17.10.20

Perfilados de medo

 


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Sondagem presidenciais 2021

 


Corre pelas redes sociais indignação e pavor por André Ventura vir a seguir a Marcelo. Recordo que, em presidenciais, o pódio só tem um lugar e que não há qualquer campeonato para o segundo. 

Talvez valha mais a pena fazer outro cálculo: os candidatos de direita somam 73% e os de esquerda 24%. E a culpa não é certamente da direita. 

Ler notícia AQUI.
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Viagem perigosa

 


«Este é um Orçamento de emergência social. Suficiente para indignar José Miguel Júdice, distinto representante do egoísmo atávico da nossa elite económica. Mas são aspirinas, sem medidas legislativas, laborais ou fiscais para o que aí vem. E não é um Orçamento contracíclico, que dê músculo ao Estado para manter a economia à tona. Faz-se grande alarido com o aumento em 20% do investimento público. Só que, no governo com as mais baixas taxas de investimento público deste século, a base de partida é baixíssima. Em 2010, na véspera de outra crise, o investimento público foi 60% acima disto. E nem sabemos se será executado. No ano em que o terramoto se vai sentir e na primeira vez em 20 anos em que isso não é exigido pela Europa, o governo quer baixar o défice. Não sendo antissocial, a lógica deste OE não é diferente dos de Passos Coelho: em crise, contenção orçamental. E é um orçamento cheio de habilidades. Para simular um aumento salarial Costa reduziu as taxas de retenção do IRS. A medida é correta, os contribuintes não têm de adiantar dinheiro ao Estado. Mas não se aumenta salário nenhum, porque o que ganham antes não vão receber depois. Como não há coincidências, o antes é antes das autárquicas, o depois é depois delas. Pôs fim às transferências do Estado para o Fundo de Resolução que vão para a trituradora de notas que a Lone Star instalou no Novo Banco. Mas substitui-as por empréstimos bancários. Como os bancos não aumentaram as sua contribuição para o Fundo, será o Estado a pagar. Com juros mais altos. 

Este não é um Orçamento como os outros. Quem o viabilizar será copiloto numa viagem incerta e cheia de curvas perigosas. É legitimo que só corra esse risco se confiar no condutor. Tudo o que o governo transmitiu ao BE foi o oposto de confiança. Foi despiciente nas negociações, repetiu contrapartidas que não cumpriu no orçamento anterior e interrompeu unilateralmente as negociações. Costa estava convencido que, como no ano passado, não precisava de negociar. Catarina Martins olharia para as sondagens e evitaria a crise política. Mas o BE percebeu que, daqui a um ano, o risco de crise política será maior. E o bullying de Costa também. O PS tem uma semana para reaprender a negociar. Como fazia na “geringonça”, mas já sem “parceiros”. Porque, há um ano, não os quis.» 

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Quem não tem cão...

 

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16.10.20

Só pode ser isto

 

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A repressão nada resolve nem substitui

 

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Adriano Correia de Oliveira morreu num 16 de Outubro

 


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Stay Away

 


«Na entrevista que deu ao "Público", o epidemiologista sueco Johan Giesecke deixou alguns avisos interessantes. Não vou escrever sobre a “via sueca”. Como o próprio diz, saberemos no fim se com a sua estratégia terão números semelhantes aos nossos, sempre com o cuidado de não tentar fazer transposições para realidades económicas, sociais, institucionais e culturais muito diferentes. 

Interessa-me o que Giesecke disse sobre a coerência do discurso e das medidas das autoridades suecas: “As restrições e recomendações foram instituídas em Março e não foram muito alteradas. Isso é importante para a forma como o público vê as recomendações e restrições. (...) Vários países impuseram o confinamento, depois abriram o confinamento e a seguir instalaram outra vez o confinamento. Isso confunde as pessoas.” Não há nada mais desgastante do que o confinamento intermitente e espero que nunca cheguemos a esse desnorte que alguns médicos, incapazes de compreender a gestão da psicologia coletiva, já propõem. 

