29.2.20

Da série «Grandes títulos»




Não se assustem, a conferência não é sobre anãs, a reunião é que tem um formato reduzido.
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O aeroporto do absurdo



«Há muitos motivos que explicam os atrasos do país. A inexistência de um novo aeroporto não é certamente um deles, mas o processo que tem envolvido a escolha da sua localização talvez dê contributos para compreender os nossos males endémicos.

Sou um de muitos portugueses que nada sabem sobre opções para a construção de um novo aeroporto, mas que está ciente de dois factos: a Portela está estrangulada (o ano passado serviu 30 milhões de passageiros, quando a sua capacidade é de 22 milhões) e a escolha de uma localização raia o absurdo. Trata-se em qualquer país de um processo complexo. Só que dificilmente se encontrará outro caso em que longos períodos de estabilidade nas opções dão lugar a alterações repentinas.

A Portela foi inaugurada em 1942. Desde 1958, já lá vão seis décadas, que se pondera a sua relocalização. Logo em 1971, consideradas quatro opções na margem sul do Tejo (Fonte da Telha; Montijo; Porto Alto e Rio Frio), foi escolhida a de Rio Frio como complemento. Depois, com o choque petrolífero e a democracia, o projeto do novo aeroporto ficou suspenso. Quando regressou em 1982, numa prospeção não condicionada, foram consideradas 12 alternativas, e a solução apontada foi a Ota, agora a norte de Lisboa. Já em 1990, voltaram os estudos, desta feita, comparando Ota com Rio Frio.

Em 2005, com dezenas de estudos feitos, avança-se para a construção da Ota, a CIP insurge-se com a escolha e patrocina uma avaliação para encontrar soluções alternativas. Emergem, então, o Poceirão, Faias e Alcochete. Pelo caminho, cai a Ota e, em 2007, testa-se Alcochete como alternativa. O LNEC defende a opção e o Presidente da República empurra o Governo para abandonar a sua decisão. Chega a troika e a PàF troca Alcochete pelo Montijo, ou seja, a solução Portela +1, proposta em 2007 pela Associação Comercial do Porto. Passa-se do “novo aeroporto” para “aeroporto complementar”. Privatiza-se a ANA, que não pára de obter dividendos, e avança-se para o Montijo financiado pela Vinci — porque é um erro desmantelar a Portela e fundamental ter uma solução em tempo útil. Agora são duas autarquias e a Ordem dos Engenheiros que se opõem a uma escolha que já atravessou dois governos, de cores diferentes.

Confuso, não é? Mas resulta claro que a incapacidade de decidir é endémica e que temos um Estado fraco e que alimenta ilusões de autoridade, procedimentos pouco transparentes que todos podem influenciar e bloquear (autarquias, privados, sociedade civil e corporações profissionais), sem que daí resultem ganhos de racionalidade nas soluções. Não temos aeroporto, mas em alternativa, em cinco décadas, herdámos uma manta intrincada de tensões sociais e políticas que nos paralisam. Alguma coisa não correu bem em todo este processo. Temo que não seja específico da construção de um novo aeroporto.»

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Arte actualizada


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28.2.20

Um mundo de loucos e é o nosso




«Uma convocatória para corridas de homenagem às três vítimas mortais de um acidente na Segunda Circular, em Lisboa, a 21 fevereiro, estão a circular esta sexta-feira nas redes sociais e em programas de conversação como o WhatsApp.

A mensagem detalha que as corridas deverão ocorrer na “madrugada de sábado para domingo”, estando previstos “100 carros”, e alerta os destinatários para espalhar a mensagem de que a Ponte Vasco da Gama, A5, Segunda Circular, IC16, IC19, CRIL e CREL são vias a evitar.»
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Quando é que o PS perceberá que está sozinho e em minoria?




Orgulhosamente só, porque assim quis, o PS multiplica os tiros nos pés.
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O Novo Banco e as contingências certas



«Soubemos esta semana que o Novo Banco vai pedir quase 1100 milhões ao Mecanismo de Capitalização Contingente. Com tanta regularidade nos pedidos, este mecanismo, de contingente, não tem nada.

