10.10.20

Não se esvazia o mar com um dedal


 


Não serão necessárias mais “imposições legais”, mas também não é suficiente responsabilizar e culpar individualmente os cidadãos. 
Falta acção pedagógica sistemática, curta e eficaz, nomeadamente nos meios de comunicação mais populares como as TVs (nem sequer se explica por que motivo uma máscara não é um cachecol!); falta informação clara sobre as consequências de grandes aglomerações (da festa em ABC, interrompida pela GNR por ter 300 pessoas, resultaram x infectados); etc., etc., etc.
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Edith Piaf calou-se há 57 anos

 


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Natal 2020?

 

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De onde vem tanta raiva?

 


«Pode haver sociedades com absoluto consenso, em que todos “remam para o mesmo lado”, em que todos os conflitos são sanáveis? A resposta é um claro não, não há sociedades sem divisões, mais ou menos agudas, mais ou menos conflituais. O que não existe é um estado “zero” de conflitualidade nem mesmo à força, nem nas democracias, nem nas ditaduras, nem na anarquia, nem na teocracia, nem no comunismo nem na mais pacífica, civilizada, ordeira, moderada, social-democracia. A única verdadeira TINA (there is no alternative) é esta, o resto são ficções políticas legitimadoras, ou subprodutos disfarçados de inevitabilidade. A questão não está em não existirem conflitos, está em saber como é que se formam os ciclos de conflito, e como é que eles se tornam numa tempestade perfeita, que é o que se está a passar nos dias de hoje. É isso compatível com a democracia, em que o voto é suposto dirimir todos os conflitos, ou pelo menos mitigá-los? É, de forma imperfeita, mas é. Mas o espaço para a democracia alarga ou encolhe conforme os tempos, e agora está a encolher, e não encolhe sempre da mesma maneira. 

A outra TINA, que está por detrás da primeira, foi identificada por Marx, e repetida e analisada por muitos outros teóricos, longe de serem marxistas, e tem a ver com a desigualdade e os mecanismos da desigualdade – uns têm e outros não, seja de forma física, material ou simbólica, ou quase sempre combinando as duas, primeiro a primeira, depois a segunda. Porém, se sabemos isto há muito tempo, não chega, porque os mecanismos que “ferem” os indivíduos e os levam ao sentimento da desigualdade, agudizando o ressentimento e provocando a revolta, mudam com o tempo e manifestam-se de formas diversas. 

No mais importante laboratório social do mundo, os EUA de Trump (o outro é o capitalismo na China gerido por um partido comunista), está a emergir com clareza um outro padrão de divisão que se tem agudizado nos últimos tempos. O que faz a raiva, literalmente raiva, da “base” de Trump, reproduzida de forma menos perfeita pelos partidos populistas europeus? Uma das coisas, não a única, mas uma das mais poderosas como geradora de ressentimento, é a percepção de muitos trabalhadores fabris de que é o seu trabalho que suporta a sociedade, e não tem o reconhecimento que lhes é devido, não apenas em termos salariais, mas em termos de prestígio social, daquilo que antes se chamava a “dignidade”. Os culpados são os “políticos” e todos aqueles a quem um diploma traz um título apenso, que os coloca na elite. 

Quando Hillary Clinton os chamou de “deploráveis”, num excelente exemplo de como uma única frase pode destruir uma campanha, transformou-os numa coisa que até então não existia: a “base” de Trump. Deu-lhes identidade. Foi para essa “base” que Trump subiu à varanda da Casa Branca imitando à letra Benito Mussolini a fazer de imperador romano, com ar de mau e face de bronze. Mesmo que Trump perca as eleições, essa “base” vai continuar a mudar a política americana e não é num sentido muito democrático. 

