16.3.19

16.03.1974 – O falhanço das Caldas



Há 45 anos, o golpe falhado das Caldas foi um passo importante para a queda da ditadura.

Em 2014, por ocasião do 40º aniversário dos acontecimentos, o Diário de Notícias ocupou duas páginas com vários textos sobre «A coluna rebelde que Spínola e Costa Gomes impediram de ocupar o Aeroporto de Lisboa». Excertos:

«A imagem que ficou na memória dos portugueses sobre a intentona tentada pelo Regimento de
Infantaria N. º 5 das Caldas da Rainha no dia 16 de Março de 1974 foi a de uma coluna militar que ficou parada às portas de Lisboa. Ilustrava perfeitamente o golpe militar frustrado, que só teria o seu epílogo a 25 de Abril, e que logo deu origem a uma anedota bastante popular. A de que os camiões com 200 militares que iriam ocupar o Aeroporto de Lisboa teriam parado às portas de Lisboa porque o então presidente da República, Américo Tomás, ameaçou que o primeiro a chegar à capital seria obrigado a casar com a sua filha. (...)
A anteceder o 16 de Março tinham-se verificado mais dois factos políticos que fizeram o presidente do Conselho hesitar: a 22 de fevereiro dera-se o lançamento do livro Portugal e o Futuro, do general Spínola, que defendia uma solução política e não militar para a guerra no Ultramar; a 14 de março, o Governo demitira os generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de chefe e vice- chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, devido à ausência no evento em que as chefias militares se solidarizavam com Caetano, numa cerimónia definida como representativa da “Brigada do reumático”.
A demissão dos dois generais espoletou a Intentona das Caldas e criou esse acto militar falhado.»

A nota oficiosa difundida pelo governo foi esta:

«Na madrugada de Sexta-feira para Sábado, alguns oficiais em serviço no Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, capitaneados por outros que nele se introduziram, insubordinaram-se, prendendo o comandante, o segundo comandante e três majores e fazendo em seguida sair uma Companhia autotransportada que tomou a direcção de Lisboa.

O governo tinha já conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não tinham tido êxito.

Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR. Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar.

Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo. Reina a ordem em todo o País.»

Alguns dias depois (em 22 de Março), na sua última «Conversa em Família», foi assim que Marcelo Caetano se referiu ao golpe das Caldas:


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Vasco Pulido (?)Valente(?)



Anda uma pessoa umas décadas por este planeta para ler um cronista do reino, que escreve isto num jornal de referência. Até chega a Hitler e a Estaline, não faz o caso por menos.


(Vasco Pulido Valente, Público, 16.03.2019)
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Na continuação do dia de ontem


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Ao nosso lado



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Em que países da Europa é que seria hoje possível fazer um processo por “sedição”? Dois: ¬a Rússia e a Espanha. Neste momento estão a ser julgados em Madrid um conjunto de dirigentes políticos catalães eleitos, com funções na Catalunha durante o movimento pela independência, por “rebelião, sedição e peculato”. A acusação de “peculato” é ridícula, destina-se apenas ao esfregar das mãos dos seus adversários, dizendo que eles “roubaram” alguma coisa, quando a acusação diz respeito ao uso de dinheiros públicos, geridos pelo governo legítimo da Catalunha, para organizar os processos de referendo. Aliás, os argumentos jurídicos são a maneira neste caso de deixarmos de ver o essencial: estes homens foram eleitos para fazerem o que fizeram, contam com o apoio dos catalães e conduziram um processo pacífico destinado a garantir a independência da região da Catalunha, algo que não é alheio a direitos e garantias do próprio estatuto catalão e dos compromissos para a sua revisão. É um processo político puro, e os presos catalães são presos políticos puros.

A outra coisa do domínio do político é o silêncio cúmplice de toda a União Europeia, que não mexe uma palha perante o que se está a passar em Madrid, onde a comunicação social se comporta como partidária do “espanholismo” mais radical e mobiliza os seus leitores, ouvintes e telespectadores para exigirem a condenação dos catalães, como se de criminosos de delito comum se tratassem. Este silêncio cúmplice é mais uma pedra no abandono de valores da União, que se mobiliza para todas as causas longínquas e oculta as que estão bem dentro dela.

E não adianta vir com a demagogia de comparar o “nacionalismo” catalão com a onda nacionalista que atravessa a Europa, xenófoba, hostil às liberdades, populista, sobre a qual as autoridades europeias mostraram sempre grande complacência. O movimento independentista catalão é até o único exemplo, juntamente com o nacionalismo escocês, de um movimento pacífico, moderado, cosmopolita, com enorme apoio popular, mas sem nenhuma das perversões do nacionalismo basco do passado, nem do irlandês, nem, registe-se, do nacionalismo espanhol, uma das correntes políticas mais agressivas de Espanha, como, aliás, se vai ver em breve nas próximas eleições.