O Fundo de Resolução (FdR) foi instituído em 2012 para financiar as intervenções públicas no sector financeiro. Até agora, foi utilizado no BES em 2014 e no Banif em 2015. O FdR tem diferentes fontes de receita. Por um lado, as contribuições regulares e extraordinárias dos bancos. Em 2014, quando foi chamado a intervir no BES, tinha 365 milhões em caixa e cobrou ainda 700 milhões extraordinários a um conjunto de bancos. Depois, há o imaginário rendimento da aplicação de recursos. Faz sentido, não é? O FdR foi criado para investir em instituições financeiras e enquanto acionista pode ganhar dinheiro. Só que o FdR é chamado porque o banco onde ele mete a mão está em maus lençóis e, portanto, até agora não ganhou nada. A outra forma de financiamento são empréstimos; é por esta porta que entra o dinheiro dos contribuintes.

Ao abrigo desta possibilidade, as minhas caras e os meus caros leitores (e eu própria) já enfiámos no Novo Banco 3,9 mil milhões logo em 2014, 430 milhões em 2018 e 830 milhões em 2019, através de empréstimos que vêm diretamente do Orçamento do Estado. Ou seja: 5160 milhões de euros. Estes empréstimos serão supostamente devolvidos até 2046. Entretanto estamos a receber os juros respetivos, argumento usado por Pedro Passos Coelho, na altura primeiro-ministro, para nos explicar que estávamos a fazer um ótimo negócio de emprestar dinheiro ao Novo Banco. Mas, tendo em conta a sucessão de más notícias, que credibilidade tem a devolução do empréstimo?

Em 2017, a Lone Star comprou uma participação de 75% no capital do Novo Banco, por 1000 milhões de euros. Este preço irrisório mostra que a Lone Star sabia que estava a comprar um banco que não valia grande coisa e que o FdR sabia que estava a vender um banco que não valia grande coisa. Podíamos pensar que o preço irrisório chegava, mas não. A Lone Star exigiu também que o Fundo de Resolução se comprometesse a compensá-la financeiramente caso um conjunto de ativos do banco (essencialmente créditos em incumprimento e outros ativos improdutivos) tivessem maus desempenhos e os rácios de capitalização do banco não evoluíssem de forma positiva. Este Mecanismo de Capitalização Contingente pode ir até 3,9 mil milhões de euros e ser acionado até 2026.

Em 2017, o FdR já tinha gasto mais de quatro vezes o que a Lone Star pagou, mas ficou apenas com 25% do capital do Novo Banco. É claro que o Fundo é uma solução transitória e, por isso, não faria sentido continuar a ser acionista maioritário ou único (o que, na prática, seria uma nacionalização do banco). Só que assim ficamos com o pior dos mundos, em que não somos donos do banco mas estamos a pagar os prejuízos dele.

Lembro que o adjetivo “contingente” significa que algo vai acontecer caso se verifiquem determinadas condições, num cenário de incerteza em que, à partida, não sabemos se elas se vão ou não verificar. Ora a mim parece-me tão certo que vamos gastar estes 3,9 mil milhões que não vejo onde está a contingência. A minha certeza assenta em três razões: o mecanismo depende do desempenho de ativos que já estavam em incumprimento em 2017; entretanto, o Novo Banco pediu 792 milhões em 2018 e 1149 milhões em 2019; não conheço estudos da viabilidade do banco ou dos ativos em causa e todo o processo tem sido gerido de forma bastante opaca.

No site do Fundo de Resolução está o documento “Comunicado do fundo de resolução sobre o pagamento ao Novo Banco ao abrigo do acordo de capitalização contingente”, de 24 de maio de 2018. Quanto à verificação das condições de contingência, o texto fica-se por um lacónico “O pagamento foi realizado após a certificação legal de contas do Novo Banco e após a conclusão dos procedimentos de verificação necessários, dos quais resultou a confirmação de que estavam verificadas as condições que, nos termos do contrato, determinam a realização do pagamento”. Eu, para emprestar 430 milhões, precisava de mais detalhe e maior transparência.

