30.11.19

Este país ainda é para os velhos partidos



«Não foi preciso muito tempo para que se confirmasse que a entrada de novos partidos no Parlamento marcaria a política portuguesa. Menos de dois meses depois das eleições, a agenda tem estado marcada sistematicamente por aquilo que envolve o Iniciativa Liberal, o Chega! e o Livre. O anunciado efeito de novidade confirmou-se, mas com uma extensão não prevista.

Há um lado positivo na eleição de novos partidos: reforça-se a diversidade e a pluralidade na Assembleia da República, uma instituição com défices de representatividade da sociedade. Mas o que dificilmente se antecipava é que em dois meses não se falaria praticamente de outra coisa além do que os pequenos partidos fazem e dizem ou a forma como se apresentam. Que isto aconteça enquanto PSD e CDS têm eleições internas e o Governo está a desenhar o Orçamento do Estado é motivo de reflexão.

O primeiro sinal preocupante resulta da natureza dos temas trazidos para debate e da forma como condicionam o espaço público. Em dois meses, já se discutiram paralelismos entre nazismo e comunismo, a tensão celebratória entre 25 de Abril e 25 de Novembro, e temos andado a ser entretidos com uma telenovela desencadeada por um voto do Parlamento português sobre a Faixa de Gaza. Em comum, estes temas partilham o facto de radicarem num debate essencialmente simbólico, assente em mecanismos regimentais inconsequentes. Enquanto se discutem votos e declarações e se forçam clivagens artificiais não se apresentam iniciativas legislativas e propostas que produzam efeito material. Ao mesmo tempo, assistimos a uma polarização do debate público, encaminhando Portugal para territórios onde a capacidade de compromisso será sempre menor.

Tem ficado demonstrado que os pequenos partidos se alimentam mesmo uns dos outros e dependem de posições antagónicas, apetecíveis para o espaço mediático, particularmente predisposto a fazer medrar este tipo de debates.

A questão orgânica, que no Livre atingiu um fulgor caricato, não é independente deste processo. Sintomaticamente, desde as eleições, todos enfrentaram crises — de mudanças de liderança a acusações sobre ilegalidades na recolha de assinaturas, passando por ruturas. Sem estruturas internas, o protagonismo destas novas formações assenta exclusivamente na frente parlamentar e no deputado eleito. São, por isso, de facto, partidos unipessoais — uma contradição em termos.

É pouco popular recordá-lo, mas as últimas semanas talvez o tenham tornado mais claro. Sem partidos que estabilizem as suas posições programáticas e que confiram um sentido coletivo à atividade quotidiana dos protagonistas do momento, o cenário é de incerteza e instabilidade, abrindo caminho a sucessivas crises internas. Um cenário com apelo mediático e que até poderá mobilizar, de forma fragmentada, grupos de eleitores. Já o efeito agregado será de degradação do debate político e diminuição das condições de governabilidade.»

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