28.3.20

A China e a História



«A duração da campanha de desinformação chinesa é incerta mas, por agora, tem o apoio de Xi Jinping. Do ponto de vista de uma parte da liderança chinesa é essencial desviar as atenções ou as críticas em relação à tragédia de Wuhan, semear as dúvidas em relação à origem geográfica da doença, consolidar a autoridade e legitimidade do líder chinês e criar a impressão de que Pequim comprou tempo para salvar o mundo da pandemia. Tudo isto sugere que o PCC vai reescrever a história do que aconteceu em Wuhan. Tal como sucedeu com as revoltas e o massacre de Tiananmen em 1989, os alunos que frequentarem as escolas e as universidades chinesas em 2040 não deverão ter a oportunidade de saber a verdade sobre o que se passou na cidade no inverno de 2019-2020. Voltando a Isabel Hilton, “é demasiado difícil prever o passado na China”.»

Miguel Monjardino, Revista do Expresso, 28.03.2020
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António Costa, ídolo em Espanha



Fossem outros os tempos e os espanhóis até desistiam do Tratado de Tordesilhas!

El discurso del primer ministro de Portugal sobre el coronavirus que emociona en España.
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Paredes brancas e chão liso o dia inteiro



«Acredito que se calhar, aqui, estou mais protegida do que aí fora. Mas a protecção não é conforto nenhum. Por causa da solidão. Isto é paredes brancas e chão liso o dia inteiro — eles são muito cuidadosos com a limpeza e às vezes a vida com um bocadinho de sujidade é melhor.»

Teresa Barriga, 79 anos, a viver num lar em Lisboa.
Público, 28.03.2020
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No meio da tempestade



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«A história é uma coisa muito complicada. Permite fazer comparações e permite enganarmo-nos com as comparações. Representa muitas vezes o único património de experiência para vermos como foi no passado e, ao mesmo tempo, seduz-nos com comparações que são enganosas, porque o passado não é o presente. Mas vale sempre a pena usarmos o único reservatório de experiência para defrontarmos uma situação nova. A história não substitui a ciência, a biologia, a medicina, a matemática. A ciência pode saber ainda pouco sobre a covid-19, mas sabe bastante sobre epidemias e pandemias, e esta, no seu desenvolvimento, não parece afastar-se dos padrões conhecidos. Já sabe menos sobre os comportamentos sociais que estão associados a esta pandemia do século XXI, e talvez aí a história saiba mais.

Comecemos por uma pergunta: como é que uma pandemia, com um vírus de uma família conhecida, altamente contagioso mas relativamente moderado nos seus efeitos, e com uma taxa de mortalidade baixa em geral, provoca este verdadeiro cataclismo social e económico, com o encerramento de quase todas as actividades produtivas, as cidades vazias, os transportes parados, milhões de pessoas confinadas em casa?

A pergunta não serve para contrariar os esforços actuais para travar o contágio do vírus e a importância do distanciamento social não só para impedir a propagação da doença, mas para proteger os grupos de risco conhecidos, em particular os mais velhos. A pergunta não questiona a atitude dura das autoridades sanitárias e dos Estados para tratar o maior número de pessoas, aliviar as que sofrem e impedir um grande número de mortes nos grupos de risco. Acima de tudo, não questiona a salvaguarda do efeito de sobrecarga dos sistemas de saúde, talvez o mais perigoso efeito da disseminação da infecção. Mas tem sentido, até porque é legítimo colocar a questão de saber se não estamos a ter uma overdose de resposta, cujos efeitos perversos podem ser maiores, sem razão. A pergunta não diz que estamos a ter excesso de resposta, diz que essa hipótese pode ser legitimamente colocada sem pôr em causa o que se está a passar, tanto mais que há muitos factores desconhecidos sobre a pandemia. Mas o principal factor conhecido nas respostas sociais, o medo, provavelmente nunca daria espaço a que se mudasse alguma coisa.

Se tivermos em conta a pergunta, devemos analisar muitas das diferenças entre a pandemia da covid-19 e a sua antepassada mais semelhante na dimensão, a gripe pneumónica de 1918-9, a “gripe espanhola”. O grau de destruição e morte da pandemia de 1918 foi enorme, na ordem de muitas dezenas de milhões de pessoas, mas as fábricas não pararam, a quarentena severa limitou-se, em grande parte, aos hospitais e às casernas, embora a proibição de concentrações, espectáculos e outros ajuntamentos, assim como o uso de máscaras, aproxime a gripe de 1918 da covid-19. Um caso grave de contágio colectivo foi uma parada em Filadélfia, com cerca de 200.000 espectadores. No dia seguinte, os hospitais estavam cheios.

