9.3.19

Bloco de Esquerda



Fui esta tarde ao comício comemorativo dos «20 ANOS DO BLOCO DE ESQUERDA». Que venham mais 20: há por ali muta força e uma grande lufada de ar fresco, de gente de todas as idades.

A sessão pode ser vista na íntegra AQUI.
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Ainda veremos a direita à procura de um candidato presidencial para o PS…




«No PS há três cenários para as presidênciais: candidato próprio, liberdade de voto e apoiar a recandidatura do actual Presidente. O PÚBLICO foi ouvir vários responsáveis socialistas e tudo indica que "haja um Bloco Central" a apoiá-lo".»
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Neto de Moura: reter e emoldurar




Expresso, 09.03.2019.
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Quem quer uma tensão entre a Justiça e a democracia?



«A Justiça e a expressão da opinião pública como lugar da transparência não são só distintas pelos ritmos ou formalidades próprias de cada uma. Têm culturas separadas, o que podia não ser o problema, e são formas de poder, o que cria inquietude. A sua autonomia será sempre tensa. Mas deve ter-se em conta que as colisões é que são duplamente perigosas: para a Justiça, por que a deixa vulnerável se suspeita, e para a democracia, que precisa de confiança. O efeito das deambulações vingativas do juiz Neto de Moura ao longo do Carnaval constitui por isso um pesadelo e não só para ele próprio.

Ao desencadear uma tempestade anunciando que ia processar pessoas que o criticaram, o juiz Neto de Moura (fingindo, aliás, que é a vontade do advogado e que não tem nada que ver com isso), deveria ter compreendido que, numa sociedade de comunicação tão líquida, a pior das condenações é ser alvo de chacota. Para ele, tudo é mau: mesmo enfraquecido pela censura dos seus pares, decidiu-se pela perseguição a quem contraria as suas espantosas sentenças; convoca o tribunal, que ele próprio amesquinhou por particularismos religiosos ou outros; escolhe como advogado alguém cuja exuberante vulnerabilidade no mesmo terreno do menosprezo pelas mulheres foi notada, abrindo a via para as teses de que prosseguem uma causa; e, pior do que tudo, torna-se ridículo, o que não convém mesmo nada a quem veste uma toga.


O ridículo não mata mas magoa

As consequências desse fim de semana alucinante de Neto de Moura vão no entanto muito além destes tons inevitavelmente carnavalescos, o que a Relação do Porto finalmente percebeu ao transferir o juiz, retirando-o da tutela de casos de violência doméstica.

A primeira consequência é um efeito de aglomeração de todas as queixas. Com os seus acórdãos, Neto de Moura já tinha atingido a credibilidade da Justiça. Mas nada disso deixava prever que viria ameaçar a liberdade de opinião e, por isso, colocar-se no centro de uma tormenta crescente. Ele escolheu, portanto, personalizar em si próprio todas as frustrações com a Justiça, todas as zangas das mulheres maltratadas, todos os temores de quem entra num tribunal. Até se dirá que foi traído pelo seu próprio conceito de um tribunal que fala de si próprio a partir do lugar da autoridade, ou até se pode notar que erros dos tribunais de primeira instância podem limitar o âmbito de deliberação da segunda instância. Mas o que nunca se pode aceitar é que os preconceitos de um juiz contra mulheres possam influenciar a decisão do tribunal. Assim, do primeiro ao último dia deste escândalo, Neto de Moura enterrou-se num percurso de que parece não querer nem redimir-se nem proteger-se e que agravou quando o advogado se lança num exercício de cálculo de indemnizações apetitosas.