A fractura eleitoral mais aguda nos EUA nas eleições de 2020 é a que separa os eleitores brancos sem escolaridade de todos os outros. Para os “deploráveis”, há aqui duas perdas: ser branco e já não ter os privilégios de o ser, face aos negros, aos latinos e a todos os “não americanos”; e ser trabalhador manual, não ter um diploma e por isso ser marginal na sociedade, estar fora da elite. Sendo assim, a escolaridade tornou-se hoje mais do que um factor instrumental no acesso ao emprego e no valor do salário, mas no local onde passa uma fractura social entre os que têm e os que sentem que não têm ou não têm mesmo. 

Parece irónico escrever-se isto em Portugal quando por todo o lado se repete o lugar-comum da “geração mais bem preparada”, num país onde os fenómenos populistas também crescem com os mesmos mecanismos de ressentimento antielitista. A questão é que o diploma sem as vantagens económicas e sociais está longe de ser percebido como um diploma, pelo que tê-lo é a mesma coisa ou pior do que não tê-lo, e não esbate o sentimento de que na sociedade são eles que fazem todo o trabalho duro e não uma elite com o “dr.” antes. Nós desprezamo-los mesmo inconscientemente, eles respondem-nos à letra. 

O lubrificante deste ressentimento são as redes sociais, porque dão um meio de expressão e contacto para tod.os aqueles que se sentem excluídos do discurso respeitável e encartado. A ignorância agressiva que pulula nas redes, o desprezo pelo saber profissional e pelas hierarquias assentes no conhecimento, cujos efeitos vão desde a disseminação das terias conspirativas até aos comportamentos anticientíficos, é impulsionado pelo igualitarismo das redes sociais: porque eu posso escrever aqui o que quiser, o que eu digo tem o mesmo valor de tudo o resto, diga ou não a verdade, tenha ou não fontes fiáveis, tenha ou não algum conhecimento sobre aquilo que escrevo. Sem a tribalização da verdade, a perda do valor dos factos, a indiferença pela realidade objectiva, não haveria a “base” trumpiana e os seus émulos nacionais. E este estado de coisas agravou-se pela cobardia de quem devia defrontar a mentira e a opinião comum e circulante cara a cara e tem medo de ter a matilha das redes sociais atrás de si. E por isso se dobram, de políticos a jornalistas.» 

9.10.20

Regressa, Solnado, este país precisa de ti

 


«João Paulino quer devolver o material de guerra que não tinha sido recuperado pelas autoridades em troca de uma possível redução de pena no caso de Tancos.»
Expresso, 09.10.2020
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Cuidadores informais



«Há, em Portugal, mais de 800 mil pessoas a ter de cuidar dos seus. Pessoas que para cuidar abandonam as suas vidas, os seus empregos, as suas amizades, os seus direitos. Pessoas a quem nenhum cuidado é prestado. Há poucos anos, várias destas pessoas lutaram pela criação do estatuto de cuidador informal, procurando garantir alguns dos direitos e da dignidade que lhes é devida. Criaram também a Associação Nacional de Cuidadores Informais, numa das mobilizações mais belas que vimos acontecer em Portugal na última década. Tive o privilégio de conhecer algumas dessas pessoas fora do comum, quase sobre-humanas. O estatuto levou tempo a ser regulamentado e deixou de fora muitos dos direitos que lhes são devidos, mas avançou e, mesmo que fosse apenas pelo reconhecimento, já teria valido a pena. O problema é que são muito poucas as pessoas que pediram o estatuto até ao momento. A realidade é atroz, mas a mensagem dos direitos não está a passar.»

Marisa Matias
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John Lennon – Seriam 80 hoje




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Conversa de mosca

 


«Nunca é um bom sinal quando uma mosca tem mais protagonismo que a mensagem daqueles que estão e podem vir a estar na vice-liderança de uma das maiores potências mundiais. 

Foi o que aconteceu no debate entre Mike Pence e Kamala Harris, quando o republicano defendia a política de lei e ordem da administração Donald Trump face à brutalidade policial exercida sobre manifestantes zangados com o país e que exigem o fim do racismo em relação às minorias. 