Chegados a 2020, o OE já tinha previsto 600 milhões para o Novo Banco, o que mostra que o Governo sabe bem que o mecanismo de contingência é acionado anualmente e que o fundo de resolução não tem dinheiro para as transferências. Nada disto é contingente. O que está em cima da mesa é um esforço maior em 2020 para encerrar já o mecanismo, em vez de esperar por 2026. Será que este reforço aumenta a probabilidade de o Novo Banco se tornar sustentável num prazo razoável? Será que torna mais provável reavermos os vários empréstimos antes de 2046? Com o que tem acontecido até agora, temo que seja só uma necessidade de financiamento urgente disfarçada de plano de médio prazo. Se for ler a background note sobre as intervenções governamentais de suporte a instituições financeiras publicada pela Comissão Europeia em outubro, vai ficar a saber que, até 2018, já gastámos mais de 20 mil milhões no sector financeiro. Portugal contava-se entre os quatro países europeus com mais passivos contingentes em 2018. Onde estão os estudos sobre o risco de não recuperarmos este dinheiro?

Numa nota publicada em agosto no site do Federal Reserve Bank of Saint Louis, o economista Miguel Faria e Castro refere-se aos montantes massivos que foram gastos pelo governo federal dos EUA para resgatar bancos. O governo americano recuperou uma parte importante dos investimentos e até lucrou, já que as instituições financeiras pagaram os empréstimos e recompraram a dívida titularizada. Ainda assim, o economista considera que os montantes gastos pelo erário público não foram necessariamente bons investimentos na altura em que foram feitos, porque devia ter sido tido em conta o risco de estes bancos se terem afundado, o que levaria os contribuintes a não recuperar os enormes montantes investidos. Parece-me que é exatamente o que está a acontecer aos contribuintes portugueses.

Tudo isto até podia ser só resultado da crise. Mas a banca portuguesa foi enterrada por anos de gestão criminosa, com investimentos ruinosos que serviram uma enorme rede de interesses. Os gestores que tomaram essas decisões não respondem pelos erros. O Banco de Portugal, com responsabilidades de supervisão, não reagiu a tempo e não responde pelos erros. Quando é que vamos parar de meter lá o nosso dinheiro sem pedir contas a ninguém?»

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Eu bem tentei, mas...


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27.2.20

Sr. Google



Este conto tem imensa piada!

«Quando eu era puto, na idade dos porquês, e não parava de os “melgar”, quando estavam ambos ocupadíssimos com os seus trabalhos importantes e com questões que não lembram a ninguém, logo me encaminhavam para um ecrã. “Pergunta ao Sr. Google, querido.” E eu perguntava, claro.(…)

No outro dia, deparei-me com uma notícia que me deixou apreensivo. Ao que parece, uns pais na Indonésia decidiram baptizar o filho com o nome Google. (…) Para mim, o Google tinha sido sempre pai ou mãe, alguém mais velho e sábio. E, de repente, senti-me ultrapassado, senti que aquilo podia ser sinal de uma nova geração, onde o Sr. Google deixará de ser pai para passar a ser filho. (…) Tive pena do escárnio que o pequeno Google da Indonésia virá a sofrer, assim que o motor de busca se tornar obra do passado. Seria o mesmo que, hoje, chamar a alguém Locomotiva.»
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Vírus e refugiados


«Tu, que compras vinte e oito pacotes de massa. Tu, que procuras desinfetante no mercado negro. Tu, que andas de máscara. Tu, que planeias a fuga do teu filho de uma região onde há dez casos positivos de coronavírus. Não desprezes nunca mais aqueles que fogem da guerra e da fome.»

(Via Alexandre Abreu, que cita o tweet de um italiano, no Expresso, 27.02.2020)
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Os vírus



«1. Vai-se ouvindo por aí a profecia de que o nosso Serviço Nacional de Saúde não tem capacidade para lidar com a futura pandemia de coronavírus. Caso para dizer que se descobriu a pólvora. É mais ou menos óbvio que não tem. Como não tem qualquer país em que se tomem decisões minimamente racionais.