A criatura mediática vira-se contra o criador

A segunda consequência, e essa exige uma reflexão de fundo, é o custo imenso da inevitável mediatização da Justiça. É conveniente lembrar quem iniciou este processo, que em Portugal era até então muito contido, inaugurado por um juiz que convocou os jornalistas para se fazer filmar num elevador do Parlamento a ir pedir o levantamento de imunidade de um deputado que viria a ser acusado de pedofilia (e depois inocentado). Depois vieram outras fontes de autoridades judiciárias, que criaram ligações privilegiadas com alguns jornais para a indústria de fugas ao segredo de justiça, com divulgação de transcrições de escutas ou vídeos de interrogatórios, sempre para ferozes sentenças preliminares executando os arguidos ou acusados. Houve mesmo uma assessora de imprensa de um procurador-geral da República que o apontou como a fonte principal de algumas das mentiras mais populares num jornal de escândalos. O jogo da informação pública foi uma saborosa forma de poder até ao dia tremendo em que a sua roda começou a atropelar juízes e passou a ser normal o que é normal, o escrutínio público do exercício da justiça.

Distinguir agora entre um obscuro populismo mediático, a clareza da justiça como parte da vida democrática e a fronteira da exposição dos próprios magistrados torna-se um problema cada vez mais difícil.


Justiça e política

Finalmente, a terceira consequência deste frenesim carnavalesco de Neto de Moura é que no imediato favoreceu quem queria prejudicar. As manifestações deste 8 de março ganharam mais dimensão por se tornarem a voz das vítimas e podem registar o impulso dado pelo juiz, que mostrou que havia razões profundíssimas para a sua indignação e até para a vontade de protegerem o direito de opinião. Também um dia saberemos se começa aqui uma carreira política: na Andaluzia, foi por ofensas menos graves que começou o percurso do chefe local do Voxx, um juiz que fora suspenso pelo seu preconceito contra os direitos maternais e depois se dedicou à extrema-direita. Haverá quem se lembre disso, embora até agora os partidos de direita tenham preferido um prudente silêncio.

Por tudo isto, agora importa destacar a vítima que não tem tido defesa: essa é a justiça, que deve ser salvaguardada destas vagas de confusão e degradação que foram desencadeadas por Neto de Moura, muito além do imaginável. Salvemos os tribunais, onde as mulheres devem saber que passam a poder entrar para encontrar o mesmo respeito devido a qualquer pessoa e a aplicação da lei que as protege da violência doméstica e de género.»

Francisco Louçã
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8.3.19

Espanha: greve feminista, hoje




Segundo as notícias, 6 milhões nas ruas.
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Mulheres do Mundo (3) – Butão, 2010


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Mulheres do Mundo (2) – Birmânia, 2009


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Mulheres do Mundo (1) – Peru, 2004


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Elas fizeram greves de braços caídos


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Direito a voto das mulheres em Portugal



Quanto a direito ao voto feminino, em Portugal foi assim:

Tudo começou com o decreto 19.692, de 5 de Maio de 1931. Mas com excepções, como a de Carolina Beatriz Ângelo (na foto) que foi a primeira mulher portuguesa a exercer o direito de voto (nas constituintes de 28.05.1911), concedido por sentença judicial, após exigência da condição de chefe de família, dada a sua viuvez.


Em 1933 e em 1946 foram levantadas algumas restrições, mas só quase no fim de 1968, já durante o marcelismo, é que acabaram por ser removidas quaisquer discriminações para a eleição de deputados à Assembleia Nacional. (Depois do 25 de Abril, o direito universal de voto passou a aplicar-se também às eleições presidenciais e autárquicas.)


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Greve Feminista Internacional



Mais detalhes sobre concentrações AQUI.
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7.3.19

Se gosta de caravanas...



... experimente esta!
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Carnaval, ainda – agora os chineses



«A minha etnia não é uma fantasia de Carnaval», diz Cristiana Xia Wu, filha de imigrantes chineses, que nasceu e cresceu em Portugal, perante um desfile de crianças mascaradas de chineses em Marco de Canaveses.