Mas o momento inusitado, que deleitou internautas e virou trending topic nas redes sociais, não é apenas uma metáfora. Representa mais uma cena de um espetáculo de puro entretenimento em que as eleições presidenciais norte-americanas se estão a tornar. 

E só assim, com muito poder de encaixe, podemos sorrir quando Donald Trump diz que contrair covid-19 foi uma "bênção de Deus" porque o educou sobre potenciais medicamentos que podem curar a doença. Só que não. Num momento em que Portugal ultrapassa a fasquia dos mil infetados num único dia, em que a França se prepara para declarar o estado de emergência sanitária em algumas regiões até janeiro e em que os números se multiplicam assustadoramente por todo o mundo, a afirmação do presidente norte-americano não é nem uma piada, nem um ato de campanha. É um insulto. Um insulto às dezenas de pessoas que estiveram em contacto com ele e que agora testaram positivo, um insulto aos 212 mil americanos que já morreram da doença e aos mais de sete milhões de infetados, um insulto a todos nós que estamos expostos à pandemia. 

Já não chegava minimizar a crise económica, os mortos da covid, as sondagens desfavoráveis, ignorar as questões dos direitos civis e alimentar os assassinatos racistas com discursos inflamados. Donald Trump perdeu definitivamente o respeito. Por si e pelos cidadãos. Do seu país e de todos os outros.» 

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8.10.20

Um drama de todas as famílias...

 

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Entretanto na Nova Zelândia

 


Se cortássemos Portugal em duas ilhas, e se metade da nossa população emigrasse, e se… e se…, talvez isto fosse mais fácil por cá. (Mas talvez o principal problema esteja no «e se… e se…».)


«A uma semana das eleições, a primeira-ministra neozelandesa anuncia que se prepara para dizer que o vírus foi eliminado — pela segunda vez. Esta quarta-feira, acabaram as restrições dentro do país. (…) 

É verdade que a Nova Zelândia, duas ilhas isoladas no oceano Pacífico com cerca de cinco milhões de habitantes, reúne boas condições para conseguir controlar a transmissão do vírus com relativa facilidade. Mas também é certo que o país representa um contraste total com o que se passa no resto do mundo.»
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Glück… Glück… Glück…



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A mais-valia da crise

 


«Poucos de nós terão memória de uma crise como a que estamos a viver. Arriscaria dizer: nenhum de nós viveu algo semelhante, porque nenhum país ficou imune. Acreditámos, por isso, que a tragédia que nos bateu à porta, sem aviso prévio, teria força suficiente para mudar o Mundo para melhor. Não foi preciso muito para perceber: tudo ficaria mais ou menos na mesma. Os factos estão aí a comprová-lo. 

Numa altura em que tanta gente perdeu o emprego e outros aguardam o dia pela chamada para lhes comunicarem a extinção do seu posto de trabalho, ficamos a saber que os mais ricos do Mundo ficaram ainda mais ricos. Entre abril e junho, quando o planeta estava praticamente parado, e uma grande fatia da população fazia contas para acudir às despesas básicas, a fortuna dos bilionários atingiu um novo recorde. Tudo na mesma, portanto. 

No mesmo dia, soubemos que o preço das casas continuou a subir durante a pandemia. Mais. Portugal registou a sétima subida mais alta a nível da União Europeia. Pois é, quem pensava que iríamos refletir e pensar um pouco mais no bem-estar do próximo, enganou-se. A crise, como todas as crises, é uma oportunidade de negócio. As casas continuam a ser vendidas para aumentar os ativos dos que passam ao lado da crise. 

E também os que viram na recessão do turismo o fim dos problemas da habitação, porque os alojamentos locais iriam diretamente para o arrendamento tradicional, também esses se enganaram. Algumas terão ido, outras estarão fechadas à espera de melhores dias. E os jovens que viram nesta crise uma oportunidade para sair de casa, porque os mil euros que ganham no seu primeiro emprego seriam suficientes para garantir um empréstimo bancário e comprar uma casa, terão de ver o sonho adiado. Este país não é para jovens, mas sim para os que estão sempre à espera da próxima crise para viver ainda melhor.» 