O SNS só teria capacidade para lidar com centenas ou milhares de casos simultâneos de coronavírus (ou qualquer outra pandemia) se os portugueses estivessem disponíveis para pagar, com os seus impostos, a construção e o equipamento de quartos de isolamento vazios em unidades de infeciologia redundantes. Ou se achassem razoável pagar, com os seus impostos, a formação e os salários de médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e demais funcionários da saúde, que só estariam verdadeiramente ocupados a cada mutação de um vírus. É certo que, no dia em que o Covid-19 chegar (e segundo os especialistas, é só uma questão de tempo), os profetas da desgraça verão confirmada a profecia. Mas continuará a ser uma profecia inútil.

2. Há dois meses, as máscaras não custavam mais do que uns cêntimos. Hoje, esgotam nas farmácias, o preço acompanha a pressão disparatada da procura e haverá, como sempre, gente a enriquecer com o clima de histeria generalizada. Desde o início que os especialistas explicam que as máscaras são pouco úteis como proteção face a um eventual contágio. A quem fazem verdadeiramente falta é às pessoas já contagiadas. E fazem falta porque é uma das formas mais eficazes de evitar que contagiem pessoas saudáveis. Mas quase ninguém está interessado em ouvir. A prioridade vai toda para a preservação individual. Seja na voragem pelas máscaras, seja na corrida aos supermercados. Mesmo que sejam gestos inúteis. A ignorância e o medo combinados são mais difíceis de combater do que um vírus.»

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É melhor rirmos um pouco


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26.2.20

Quem não tem cão caça com alho



Não tenho alhos em casa, mas de amanhã não passa!
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Vitalino…




Desde que tinha 20 anitos que o homem sonha com isto. Ele há cada cromo!
Pois talvez ainda não seja desta…
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Porque o saber não ocupa lugar


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Os mercenários do ódio e um projecto de país



«Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária." Este é o artigo primeiro da Constituição da República Portuguesa. Não é apenas uma frase num texto legal. É um projecto de país.

Há duas posturas possíveis face àquela ideia para Portugal: a dos que não desistem dela, por muito difícil que seja; e a daqueles para quem a ideia nada diz.

Não é fácil construir um país justo e solidário. Um dos motivos é o peso da história. A sociedade portuguesa é das mais desiguais do mundo desenvolvido e essa desigualdade não é de agora. Não é sequer do tempo do fascismo, embora as opções do regime salazarista - desde a protecção repressiva dos grandes interesses, até à falta de investimento em educação e saúde - muito tenham contribuído para a perpetuar.

O lastro histórico dificulta a construção de uma sociedade justa e solidária. Não há justiça com desigualdades gritantes. Há limites à solidariedade quando se sabe que uns poucos valem mais do que os outros.

Isto não significa que a Constituição seja um projecto que não passou do papel. Só por ignorância ou má fé se pode afirmar que o regime democrático fez pouco para construir uma sociedade menos desigual. Há poucos países do mundo onde se tenha avançado tanto em tão pouco tempo na saúde, na educação e na redução da pobreza. Devemos isto a um investimento empenhado em serviços públicos universais, à redistribuição de rendimentos e à criação de direitos do trabalho, com impactos de longo prazo difíceis de questionar.

No entanto, as desigualdades persistem. Em parte, porque elas são próprias do sistema capitalista em que os portugueses, bem ou mal, decidiram viver. Em parte, porque leva muitas décadas a apagar o lastro de séculos de injustiça. Em parte, porque nem sempre os serviços públicos conseguiram responder da melhor forma. Em parte, porque a crise financeira e a estratégia adoptada para lhe responder debilitaram as capacidades do Estado. As desigualdades persistem também por falta de vontade, capacidade ou oportunidade para pôr em causa o poder de alguns.

A persistência das desigualdades pode e deve ser motivo para insatisfação e protesto dos cidadãos. A começar por aqueles que se revêm na Constituição da República. Até porque as injustiças e as desigualdades servem de alimento aos mercenários do ódio.