Mas, já o escrevi e repito, nós, nesta matéria, somos uma vergonha. Estamos ao lado da Espanha, cujo nacionalismo tememos ao longo de toda a nossa história, com raros momentos de descanso, e apenas de descanso porque a Espanha estava fraca, e fazemos de conta que somos os três macaquinhos de mão a fechar a boca, os olhos e os ouvidos. Os presos políticos estão lá e nós caladinhos a pensar que não é connosco.

Somos capazes de juntar umas dezenas de pessoas para causas remotas e obscuras – e quase sempre bem –, mas quanto a Espanha ou ficamos apáticos e indiferentes, ou, o que é pior, alinhamos com o coro espanholista. Esse coro vai varrer o PSOE e vai trazer o PP e o neo-PP, os Cidadãos, o Vox e muitos grupos junto dos quais o nosso Chega é um pacífico menino. O espanholismo dos dias de hoje, posterior à tentativa catalã, é genuinamente franquista, mergulha fundo na trágica história de Espanha do século XX.

Portugal e os portugueses não podem ter esta indiferença face à sorte dos nossos irmãos catalães a quem devemos também uma parte da nossa independência nos idos de 1640. A causa catalã está a passar momentos difíceis, mas só a cegueira é que pode pensar que vai desaparecer. Se os presos políticos catalães forem condenados, então aquilo que já é hoje o principal bloqueio da política espanhola, ancorando-a à direita, tornar-se-á uma fonte conflitual muito séria em toda a Espanha, onde a reivindicação nacionalista no País Basco, na Galiza e noutros locais vai mobilizar uma nova geração de desespero, e o desespero é mau conselheiro. Para Portugal, a doença espanhola vai chegar com um pólo espanholista agressivo aqui ao lado que irá condicionar a política portuguesa. E vai ter na nossa direita radical, na alt-right nacional que começa a organizar-se como grupo de pressão face aos partidos políticos que acha que saíram da linha, como o PSD, um apoio entusiástico.

Com a memória ainda fresca do passado recente da troika-Passos-Portas, não teriam por si próprios muita importância, porque a nostalgia de um passado escuro não chega para mobilizar para o futuro, mas o apoio de uma Espanha muito à direita pode ser um factor de desequilíbrio. Também por nós, deveríamos olhar para esse grupo de homens corajosos que estão a ser perseguidos e julgados em Espanha com um olhar mais solidário e comprometido.»
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15.3.19

Alterações climáticas – E amanhã?



É evidente que os milhares e milhares de jovens que saíram à rua por esse mundo fora não esperam milagres e sabem que não acordarão amanhã num universo diferente.

Mas, desde que comecei a ver multidões e cartazes, não consigo deixar de pensar que não é possível dizer-se apenas que o dia de hoje ficará como um marco histórico. Seria importante – e agora passo para o nível do país – que algo acontecesse, que fosse anunciada e concretizada uma medida, mesmo que modesta mas realista, expressamente ligada ao que hoje se passou – com um agradecimento de quem manda.

Lirismo da minha parte? Talvez. Mas não se pode simplesmente virar a página e desiludir as gerações que vão pegar amanhã no país. Respect.
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Greve climática – Em Portugal foi assim


Lisboa:


Porto:


Braga:


Etc.,etc., etc. - 36 localidades.

Dezenas de imagens: “Pára de negar, a Terra está a morrer”: as imagens da greve climática em Portugal.
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Christchurch



Estive há dois anos na cidade de que hoje se fala pelas piores razões: ataques terroristas, no segundo país mais seguro deste triste mundo, mataram dezenas de pessoas.

Christchurch é a segunda cidade da Nova Zelândia em termos de população, só ultrapassada por Auckland: tem cerca de 440.000 habitantes, um pouco mais do que a capital Wellington, e foi a principal vítima de um terrível terramoto que teve lugar em 22 de Fevereiro de 2011. Este arrasou-a, quase todos os edifícios com alguma altura ruíram ou foram tão afectados que foi necessário deitar abaixo o que restava ou reforçar o que era possível salvar. Todo o centro urbano é ainda um enorme estaleiro, mas é notável o que já foi feito ou refeito em poucos anos.

