28.12.19

Agora não


«Sem cedências significativas ou um acordo de longo prazo que lhe garanta uma “governação tendencialmente à esquerda” BE e PCP não devem viabilizar o Orçamento. Porque se o fizerem sem que o seu conteúdo o justifique estarão obrigados a deixar passar todos os Orçamentos futuros, esteja lá o que estiver. Agora ainda todos se lembram que a “geringonça” está morta. Daqui a um ano, depois de se cimentar a ideia que há uma maioria de esquerda para governar, isso será um passado longínquo. Serão, sem qualquer garantia, parceiros involuntários de Costa. Sempre defendi entendimentos à esquerda. Mas a condição é a clareza e a reciprocidade. Chantagem não é diálogo. O PS escolheu, ao não negociar, que a governação resultaria de “soluções pontuais, negociadas caso a caso”. O Presidente deveria ter falado nessa altura.»

Daniel Oliveira, Expresso, 28.12.2019
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Acabe 2019 com optimismo


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Assim, até eu...




... faria exercício físico!
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Centeno, o nosso Joker?



«”Joker” não foi o melhor filme do ano. Mas foi o mais influente. O Joker saltou dos ecrãs de cinema e conquistou as ruas. Esteve em todas as manifestações que abanaram os pilares da ordem estabelecida. O Joker não é de esquerda, nem de direita. É um enigma. Não está interessado em divertir-nos. Pelo contrário, no filme e nas ruas, quer causar dor e devolver ao mundo o que sofreu.

No filme, começa por ser um palhaço sem piada. Mas, depois, o espectador deixa de ter vontade de rir. Este Joker é sério: ri, mas não está aqui para nos contar piadas. O sorriso do Joker é o do caos. A sua ordem é a desordem. A interpretação de Joaquin Phoenix tornou-o símbolo da indignação em todo o planeta. E esta, tem-no provado sucessivas eleições, trocou o jogo de cartas político. Os ases trunfo do passado já não são sinónimo de triunfo.

Há um Joker no nosso pequeno mundo político? Rebuscando bem, só se consegue descortinar alguém que, não sendo o Joker, está sempre a sorrir: o sr. Mário Centeno. Há, desde logo, uma grande diferença entre ambos: o Joker é um perdedor. O sr. Centeno era, até há pouco tempo, o vencedor. Todos, no Governo, usavam um “pin” com a sua face e todos tentavam imitá-lo a sorrir. Cansaram-se.

Enquanto sorria, o sr. Centeno aumentava os impostos, fazia cativações, não assinava transferência de verbas. Como aprendiz de Joker chegou mesmo a dizer que já tinha assinado a autorização para se contratarem quatro mestres para os barcos da Soflusa.

Quando um ministro da Finanças tem de autorizar pessoalmente contratações de pessoal de uma empresa, não precisamos de um Joker para desestabilizar. Com mais ou menos sorriso, ele está dentro do poder a fazer mais estragos do que dezenas de manifestações nas ruas.

Mas o sr. Centeno não é o Joker. Às vezes sonha ser Batman. Sonha com o equilíbrio orçamental. Com a ordem acima do caos. Só que essa ordem começou a dinamitar os pilares da estabilidade social. E, claro, as emoções dos eleitores. Recorde-se Joker – são os cortes do orçamento para o apoio social e para os medicamentos que levam Arthur (Joaquin Phoenix), à loucura.

O sr. António Costa deve ter ido ver esta nova versão de Joker antes do texto final do OE. As sociedades são hoje teias imprevisíveis. Como dizia Alfred, o fiel mordomo de Bruce Wayne, em “The Dark Knight” (de 2008): “Alguns homens não buscam coisas lógicas como o dinheiro. Não os podes comprar, nem acossá-los, nem negociar com eles. Alguns homens, tudo o que querem, é ver como arde o mundo”. Foi a austeridade radical que atiçou o fogo na Europa liberal. E agora há quem esteja surpreendido porque as chamas se transformaram em radicalismo.