Os mercenários do ódio procuram o poder incentivando as pessoas a revoltarem-se contra um qualquer inimigo comum. Os fiéis contra os hereges. Os mais claros contra os mais escuros. Os de cá contra os de fora. Os do norte contra os do sul. Os do interior contra os do litoral. Os das ilhas contra os do continente. Os mais novos contra os mais velhos. Os funcionários públicos contra os do privado. A lista não acaba.

Os mercenários do ódio não querem saber da Constituição. Não querem saber de justiça, muito menos de solidariedade. Não querem sequer saber daquilo que defendem hoje - se der jeito, amanhã defenderão outra coisa. O que importa mesmo é o seu próprio poder - ou o daqueles a quem obedecem. Explorar os sentimentos de injustiça virando uns contra os outros é apenas o meio para o conseguir. A receita é antiga.

A resposta aos mercenários do ódio não é o ódio aos mercenários. É a afirmação da vontade de viver numa República baseada na dignidade da pessoa humana. Numa sociedade que não deixa ninguém para trás. A vontade de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Esta vontade, que é popular e soberana, é o maior valor de Portugal.»

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25.2.20

Vírus no país da cunha



Parece impossível mas não é: ouvi Marcelo gabar-se de que, devido às pressões exercidas por Portugal, o nosso concidadão afectado pelo vírus no Japão conseguiu «passar à frente» (sic) e ser transferido para um hospital antes de outros em estado mais grave, ultrapassando o critério normalmente aplicado pelas autoridades sanitárias japonesas.

Isto tanto pode ser verdade como mais uma mentira deste grande estadista. Mas, para os portugueses, tanto faz: continuarão a votar nele.
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Prós & Contras



«O que valia a pena, e desde há muito, era um Prós & Contras sobre o Prós & Contras»

(André Barata no Facebook)

O de ontem, sobre racismo, foi um horror! Tudo tem limites.
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Vírus à portuguesa



O que as TVs continuam a emitir a propósito do único português atingido é absolutamente vergonhoso! Se se percebe o stress do próprio e da família, já é absolutamente inadmissível que o dito stress seja alimentado (sim, alimentado) por reportagens de telemóvel em punho, onde os próprios exigem outras terapias sem saberem do que falam e pretendem que diplomatas portugueses estejam presentes «à cabeça do doente»

Tudo isto se passa sem qualquer moderação ou filtro e as ditas TVs pretendem apenas espalhar o pânico em Portugal e aumentarem audiências. Devia existir uma qualquer forma de as punir, pelo menos no que diz respeito à RTP, ou ainda veremos José Rodrigues dos Santos apresentar o telejornal com uma máscara atada às orelhas.
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Já percebeu o disparate, Augusto Santos Silva?



«Toda a história do avião da TAP que supostamente transportava explosivos para Caracas não tem pés nem cabeça. É evidente que a suspensão dos voos por 90 dias é uma medida arbitrária e uma vingança por Portugal ter reconhecido Juan Guiadó e a companhia aérea o ter transportado, sem qualquer relação com a segurança do país. E esta reação apenas exibe, mais uma vez, o estado decadente em que se encontra o regime de Maduro. Não é por ter indisposto Nicolás Maduro e por este tipo de reações do regime venezuelano que o governo português fez mal em reconhecer Guiadó como Presidente. Um Estado pode estar disposto a lidar com as consequências de defesa de determinados valores. É verdade que Portugal, com uma diplomacia parasitária de outras, não o costuma fazer. Mas até lhe ficava bem. O que não fez qualquer sentido foi, por puro seguidismo, ter reconhecido um Presidente que não o é de facto. Só podia correr mal.

Neste momento, o Estado português encontra-se na situação absurda de tentar negociar uma solução para suspensão de voos da companhia nacional para um país onde vivem centenas de milhares de lusodescendentes com um governo que até há uns dias não reconhecia. Esta suspensão teve, aliás, a função de sublinhar a ridícula situação em que o ministro Santos Silva nos colocou. Disse o presidente da Assembleia Constituinte composta por apoiantes do regime, Diosdado Cabello: “Que a TAP peça a Juan Guaidó uma reconsideração da sanção, para ver quem é o Presidente da Venezuela.”