Morreram 185 pessoas e existe em plena cidade uma espécie de memorial com o mesmo número de cadeiras, pintadas de branco. Não sei se não lhe juntarão mais umas dezenas, em homenagem às vítimas de hoje.
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A justiça climática é a luta pelo destino da Humanidade



«Hoje é um dia histórico, com uma das maiores mobilizações globais de sempre, sobre qualquer tema que seja. É a maior mobilização de jovens e a maior mobilização pela justiça climática que alguma vez aconteceu. Todas as pessoas que mobilizaram, que convocaram e que hoje se juntam e se encontram nas ruas de mais de mil cidades por todo o mundo devem saber que fazem parte de um momento extraordinário. Começa uma nova História da justiça climática.

Durante as últimas três décadas, milhares de pessoas por todo o mundo empurraram um comboio pesado, o comboio da inércia, o comboio da conformação, o comboio do sistema, à procura de soluções e vontade política para resgatar a civilização. Muito mais grave do que a meia dúzia de negacionistas de alterações climáticas (com desproporcionado impacto mediático), foram mesmo os arquitectos das políticas dos últimos anos os grandes responsáveis por vivermos numa emergência climática sem paralelo na História da Humanidade.

De nada serviram Barack Obamas, Justin Trudeaus ou Uniões Europeias a gritar o seu empenho no combate às alterações climáticas, de nada nos serviram as tintas verdes com que empresas destruidoras como a BP ou a Volkswagen se foram pintando porque, apesar de andarmos há décadas à procura de acordos para cortar as emissões de gases com efeito de estufa, 2018 foi o ano com o mais alto nível de emissões alguma vez registado. Nesse contexto de enorme frustração, de enorme contradição, empurrámos, contra o senso comum, contra a política banal, contra a TINA (There Is No Alternative), assistimos ao colapso em Copenhaga, exigimos que não houvesse mais explorações de petróleo, gás e carvão, se queríamos salvar o futuro da civilização. Às costas, levávamos a Ciência, a vontade e a certeza de que isto não podia acabar assim, que a Humanidade não podia ser só isto.

O desprezo pelos jovens, o desprezo pelas pessoas comuns, foi convertendo superficialmente milhares de milhões em cínicos, em hipócritas, em seres amorfos e autocentrados. O poder retirado pela economia e pela política às populações foi criando um espírito de derrota, de impotência, de conformação a tudo o que viesse de cima, à ordem e à obediência. Apesar de haver sempre quem resistisse, esse espírito imperou durante muito tempo. Chegados a um dia como hoje percebemos como era superficial esse espírito, e especialmente superficial a análise de que isso se poderia manter.

A temperatura média global nas últimas três décadas só tem comparação com o período interglacial do Eemiano, há mais de 115 mil anos. Haveria nessa altura, quanto muito, alguns milhões de seres humanos (menos do que os dedos de uma mão). O centro da Europa era uma savana, o Reno e o Tamisa tinham hipopótamos e crocodilos. O nível médio do mar era seis a nove metros mais alto do que hoje. Os cinco anos mais quentes desde que há registos são os últimos cinco (2016, 2015, 2017, 2018, 2014). Devido à queima massiva de gases com efeito de estufa que começou na Revolução Industrial e que disparou a partir do final da Segunda Guerra Mundial, criámos um clima em que nunca vivemos antes, diferente daquele em que foi possível inventar a agricultura, a escrita, a civilização. O capitalismo industrial fóssil acabou com o Holoceno, o período geológico dos últimos 12 mil anos que permitiu que a nossa espécie de instalasse e proliferasse por todo o planeta.

Mas a inacção garante-nos uma degradação muito maior do que esta, e cada dia, cada semana, cada mês em que a máquina industrial fóssil se mantém em produção máxima agrava o nosso futuro. Cada momento em que a máquina industrial fóssil se mantém em produção ficam em causa a viabilidade dos territórios em que habitamos hoje, a sua capacidade de nos continuar a sustentar, quer pela redução da capacidade de produção alimentar e da disponibilidade de água, quer pelos fenómenos climáticos extremos e a subida do nível médio do mar. A reacção perante este estado de coisas é uma manifestação de autoprotecção. Não estamos a defender a Terra, nós somos parte da Terra e estamos a defender-nos a nós mesmos.

Nomeada para o Prémio Nobel da Paz, Greta Thunberg, a jovem sueca de 16 anos que disse exactamente isto na cara das lideranças mundiais na Polónia, foi o ponto de apoio e a sua greve, todas as sextas-feiras frente ao Parlamento da Suécia, foi a inspiração para a greve mundial climática. Mais tarde, o colectivo que convocou esta greve diria em carta aberta publicada no The Guardian: “Vamos mudar o destino da Humanidade.” Não é menos do que isto o que precisa de acontecer. Esta chamada à acção colectiva retira o derrotista enfoque na acção individual que vigorou nas últimas décadas. Só faremos isto em conjunto, pela acção persistente e decidida de milhões de pessoas. Tentar reduzir o que acontece neste 15 de Março de 2019 a uma chamada para pequenas acções individuais ou locais é perverter o que está a acontecer: “Vamos mudar o destino da Humanidade.”

