17.6.19

Dedicação exclusiva no SNS



«Na altura em que tanto se discutem matérias que pouco dizem ao Povo, parece-me indispensável centrar a discussão num tema central, o do modelo de trabalho dos seus profissionais. Reforçar as condições para uma gestão de qualidade, reconduzindo profissionais ao amor à camisola, através da concentração do seu labor nos serviços que os treinaram, onde conheceram pares e são por eles reconhecidos, numa hierarquia de competência e dedicação. O que escrevo centra-se nos médicos, mas pode ser adaptado aos restantes membros das equipas de saúde.

Longe vai o tempo em que muitos eram contra: figuras tutelares com clínica firmada, jovens que a ambicionavam e esgravatavam em múltiplos lugares, voando de mini-cooper entre urgências e consultas periurbanas; uma Ordem receosa do socialismo do SNS, arvorando as respeitáveis bandeiras da autonomia, do colóquio singular, do liberalismo. Os tempos foram mudando à medida que os hospitais se modernizaram, os centros de saúde desabrocharam em unidades familiares e os profissionais ganhavam respeito ao SNS pela formação e pela hierarquia que garante ajuda e qualidade.

O setor privado não dormiu, cresceu, absorvendo a clínica privada independente, através de eficientes ambulatórios de mais de uma centena de consultórios, excelente tecnologia e acolhedor tratamento, captando bons profissionais na força da vida, com retribuição líquida dobrando a do SNS. Aos poucos, porém, vai-se sentindo a pervasiva coação das metas, dos incentivos à eficiência, sem paralelo numa cultura de qualidade que não a orientada para alargar mercado. A proletarização vem a caminho.

A dedicação exclusiva do passado recente, inexplicavelmente extinta no final da primeira década, tinha fragilidades: com as exceções de sempre, atraía os que estavam próximo da reforma, os mais orientados para soluções coletivistas, ampliava os quadros dos hospitais centrais desfalcando os do interior, desincentivava a mobilidade, mas garantia estabilidade. Mal gerida e nem sempre bem-amada exceto no fim da vida ativa, a exclusividade garantiu, no SNS, a qualidade, o brio, o sentido de pertença, as carreiras. Razão para que ela seja revigorada. Surge agora a oportunidade.

Parece haver candidatos interessados, alguns até a prefeririam à emigração. Os hospitais, todos, anseiam por elas. As Ordens têm-se multiplicado em declarações favoráveis. Os administradores apoiariam sem reservas. Os programas políticos, da esquerda à direita, confirmam a sua necessidade, os ministros consideram-na uma aspiração, louvável para uns, indispensáveis para outros. Os pais fundadores do SNS e os seus herdeiros presuntivos não poderiam ser mais explícitos, as leis de bases propostas louvam-na como pedra filosofal. Quem se opõe, então? Dizem que as Finanças, sempre receosas de despesa pública incontrolada, se oporiam com firmeza e sanha. Será verdade?

Não o creio, as Finanças são resilientes, tendem a lutar contra a deriva e a regressar ao padrão controlador, têm serviços mais restritivos que ministros. Sim, tudo isso pode ser verdade, mas parte dessa verdade reconstrói o País depois das crises. Não o esquecemos. Resistência ao risco não é sinónimo de perda de inteligência. Há que explicar, que demonstrar os ganhos de eficiência, que convencer.

Há muito trabalho de casa nos escassos meses até às eleições. Novos governos carecem de novas ideias e chegam com a força que falece no fim do ciclo. Haverá que reunir um grupo de peritos com experiência, conhecimento, pragmatismo, vivência externa e legitimidade. O seu papel seria desenhar a nova dedicação exclusiva no SNS de forma a convencer os que a venham a abraçar, de que ela amplia eficácia, eficiência, equidade e qualidade no SNS. Sobretudo usar de realismo no faseamento, para garantir adesão e sustentabilidade crescentes. Nada é impossível. Está na altura.»

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