«Era uma noite banal, estava no meu telemóvel e apareceram no Twitter umas fotos de um desfile de Carnaval, cujas pessoas estavam aparentemente vestidas de “chineses”. À primeira vista, nem sequer tinha reparado nesse aspecto, mas foi depois de ler as mensagens dos cartazes nas mãos das pessoas que me apercebi do que é que se tratava. “Socorro! Quero sair desta invasão!”, “Os chineses são espertos, apesar de terem olhos em bico”, diziam. A minha primeira reacção foi de choque. Sei que estes preconceitos existem, mas a manifestação dos mesmos foi tão directa que tive de pensar por uns momentos para processar o que li. (...)
Um dia, explicarei isso tudo como deve de ser. Mas agora, simplesmente, quero chamar a atenção das consequências desse tipo de desfile. Pensem no tipo de cidadãos que querem formar. Pensem na possibilidade de formar pessoas com uma mente aberta, livre de preconceitos. Pensem na possibilidade de uma sociedade portuguesa diversa e rica culturalmente. Ninguém gosta de pessoas intolerantes, certo?
E eu pensarei nas crianças chinesas que nasceram cá em Portugal e que viram esse espectáculo, tentando encontrar a melhor solução para que elas não se sintam desconfortáveis nas suas peles, porque não há nada de errado em ter origem chinesa. Não devemos sentir que temos de negar uma parte da nossa identidade para nos sentirmos mais aceites pela maioria. Podemos ser perfeitamente ambos — portugueses e chineses, tendo orgulho em ambas as culturas.»
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Angola? É do Marcelo




«O próprio Presidente contou aos jornalistas, à beira do esmagamento, no meio da turba e dos gritos: “Parei muitas vezes, mas fui sempre fora do carro. Para não cair, vinha pendurado com uma mão e por isso não podia ir muito rápido. É que” - explicou - "como a viatura é blindada não dá para abrir a janela. Vinha com um pé no estribo e uma mão a segurar. Para cumprimentar todos, ou saía do carro ou íamos tão devagar que por isso demorámos muito tempo…” Ouvia “Marcelo, amigo, o povo está contigo”, gritos de “Angola!”, “Portugal!”, era disto que Marcelo Rebelo de Sousa estava à espera.»

Comentários, para quê.
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O pensamento de Moura é parvo?



«Parvus, do latim, significa pequeno, exíguo, pouco. Em português pode ter outro significado, em frases como "É parvo ou faz-se?". Mas isso pouco importa, pois temos de responder à pergunta em epígrafe, dada a gravidade dos problemas que a levantaram, deixando para quem de direito as questões relacionadas com a sua formulação.

Portugal está a viver um problema sério que é o da violência doméstica. É um problema que toca a todos e que tem de ser resolvido. Muitos já sabem como resolvê-lo, até porque não é só português, e restará apenas a capacidade de organização da resposta e da sua concretização no terreno. Aliás, sem se saber de nada específico sobre a solução, sabemos que o que é preciso fazer tem mais de incremental do que revolucionário. O país, afinal, já mostrou perante outros desafios que tem as necessárias capacidades.

Ora, a gravidade dos actos do juiz em causa é que eles traduzem uma negação da necessidade da mudança no que diz respeito à violência doméstica. Assim, quantos mais falarmos, melhor.

As palavras de Moura têm duas origens fundamentais e interligadas, relacionadas com o pensamento da pessoa em causa e com o cargo que ocupa. Quanto ao pensamento, ele pode escrever como escreve por questões geracionais, por falta de dimensão cultural, ou por razões de outros foros; mas também pode falar como fala porque acha que o mundo não deve ser como aqueles que se preocupam com as medidas de eliminação da violência doméstica acham que deve ser (sobre este segundo aspecto, continuaremos mais abaixo).

Quanto ao cargo que ocupa, o problema traduz um resto de subdesenvolvimento institucional que ainda há no país, que é o de algumas classes profissionais não terem mecanismos eficientes de controlo sobre os actos dos seus membros.

Houve profissões em que as mudanças foram sentidas e muito importantes. Por exemplo, os professores universitários são hoje avaliados pelos alunos. Isso vale o que vale, mas imagine-se algo assim nos anos 1960. Os médicos, sobretudo os das gerações mais novas, mas os demais também, hoje explicam melhor o que fazem e estão enquadrados em instituições (hospitais, centros de saúde) às quais têm de responder. Há inúmeros exemplos positivos deste género e, como sabemos, todos ficam a ganhar, incluindo os profissionais em causa. Todos os que trabalham ou querem trabalhar bem gostam de ser avaliados.