Tudo irá mudar nas nossas economias e nas nossas sociedades. Se não formos nós a organizar estas mudanças, será o novo clima, sem qualquer contemporização. Vivemos neste momento dentro do arranha-céus em chamas do capitalismo global e todos os alarmes estão a tocar. Não existe nenhum bombeiro mágico para apagar as chamas. Está na hora de sair e construir uma nova casa para a Humanidade.»

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14.3.19

Viva a Padeira de Aljubarrota, acreditem...



«Se uma mulher que estiver em Espanha sem documentação decidir entregar o seu filho para a adoção, passa a ficar protegida da deportação, ainda que por tempo limitado (podendo ainda, no futuro, vir a ser mandada para o seu país de origem, apesar de já ter abdicado do filho).»
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Ser intelectualmente chiquérrimo



… é, nas redes sociais, dizer-se que raramente se vê canais portugueses de TV. O pior é que se é apanhado numa curva: percebe-se facilmente que muitos dos que o afirmam vêem mesmo e que não é pouco. Pobre país!
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14.03.1975 – O tempora, o mores


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Coincidências



«Em 1911, um pacato farmacêutico londrino, Mr. Godfrey, foi morto num assalto por três ladrões chamados Green, Berry e Hill. Ele morava no bairro Greenberry Hill.

Em 1958, cansado das discussões de arma em punho entre os pais, o filho do casal sobe ao telhado do prédio e atira-se para a morte. Quando o corpo em queda passa o andar onde mora, um tiro, disparado pela mãe na direção do pai, atinge-o. O suicídio torna-se homicídio. Enquanto o filho é transportado para o cemitério, a mãe e o pai, considerado cúmplice, são levados para a prisão.

Quem viu, sabe que estas histórias são contadas na abertura do filme Magnólia, de Paul Thomas Anderson, de 1999. No final, o narrador diz "eu quero acreditar que tudo isto é obra do acaso".

No Brasil, a quinta maior nação do mundo, as últimas horas também foram marcadas por coincidências. E o tamanho do país vem ao caso porque, caro leitor, quais são as probabilidades de numa extensão de terra de mais de 8500 quilómetros quadrados, o autor dos disparos que mataram Marielle Franco e o seu motorista Anderson Gomes morar a poucos metros do presidente da República no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona sul do Rio de Janeiro?

Sendo vizinhos e tendo descendentes mais ou menos da mesma idade já não será tão surpreendente que, como confirmou o delegado do caso, Giniton Lages, um filho do segundo tenha namorado uma filha do primeiro.

Já antes, as investigações tinham chegado à conclusão de que a execução, pelo modus operandi, era obra de milícias, os grupos paramilitares compostos por militares reformados que atuam de forma mafiosa no vácuo entre a polícia e o tráfico. Cruzando informações, os delegados identificaram mesmo as impressões digitais da maior e mais perigosa de todas as milícias, o Escritório do Crime. Sucede que, por coincidência, o filho mais velho do presidente homenageou Adriano Nóbrega, o líder do "escritório", em sessão da Assembleia Legislativa do Rio de há uns anos. No seu gabinete, aliás, empregava como funcionários a mãe e a mulher de Nóbrega. E o seu assessor principal, envolvido num caso de corrupção que atormenta o governo, quando precisou de escapar do escrutínio das autoridades recorreu ao bairro onde o Escritório do Crime opera para se refugiar.

Além do vizinho do presidente, o outro suspeito de estar no carro de onde saíram os disparos que mataram Marielle e Anderson exibia, orgulhoso, uma fotografia nas redes sociais dele com o hoje chefe de Estado, então ainda na pele de candidato. Embora sujeita a perícia, pela data de publicação a foto será de três dias antes da primeira volta das últimas eleições, menos de sete meses após o crime. Argumenta o presidente que, sobretudo no papel de candidato, deixou-se fotografar com milhares de polícias. Entre eles, portanto, o acusado de matar Marielle.