Portugal reconhece governos de ditaduras e isso não quer dizer que as apoie. Quer apenas dizer que mantém relações diplomáticas com esses Estados e que isso só pode suceder com quem detém o poder de Estado. Reconhecer um Presidente que, para além de não ter sido eleito, não tem qualquer poder real ou espera vir a tê-lo no curto ou médio prazo, foi um ato irresponsável ditado por interesses estranhos ao nosso país.

Do regime venezuelano nada espero para além de se agarrar desesperadamente ao poder o mais que puder, mesmo que isso resulte numa tragédia humanitária de proporções alarmantes. Do homem escolhido por Mike Pence para suceder a Nicolás Maduro e impedir que a Venezuela acabe de novo em mãos pouco amigas nada espero para além da obediência àqueles a quem deveria o poder, se o conquistasse. Mas do governo democrático português esperaria alguma responsabilidade. Não a teve. Agora, ficou na situação caricata de reconhecer quem já não reconhecia e deixar de reconhecer quem tinha reconhecido. Sempre a fingir que ficou tudo na mesma. Por um seguidismo acrítico que pôs os interesses de terceiros à frente dos nossos. Que não são poucos, na Venezuela.

Não foi uma nem duas vezes que Augusto Santos Silva reafirmou que reconhecia Juan Guiadó como “Presidente Interino da Venezuela”. A não ser que passe a haver dois presidentes, um para marcar eleições e outro para não as marcar, Portugal reconhecia, até este diferendo, Guaidó como Presidente. Dizer que não mudou uma linha na sua postura é dar uma cambalhota na trapalhada que tem sido a gestão política das relações portuguesas com a Venezuela.»

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24.2.20

Adeus, Vitalino…



«O nome de Vitalino Canas não vai passar no Parlamento. O voto de uma larga maioria de deputados do PSD era indispensável para que o ex-deputado e antigo porta-voz nacional do PS quando José Sócrates era primeiro-ministro fosse aprovado por maioria de dois terços, como a lei obriga. Mas Rui Rio já tomou uma decisão: Canas será chumbado para o Tribunal Constitucional.»

Expresso, 24.02.2020
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24.02.1927 - David Mourão-Ferreira



David Mourão-Ferreira faria hoje 93 anos. Um dos nossos grandes poetas do século XX, ficcionista também (quem não se recorda de Um amor feliz), acidentalmente político como Secretário de Estado da Cultura, de 1976 a Janeiro de 1978 e em 1979, autor de alguns poemas imortalizados pelo fado, na voz de Amália Rodrigues.

Dois poemas ditos pelo próprio:






Amália:




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Sondagem Presidenciais



(Daqui)
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Perversidades e desconfiança



«Na anterior legislatura, entre os diversos fatores que possibilitaram êxitos a António Costa e ao seu Governo esteve, sem dúvida, a capacidade que tiveram de, num curto espaço de tempo - com o contributo dos partidos que lhes davam apoio parlamentar - terem gerado confiança junto dos portugueses e das organizações sociais, económicas e culturais que os representam.

Essa confiança resultou, em grande medida, do rigor com que foram apresentados os compromissos e da sintonia entre o que se propunha e o que ia sendo realizado.

Quatro anos passados o cenário político mudou e, no plano económico e social, é uma evidência que as políticas de desvalorização interna impostas em nome do combate à crise deixaram efeitos muito para além do que foi anunciado pelos seus mentores: elas não eram passageiras, mas sim estruturais para alterar relações de poder, para tornar a distribuição da riqueza ainda mais injusta e para atrofiar as possibilidades de estruturação de políticas alternativas. Uma economia que aumenta o peso de setores de baixo valor acrescentado e mantém o vício dos baixos salários bloqueia o desenvolvimento. Em certos contextos pontuais, com criação de emprego, com pequenos reajustes salariais e incentivos simbólicos pode disfarçar-se o drama, mas rapidamente retornam os problemas e o consequente descrédito.