Ora, parece que alguns juízes se sentem ainda de fora dessa vaga de responsabilização dos actos e das palavras, perante instituições acreditadas para o fazer. A consciência própria não avalia nada, apenas impede o pior. Isto tem custado a mudar e as razões prendem-se - é mesmo, não é pretexto - com o trauma da herança da ditadura do Estado Novo, que levou ao extremar da autonomia dos juízes relativamente à política. É um problema institucional por resolver, e não um problema de quem são os juízes.

É preciso fazer alguma coisa para não dar espaço a que o tal juiz escreva o que escreveu e decida em conformidade, como decidiu. Como fazê-lo? Dado que por lá não falta seguramente massa cinzenta, cabe aos próprios juízes organizarem-se e dizê-lo - o que não têm feito, pelo menos à velocidade necessária.

Mas voltemos à segunda parte do problema do pensamento do juiz em causa, a saber, a eventualidade de escrever como escreve porque acha que é mesmo assim. Encurtando razões, esta questão tem um lado nada pequeno (ou nada parvus), relacionado com a pertinência das chamadas "causas fracturantes" e do "politicamente correcto". "Entre marido e mulher não metas a colher" era uma frase que se ouvia (embora em meu torno já dita de forma jocosa) recorrentemente ainda há umas décadas. Ou "lá em casa quem manda é ela, mas quem manda nela sou eu". O "politicamente correcto", tão criticado, diz que já não podemos falar assim? - Não, de facto, não podemos, e as acções do tal juiz mostram bem porquê. Afinal, o que ele fez foi traduzir as palavras em actos. E em mais sofrimento. As palavras têm, de facto, consequências.

Dito isto, o importante mesmo é que o sistema que integra os juízes encontre formas efectivas de avaliar e classificar os actos dos mesmos. Os maus, os pequenos, perderão; os bons, os grandes, ganharão. A sociedade progredirá e, um dia, quem sabe, as discussões sobre a pertinência do "politicamente correcto" serão coisas do passado.»

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6.3.19

E tudo se acabar na 4ª feira



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António e Cristina



Por um erro de zapping, fui ter ontem ao «Programa da Cristina», quando esperava chegar a um telejornal.

Vi António Costa a perorar sobre máscaras em carnavais de infância, ainda ouvi uns minutos, mas a chegada da famíla, a cataplana e o que certamente se seguiria pôs-me a milhas.

Mas a SIC e a SIC N exploraram a mina de ouro durante o resto do dia e foram dando excertos do cozinhado e do resto. Quando, num telejornal das 24h, vi o PM, de avental, a comentar o drama dos fogos de 2017 enquanto punha bocados de peixe na cataplana e os salpicava com sal, senti vergonha alheia. Não tenho estômago para tal espectáculo.

Como comentava alguém, nestes domínios «não é Marcelo quem quer».
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Carnaval depois de 45 anos de democracia



Matosinhos, 2019. Crianças mascaradas de pretos? E «O tema do Agrupamento são as Raças»? O que nós andámos para qui chegar!

Veio-me imediatamente à cabeça uma cantilena do antigamente, não me lembro se incluída ou não nos livros da instrução primária. Mas ainda sei a letra e lembro.-me da música:

«Nós somos os 30 pretos / Todos usamos boné / Vamos fazer uma festa / À Senhora da Nazaré / Preto pr’áqui, preto pr’acolá / Riem-se os pretos / Ahahah!»

Alguma diferença?
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Quando os pesadelos parecem reais, é hora de acordar



«Imaginem um mundo de animais transformados. Porcos com genes humanos, para crescerem depressa. Galinhas com peitos maiores para renderem mais. Humanos que nascem quase sem libido, para diminuir a obsessão pelo sexo.

Nesse mundo a maioria das pessoas lutam todos os dias para sobreviver. Os alimentos escasseiam e têm de ser disputados com bichos estranhos que andam à solta. As catástrofes naturais destruíram grande parte das cidades. Alguns indivíduos vivem fechados em condomínios, protegidos de intrusos por seguranças armados. Aí a vida é tranquila e as necessidades básicas satisfeitas. Lá fora a rua é uma selva, nenhuma vida está garantida.