Na véspera da detenção dos dois suspeitos, o presidente envolvera-se noutra controvérsia, em princípio muito distante do crime. Servindo-se de fake news, acusara uma repórter do jornal O Estado de S. Paulo de, numa conversa gravada, ter dito que visava arruinar o governo ao investigar o caso daquele tal assessor principal do filho mais velho do presidente envolvido num caso de corrupção. No tweet em que disseminava a informação falsa, o chefe de Estado ia mais longe e revelava que Constança Rezende, o nome da jornalista, é filha de Chico Otávio, repórter de O Globo. Otávio é o repórter que vem ocupando-se do assassínio de Marielle no seu jornal e que, no dia das detenções, horas depois da acusação presidencial via Twitter, trazia informação detalhada sobre a investigação e o passado criminoso do autor dos disparos - e vizinho do presidente - e do seu cúmplice - que se fotografou com o ainda candidato a presidente.

Como diz o narrador em Magnólia, o povo brasileiro, dos apoiantes aos opositores do presidente, quer acreditar que tudo isto é obra do acaso. Só uma revelação, talvez em forma de chuva de sapos no final da história, esclarecerá se é ou não.»

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13.3.19

Brexit?


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Uma negra na Presidência da República?



Notícias Magazine, 13.03.2019, numa entrevista à ministra da Justiça.
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E siga o baile



Maria de Belém numa Fundação da Altice, Adolfo Mesquita Nunes na GALP. Não sei o que sabe a primeira de telecomunicações ou o segundo de petróleos, mas who cares?

Já não existem glutões do Presto, mas os centrões continuam a resistir.
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Consolidar a consolidação bancária



«Nem percebo a razão da balbúrdia. Não parecem sobrar dúvidas à alma mais inocente de que a gestão institucional do sistema bancário, a consolidação de que tanto se fala, tem sido de cabo a rabo uma farsa em que se enterra dinheiro a bel-prazer e em que os governantes fizeram fila para completar a missão uns dos outros.

Ao longo do tempo já tivemos de tudo. Tivemos uma grande privatização em que um empresário pagou o banco com um cheque descontado sobre o próprio banco, para que se havia de incomodar em pagar o negócio. Tivemos uma venda de uma companhia de seguros em que os compradores a pagaram com a alienação imediata de alguns ativos. Tivemos a privatização dos Correios com um banco atrelado em que os dividendos esvaíram as reservas para recompensar generosamente os compradores. Temos a privatização de uma seguradora em que a transferência de alguma propriedade imobiliária para um fundo especulativo cobriu grande parte da despesa inicial. Tudo provas de que a vã filosofia consegue mesmo imaginar mais coisas do as que há entre a terra e o céu.

Fosse só isso e poderíamos agradecer alguma moderação ao sistema financeiro, seria simples ‘business as usual’. Só que os juros andam baixos, os tempos difíceis, os movimentos arriscados e, por isso, foi preciso reforçar a garantia de rendas. A resolução do BES foi o primeiro exemplo (4900 milhões de euros). Foi tão competente que deu logo lugar a uma segunda resolução (2000 milhões de euros). E depois a uma venda de 75% do banco a um fundo norte-americano de aplicações financeiras especializado no imobiliário, com a contrapartida de o Estado o fazer financiar depois até 3890 milhões de euros pelo Fundo de Resolução. A venda do Banif, canibalizado por erros e sobretudo pela agressão contabilística que lhe impôs uma venda precipitada e com uma recapitalização faraónica em prol do Santander (3000 milhões), foi o segundo exemplo. Depois, como tudo isto custa rios de dinheiro aos contribuintes, via CGD, e incomoda os outros bancos, que pagam uma parte de misteriosas operações de multiplicação de confortáveis prejuízos, veio o conforto de passar os pagamentos ao Fundo de Resolução de três para trinta anos e a juro reduzido. Para que ainda não houvesse dúvidas, o Estado comprometeu-se a pagar aos bancos parte dos impostos que estes podem vir a poupar no futuro graças ao mecanismo de abatimento de prejuízos atuais em lucros hipotéticos, e a deixar registar toda a conta imaginária como ativo realmente existente.

Tudo normal, portanto. Consolidou-se o sistema bancário nacional entregando o maior banco privado a aventureiros que o vão vender na primeira esquina. Espalharam-se garantias públicas pelos bancos em valores de dezenas de milhares de milhões. Venderam-se outros bancos a um zoológico de fundos, bancos, aplicações, empresas públicas estrangeiras e príncipes variados. E, cereja em cima do bolo, Portugal faz orgulhosamente parte de uma União Bancária que estabelece que, quando houver alguma abalo neste edifício maravilhoso, os depositantes serão pela primeira vez forçados a arcar com uma parte das perdas, amputando as suas poupanças. A consolidação é um grande sucesso, como se vê.