O Joker está para estes dias como a máscara usada por Guy Fawkes (e popularizada por “V for Vendetta”, a fantástica Banda Desenhada de Alan Moore) se tornou simbólica há uns anos nas ruas de todo o mundo. Fawkes, recordemos, tentou fazer explodir o Parlamento britânico em 1605 e assassinar o Rei.

Como muitos outros queria destruir a ordem vigente, para implantar outra. Mas o Joker de Joaquin Phoenix é o homem sem futuro de hoje, abandonado por uma sociedade insensível. Longe vão os tempos em que o Joker surgiu pela primeira vez, na década de 1940, pela mão de Bob Kane e Bill Finger. Era apenas um vilão. Quando Frank Miller o reinventou, na década de 1980, Gotham já era um lugar escuro onde não havia lugar para o Bem.

Num mundo corrupto, um homem musculado como Batman era a solução. Este mundo tem demasiadas analogias com o que vivemos hoje. O Joker não é Charlie Chaplin ou Buster Keaton, ou seja, uma face que, como estes, tenta reter a dignidade num mundo caótico. Eles, fazendo rir, tinham esperança no amor e nos seres humanos. O Joker não é nada disso: nada tem a perder. E já não quer saber se quem ri por último, ri melhor.»

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27.12.19

Medo e Subserviência


«Mas houve uma coisa em que aqueles três anos [da troika] tiveram efeitos profundos: animaram, com a ajuda do discurso autopunitivo contra um povo que tinha vivido acima das suas possibilidades e a aceitação rastejante de uma intervenção estrangeira, o pior da nossa identidade coletiva. Uma identidade desenhada por meio século de ditadura e marcada pelo medo e a subserviência. Ela está muito viva. E ainda serve ao poder político e económico.»

Daniel Oliveira, Expresso, 27.12.2019
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SNS?



Agora que acabaram as consoadas. Ao ouvir a mensagem de Natal do nosso PM, este «boneco» não me saía da cabeça.

Enquanto os portugueses mordiam uma rabanada, António Costa vestiu o fato de vendedor curandeiro, deixou a rena à porta de um Centro de Saúde e passou cinco minutos a falar de doenças e das suas milagrosas medidas para delas cuidar – nada mais apropriado para ser ouvido num jantar de Natal. Quanto a tudo o resto e que estratégia tem para o país? Zero. Who cares?!
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Adeus Holanda, há quem prefira chamar-se «Baixo»



Los Países Bajos abandonan el nombre de Holanda.

Espanto! Não consigo fechar a boca.

«La decisión, tomada por el Gobierno, la junta de Turismo y la patronal, busca entre otras cosas cambiar la imagen internacional del país. Las autoridades consideran que la marca Holanda está demasiado asociada al sórdido red light district – el barrio rojo de la prostitución – de Amsterdam o a los canutos de marihuana.»


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Da falta de noção



«No dia 18 de Dezembro, Francisca Van Dunem, actual ministra da Justiça, participou numa homenagem a João Antunes Varela, jurista e um dos criadores do Código Civil de 1966. Isto seria muito normal, não fosse o caso de Antunes Varela ter sido ministro da Justiça entre 1954 e 1967. Ou seja, foi ministro da Justiça de uma ditadura, que não tinha legitimidade, que não respeitava direitos e liberdades e onde muitos julgamentos eram uma farsa.

Bem sei que, em Portugal, os juristas têm-se na conta de seres iluminados. É um que é o que mais percebe de constituições, é outro que é o pai do Direito Administrativo, é outro que é o maior em fiscalidade. E Antunes Varela é o pai do Código Civil. Há até quem lhe chame o Código Varela. Quando foi feito, era dos códigos civis mais avançados do mundo, até previa o direito à anulação do casamento caso a mulher não fosse virgem e dava ao marido o papel de chefe de família e, como tal, com todo o poder paternal do seu lado (tendo a mulher, incrivelmente, o direito a ser ouvida). Enfim, não levemos isto muito a sério: os juristas portugueses são tão cheios de si que se tratam uns aos outros por “ilustres colegas”. Que a justiça em Portugal funcione tão mal e seja uma das principais causas do nosso atraso, quando é composta por tantos ilustríssimos, é um pormenor.