A queda da natalidade foi a desculpa final para impor uma nova ordem. Há comunidades à parte onde as mulheres férteis servem apenas para procriar. Cada uma pertence a um homem, várias ao mesmo, para assegurar a sobrevivência da espécie. Além das procriadoras, há as educadoras. As outras mulheres são inúteis, não têm lugar nas comunidades protegidas. Quem põe em causa a ordem estabelecida é morto em público, para dar o exemplo.

Se leram Oryx and Crake ou The Handmaid's Tale, livros de Margaret Atwood (o segundo transformado em série de televisão), reconhecem os mundos que descrevi.

A ficção científica nunca me atraiu e a escritora canadiana não me fez mudar de ideias. Deslumbram-me, claro, as ficções que conseguiram antecipar o futuro, como o submarino de Júlio Verne ou as redes de computadores de Isaac Asimov. Mas por cada previsão acertada existem milhares de seres e máquinas absurdos, que não respeitam as leis da física nem a natureza humana. Salvo exceções, prefiro ler sobre mundos plausíveis, sobre relações que podem ser reais.

Não é só o irrealismo que me afasta. A ficção científica, mesmo quando realista, é muito dada a distopias, como os livros de Atwood que referi. Sociedades disfuncionais, onde tudo o que valorizamos - a liberdade, a segurança, o conforto, a satisfação das necessidades básicas, a beleza, a amizade, a cooperação, a confiança no outro - é posto em causa por condições tecnológicas, ambientais e sociais opressivas. Neste sentido, não gosto de ficção científica como não gosto de filmes de terror. Não tiro prazer da angústia que provocam, muitas das vezes sem outro propósito para além da angústia em si.

Nada disto se aplica a 1984, de Orwell, nem ao Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago. São livros distópicos, sim. E são marcantes, pelo que nos mostram da natureza humana. Fazem-nos pensar no que existe através de mundos imaginários. Até há pouco tempo não incluía Atwood neste grupo de autores. Os mundos que descreve pareciam-me apenas catastrofistas, exagerados para lá do razoável.

Entretanto chegou à presidência dos EUA um homem que nega as alterações climáticas. À presidência do Brasil um defensor de armas para todos. Discursos de ódio emergem até nos lugares onde se julgavam extintos. Pretendentes a líder reclamam castigos de tempos medievais - e ganham votos com isso. Gente em lugares de topo diz que os meninos devem vestir de azul e as meninas de cor-de-rosa e dedicarem-se à família. As multinacionais testam tecnologias perigosas sem escrutínio. Os ricos levam ao poder quem lhes permite fugir aos impostos. As cidades dividem-se em guetos para pobres e bairros para as elites. Os protestos legítimos são reprimidos com violência e desinformação geral.

De repente apercebi-me de que já estivemos mais longe das distopias de Atwood. O mundo pode ser bem pior do que julgamos. Tudo o que já existe é mais do que um carnaval, mais do que um sonho mau. Temos de estar bem despertos.»

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5.3.19

Brasil, um Carnaval diferente


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Neto de Moura pensa como um agressor


«Se escreve estas bestialidades, é porque tem a complacência do machismo que ainda habita em parte significativa da nossa justiça. É neste contexto que o Conselho Superior da Magistratura deve atuar. Tem poderes para o fazer. E o Parlamento tem também essa responsabilidade na discussão do Estatuto do Magistrado que está a fazer.

Nós, mulheres, vamos sair à rua do dia 8. Não queremos flores, queremos justiça, e queremos Neto de Moura fora dela. Que nos processe a todas. Talvez aí fique claro que isto não é sobre liberdade de expressão, é sobre as mulheres assassinadas e agredidas e sobre o seu direito à segurança.»

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Águas de Março – no tempo delas



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Obrigado Joaquim Neto de Moura



Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador,

«Agora que toda a gente escreve, e lhe escreve, para o ofender, magoar, afrontar, ultrajar, desagradar, desgostar, injuriar, insultar, desfeitear, descompor, vulnerar e vituperar, eu escrevo para lhe agradecer.