Podíamos então fazer a contrapergunta: se tivessem sido tomadas em 1918-9 as medidas actuais, teria sido possível diminuir drasticamente o número de mortes? E, dada a elevada taxa de mortalidade, não teria então tido mais sentido essa quarentena rigorosa, tanto mais que os conhecimentos científicos da época já eram suficientes para perceber os mecanismos de propagação? A resposta é provavelmente sim, mas sem a militarização generalizada dos países, em particular as cidades, nada de parecido com o que se passa hoje teria sido possível. Estávamos num tempo de grande convulsão social, com revoltas e revoluções em vários países, violência social e política generalizada, que coincidiu com os efeitos devastadores da Primeira Guerra e, depois, da pandemia propriamente dita. Entre 1917 e 1921, a Europa estava a ferro e fogo: levantamentos, greves, motins, assaltos nas ruas, tudo fazia parte da vida colectiva. Mesmo em Portugal, que militarmente sofreu o seu maior abalo nas batalhas do final da guerra, com mortos, feridos, gaseados e prisioneiros, conheceu-se um período impar de convulsões sociais, desde a primeira tentativa de uma greve geral, em 1918, aos assaltos às mercearias e armazéns suspeitos de açambarcamento, aos assassinatos políticos e bombas.

A gripe de 1918 tinha também um efeito traumático de matar mais jovens adultos, enquanto a covid-19 mata os velhos. Na verdade, esse efeito dobrava o da guerra, onde uma parte importante da população de jovens numa aldeia podia desaparecer numas horas nas trincheiras do Somme e depois vir, mais lentamente, a morrer de gripe quando regressava da tropa. Hoje, com a covid-19, verifica-se que muitos lares de idosos são verdadeiras incubadoras do vírus, mas uma sociedade que vive o mito da juventude na arte, na cultura, no desporto, na vida, permanece bastante indiferente à sorte desses alvos preferenciais do vírus.

As grandes diferenças entre 1918 e 2020 são duas: a globalização e o tecido comunicacional, no qual são embebidas todas as acções e decisões. E é esse tecido que muda quase tudo nesses cem anos de diferença. Por um lado, tem um enorme feito positivo de fornecer informação, pois hoje o homem comum nas cidades sabe muito mais sobre o que se está a passar e sobre o que deve ou não fazer, do que em 1918. Por outro lado, dá uma dimensão individual e colectiva ao medo, cria pela “massagem” da comunicação social, pelo monotematismo dos noticiários, pelas reportagens casuísticas e, nalguns casos, pelo alarmismo de jornalistas que não percebem os números, um efeito de favorecer uma pressão para os excessos da quarentena que não é a mesma coisa do que a distanciação social.

Voltaremos ao assunto.» 
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Entretanto em África



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27.3.20

Francisco – A imagem do dia



Daqui.
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Medidas de emergência para pagar os salários em Março e Abril de 2020



Francisco Louçã e Ricardo Cabral
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Teria podido ser, teria podido ser...


«Penso que a União Europeia seria uma excelente ideia.»

José Manuel Pureza no Facebook
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As contas fazem-se agora



«É liberal mas, meses depois de uma bela campanha de outdoors, o Estado assumiu-se na sua natureza indispensável e o Mundo encarregou-se de desabar sobre o fim das ideologias.

É empreendedor mas o "espírito de equipa" da padaria que coze salários mínimos não permite que se aguente um mês de remunerações dos seus precários. É pseudocientista mas esta coisa das vacinas para a Covid-19 afinal dava muito jeito que avançasse rápido. É negacionista climático mas isto de ter a natureza a ensinar-nos tanto sobre o respeito que deixamos de ter pelo Mundo em forma de vírus dá um calor tremendo e um calafrio dos diabos. É racista ou xenófobo mas ver brancos, pretos e amarelos a lutar pela mesma dita sobrevivência enquanto seres humanos é uma lição só comparável a ver europeus e americanos a disseminarem conscientemente a infecção a uma velocidade bem superior à dos asiáticos. Estes tempos não são fáceis para ninguém, muito menos para estes.