Não há tantos anos, na campanha eleitoral de 2015, António Costa indignava-se com esta engenharia e alertava os contribuintes para os riscos que corremos. Agora, tudo consolidado como manda a etiqueta, as vozes do PS indignam-se por alguém achar que os riscos se tornaram certezas caras. Como diria o senhor Pangloss, estamos bem e não poderíamos estar melhor, ai de quem se atreva a criticar esta consolidação e a sua fábula.»

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12.3.19

Novo Movimento para unir as direitas



É um novo Movimento para unir as direitas. Quando se abre o site, lê-se: «NASCIDOS A 5 DE JULHO». Todos caranguejos, portanto…

Diz-me um dos fundadores que o título se justifica porque a AD nasceu em 5 de Julho de… 1979.
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Diretor do Centro de Estudos Judiciários dixit




No dia em que o primeiro citar «O Capital» de Marx ou o Corão é que vai ser bom…
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O Novo Banco e o velho centrão




Mariana Mortágua
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11 de Março, um passado cheio de agora



«O dia 11 de Março de 1975 é um marco na história da democracia portuguesa. Se o 25 de Abril representa o dia em que o anterior regime político foi deposto, o 11 de Março constitui o momento de refundação do regime económico. Este facto, por si só, justifica que se recupere esta data e o seu significado. No momento actual, há motivos redobrados para o fazer.

Nas vésperas da revolução, o regime económico em Portugal era caracterizado por dois aspectos distintivos: uma elevadíssima concentração da propriedade (3/4 da produção eram assegurados por 16,5% das empresas); e uma forte articulação entre os poderes industrial e financeiro.

Os grupos industriais CUF e Champalimaud controlavam o Banco Totta & Açores e o Banco Pinto & Sottomayor, respectivamente. Grupos com origem no sector financeiro, como o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, o Banco Português do Atlântico ou o Banco Borges & Irmão, estendiam as suas participações a vastas áreas da actividade industrial.

Este pequeno núcleo monopolista, por vezes em parceria com empresas estrangeiras, controlava o essencial da economia portuguesa. O poder que advinha das suas actividades de crédito e a proximidade ao regime político permitiam-lhes manter esse domínio. O controlo da banca proporcionava o necessário músculo financeiro. O apoio do regime assegurava os mercados de escoamento, limitava a concorrência e reprimia as reivindicações dos trabalhadores.

O regime económico da era marcelista não terminou logo em 25 de Abril de 1974. Nos meses que se seguiram manteve-se intacta a estrutura de poder industrial e financeiro, apesar da instabilidade crescente. Para essa instabilidade contribuíam dois factores decisivos. O primeiro era a grande crise económica mundial, marcada pela desaceleração do crescimento nas economias capitalistas desde finais da década de 1960, pela implosão do sistema de câmbios fixos no Verão de 1971 e pelo enorme aumento dos preços do petróleo na sequência da guerra israelo-árabe do Yom Kippur, em Outubro de 1973. O segundo factor de instabilidade, claro está, foi a dinâmica do movimento social que se seguiu à queda do regime salazarista.

O 25 de Abril aconteceu quando os primeiros sinais de crise internacional começavam a chegar a Portugal, reflectindo-se no aumento da inflação e em dificuldades financeiras em muitas empresas. Incentivados pelo desmantelamento do aparelho repressivo do fascismo e pelas expectativas acrescidas de melhoria das condições de vida, centenas de milhares de portugueses fizeram sentir a sua voz nas ruas e nas empresas, reclamando os seus direitos e questionando as orientações de gestão dos empregadores.



11.3.19

Enfermeiros - Ei-los que partem



Expresso diário, 11.03.2019.
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11.03.1975, ainda



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11.03.1975 - O início do PREC



Nesse décimo primeiro dia de Março de 75, pelas 11:45, o RAL 1 (mais tarde conhecido por RALIS), foi bombardeado por aviões da Base Aérea nº 3 e cercado por paraquedistas de Tancos, na concretização de uma tentativa de golpe de Estado, liderada por António de Spínola.

O que se passou durante o resto desse dia é resumido num documento do Centro de Documentação 25 de Abril e está parcialmente gravado nos vídeos (no fim deste post). Dia que acabou já sem Spínola no país: com a mulher e quinze oficiais fugiu de avião para Badajoz.

11 de Março marca o início do PREC, que viria a durar oito meses e meio – até ao 25 de Novembro. Quem já era adulto lembra-se certamente dos ambientes absolutamente alucinantes de tudo o que se seguiu, sobretudo a partir de 14 de Março quando foi criado o Conselho da Revolução e se deu a nacionalização da Banca e da maior parte das companhias de Seguros.