Frequentador das redes sociais, primeiro do Facebook e agora do Twitter, tenho vivido amargurado com o nível de divisão da sociedade portuguesa. Não se pense que um "regionalização versus centralismo" é pior que um "Esquerda versus Direita" ou mesmo que um "F. C. Porto versus SLB". Quando toca a fomentar divisões nas redes sociais, os portugueses são campeões da Europa. Daí o meu sincero agradecimento.

Só mesmo o senhor desembargador, com as suas teorias da evolução invertida, conseguiria unir o povo português a um nível que nem o Éder conseguiu, quando marcou aquele golo à França, na final de Paris. Muito obrigado Joaquim Neto de Moura. Por sua causa, é possível acreditar que o povo unido não voltará a ser vencido.

Este agradecimento estende-se à forma como o senhor não deixou de espernear, estando no chão a levar pancada de humoristas, comentaristas e alguns políticos. Depois de tudo o que senhor disse nas suas famosas sentenças, levantar processos por difamação aos seus críticos é genial. Se o senhor acha que devem ser condenados os que entendem que Neto de Moura é um perigo para a sociedade, fica a esperança de que quem manda neste país entenda de uma vez por todas que quem faz julgamentos com base no que diz a Bíblia, está pronto a ir pregar para o deserto, deixando os tribunais para os que se contentam em aplicar a lei, segundo o espírito do legislador que o povo elegeu. Muito obrigado Joaquim Neto de Moura. Com os seus argumentos, fica mais fácil o combate para acabar com a pouca vergonha de ver os tribunais portugueses a desvalorizarem a violência doméstica.

Ainda assim, é neste ponto que continuam a existir sérias preocupações. Nos tribunais portugueses, infelizmente, não há apenas um troglodita a desculpar os machos com excesso de testosterona. O senhor desembargador pode ser o campeão, mas se há coisa que aprendemos com os documentários da National Geographic é que há sempre um macho disponível para ocupar o lugar do líder.»

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4.3.19

Bons conselhos


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Carnaval?




Será sempre isto.
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RAP sobre Neto de Moura



Vídeo, a não perder, AQUI.
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O fim do mundo eurocêntrico e as ameaças à paz mundial



1. Caxemira e a Coreia do Norte marcaram a política internacional dos últimos dias. Em ambos os casos há poderes nucleares de facto envolvidos. Em ambos os casos os conflitos situam-se na Ásia, num longínquo Oriente ou Extremo Oriente, na visão do mundo usual dos europeus. No caso da Coreia do Norte, devido à presença do Presidente dos EUA, Donald Trump, a visibilidade mediática acabou por ser grande. No caso de Caxemira, o confronto militar fronteiriço entre a Índia e o Paquistão pareceu mais uma disputa exótica ocorrida numa obscura região montanhosa, nos confins do Norte do subcontinente indiano, próximo dos Himalaias.

Pelo seu passado recente, os europeus estão habituados a que os seus conflitos — e os que se passam nas regiões envolventes, como o israelo-palestiniano — sejam a coisa mais importante do mundo. Isso hoje é uma grande ilusão. Esse mundo está a desaparecer e de forma muito rápida. Era assim há um século quando a disputa franco-germânica sobre a Alsácia-Lorena tornava as rivalidades entre os dois países uma ameaça à paz mundial.

Acontecimentos como assassinato de 1914 do herdeiro do trono da Áustria-Hungria, em Sarajevo, na Bósnia, tiverem repercussões mundiais. O mesmo ocorreu nos anos 1930 com os alemães dos Sudetas na antiga Checoslováquia, e a questão de Dantzig e do corredor polaco. Foram pretextos para a Alemanha nazi anexar a Checoslováquia e invadir a Polónia. Foi o desencadear de uma segunda guerra europeia com repercussões mundiais. Hoje, vistos do mundo exterior à Europa, vistos do mundo não euro-atlântico, provavelmente são conflitos ocorridos em lugares remotos, sem grande importância para o mundo actual, a não ser por curiosidade histórica.