Eu percebo que é necessário separar a ideologia de Antunes Varela do seu trabalho como académico e jurisconsulto. Mas Van Dunem foi longe demais por, pelo menos, dois motivos. Em primeiro, não faz qualquer sentido tratar o direito como uma Ciência que possa ser discutida fora da realidade política e social concreta. Em segundo, porque Van Dunem elogiou, não só o académico, mas também o ministro do Estado Novo Antunes Varela, elogiando pela obra que fez, incluindo a construção de prisões e tribunais.

Ao falarmos de Antunes Varela, estamos a falar de um ministro da Justiça de um regime onde havia os tribunais plenários para fazer julgamentos políticos, onde, muitas vezes, as sentenças já iam escritas pelos pides. Foi ministro da Justiça de um regime que manteve um histórico socialista, partido que suporta o seu governo, Edmundo Pedro, dez anos preso sem sequer ter sido condenado. E, como Edmundo Pedro, muitos outros ficavam eternamente presos sem culpa formada. Além dos que, uma vez cumprida a pena, continuavam nos calabouços com o pretexto de que representavam um perigo para a segurança do país.

A ministra da Justiça de um regime democrático fazer uma homenagem a um ministro da Justiça de uma ditadura, evitando criticar as injustiças a que esse homem presidiu, é indigno e é, objectivamente, participar numa lavagem do antigo regime. Tal como se eu, enquanto economista, escrever um artigo a falar dos bons resultados conseguidos pelos ministros das Finanças e da Economia de Pinochet, brilhantes economistas doutorados na Universidade de Chicago, sem nunca me referir à natureza torcionária do regime, estarei a branquear aquele regime. E, se isto é verdade para um ministro da Economia ou das Finanças, muito mais o é para um ministro da Justiça. Afinal, o ministro das Finanças ainda pode alegar que é um tecnocrata que nada tem a ver com presos políticos ou com o funcionamento dos tribunais e das polícias. No caso de um ministro da Justiça, tal alegação é, apenas, absurda.»

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26.12.19

Mao Tsé-Tung



Faria hoje 126 anos e não escaparia a uma selfie com Marcelo!
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Fernanda Montenegro




...deseja Boas Festas aos brasileiros.
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Também serve para a ceia de Natal


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Figura do ano? Cristina Tavares



Escrevia há dias Martín Caparrós, numa crónica do jornal "El País", que há uma sobrerrepresentação de próceres nas efígies das notas: os grandes das nações, quase todos patilhudos.

«Apesar da observação do escritor e jornalista argentino ser contaminada pela realidade sul-americana, é possível dizer que se passa mais ou menos o mesmo quando se escolhem as figuras que marcam o ano que acaba. Com uma ou outra exceção "pop" (este ano foi Greta Thunberg), são os próceres que marcam o ritmo: Trump, Bolsonaro, Merkel ou Johnson lá fora; Guterres, Marcelo, Costa ou Centeno, cá dentro. Sem patilhas, que estão fora de moda, mas próceres ainda assim. Melhor figura do ano seria Cristina Tavares, a operária da corticeira de Santa Maria de Lamas, duas vezes despedida e duas vezes reintegrada. O primeiro despedimento, ainda em 2018, por extinção fraudulenta do posto de trabalho. A segunda, estava 2019 a começar, por difamar a empresa, ou seja, por denunciar o negreiro que a obrigou a carregar e descarregar, sucessivamente, na mesma palete, os mesmos cinco sacos, com as mesmas cinco mil rolhas cada um. Ao contrário do que é habitual neste mundo moderninho, cheio de beleza "instagramável", em que já não há proletários, só colaboradores e equipas, a arbitrariedade do capitalista não se impôs. Cristina aferrou-se ao posto de trabalho e ao salário (magro) que lhe garantia a subsistência e a do filho. Uma postura heroica, quase suicida, que foi chamando gente. Do mundo dos sindicatos e dos jornais primeiro. Do mundo dos partidos e da cultura depois. Cristina ganhou as duas batalhas. Mas sabe melhor do que ninguém que a guerra por um mundo mais justo e menos desigual não termina nunca. Se não for esta Cristina, outros irão provar os efeitos da prepotência e da ganância. Como alertou aliás o bispo emérito Januário Torgal Ferreira, voz incómoda que regressou ao ativo em nome de Cristina. A mensagem que trouxe não foi a da esperança, como a que alguns próceres da Igreja usam para adormecer crentes mais incautos. Trouxe antes uma mensagem de resistência e de libertação: "Resistam, resistam (...) Porque amanhã outros tentarão quebrar as pernas a outros trabalhadores".»  