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7.10.20

Humor no Partido Republicano contra Trump

 


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A excelente notícia do dia

 



«Multidão em Atenas esperava um veredicto de culpado para o partido de extrema-direita, o assassino de Pavlos Fyssas, e o grupo que espancou um grupo de pescadores egípcios e sindicalistas.» 

«A sala do tribunal de recurso de Atenas irrompeu em palmas quando foi anunciado o veredicto: a liderança do partido neonazi grego Aurora Dourada foi condenada por formação de associação criminosa. (…) À porta do tribunal, uma multidão de milhares de pessoas manifestava-se pedindo condenações no processo que durou mais de cinco anos, que inicialmente se previa que demorasse 18 meses.»

A multidão festeja nas ruas de Atenas a condenação da Aurora Dourada:

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Nação valente...

 

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As razões do PS contra os contratos coletivos

 


«A norma da caducidade automática das convenções foi introduzida pela direita numa reforma laboral em 2003 e depois reforçada pelo PS em 2009, tendo-a agravado ao desvalorizar regras específicas de cada contrato que ainda permitiam a sua continuidade até à substituição por nova convenção. O resultado desta medida, combinada com outras restrições à ação sindical, foi fulgurante: em 2008 ainda foram abrangidos 1704 mil trabalhadores pela atualização dos salários convencionais, em 2011 já só foram 1203 mil e, em 2013, limitaram-se a 187 mil. Em cinco anos, o número reduziu-se de dez para um. Houve depois uma ligeira recuperação, mas sempre num patamar de perda de poder negocial da parte mais fraca. 

Para o trabalho, o mundo mudou com esta medida. Maria da Paz Campos Lima, professora do ISCTE, apresentou estes números num estudo de 2016 e explicou essa estratégia patronal a que sucessivos governos deram provimento: “A caducidade das convenções coletivas requerida pelas organizações patronais significa, em geral, uma de duas coisas: ou força as negociações de novas convenções a partir do zero, uma ambição de longa data para alguns setores patronais, na perspetiva de definição de novas normas numa relação de forças que lhes seja mais favorável; ou permite, no quadro do paralelismo de convenções, substitui-las por outras mais favoráveis ao lado patronal, e nalguns casos assinadas por sindicatos minoritários”. Essas são as razões ideológicas e políticas do PS, é assim que entende as relações laborais e não faz disso segredo. 

Ora, do que não se pode acusar esta estratégia é de ser incoerente. Por isso, e mais uma vez ao contrário de vários analistas, percebo porque é que o PS sempre recusou alterar esta regra, que afinal é também de sua autoria, e, quando convidado a discutir o tema no contexto de uma negociação para um acordo para esta legislatura, há um ano, fechou imediatamente a porta com estrondo. Comentadores alinhados com o PS saudaram essa determinação, abundando no tema tradicional: não se mexe no que resulta e seria uma “provocação” discutir tal assunto. Sim, têm razão, isto resulta, provocou uma desvalorização estrutural da contratação coletiva e, assim, contribuiu para as perdas de rendimento ao longo da década que correu desde a recessão anterior. Tornou-se uma norma de política estruturante. 

Nesse sentido, o facto de o PS aceitar agora discuti-la, in extremis, é revelador de uma dificuldade e de uma oportunidade. Reconhecendo que a norma não deve continuar a ser aplicada em momento de recessão, o governo propõe a sua suspensão por um curto período de dois anos (mas ameaça retirar a proposta se não houver acordo em tudo o resto do orçamento). Só que a solução é esdrúxula, dado que a constatação do aumento da desigualdade dos rendimentos em Portugal sugere corrigir as normas desigualitárias, em vez de garantir a sua recuperação passado um curto período. Deste modo, voltar-se-ia sempre ao ponto de partida: se o PS entende que o princípio deve ser a vantagem patronal na negociação, o que agora estará a fazer é um subterfúgio passageiro; se a longa crise de uma década o reorientou para uma norma que proteja o trabalho, então a lei deve ser mudada, o que seria uma vitória do bom senso. 

