decidido associar a sua recandidatura a um momento religioso, através de um intimista “saio daqui com uma grande vontade de, se Deus me der saúde e se eu achar que sou a melhor hipótese para Portugal, me recandidatar”. Uma coisa é ir em peregrinação ao Panamá para sacar mais um evento para a nação – é a nossa especialidade. Outra, um pouco diferente, é associar uma decisão política a um ato de fé e uma recandidatura a um momento religioso.

Agora que todo o país se converteu ao politicamente correto, propondo extradições e despedimentos por causa do uso do vernáculo, não quero parecer excessivamente picuinhas. Mas, parecendo que não, anda por cá uma malta que não é católica. E diz que somos cidadãos. Quando Marcelo disse que ia ser o Presidente de todos os portugueses pensávamos estar incluídos. Não estou propriamente zangado. Mas se desse para separar a política da religião, os não católicos, que ainda são uma boa parte da população, agradeciam.»

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