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25.12.19

O Natal é vermelho


Este texto de Nuno Ramos de Almeida é um verdadeiro conto de Natal - de vidas que não podem ser esquecidas.

«Tive a sorte de nascer num tempo em que pude ver o escuro e a madrugada. Mesmo quando anoitece, sei que é possível ver o Sol nascer com uma claridade que varre tudo ao seu redor, nem que se tenha de fixar a cara de alguns e escolher uma pedra.» 
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E não há Natal sem esta



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Condecoração no tempo certo



Que Marcelo condecore o Menino Jesus no Natal parece-me adequado.
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Não digo do Natal



Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,

e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.

Pedro Tamen, in Antologia Poética 
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24.12.19

Recordar é viver


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Natal sem...



... judeus, refugiados, negros, etc., etc.
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Ladainha dos póstumos Natais



Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira, in «Cancioneiro de Natal»
 

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23.12.19

Não acreditem em sondagens, não…



Ler AQUI.
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PSD... há 34 anos



Visto por Nuno Brederode Santos em… 1985.

(Crónicas, 1974-2001, Jornal Expresso, p.112)
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Sydney?



Sim, em 10.12.2019.

(Daqui)
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Bota apertada magoa os dedos



«A apresentação do Orçamento do Estado (OE) para 2020 e a discussão em curso, despertaram-me a imagem do que nos acontece quando adquirimos, ou "herdamos" de alguém, umas botas apertadas: magoam-se os dedos dos pés e podemos ficar com bolhas dolorosas que nos obrigam a andar de chinelos.

Lembrei-me também de ter visto, na minha primeira visita à China, em 1984, duas mulheres chinesas com pés minúsculos resultantes da "tradição" de, desde crianças, comprimirem os pés para que ficassem sempre pequenos. Estas imagens colocam-me uma interrogação: será que estamos condenados a ter uma sucessão de OE sempre a apertar-nos, tolhendo a vida do povo e a capacidade de percorrer novos caminhos, e tornando o país definitivamente pequenino?

Observemos enfoques que o Governo vai enunciando, reflitamos sobre áreas relevantes do caderno de intenções que o OE corporiza e os sinais que procura dar à sociedade, na certeza de que entre objetivos enunciados e a sua concretização existirá uma enorme distância. E só a ação política concreta vai determinar o que é falso ou verdadeiro.

A generalidade dos portugueses quer um Orçamento de "contas certas", mas tem o direito de afirmar - inclusive através das forças políticas e sociais - as prioridades para as suas vidas, de dizer não a compromissos sagrados face a políticas perniciosas da União Europeia e a rendas em alguns setores, de questionar se o OE deve ter excedente. Isso não põe em causa o rigor com as contas nem o respeito pelos nossos compromissos coletivos. O comum dos cidadãos é responsável nas escolhas que faz para a gestão dos seus recursos, que às vezes são muito escassos; é rigoroso e envergonha-se quando está em falta. Ao contrário, muitos ricos e poderosos, que consideram o povo tendencialmente gastador, não cumprem as suas obrigações, mentem descaradamente, só respeitam a ética da "Família" a que pertencem, e protegem-se em interpretações das leis que tornam os seus roubos legais.