2. Os mapas usualmente (não) mentem, mas podem criar uma visão do mundo ilusória. Enquanto europeus, estamos habituados a olhar o mundo da forma que Gerardus Mercator — nome latinizado do geógrafo e matemático flamengo Gerhard Kremer — nos habituou desde o século XVI. A ele devemos a ideia da projecção cilíndrica do globo terrestre, feita sob a forma de um mapa plano. Devemos-lhe também a centralidade da Europa nessas projecções cartográficas do mundo.

Os mapas mundiais, os planisférios que nos são familiares e estão baseados nos referidos trabalhos de Gerardus Mercator contêm, no entanto, distorções significativas na representação dos continentes. A Europa surge no centro do mundo, o que pode compreender-se dado tratar-se de um olhar europeu sobre este. Mas o mapa dá a ideia de uma área terrestre europeia superior à efectivamente existente, o que ocorre, de uma forma acentuada, por exemplo, no caso da Península da Escandinava ou da Gronelândia. Ao inverso, por exemplo, a Índia, a América do Sul ou a Austrália estão sub-representadas na sua dimensão, sugerindo áreas significativamente menores do que as reais.

Mas esta longa era de eurocentrismo iniciada nos séculos XV e XVI — e que o planisfério de Mercator bem exemplifica — à qual o crescente domínio económico, político e militar da Europa no mundo dava plausibilidade, acabou abruptamente em meados do século XX.


3.3.19

Um belo mal-entendido



Isto tem piada. Por causa de um mal-entendido, uma artista pintou uma série de mais de 50 quadros como Van Gogh o podia ter feito, se tivesse conhecido as realidades que retratam. Ficam três exemplos.




(Daqui)
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Neto de Moura, ainda


Eu sei que os deputados não podem demitir juízes e até assino poucas Petições. Mas quanto mais esta for subscrita e difundida, maior pressão fará junto de quem de direito e da opinião pública em geral, já que os OCS já estão a referir-se à mesma.

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Carta ao sr. Neto de Moura



«Senhor Neto de Moura. Não nos conhecemos, felizmente. Digo felizmente porque, embora o jornalismo me obrigue, de quando em vez, a contactar com as catacumbas da sociedade, prefiro, como dizia o famoso Bartleby do Herman Melville, não o fazer.

A verdade é que gostaria de o processar. Não tenho muita paciência para tribunais e os juízes metem-me algum horror, porque já vi em acção alguns exemplares como o senhor. Também não tenho muito tempo livre e a justiça é lenta. Depois, é verdade que não tenho muito dinheiro e, já se sabe, a justiça é cara.

Eu tenho um problema de saúde: perante o asco, tenho vómitos. Às vezes também tonturas. As últimas decisões que tomou provocaram-me problemas de saúde. Talvez isso seja um motivo para o processar. Fico literalmente doente ao ver a sua, vá lá, doença com as mulheres. O prejuízo para a minha saúde dos seus acórdãos pode ser um motivo para um processo.

O meu problema com situações asquerosas é uma razão porque evitei, até este momento, escrever sobre o acórdão em que o senhor invocou a Bíblia e considerou exemplares – no sentido de lhe servirem de exemplo — as sociedades que apedrejam as mulheres adúlteras para “acentuar que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras)” e por isso a dita sociedade “vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”. O senhor, vindo lá das cavernas de onde fala, está a infringir a Constituição, mas nem dá por isso – assim como os seus colegas que lhe aplicaram a advertência. Os senhores metem-me medo. E não há sociedade mais doente do que aquela que fica com medo da justiça.

Eu sinto-me humilhada, vexada pelo senhor e a sua repugnante ideia de “sociedade”, mulheres e adultério. Acho que o senhor não me respeita e ofende todas as mulheres deste país. O adultério não é crime, a não ser na sua cabeça que me abstenho de qualificar ainda mais. A questão é que o senhor é juiz e põe em causa a segurança das pessoas, desde que sejam mulheres. Isso ofende-me. A ideia de lhe dar um soco na cara até me pode passar, assim de repente, pela cabeça, mas não o farei. No meu quadro moral e seguindo os preceitos da lei e Constituição, acho que a violência física não é de todo desculpável – nem contra um juiz que a desculpa.»

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