Há quem queira, com engodos de enguia, confundir ajuste de contas com as contas que devemos fazer. Um previsível movimento a apoderar-se do espaço mediático que pretende convencer-nos que não é o momento para dividir opiniões ou para ter uma visão crítica sobre políticas. Uma espécie de "igreja do fim dos dias" que exige que as contas se façam no fim, quando tudo isto passar, quando a epidemia se for, quando todos estivermos bem e nos recomendarmos uns aos outros. Uma corrente de opinião que, em nome do humanismo de pacotilha, pretende silenciar o debate entre o sector público e o sector privado, à boleia da pandemia. Porque é conveniente. Um conjunto de opiniões que pretende passar um pano de esquecimento rápido sobre as opções tomadas pela selva financeira em detrimento da preservação dos sectores estratégicos da economia nas mãos do Estado. Um conjunto de pessoas que mais depressa defende que se possam pagar "impostos portugueses" em paraísos fiscais no estrangeiro do que se reforce o SNS. Gente que despreza a causa pública mas não se cansa de reivindicar ao Estado mais apoios para as suas empresas em momentos de crise. Há um cíclico séquito de gente que vocifera por liberalismo económico para desatar a correr para os cueiros do Estado quando as coisas dão para o torto.

As contas fazem-se agora. É nos momentos de crise que percebemos como tantas das nossas prioridades estão invertidas, como tantas das nossas (não) opções se arrastam para a irreversibilidade pela aceleração dos tempos. Este é um momento de emergência, exigência e urgência. É aqui, não depois de sairmos de um pesadelo, que devemos deitar contas à vida por muitas decisões políticas passadas que quase desmantelaram o SNS, sem dó nem piedade. Os responsáveis estão aí, não migraram fígados para seguros de saúde. O clima altera-se quando estamos remetidos ao confinamento. Deixamos de ter estações, faça chuva ou faça sol. Que se ilumine Rousseau. Ninguém irá apagar da nossa memória o que poderia ter sido se tivéssemos deixado os maus selvagens ir mais longe.»

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Sempre atento no seu posto


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26.3.20

Do pânico à barbárie




Foi o primeiro texto que li esta manhã e estou longe de o ter digerido. Aqui mesmo ao lado, no Sul de Espanha, o pânico já se transformou em barbárie: veículos que transportavam velhos foram apedrejados, mais tarde foram atirados engenhos explosivos a partir de casas nas imediações da residência onde já estavam alojados.

Não deixemos que nada de parecido possa vir a acontecer por cá e, neste plano, órgãos de comunicação social e redes socais também têm um papel: não exageremos em mil textos sobre os mais terríveis perigos se não nos desinfectarmos dos pés à cabeça, se se puser meio pé na rua ou em acesas discussões sobre diferenças sem significado entre os números de um autarca ou dois excitados e aqueles que a DGS divulga. Tudo isto enerva ainda mais as pessoas e não tenhamos ilusões: o povo (ainda) está sereno, mas pode deixar de estar num ápice.
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Pelo menos que seja com música


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A morte não espera pela cura e a economia não espera pelos burocratas



«O conceito de "risco de vida" é, nos dias que correm, muito mais amplo do que podemos imaginar. Ele não se aplica apenas aos infetados com o novo coronavírus. Há um grupo de risco, muito mais alargado, que, tendo a sorte de escapar à Covid-19, pode não sobreviver a um outros vírus, com poderes igualmente letais: o vírus do Estado, dos bancos e dos burocratas. E, nesse grupo, estamos todos. Os doentes e os saudáveis.

Que esta pandemia vai ter consequências económicas brutais, ninguém duvida. Pela escala, mas, sobretudo, pela imprevisibilidade da sua duração no tempo, nenhum cenário de curto ou médio prazo é particularmente animador. Pelo contrário, são todos muito feios. Por isso, não adianta muito fazer perguntas para as quais ainda ninguém tem resposta. Mas é urgente começar a responder a tudo o resto. Como se, de facto, estivéssemos em estado de emergência.

Se às pessoas se pede que fiquem em casa e às empresas que fechem as portas, há, desde logo, várias perguntas de resposta fácil: se uns não compram e outros não vendem, como podem uns pagar salários aos outros que vivem do trabalho? A resposta é simples: não podem. E quem não recebe salário pode pagar as suas despesas, ir de férias, consumir? A resposta volta a ser fácil: não pode. O ciclo tem tanto de vicioso como de dramático, e não quebra com um martelo de sisal.

Mantenham-se calmos que o Estado já entrou em cena.