E não se julgue que foi só a chamada extrema esquerda a aplaudir essas medidas:
«As nacionalizações são saudadas à esquerda e não são contrariadas à direita. O PPD apoiou-as, embora prevenindo que "substituir um capitalismo liberal por um capitalismo de Estado não resolve as contradições com que se debate hoje a sociedade portuguesa".
Mário Soares mostrou-se eufórico, considerando tratar-se de "um dia histórico, em que o capitalismo se afundou". Disse num comício que "a nacionalização da banca, que por sua vez detém (…) a maior parte das acções das empresas portuguesas e, ao mesmo tempo, a fuga e prisão dos chefes das nove grandes famílias que dominavam Portugal, indicam de uma maneira muito clara que se está a caminho de se criar uma sociedade nova em Portugal".» (Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC, p. 28.)

Foi assim, por mais inverossímil que pareça a 44 anos de distância.

Para quem quiser conhecer ou recordar os acontecimentos:






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O «comentadeiro» Marques Mendes




Um «comentadeiro» adivinho que tem azar porque há memórias registadas.
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#maisédemais



«Soares dos Santos sente como sua missão dar aos pobres o grande privilégio da classe média (só média, mais é demais). Ferraz da Costa não diz se em Portugal os salários são altos ou baixos, mas sabe que para "muitos, até são mais altos do que deviam".

Ambos fizeram uma demonstração notável de humildade, que finalmente trouxe para a praça pública um problema sério que a realidade portuguesa precisa de conhecer: o drama de quem herda fortuna, mártires que lidam com a chaga de ter dinheiro sem o merecerem e, ainda assim, terem de assumir a dura missão de salvar os portugueses.

O sofrimento diário desta elite empresarial, a quem o país tanto deve - o que seria de Portugal sem o jingle do Pingo Doce ou a coudelaria de Ferraz da Costa? -, merece a solidariedade de todos os portugueses, especialmente dos que saíram da pobreza graças ao sacrifício destes e doutros empresários, que lutam diariamente para proporcionar a classe média aos pobres e ficar com a classe alta para eles. É preciso tirar os desgraçados da pobreza, "ma non troppo". Têm vontade de ajudar, mas hesitam, por saberem que o dinheiro só dá chatices. Têm o poder de melhorar a vida dos outros, mas não querem que sofram as agruras da vida das altas possibilidades.

Querem um país melhor, mas o melhor é que não seja para todos.»

Miguel Conde Coutinho
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10.3.19

Primeira volta ao mundo? Afinal foi um malaio…




Deixem-se de polémicas: Lo dice la Real Academia de la Historia: la Primera Vuelta al Mundo fue exclusivamente española.
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Boris Vian, 10.03.1920



Boris Vian faria hoje 99 anos e morreu antes de chegar aos 40. Escritor, engenheiro mecânico, inventor, poeta, cantor e trompetista, também anarquista, teve uma vida acidentada e ficou sobretudo conhecido pelos livros de poemas e alguns dos seus onze romances, como L’écume des jours e L’automne à Pékin.

Especialmente célebre ficou também uma canção – Le déserteur – , que foi durante muitos anos uma espécie de hino para todos os que recusavam participar em guerras, incluindo muitos portugueses. Lançada durante a guerra da Indochina, foi grande o seu impacto e acabou mesmo por ser proibida por antipatriotismo, na rádio francesa, pouco depois do início do conflito na Argélia.

Nunca esquecerei quando Le déserteur cumpriu a função da mais improvável das marchas nupciais, no casamento de um amigo, em Bruxelas, no fim dos anos 60.


(Serge Reggiani : Dormeur du Val , de Arthur Rimbaud, e Le déserteur de Boris Vian.)
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Varrer Neto de Moura para baixo do cível



«Li nesta semana no Twitter que "foi muito rápida a resolução do caso Neto de Moura". Referia-se quem o disse ao facto de o presidente da Relação do Porto ter anunciado a transferência do juiz da secção criminal para a secção cível. Há pelos vistos quem considere isto uma "resolução" - como em solução do problema, não em "resolução do BES". Mas o ocorrido é muito mais parecido com o segundo caso.

Que quero dizer com isto? Que não se solucionou nada, e que a judicatura, apavorada com o enxovalho ao juiz e, por arrasto, à função, resolveu que alguém que durante anos a fio desculpabilizou, em termos escandalosos, imbuídos de uma moral ultramontana e não raro insultuosos, a violência sobre as mulheres - foram encontrados acórdãos e decisões com essas características assinados por este magistrado desde pelo menos 2010, como demonstrou Garcia Pereira num artigo recente; que, nas palavras de um membro do Conselho Superior de Magistratura, "desconhece ou despreza princípios essenciais do Estado de direito"; que em 2018, já sob processo disciplinar, se queixava ao Supremo de uma "campanha de perseguição" e de lhe andarem a "escabichar" as decisões, demonstrando ser incapaz de perceber que a justiça, sendo administrada em nome do povo, é por definição pública, escrutinável, e do povo, pode continuar a julgar. A decidir em nosso nome, a impor a sua revoltante e inconstitucional mundividência - reconhecida, em declarações de voto, pelo presidente do Supremo Tribunal e pelo vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura - a quem tenha a desdita de lhe cair nas mãos.