Admita-se que, como tantas vezes, se trata de uma mera jogada. O governo pretenderia assim acenar à esquerda sem desagradar demasiado ao patronato, dado que, afinal, neste período isto limita-se a adiar a caducidade para cerca de 40 mil trabalhadores. O problema é que, deste modo, se institui uma guilhotina: passada a suspensão, voltará a regra, business as usual. Por isso, duvido que os trabalhadores saúdem uma medida provisória que os incita a aceitar o regresso imediato a uma normalidade punitiva para o salário.» 

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Trump e o vírus

 

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6.10.20

Cavaco Silva: mensagens do além

 


Dizem que lança hoje um livro intitulado «Uma Experiência de Social-Democracia Moderna» (importa-se de repetir?...). 

Entre outras convicções certamente geniais, é nele classificada «a redução do horário de trabalho semanal no setor público como “um dos maiores erros do poder político”». E há mais, muito mais.
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Dia Europeu do Cuidador

 

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O que está em causa para o Orçamento de 2021?

 


«Em 2015, quando negociamos um acordo escrito com o PS, sabíamos que tínhamos de nos bater por medidas muito além do seu programa eleitoral e que davam ao país o que mais precisava: um plano para aumentar o salário mínimo e os rendimentos, o aumento das pensões, a tarifa social da energia ou a redução do IRS. 

Tudo o que hoje parece óbvio e adquirido, em 2015 foi conseguido contra o plano e as pressões de quem considerava a austeridade inevitável e a Comissão Europeia uma força invencível. 

Cinco anos depois, enfrentamos um desafio maior: combater uma pandemia mundial com efeitos económicos e sociais devastadores. O mesmo sentido de responsabilidade leva-nos agora a propor medidas que são essenciais para uma resposta determinada à crise: proteger o emprego e os salários, cuidar do SNS, apoiar os rendimentos e impedir novas perdas públicas com o Novo Banco. 

Até agora, o Governo não garantiu concretização suficiente na maior parte destas áreas: na proteção social, recusa o reforço das prestações de desemprego e não se compromete quanto a prazo ou valores da nova prestação social a criar. No trabalho, não admite alterações estruturais à lei e anunciou um recuo na atualização do salário mínimo nacional. Na saúde, não cumpriu o acordo para o aumento dos profissionais do SNS, que conta agora com menos médicos que no início da pandemia. Quanto ao Novo Banco, o Governo insiste em continuar a financiar os prejuízos da gestão do Lone Star, mesmo depois dos indícios de uma gestão desenhada para aumentar as perdas públicas. A solução apresentada, de pôr os bancos a financiar o Fundo de Resolução, é um truque de ilusionismo que não protege os contribuintes nem a estabilidade do Novo Banco. 

O Bloco fez, desde o início das negociações, um percurso transparente, com condições claras e públicas. A viabilização do Orçamento depende da construção de uma proposta que consagre uma prestação social consistente e a reposição das regras do subsídio de desemprego anteriores a 2010; que penalize de forma relevante os despedimentos em empresas com lucros ou apoios públicos, que reponha a indemnização por despedimento e a duração de três meses para o período experimental; que crie a carreira de técnico auxiliar de saúde e garanta ao SNS mais 8400 profissionais do que tinha em 2019 e mais vagas para a formação de médicos especialistas; que ponha fim ao assalto da Lone Star ao Novo Banco e ao erário público. 