A primeira resposta do Governo português a esta pandemia, na frente económica - ainda antes de ser decretado o estado de emergência -, foi prescrever uma espécie de paracetamol. Uma linha de crédito de 200 milhões de euros fazia-nos acreditar que esta pandemia não passava de uma constipaçãozita, sem gravidade de maior para a economia. Uma semana depois, o ministro das Finanças e o da Economia apresentavam ao país um novo pacote de medidas que previam, entre outras coisas, a prorrogação do pagamento de vários impostos (como se alguém conseguisse antecipar a duração e a extensão da crise) e uma injeção de mais de nove mil milhões de euros na economia portuguesa.

Calma. Os bancos estão aqui para ajudar a economia.

O decreto presidencial previu quase tudo ao nível da limitação de direitos: de circulação, de iniciativa económica privada, dos direitos dos trabalhadores, da liberdade de reunião, manifestação e de culto e até de resistência. Só não previu o direito de o Estado se impor aos bancos numa situação de estado de emergência. Porque, na verdade, os bancos continuam a ser uma espécie de Estado dentro do Estado, que apenas respondem ao todo poderoso Banco Central Europeu, excepto quando precisam de ser salvos pelos contribuintes.

A financiarem-se muitas vezes a taxas negativas, enquanto cobram spreads de dois, três e quatro por cento, em situação de emergência os bancos acedem a ajudar, desde que o Estado dê garantias públicas e que as empresas atestem que não estão em dificuldades. Porque haveriam de estar? E assim passou mais uma semana. Já lá vão três.

Calma. Os burocratas de Bruxelas estão aí para nos salvar.

Os bancos portugueses, tal como o Governo, justificar-se-ão sempre com as regras europeias. E o pior é que, em muitos casos, têm razão, porque é, de facto, em Bruxelas e em Frankfurt que está a origem do problema.

A resposta da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, até agora, podia ser anedótica, se isto desse vontade de rir a alguém. Resume-se a isto: 7,5 mil milhões de euros que cabem na cova de um dente - e que nem sequer é dinheiro novo - e o fim do limite dos 3% de défice, que, durante anos, só alguns é que estavam obrigados a cumprir.

Devagar - muito devagarinho -, Bruxelas começa a retomar uma discussão que começou com a crise de 2008, sobre a mutualização da dívida e a que agora chamaram os "coronabonds". Mas sem pressa, que não há motivos para alarme.

O Banco Central Europeu, que promete fazer tudo o que for preciso, ainda não mexeu uma palha. Estará, provavelmente, à espera de saber o que vai fazer a Reserva Federal Americana, o Banco da China e talvez ainda aguarde para ver o que vai fazer o Japão e o Brasil.

Não entre em pânico, mas prepare-se para o embate.

A economia tem que começar a ser salva já e não depois da pandemia, sob pena de a cura chegar depois da morte. E a resposta, na frente económica, não pode ser apenas nacional. Tem mesmo de ser europeia. Corajosa, sem tibiezas ou meias medidas. A crise de 2008, sendo muito diferente da que se avizinha, deixou várias lições que, se não tiverem sido aprendidas, podem ferir de morte o projeto europeu. Desta vez, não há bons e maus alunos nem países que só querem sol, copos e mulheres. Desta vez, a solução não pode resumir-se a acrescentar mais dívida em cima da que já existe e nunca vai ser paga. Não podem ser os mercados ou bancos a governar os Estados, têm de ser os políticos. Caso contrário, as consequências, que já vão ser grandes, podem ser desastrosas.»

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USA: nem vale a pena tentar perceber




«What accounts for Trump's rise? Simple: His response to the coronavirus crisis. 

In the Gallup poll, 60% of Americans approve of the job Trump is doing in handling the crisis while 38% disapprove of how he has done.»
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25.3.20

Mesmo na crise, há quem tenha bons negócios




«A queda no tráfego nas autoestradas nacionais devido ao coronavírus vai obrigar o Estado a compensar as concessionárias e subconcessionárias.»

Porque tem havido uma quebra acentuada no tráfego, parece que «há uma cláusula nos contratos que prevê uma compensação por parte do Estado, garantindo a reposição do equilíbrio financeiro (…) Uma das hipóteses possíveis para fazer essa compensação poderá ser a extensão do prazo da concessão, tal como já foi feito em Espanha».
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Nova sondagem



Mais informação AQUI.
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As Pandemias: nós e os outros



«Só por si, a palavra Pandemia assusta. A nossa sensação de vulnerabilidade e de falta de controle dispara. Contextualizar o momento que vivemos é importante.