O Governo e, em particular, o primeiro-ministro têm reconhecido expressões da persistência desse clima económico e social depressivo e ameaçador, mas não afrontam as suas causas. Alguns governantes agem atarantados perante os problemas que têm em mãos e multiplicam-se as situações (em alguns casos perversas) em que o Governo pisca à Esquerda e ruma à Direita. Compromissos que pareciam estratégicos, como por exemplo a Lei de Bases da Saúde, passam paradoxalmente a meras declarações de princípio, quando o primeiro ato significativo na área é pôr em marcha uma nova parceria público-privada.

Na área do trabalho a coisa é ainda mais grave. O primeiro-ministro afirmou várias vezes o imperativo nacional de se aumentar a generalidade dos salários. Isso gerou alguma expectativa e interessantes pronunciamentos de alguns empresários. Entretanto, foi apresentada uma base de trabalho para um acordo de política de rendimentos - que posteriormente passou a ter o enfoque no gasto slogan da competitividade - com objetivos de crescimento salarial abaixo dos valores que o mercado impulsionou no último ano e foi imposto um vergonhoso aumento salarial na Administração Pública de 0,3%. Como era de esperar não faltam setores empresariais e administrações de empresas que dão muitos milhões de lucro, a proporem aos sindicatos atualizações salariais de 0% ou pouco mais. Assim se coloca moribundo um objetivo estratégico importante, assim se mata a confiança com que a sociedade se mobiliza.

Em vez de andar nestes exercícios perversos, o Governo devia empenhar-se em valorizar o trabalho, por exemplo, impedindo a caducidade dos contratos coletivos, dinamizando a negociação e combatendo a precariedade. Se seguir essa via incomodará alguns viciados no lucro fácil, mas garantirá uma mais justa distribuição da riqueza e o reforço do Orçamento. As forças de Esquerda têm de priorizar o combate pela colocação destes temas no centro da agenda política.»

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Lídia Jorge



Uma entrevista de leitura aconselhada:

“É preciso criar um estado de alarme”
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23.2.20

Nas mãos do PSD



Já se percebeu que vai ser esta a vida do PS na legislatura, nesta e em muitas outras questões: estar nas mãos do PSD. Assim o quis, assim o terá.

Público, 23.02.2020
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33 anos sem ele



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O que pensam os que votaram no Chega?



Pedro Magalhães divulga no seu blogue interessantes considerações acerca de um estudo realizado sobre o tema.
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Referendos, a melhor arma contra a democracia



«A vontade que muitos setores da nossa comunidade mostraram de fazer um referendo à despenalização da eutanásia tem um propósito imediato: sabendo que os projetos de lei passariam na Assembleia da República e que o eventual veto político do Presidente da República será ultrapassado, só restava esse último recurso.

Aconteceu num tema que mobiliza grupos importantes e é encarado por eles como crucial. Não parece assim que a vontade de fazer referendos por sistema seja um ímpeto importante para a maioria dos portugueses. Mas que entre nós - e longe de ser só cá - crescem as vozes que defendem com cada vez mais empenho os referendos não me parece que restem dúvidas.

As razões são várias e sobrepõem-se.

Em primeiro lugar, vivemos na época do império da opinião. Todas são vistas como válidas. O conhecimento, o estudo, a reflexão, têm o mesmo valor do que um "eu cá acho". As inúmeras plataformas digitais, as redes sociais e os vários espaços de comentário público fizeram que se instalasse um ambiente em que todas as opiniões são legítimas, defensáveis e que é tudo uma questão de ponto de vista. Pouco importa o assunto.

Claro está que o achismo é terreno fértil para a manipulação. Alguém sem um conhecimento sólido sobre uma matéria é muito mais suscetível de ser convencido seja do que for. A capacidade de as redes sociais espalharem as mais delirantes teorias é, como sabemos, gigantesca. Agora, imagine-se a divulgação de algo até minimamente credível e, cereja no topo do bolo, que vá ao encontro das nossas perceções. Não é difícil perceber o que alguém com bolsos fundos e com uma estrutura bem montada pode fazer pela divulgação de uma qualquer ideia - quem diz que sempre foi assim não faz minimamente ideia do que são as redes sociais e o que estas, cruzadas com os dados pessoais que pomos ao seu dispor, conseguem fazer.