Quando há dinheiro deve-se investi-lo (bem) e não faltam áreas onde a aplicação dos cerca de 500 milhões de euros, que se projetam como excedente para o OE 2020, possam produzir significativos ganhos futuros para os portugueses. O endeusamento do excedente não tem nada de científico.

Quando, para efeitos de política salarial e de atualização dos escalões do IRS, o Ministro das Finanças escolhe a inflação prevista para 2020 (0,3%) em vez de ter em conta a verificada em 2019 (1%) não o faz por nenhuma razão científica ou técnica, mas tão-somente porque assim condiciona o crescimento dos salários, desde logo na Administração Pública (AP) e das pensões, e porque coloca muitos portugueses a pagarem mais impostos. É positivo afirmar-se prioridade à saúde, mas este setor, como outros, não se tornará mais eficaz sem valorização dos seus profissionais.

Um OE é bom quando aposta no desenvolvimento social e humano, no trabalho e atividades dignas, nas condições de produção de riqueza e sua justa distribuição, no conhecimento, na participação cívica e na cultura; quando coloca as pessoas como sujeitos dos seus direitos e deveres e não deixa ninguém abandonado aos caprichos da benevolência alheia. Em alguns destes campos o OE para 2020 não avança com sinais positivos e coloca espartilhos que nos podem magoar.»

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22.12.19

Nuno Brederode Santos



Da contracapa das «Crónicas» de Nuno Brederode Santos.
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Do multilateralismo à política transacional


«A grande mudança que Trump trouxe à política internacional foi a substituição do multilateralismo (organizações e acordos internacionais promovendo o interesse comum dos diferentes Estados) pela política transacional, que concebe a política internacional como qualquer outro negócio, em que cada um faz uso da força que tem. Este é um Mundo em que os estados com mais poder vão ganhar no curto prazo (Trump tem conseguido vitórias significativas em acordos de comércio). É um Mundo feito para Trump, Xi Jiping, Putin ou Erdogan. Não é um Mundo feito para uma Europa de estados nacionais, em que todos são pequenos perante os velhos e novos grandes...»

Miguel Poiares Maduro
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Assim vamos envelhecendo



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Estará o crescimento ultrapassado?



«É inequívoco: estamos a viver acima dos limites do nosso planeta. A menos que mudemos alguma coisa, as consequências serão desastrosas. Será que esse facto passou a ser o nosso foco no crescimento económico?

As alterações climáticas representam o risco mais relevante que nós enfrentamos e já estamos a ter um vislumbre dos custos. E quando digo “nós”, também me refiro aos norte-americanos. Os Estados Unidos, onde um importante partido político é dominado por quem contesta as alterações climáticas, são os maiores emissores de gases com efeito de estufa per capita e o único país que se recusa a cumprir o acordo climático de Paris de 2015. Há, portanto, uma certa ironia no facto de os EUA também se tornarem um dos países com os mais altos níveis de danos à propriedade associados a eventos climáticos extremos, tais como inundações, incêndios, furacões, secas e frio intenso.

Houve uma altura em que até alguns norte-americanos esperavam que as alterações climáticas pudessem beneficiá-los. As águas costeiras do Maine, por exemplo, tornar-se-iam aptas para nadar. Mesmo hoje, alguns economistas ainda acreditam que não há grandes motivos de preocupação, desde que limitemos o aumento da temperatura média global para 3-4oC, comparado com o limite de 2 oC estabelecido pelo Acordo de Paris. É uma aposta insensata. Prevê-se que as concentrações de gases com efeito de estufa estejam no seu nível mais alto, em milhões de anos, e não temos mais para onde ir se perdermos a aposta.

Os estudos que sugerem que poderíamos suportar temperaturas mais elevadas estão profundamente errados. Por exemplo, uma vez que as análises de risco adequadas são sistematicamente omitidas, os respetivos modelos não têm peso suficiente na probabilidade de “maus resultados”. Quanto maior for o peso atribuído ao risco de maus resultados, e quanto piores forem esses resultados, mais precauções deveremos tomar. Ao atribuir-se pouco peso — muito pouco peso — a resultados muito desfavoráveis, esses estudos influenciam, sistematicamente, a apreciação de não se fazer nada.