Insistamos na clareza: nenhuma destas medidas vale uma crise política, pelo contrário. Em 2015, a relação de forças levou o PS a assinar o acordo que muitos julgavam impossível. Esperemos que, em 2020, os cálculos eleitorais do PS não o levem a cair na tentação de fazer diferente. O país precisa de respostas à altura da situação e da responsabilidade de as procurar à Esquerda.» 

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5.10.20

Ameaças destas, não, senhores polícias

 



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Hoje

 


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Bem agitado foi o 05.10.2012

 


Nós já andávamos de cabeça para baixo e a bandeira acompanhou-nos. 

E não só: 


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Um partido com 7% dos votos pode ter 12 deputados

 


«Há especialistas que sabem responder muito melhor do que eu à pergunta sobre quantos deputados pode ter um partido com 7% dos votos, porque há muitos factores a ter em conta. Em que círculos eleitorais são obtidos esses votos, quantas pessoas votam, quantos partidos concorrem, como de distribuem os votos. As incógnitas são várias. 

Numa perspectiva muito conservadora, é possível eleger um deputado com perto de 2% do total de votos. Nas últimas legislativas, porém, três partidos conseguiram sentar três parlamentares (um cada um) em São Bento com menos de 1,5% cada. O PAN, com cerca de 3,5%, elegeu quatro. E a CDU, com aproximadamente 6,5%, elegeu 12. 

A última sondagem publicada neste fim-de-semana no Expresso sobre intenções de voto nas legislativas aponta para que os dois maiores partidos mantenham valores idênticos aos obtidos em 2019. O PS sobe ligeiramente e o PSD desce algumas décimas, mas no essencial, no topo, pouco muda. O Bloco mantém-se em terceiro, perdendo votos. E o Chega sobe a quarto lugar, passando literalmente pela direita a CDU, o CDS, a IL e o Livre. 

É aqui que está a grande diferença. O crescimento do Chega já não é só uma intuição, é uma evidência nas sondagens. Com estes valores, o partido de André Ventura passaria em tempo recorde, e com uma certa facilidade, de um deputado único para o quarto maior grupo parlamentar, com pelo menos uma dúzia de deputados (a percentagem que obtém na sondagem coloca-o acima da CDU nas legislativas de 2019). 

Valorizando estes números, que são os mais recentes, o CDS passaria a contar tanto quanto a Iniciativa Liberal conta actualmente, por exemplo. Nestas condições, o contributo de Francisco Rodrigues dos Santos para um eventual bloco de direita seria irrelevante e não faria qualquer diferença. 

É pelo facto de o Chega ser o partido que teria mais a ganhar numa ida às urnas que, neste momento, não interessa a nenhum dos principais partidos que haja uma crise política. O Presidente da República tem-no repetido à exaustão, numa tentativa de que esses mesmos partidos vejam além das negociações orçamentais. 

É que, a julgar por estes números, o que mudaria se houvesse eleições antecipadas não era a chefia do Governo, que continuaria a caber ao PS. Tão pouco mudaria a liderança da oposição, que se manteria nas mãos do PSD. A grande mudança seria naquele pequeno partido de extrema-direita que hoje, só com um deputado, já influencia muito o discurso, o debate e a agenda parlamentar, introduzindo temas já por várias vezes considerados inconstitucionais. É esta a razão por que nenhum responsável político quer ouvir falar em crise e em eleições. 

Todos nós já conhecemos André Ventura desde que era vereador do PSD em Loures e vamos escrutinando as suas propostas e declarações. Mas agora importa saber mais. Além dele, quem é o Chega? Diogo Pacheco Amorim? Elementos herdados de partidos ou movimentos extremistas? E mais? Quem teria lugar no Parlamento se as sondagens se confirmassem? Quem são e de onde vêm os militantes que sobressaíram no último congresso para mostrar que pensam diferente do líder (e que conseguem ser mais radicais do que ele)? Há um Chega além de Ventura? 

Tenho muito mais perguntas para os próximos tempos. Tentarei também ter as respostas.» 