Depois, temos o descrédito em que caíram os políticos. Justa ou injustamente - mas sem dúvida por culpa própria por terem sido eles os primeiros a cavalgar a onda populista no que diz respeito às suas próprias ações - há cada vez mais gente que não acredita nem nas suas capacidades decisórias nem sequer na sua seriedade.

Aliás, a capacidade de os políticos se descredibilizarem atinge níveis verdadeiramente extraordinários. Veja-se a iniciativa de alguns deputados do PSD que, mesmo contra a direção do seu partido, decidiram solicitar a convocação de um referendo. Ou seja, disseram a quem os elegeu que votaram em pessoas que não os querem afinal representar. No fundo, é uma demissão, uma fuga às responsabilidades que assumiram.

Os referendos são um dos maiores perigos que as democracias enfrentam. Sempre foram, mas este novo mundo de redes sociais, de multimilionários à escala global e de empresas que mandam no mundo como nenhum poder político alguma vez mandou tornam essas armas de destruição maciça das democracias liberais particularmente perigosos.

Numa época em que devíamos estar a lutar pela cada vez maior capacidade de avaliar os nossos representantes, há quem caia na armadilha de os isentar de responsabilidades. O referendo tira-nos a capacidade de julgar quem elegemos. Mais, para que serve um deputado se não exerce a nossa representação? As eleições servem em grande parte para podermos tirar do poder os políticos que não nos agradaram, já um referendo é de muito difícil reversão e, claro, estão muito mais sujeitos a erros de avaliação já que quem os vota pouco ou muito pouco percebe do assunto em causa.

Uma lei que vigore por votação num referendo e que depois se prove não funcionar, como se retira? E como julgaremos quem deve estar no governo do país e quem está na Assembleia da República se lhe retiramos a possibilidade de decidir ? Que legitimidade terá assim um Parlamento? E que tipo de contas nos vai prestar?

Ouvi de muitos defensores do referendo à despenalização da eutanásia o argumento de que o tema não estava nos programas eleitorais. Convém lembrar os que ainda defendem a democracia liberal e representativa que, repita-se a lição de Edmund Burke, os cidadãos não dão mandatos, elegem representantes. Pessoas que defendem um conjunto de valores e princípios que achamos mais próximos dos nossos. Jamais um programa de um partido ou de um governo abarcará todos os temas que dizem respeito a uma comunidade.

Também foi trazida a questão da complexidade e da sensibilidade do tema em concreto (do qual não tenho uma opinião firme). Pois é exatamente para temas muito complexos e muito sensíveis que temos os nossos representantes. As pessoas que escolhemos para estudar todas as implicações, todos os problemas de uma solução. Se não queremos que os políticos sejam primários e respondam às questões com sim ou não, porque acharemos que em temas que não dominamos e sobre os quais não temos o mínimo tempo para nos debruçarmos devemos ser nós a responder de forma negativa ou positiva?

Mais, vamos optar por fazer referendos em todos os temas sensíveis? Legislação sobre alterações climáticas? Entrada de imigrantes? Financiamento da Segurança Social? Privacidade na internet? Toca a deixar o trabalho. E vamos dedicar-nos a estudar estes temas. E, claro, para quem defende que os referendos são a verdadeira democracia em funcionamento, façam o favor de se preparar para poder votar os direitos fundamentais.

Os nossos representantes têm de ouvir as nossas reclamações, as nossas vontades, mas têm, enquanto estiverem em funções, de resolver segundo a sua própria consciência. Mal estávamos se fôssemos para uma governação por constante auscultação de opinião.

Há muitas maneiras de acabar com direitos fundamentais, de destruir a democracia representativa e de levar autocratas para o poder, fazer referendos é uma delas.»

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