Além disso, estes estudos subestimam a não linearidade nas funções de dano. Por outras palavras, os nossos sistemas económicos e ecológicos podem ser resistentes a pequenas mudanças de temperatura, com os danos a aumentar apenas proporcionalmente à temperatura, mas a partir do momento em que as alterações climáticas atinjam um certo limite, o aumento de danos acelera em relação ao aumento da temperatura. Por exemplo, a perda de culturas torna-se grave como consequência das geadas e das secas. Ao passo que as alterações climáticas abaixo do limiar podem não afetar o risco de geadas ou secas, um nível mais elevado aumenta desproporcionalmente o risco desses eventos extremos.

É precisamente quando as consequências das alterações climáticas são grandes que somos menos capazes de absorver os custos. Não há fundo de seguro ao qual possamos recorrer se precisarmos de investimentos para dar resposta a grandes aumentos do nível do mar, riscos imprevistos na saúde e migração em grande escala como resultado das alterações climáticas. O facto é que, nessas circunstâncias, o nosso mundo será mais pobre e menos capaz de absorver essas perdas.

Por fim, aqueles que defendem uma estratégia de “esperar para ver” no que toca às alterações climáticas — que é um desperdício de dinheiro tomar grandes medidas hoje por um risco incerto num futuro distante — normalmente pagam juros elevados por essas perdas futuras. Ou seja, sempre que alguém toma uma medida que tenha custos ou benefícios futuros, tem de se avaliar o valor presente desses custos ou benefícios futuros. Se um dólar daqui a 50 anos valer o mesmo que hoje, poderá haver motivação para se tomarem medidas fortes para evitar perdas; mas se um dólar daqui a 50 anos valer três cêntimos, não haverá essa motivação.

A taxa de desconto (como avaliamos os custos e benefícios futuros em relação a hoje) torna-se assim crucial. Aliás, o Governo do Presidente dos EUA, Donald Trump, disse que ninguém iria querer gastar mais do que três cêntimos hoje para evitar a perda do dólar em 50 anos. As gerações futuras simplesmente não importam muito. Isto é moralmente errado. Mas os defensores do não fazer nada, que ignoram todos os avanços da economia pública nos últimos 50 anos que têm dito o contrário, argumentam que a eficiência económica assim o exige. Eles estão errados.

Temos de tomar medidas sólidas, agora, para evitar o desastre climático para o qual o mundo está a caminhar. E é um desenvolvimento bem-vindo que tantos líderes europeus estejam a liderar esforços para garantir que o mundo se torne neutro em carbono até 2050. O relatório da Comissão de Alto Nível sobre Preços do Carbono, que copresidi com Nicholas Stern, argumentava que poderíamos alcançar a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global para 2oC de forma a que melhorasse os padrões de vida: a transição para uma economia verde poderia estimular a inovação e a prosperidade.

Essa perspetiva diferencia-nos daqueles que sugerem que os objetivos do Acordo de Paris só podem ser alcançados com o fim da expansão económica. Acredito que isso esteja errado. Por muito equivocada que esteja a obsessão pelo aumento do PIB, sem crescimento económico, milhares de milhões de pessoas continuarão sem alimentação, alojamento, vestuário, educação e assistência médica adequados. Mas há muita margem de manobra para se mudar a qualidade do crescimento, de forma a reduzir significativamente o seu impacte ambiental. Por exemplo, mesmo sem grandes avanços tecnológicos, podemos alcançar a neutralidade do carbono, até 2050.

Mas isso não acontecerá por si só e não acontecerá se deixarmos isso apenas a cargo do mercado. Isso só acontecerá se combinarmos altos níveis de investimento público com uma forte regulamentação e preços ambientais adequados. E isso não pode acontecer ou não acontecerá se colocarmos o fardo da adaptação nos ombros dos pobres: a sustentabilidade ambiental só pode ser alcançada em paralelo com os esforços para se alcançar uma maior justiça social.»

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