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4.10.20

11 anos em Mercedes Sosa

 


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Sejamos realistas, vamos pedir o impossível

 


Preparemos os festejos do Natal… de 2021. 

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«Patrióticos» mas sem exagero

 

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A América merece ser ela, não um vírus, a derrotar Trump

 


«No debate, Donald Trump mascarou Joe Biden: “Ele usa sempre a maior máscara que jamais vi!” Trump levou as mãos à cara, gozando com o zorro democrata. Quanto a ele próprio: “Sei quando preciso de máscara e uso-a.” E a sua equipa? “Ainda esta noite fizemos testes e guardamos a distância social.” Enfim, o costume, Trump claro e falso. 

Nessa terça-feira, ao embarcar no Air Force One para Cleveland, a cidade do debate, Trump fez-se acompanhar pela mulher e filhos. Ao embarcar e desembarcar, ninguém usava máscara. O diretor da campanha Bill Stepien, sabe-se, nunca a usou dentro do avião. E, ao chegar, ele e Hope Hicks, a mais próxima colaboradora do Presidente na Casa Branca, entraram para uma carrinha, sem máscara — ambos pagariam caro. 

Na quarta-feira, Trump fez um comício no aeroporto de Duluth, no Minnesota, com pessoas apinhadas, a maioria sem máscara. Trump, também sem máscara, pegou num molhe de bonés e atirou-os, um a um, para mãos estendidas e abertas. Para apanhar o boné — ou talvez mais. Na quinta-feira, a conselheira Hicks soube que apanhou mais. Na madrugada de sexta, o Twitter de Trump anunciou que ele e a sua mulher, Melania, também tiveram teste positivo à covid-19. 

Do debate, disse na SIC o comentador televisivo Miguel Monjardino: “Foi um shit show.” E tendo ousado o palavrão anglófono, democratizou a informação: “Foi uma merda.” Gostei da ousadia da palavra, porém, o debate não foi shit, isto é, coisa sem valor. Pelo contrário, o debate gerou energia, tal como, a partir de excrementos, um processo chamado “digestão anaeróbia” captura o metano e o dióxido de carbono libertados por bactérias. É uma indústria moderna e útil, o aproveitamento dos excrementos. Na política também pode ser bom, se os cidadãos toparem a sinceridade sem vergonha e/ou a mentira descarada de quem debate. 

O expelido por Trump, no debate, expôs Trump. Que culpa tem ele de que alguns cidadãos, de além-mar e por cá também, sejam pitosgas? Ensinar-nos sobre quem discute é, aliás, a primeira função de um debate. Trump é um livro aberto. Em discursos, comícios, tweets e entrevistas, Trump nunca engana. Já o vi num palanque a gozar, com gestos incontrolados, um paraplégico; num discurso, sobre um colega de partido, o falecido senador McCain, ouvi-o chamar cobarde a um herói de guerra; e, numa entrevista, dei por ele a meter a perna direita pela esquerda, para dizer o que levou um certificado médico a livrar da guerra do Vietname o filho de milionário que ele era… 

Nos debates, se formos atentos à sua impudicícia, Trump diz-nos sempre muito. Viu-se na terça. Ele interrompeu quase todas as intervenções do adversário. Insultou o New York Times, que levou quatro anos a investigar o que qualquer candidato a Presidente faz questão em mostrar — a folha de impostos. Ignorou esta (15 últimos anos sem pagar ao fisco, exceto dois, cada um a 750 dólares) e ignorou as falências sucessivas, impróprias de um homem de negócios tão sagaz. E lançou à cara do adversário o vício de drogas por que passou um filho deste. 

Enfim, uma lista de mudslingers (como os americanos chamam às campanhas sujas) que não é novidade em eleições nos EUA. A originalidade de Trump é a sua ação política quase se limitar a essa prática e ele prolongá-la por todo o mandato. Acresce agora o mais grave: o Presidente da América faz pairar dúvidas sobre a legitimidade das eleições, ameaça não aceitar os resultados e manter-se na Casa Branca, mesmo se derrotado. Do nunca visto, com um píncaro no debate: “Proud Boys, cheguem-se para trás e aguardem”, disse Trump. Malta, já vos chamo quando forem necessários... 