As bactérias, fungos e vírus que estão no nosso corpo perfazem quase 40% das células e mais de 90% da informação genética que transportamos. É de facto espantoso que as pandemias não tenham surgido com muito mais frequência.

Nós somos “ecossistemas ambulantes”: transportamos triliões de células de bactérias e fungos e um número incalculável dos mais variados vírus. Felizmente, são, na sua grande maioria, indispensáveis para o normal funcionamento do nosso corpo (e até do nosso cérebro)! Hoje sabemos que esta espantosa colaboração virtuosa entre tantos “inquilinos” é o resultado de milénios de adaptação, para que a presença de uns fosse reconhecida como essencial para a sobrevivência de todos.

É a evolução a funcionar!

Infelizmente, volta e meia, ou aparece um novo “inquilino” perigoso, ou o sistema deixa de funcionar. As razões para que tal aconteça podem ser ambientais ou genéticas. As ambientais resultam da exposição a novos vetores, promovida pela nossa mobilidade entre continentes, pelas alterações climáticas, ou até pelo contacto com outras espécies animais. As genéticas podem ter a ver com diferentes mutações não só das células humanas que afetam os nossos sistemas de defesa, como da dos próprios “inquilinos” que se tornam indesejados. Frequentemente as razões são até difíceis de categorizar.

Quando tal acontece, o resultado pode originar uma Pandemia. As pandemias do último milénio estão bem documentadas. Entre as que mataram dezenas de milhões de seres humanos incluem-se a Peste Negra (séc. 14, até 200M†), a Varíola (séc. 16, até 56M†), a Gripe Espanhola (séc. 20, até 50M†) e o VIH/SIDA (já com perto de 35M†).

As menos mortíferas (raramente atingindo 1M†), nos últimos dois séculos, foram a Cólera, a Febre Amarela, a Gripe Asiática, a SARS, a MERS, o Ébola, a Gripe Suína e agora o COVID-19. Enquanto não surgem novos fármacos, incluindo vacinas, as intervenções no controle das pandemias continuarão a ser essencialmente não-farmacológicas. Ou seja, a implementação de mecanismos que bloqueiem ao máximo as cadeias de infeção. Várias formas de prevenção de contágio, incluindo o isolamento e a quarentena das populações, são os mais utilizados.

A grande questão tem sido sempre saber durante quanto tempo e qual o nível de isolamento necessário. Cada nova pandemia exige um acompanhamento rigoroso da sua evolução para tentar perceber até que ponto, a informação histórica acumulada pode ser útil.

A pandemia associada ao COVID-19 foi declarada muito recentemente (a 11 de março). Já conhecemos a estrutura do vírus (assim como das suas variantes genéticas) e algumas das principais vias de contaminação. Mas temos ainda muitas incógnitas. Quem são os que transmitem o vírus, mesmo quando assintomáticos, e durante quanto tempo? A que ritmo estará o vírus a sofrer mutações que o possam tornar mais ou menos virulento? Por que é que as crianças muito jovens apresentam sintomas menos graves? Qual o número de infetados abaixo do qual deixará de ser uma pandemia? Etc.

Neste momento exércitos inteiros de investigadores estão à procura de uma vacina. Mas é evidente que nenhuma vacina estará no mercado sem ter sido testada rigorosamente em ensaios clínicos. Será daqui a um ano? Seis meses? Dezoito meses? Três anos?

Enquanto esperamos pelos dados biológicos, enfrentamos grandes desafios psicológicos e sociológicos. A forma como cada um de nós encara um novo risco depende de muitos fatores. E a maneira como os governos lidam com esta multiplicidade de variáveis é crítica para o fortalecimento das instituições democráticas.

É fundamental percebermos que muitas decisões terão de ser tomadas na ausência de toda a informação desejada.

O isolamento total e completo de cada cidadão é praticamente impossível. Mas reduzir até ao limite desejável a possibilidade de contágio, principalmente dos mais vulneráveis, é o que todos desejamos. Como é também o desejo de todos os responsáveis de saúde. Só que os governos têm a responsabilidade adicional de, na medida do possível, manter os serviços essenciais do país a funcionar. Serviços esses que empregam trabalhadores nos mais diversos ramos da economia e que também devem ser protegidos.

E a chave está exatamente na palavra possível.