Aliás o próprio presidente da Relação do Porto, Nuno Ataíde das Neves, teve a honestidade de reconhecer que a transferência "não resolve nada, mas atenua". E atenua o quê? Obviamente, a tempestade que se abateu sobre a justiça, e que o magistrado refere como "uma crise de confiança dos cidadãos". Mas, como Ataíde das Neves sabe, trata-se apenas de "pôr a poeira debaixo do tapete" - na expressão usada por Paulo Pimenta, presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, na RTP3. Porque, como bem perguntou este causídico, "isto foi feito para proteger o juiz ou a comunidade? É o Dr. Neto de Moura que tem de ser defendido da população ou a população que tem de ser defendida do Dr. Neto de Moura?"

Para prosseguir dizendo o óbvio: "Porque o problema deste juiz não se coloca só naquele tipo de processos [de violência doméstica]. Se o problema dele é de conceção da família, dos papéis do homem e da mulher, vai verter essas conceções nas decisões que tenham a ver com a família." E mais: "Existem vários netos de moura, e afastando Neto de Moura não se resolve o problema. Há juízes que chegam aos tribunais superiores sem nunca terem sido verdadeiramente escrutinados sobre a sua personalidade - porque isto é um problema de personalidade, da formação deste senhor. Isto é um problema de critério de acesso à magistratura."

É isso mesmo, e é por ser esse o problema que ninguém pode ficar "pacificado" por se varrer Neto de Moura para baixo do tapete. Porque é preciso lembrar que um juiz assim chegou ao Tribunal da Relação e foi consistentemente classificado com "muito bom" - e assim continuaria até chegar, provavelmente, ao Supremo, se em 2017 alguém não tivesse passado "cá para fora" o seu acórdão da "mulher adúltera", levando à revelação de um outro do mesmo ano com as mesmas características (foram esses dois que estiveram em causa no processo disciplinar que lhe foi movido, já que muitas decisões suas anteriores que mereceriam igualmente censura já não eram suscetíveis de tal por prescrição).

O que isto nos diz, como Paulo Pimenta sublinha, é que não existe nenhum sistema de veto que permita afastar juízes estridentemente incompetentes. Que não há critério. Que um juiz pode desprezar acintosamente a lei, a Constituição, as convenções internacionais, e nada sucede. Que pode inclusive difamar em decisões, e ter colegas a assiná-las, procuradores a lê-las, advogados a acatá-las e nada suceder - o que também deve ser matéria de reflexão para a Ordem dos Advogados e para a PGR.

Em 2017, a associação Capazes, a UMAR e a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima subscreveram uma petição, que teve mais de 28 mil assinaturas (incluindo a minha), requerendo não só a abertura de um inquérito disciplinar aos juízes signatários dos dois referidos acórdãos de 2017 mas uma série de medidas com o objetivo de tornar o sistema mais transparente e justo. Entre elas, a exigência de que todas as decisões de tribunais superiores sejam tornadas públicas e acessíveis através da internet - não são e, frise-se, a do "acórdão da mulher adúltera" ainda não o tinha sido quando foi divulgada, o que significa que poderíamos nunca ter tido dela conhecimento; que os magistrados tenham obrigatoriamente formação para a igualdade de género; que os institutos da escusa e suspeição (que permitem pedir a substituição de um juiz num processo) fossem clarificados pelo CSM e se necessário submetidos a alteração legislativa.

Nenhuma destas solicitações foi atendida; o CSM não respondeu sequer à petição e quando, em fevereiro, perguntei ao Conselho porquê, não obtive resposta. Igualmente nada se fez em relação às normas de avaliação dos juízes, que como Garcia Pereira denuncia no artigo citado são secretas (como? porquê?); nem se discutiu sequer algo que este caso demonstra ser urgente - a imposição de inspeções periódicas, de rotina, aos tribunais superiores, já que estas só existem nos inferiores. Ou seja, o sistema não mexeu. E perante a justa revolta face ao caso Neto de Moura, decidiu sacrificá-lo (e pouco) como bode expiatório, na esperança de que tudo fique na mesma. Cabe-nos certificar que não. Que isto não acaba assim.»

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