Os Proud Boys são uma milícia armada pela supremacia branca. Imaginá-la a intimidar no dia da votação vai na esteira do que tem dito Trump. Mas algum senso veio do Partido Republicano e o Presidente teve de ir à Fox dizer que é contra os supremacistas brancos. E que pouco sabe dos Proud Boys. Entretanto, meteu-se o anúncio da covid-19 e Trump não teve ocasião de perguntar a Roger J. Stone, um seu antigo conselheiro, amigo desde a década de 80 e lobbyista de causas sulfurosas, incluindo os Proud Boys. 

A investigação oficial sobre a interferência russa nas eleições de 2016 considerou Roger Stone personagem-chave na tramóia de Putin. O FBI levou Stone a testemunhar no Congresso e ele mentiu para proteger alguém. No ano passado, um tribunal condenou-o a sete anos de prisão mas, este julho, Trump comutou-lhe a pena. E Roger J. Stone Jr. está longe de ser o finório com maior influência no narcisista que tomou a Casa Branca. 

Ironia extraordinária esta de um vírus transformar Trump no mais frágil dos candidatos em vésperas de presidenciais na América. Espera-se que lhe passe a covid-19, por duas razões. A primeira, porque a América merece ser ela, e não um vírus, a derrotar a bactéria que na história moderna mais pôs em perigo o país. A segunda, porque Donald Trump não pode desaparecer sem sabermos mais dele. Por exemplo, sobre o seu pai espiritual e mentor, o advogado Roy Cohn. 

Cohn foi um dos homens fulcrais nos Estados Unidos na segunda metade do século passado. Aos 24 anos era a cabeça pensante do McCarthyism que à pala de combater o comunismo (em plena Guerra Fria) perseguiu intelectuais, artistas e funcionários, numa paranóia liberticida que também caçou homossexuais — apesar de Roy Cohn ser gay (no armário). Nas décadas de 60 e 70, tornou-se o advogado mais temido de Nova Iorque, difamando os adversários, tecendo uma rede entre a câmara, a arquidiocese e a máfia, importando-lhe menos a lei do que corromper juízes do Bronx e de Brooklyn. Um credo: sempre atacar, nunca pedir desculpa. 

Em 1973, Donald J. Trump procurou Cohn, dez anos mais velho, mas já uma lenda com um quarto de século. Donald e o pai, milionários na construção civil, tinham um problema com o governo que queria multá-los por não alugarem casas a negros. O advogado pequenino, olhos azuis e um esgar de desprezo nos lábios tinha a solução: pôr o Governo em tribunal. Batem-te? Bate dez vezes mais forte. Ganha a todo o custo e nunca admitas ter errado. Apanhemos a máquina do tempo num regresso ao futuro: “Eu?! Dizer que a covid-16 era só simples gripe? Nunca disse…” 

Foi o começo de uma feia amizade. Expulso da barra dos tribunais de Nova Iorque por falsificar a assinatura de um cliente bilionário, Roy Marcus Cohn morreu de sida, em 1986, dizendo que era cancro no fígado. Deixou a herança a um amante. Casas de luxo e o Rolls Royce de chapa de matrícula com as suas iniciais “RMC” e a da limusina Cadillac: “DJT”, as iniciais de Trump. O herdeiro ficou desiludido, o fisco abocanhou quase tudo por causa dos impostos em dívida. Sobrou um par de botões de punho incrustados de diamantes que Trump lhe oferecera. Nem isso ganhou o herdeiro: os diamantes eram falsos. 

O cínico mestre Roy Cohn havia de gostar desse desfecho: o seu aprendiz iria longe. Talvez até à Casa Branca.» 

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