Se para cada um de nós, a noção do possível é muito variável, o importante é que possamos manter a nossa confiança na experiência técnica acumulada dos que ajudam a fundamentar as decisões políticas. Avaliar de forma continuada as medidas que devem ser tomadas para lidar com esta pandemia, a nível local, nacional e europeu ou internacional, é um trabalho complexo e exaustivo. Implica não só acompanhar a progressão do conhecimento sobre o vírus, como também perceber como é que populações inteiras lidam com a incerteza.

É minha convicção que Portugal se encontra numa situação privilegiada para lidar com este desafio. A aposta no conhecimento que temos feito ao longo das últimas três décadas, assim como o grande reforço dos últimos anos dado ao Serviço Nacional de Saúde, coloca-nos numa posição muito especial quando comparamos com muitos outros países. Apesar da uma literacia em saúde mediana, a maioria dos nossos cidadãos tem consciência que é através do conhecimento, em todos os domínios, que as soluções serão encontradas. Domínios esses que incluem as ciências naturais e sociais, mas também as humanidades, e onde a competência dos nossos profissionais é claramente reconhecida.

A apreensão que todos sentimos é normal. A pandemia não vai terminar nem amanhã, nem na semana que vem, nem no mês seguinte. Teremos de continuar a caminhar de forma atenta, sabendo de antemão que as estratégias podem ter de ser alteradas a qualquer momento. A coragem política demonstrada pelas decisões ponderadas e lúcidas tomadas, a todos os níveis, deve fortalecer a nossa confiança.

Para já, o principal desafio desta pandemia é o de uma cidadania responsável. Será que estamos todos dispostos a proteger a saúde dos outros como se fosse a nossa, mesmo se for necessário assumirmos riscos desconhecidos? Estamos todos envolvidos.»

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O drama na Índia




Há muitos dias que penso que a Índia será, muito provavelmente, o país onde a tragédia poderá vir a atingir valores inimagináveis, pela população que tem, pelas condições em que vive uma percentagem elevadíssima das pessoas, até por razões culturais e religiosas.

«Mais de um milhão de indianos podem ser infectados com o novo coronavírus até meados de Maio. (…)

O pânico está a crescer com a possibilidade bem real de que atinja comunidades pobres, e com as muitas dúvidas de que o sistema de saúde público, parco em recursos, seja capaz de lidar com esta crise.»
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24.3.20

Dia Nacional do Estudante



Segundo a Unesco, cerca de 850 milhões de estudantes de vários níveis, que representam mais de metade dos existentes a nível mundial, estão hoje em casa e não nas suas escolas. Em Portugal, onde se comemora hoje o Dia do Estudante, o mesmo acontece.

24 de Março é, para muitos de nós, uma data inesquecível em que manda a tradição que no juntemos na Cantina Velha de Lisboa, num mais do que tradicional jantar. As inscrições estavam feitas, o espaço reservado, o jantar não acontecerá por razões óbvias. Mas 1962 não será esquecido – nunca, enquanto por cá andarmos.
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Adeus Uderzo (1927 – 2020)



Manda-nos um barril de poção mágica - estamos a precisar.
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A responsabilidade de todos



«À medida que os dias passam, torna-se mais claro que as medidas económicas já anunciadas serão insuficientes para lidar com a destruição económica provocada pela Covid-19.

Para além da contenção do surto pandémico, a preocupação agora deve ser proteger os rendimentos das pessoas durante a suspensão da economia e conter a crise que virá depois. Estes objetivos exigem uma intervenção forte do Estado e a responsabilização das empresas e dos bancos.

No imediato, há medidas que podem proteger o acesso de todos a serviços básicos, da saúde à habitação, passando pela eletricidade. Quando esses serviços dependem do Estado, a sua provisão tem vindo a ser assegurada: é o caso dos municípios que suspenderam as rendas nos bairros de habitação pública, ou da Região Autónoma da Madeira, onde a eletricidade passou a ser gratuita. Mas o mesmo não está a acontecer com as grandes empresas privadas. A EDP ainda não garantiu o fornecimento de energia a quem foi mais afetado pela crise. Os bancos que - não esquecemos - foram salvos com dinheiros públicos, ainda não suspenderam os pagamentos dos créditos à habitação das pessoas que perdem os seus rendimentos e já começam a aproveitar o desespero para cobrar juros e comissões impossíveis às pequenas empresas.

