23.10.20

BE e PCP são um terço de uma maioria. Não chegam adornos no OE

 


«Daqui a uns meses, virá uma crise social séria e este Orçamento será uma fisga. Quando esta pandemia passar, a pressão sobre o SNS, com tanta consulta e cirurgia adiada, será brutal. A Escola Pública, se não quiser deixar os mais frágeis para trás, terá de fazer das tripas coração. Serão precisos meios. Apesar disto, o Governo propõe-se manter a despesa quase intacta e baixar o défice no único ano em que a UE, não por acaso, não o exige. A isto, o Governo responde com um investimento público “robusto". Mas o aumento de 20% é ilusão de ótica, porque parte de uma base ridícula. 

Daqui a uns anos, o Fundo de Resolução terá de receber centenas de milhões do Estado para pagar o empréstimo dos bancos, com juros mais altos, para satisfazer um truque retórico que nos diz que o Estado não injeta dinheiro no Novo Banco. O empréstimo contraído conta para o défice e acabará por ser mesmo pago pelo Estado. 

Perante tudo isto, quem viabilizar este Orçamento será justamente responsabilizado. E os primeiros a apontar o dedo ao BE e ao PCP seriam os que agora exigem que o façam. 

Na comunicação social, a proposta do Governo é apresentada como a mais à esquerda de sempre. Bloquista, mesmo. Propor apoios sociais no meio de uma tragédia não é de esquerda. É o óbvio e suponho que consensual. Sobretudo quando, olhando para as letras pequenas do apoio extraordinário, percebemos que, para muitos trabalhadores (sobretudo os independentes com rendimentos médios) ele não passa de uma revisão em baixa do que têm. É aqui que o Governo mostra alguma abertura para negociar, porque é dinheiro europeu. 

Nenhum partido, talvez com exceção do Chega e da Iniciativa Liberal, será contra os apoios sociais propostos pelo Governo. São o mínimo dos mínimos. Se é isso que faz a diferença neste OE, Rui Rio não se oporá. Se é o investimento público, o de Passos foi mais alto. 

Quando, no inicio desta legislatura, Costa fundou uma versão unilateral da geringonça – sem papéis, objetivos ou linhas vermelhas –, quis fazer do resto da esquerda refém. Só que a geringonça nasceu para reverter as medidas da troika. Era esse o seu objetivo. E dele, sobra pouco. Mas até sobra alguma coisa. Pormenores relevantes da lei laboral e, bastante importante para o tempo que aí vem, o subsídio de férias, que nunca voltou à versão anterior à troika. E é exatamente nestes medidas que Costa se recusa a tocar. Ou seja, a suposta geringonça que Costa diz estar viva fica-se pela maioria que permitiria ao PS governar. 

Para a habitual distribuição de lugares, como foi a farsa eleitoral para os presidentes das CCDR, com candidatos combinados entre PS e PSD, há bloco central. Para garantir maioria absoluta ao PS sem que ele tenha de ceder em nada de relevante, outros trouxas que se cheguem à frente. Se os eleitores do BE e do PCP quisessem o PS com maioria absoluta teriam votado no PS. Se o seu voto servir para aprovar o que o PS quer, mais uns troféus simbólicos, terão sido traídos. 

A eficácia dos deputados do BE e do PCP, que representam quase metade da votação do PS (16%-36%), não se mede em derrotas ou vitórias na comunicação social. Mede-se em conquistas concretas para a vida das pessoas. Se viabilizarem este Orçamento, não poderão fazer oposição séria. Mesmo que António Costa faça o que fez com o último: não o cumprir. Todos lhes lembrarão que a coisa é deles. Incluindo os seus eleitores. Por isso, é bom que seja mesmo deles, na proporção que lhes cabe. Para quem não saiba fazer contas, essa proporção é quase um terço da maioria de esquerda. Não chegam os adornos que lá conseguiram pôr.» 

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