Vivemos tempos de enorme exigência a responsabilidade. Os cidadãos estão a fazer a sua parte, e muitos pagarão com desemprego e pobreza o necessário isolamento na contenção da Covid-19. A responsabilidade das empresas não é apenas fazer doações de material médico, por importantes que sejam. Hoje fica claro que há monopólios que nunca deviam ter sido privatizados. Cabe agora ao Governo impor a essas empresas a garantia dos serviços essenciais que controlam. Sobre estas, como sobre todas as outras empresas, impende ainda outra responsabilidade maior: não despedir.

É para proteger a produção e o emprego que se estão a criar planos de apoio às empresas, que o regime de lay-off foi flexibilizado, assim como as regras contributivas e fiscais, e que o Estado apoia o pagamento de salários. Estas medidas podem e devem ser reforçadas e até complementadas por outros mecanismos, como os subsídios diretos. Mas tudo isto deve ter como contrapartida a manutenção dos salários e de todos os postos de trabalho, permanentes e temporários. Porquê? Porque se isso não for feito, depois do pico da pandemia, o país será confrontado com um nível de desemprego que impedirá a recuperação das contas públicas, mas também - pela queda da procura - das próprias empresas.

Proibir os despedimentos, proteger os rendimentos e o emprego. É essa a responsabilidade de um país que se mobiliza contra uma crise nunca antes vista.»

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Ajuda mental


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23.3.20

O que diriam os filósofos sobre o Coronavírus?


PLATÃO: fiquem na caverna, porra!

NIETZSCHE: fique em casa, por mais difícil que seja suportar a sua própria presença.

DESCARTES: habito, ergo sum.

HEGEL: tese: fique em casa; antítese: fique em casa; síntese: fique em casa.

HERÁCLITO: não se apanha duas vezes o mesmo vírus.

BUDA: a paz vem de dentro de si o O vírus, de fora. Fique em casa.

ROUSSEAU: o homem é bom por natureza, mas o vírus o corrompe.

SÓCRATES: a verdade sobre o vírus já está dentro de você. Tomara que o vírus não.

SANTO AGOSTINHO: a medida de amar é amar longe.

FRANCISCO DE ASSIS: onde houver vírus, que eu leve álcool gel.

KANT: duas coisas me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento delas se ocupa: o céu estrelado lá fora e eu aqui dentro.

WITTGENSTEIN: aquilo que não se pode contrair, não se pode transmitir.

SIMONE DE BEAUVOIR: não se nasce infectado, torna-se infectado.

SARTRE: nada a retificar, o inferno são os outros.

MARX: trabalhadores do mundo, separai-vos.

CRISTO: amai-vos uns aos outros ficando longe uns dos outros.

JUDITH BUTLER: o facto de esta lista ser composta por 95% de homens revela como a história da humanidade é a história da dominação patriarcal. Homens são o verdadeiro vírus.

(Via Helena Ferro de Gouveia no Facebook)
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Tempos de trevas mas também de luzes



«Nos tempos que correm, só há um tema, o que não nos ajuda a passar o tempo nem a libertar a mente. Vírus, corona, Covid-19, formas de contágio, infetados, internados, cuidados intensivos, mortes, são as palavras do momento. E, para aqueles que dizem ver mais além, as palavras não soam melhor: crise económica, falências, desemprego, recessão...

Pelo meio, são muitos os exemplos que nos mostram que o ser humano, no meio de todas as suas imperfeições, é, de facto, humano. No sentido de humanista, como o atesta a multiplicidade de estórias comoventes e comovedoras de dedicação ao bem comum, de amizade, de fraternidade, de solidariedade a que também vamos assistindo. Que nos fazem acreditar que, afinal, há futuro para a humanidade!

Mas, ao mesmo tempo, assistimos (os mais atentos e que diversificam as fontes de informação...) a episódios que mostram que o lado mais negro do Mundo continua a "brilhar". Só assim se pode classificar o facto de, nos tempos que correm, estar a decorrer, na Europa central e nos países bálticos, uma operação de grande envergadura da NATO, apelidada "Defender Europe 20". Que visa enviar 20 000 soldados diretamente dos EUA para a Europa, na maior mobilização de forças em mais de 25 anos. Ao mesmo tempo que milhões de pessoas são colocadas de quarentena em suas casas. Quando há falta de materiais e equipamentos básicos nos hospitais. Quando assistimos a diversos países, designadamente os EUA, a proibirem a entrada de cidadãos da Europa no seu país. Ao mesmo tempo, dizia, milhares de soldados dos EUA, acompanhados de equipamentos e material de guerra (e, presumo, acompanhados de hospitais de campanha bem apetrechados) cruzam o Atlântico para desembarcar na Europa onde, juntamente com militares de outros países da NATO, desenvolvem exercícios militares de grande envergadura. Que não foram suspensos devido à pandemia, apenas foram "ajustados". Porque, apesar de nos dizerem que esta pandemia se equipara a uma guerra, os verdadeiros "senhores da guerra" não podem abdicar dos seus exercícios militares!...

Simultaneamente, a União Europeia, um dos pilares da NATO, manifesta total incapacidade de apoiar os seus estados-membros, particularmente a Itália, cujo povo é o que mais tem sofrido os efeitos do Covid-19. Bem pode a UE, face aos tempos que vivemos, dizer que "alivia" as regras orçamentais - e era o que faltava se tal não acontecesse! Porque, de facto, nesta crise não houve UE! Situação que é ainda mais vergonhosa quando vemos a desembarcar, nessa mesma Itália, médicos e equipamentos chineses. Ou equipas de médicos cubanos que, apesar do selvático embargo económico ao seu país, dizem presente nos momentos em que a solidariedade se impõe...»

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Coronahumor (3)



Não há sabão que chegue!
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22.3.20

O mundo como nunca o imaginámos


Depois da China e de Cuba, a Rússia envia médicos e equipamento para Itália.
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USA – Da loucura




«As pessoas estão assustadas. Há muito pânico no mundo e as pessoas querem ser protegidas para o pior cenário.»
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Coronahumor (2)



Com os museus fechados...
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O que nos distingue



«Um estudante terá um dia perguntado à antropóloga Margaret Mead qual era o primeiro sinal de civilização. A resposta veio pronta: uma ossada com um fémur cicatrizado, encontrada numa estação arqueológica com 15 mil anos. Não foi nem um artefacto de caça, nem um pote de barro, nem uma pedra de moer. Para Meade, o que nos distinguiu foi termos começado a cuidar uns dos outros. Em sociedades recoletoras, alguém com uma perna partida seria inútil e incapaz de cuidar de si. A antropóloga acrescentou que, onde reina a lei da selva e só os mais aptos resistem, ninguém sobreviveria com esta condição. Se chegou até aos nossos dias um fémur cicatrizado é porque houve quem cuidasse de um doente, não o deixando ficar para trás. A evidência de compaixão é o primeiro sinal de civilização.

De alguma forma, a história das civilizações pode ser contada através da forma como fomos lidando com os riscos. Aqueles que sempre estiveram connosco, mas, também, os novos riscos, muitos deles criados pela modernização.

Poucas coisas mudaram tanto as nossas sociedades como a socialização dos riscos e o modo como fomos deixando de ser responsáveis pela nossa própria sorte. Mudou a sociedade e, acima de tudo, transformou a forma como nos entendemos na nossa individualidade. É esse, aliás, um princípio basilar do humanismo: somos na medida em que nos projetamos no outro e cuidamos dele.

Há, por isso, um longo processo que se iniciou no cuidador informal, teve um passo de gigante na passagem do século XIX para o século XX com a cria¬ção do seguro social público para enfrentar os riscos de velhice, doença e invalidez associados à industrialização, sob o impulso decisivo de Bismarck, na Alemanha, e que culminou na proteção social universal, no pós-guerra, com a institucionalização dos sistemas beveridgeanos.

Perante um novo risco como a covid-19, de contornos incertos e em parte manufaturado, vale a pena regressar à História. Tem sido muitas vezes dito que vivemos um tempo de guerra, com desafios económicos com poucos paralelos e que há que enfrentar o inimigo, para, depois, em tempo de paz, se tratar do resto. É um equívoco. Mesmo num período dramático como a II Guerra Mundial, não se esperou pela paz para planear o futuro. O relatório apresentado à Câmara dos Comuns por William Beveridge mudou de forma radical a gestão dos riscos nas sociedades democráticas do pós-guerra, mas é de 1942.

Agora é, certamente, o momento de responder à pandemia e aos seus efeitos seletivos. Mas é ainda mais importante planear já como é que vamos recompor a economia daqui a uns tempos. Não será certamente com as respostas do passado. É um daqueles momentos em que temos, de novo, de repensar a gestão dos riscos. Os de saúde pública, mas, também, os sociais, económicos e políticos.»

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