Sem ter voltado a confinar, a coisa mais evidente no discurso público tem sido o ziguezague. Inicialmente compreensível (seguimos todos esse estado de espírito), pela ignorância geral. Agora, é inaceitável. Só que a emotividade geral, que salta da euforia para a depressão, marca a nossa forma de estar no espaço público. Como canta Sérgio Godinho, vivemos “entre o granizo e a combustão”. E há, acima de tudo, pouca confiança nas instituições. E as instituições são, elas próprias, fracas. São fracas porque não confiamos nelas, não confiamos nelas porque são fracas. Tanto dá. Esta falta de confiança faz com que sejam elas a acompanhar os humores dos cidadãos. Não sei se a forma de estar dos escandinavos será excessivamente obediente, mas alguém imagina Portugal a aguentar o número de mortes que teve a Suécia e, mesmo assim, confiar no caminho que está a ser seguido? Nem durante uma semana. 

A comunicação social contribui para esta impossibilidade. É absurda a rapidez com que se chega ao cume da histeria, com telejornais a anunciaram o caos com 135 pessoas internadas em UCI, em todo o país. Também não ajuda a overdose de covid. Mais uma vez, cito Johan Giesecke sobre os anúncios diários de número de infetados: “É demasiado aberto ao acaso. Os números sobem num dia e pensamos que fizemos algo de errado; noutro descem, também por acaso, e pensamos o contrário. Por isso, fazem-se associações aleatórias na narrativa. Seria melhor termos números uma vez por semana.” 

Giesecke tem razão quando defende uma constância nas medidas de prevenção, que não salte do “vão todos para a praia” para o “vamos repensar o Natal”. Que mantenha medidas mínimas e praticáveis, suportáveis pela comunidade durante muito tempo, em vez das exigências irem acompanhando os estados de pânico ou de otimismo da opinião pública. Mas para isso ser praticável era preciso que não sujeitássemos as pessoas a um massacre psicológico diário a que qualquer comunidade acaba por sucumbir e que as pessoas confiassem nas instituições. Ainda assim, podemos tentar. Pedir o possível, mudar pouco, cumprir o pouco possível que é pedido. E baixar os índices de ansiedade. 

É no contexto desta fraqueza das nossas instituições, da dificuldade em preparar o SNS e as escolas para a segunda vaga e de um ziguezague entre a dramatização e a desdramatização que surgem as propostas de ontem, com o regresso ao estado de calamidade. Elas seguem o tal movimento incoerente criticado por Giesecke. Era inevitável que o discurso da responsabilidade individual, que corresponde ao discurso da desresponsabilização do Estado, acabasse com o Estado a fazer o que lhe resta: controlar a responsabilidade de cada um. 

Para mostrar serviço, chegássemos aos limites do exibicionismo desnorteado. As máscaras obrigatórias na rua, de necessidade discutível, até se tornaram secundárias perante a obrigatoriedade de uso da “Stayaway Covid”. Talvez tenha sido essa a sua função. Nenhum governo democrático pode tornar obrigatória a instalação de uma aplicação nos telemóveis de cidadãos, mesmo que seja em contexto laboral ou escolar, como foi anunciado que se vai propor na próxima quarta-feira. O facto da imposição ser impraticável na sua aplicação e fiscalização, não a torna menos grave. Torna-a apenas mais estúpida. Cria ruído sobre as medidas essenciais, banaliza a lei e viola princípios democráticos sem sequer conseguir mais eficácia por isso. 

Mostrar-me-ão muitos números, fazendo por falar mais dos infetados do que dos óbitos. E eu responderei que morreram três mil pessoas nas Torres Gémeas e morrem muitos milhares de pessoas em todo o mundo às mãos de criminosos. E eu não deixo de combater os Bush e os Bolsonaros que por aí andam. Nem uma coisa nem outra me fazem abandonar valores democráticos fundamentais em nome da eficácia. Na sociedade livre onde eu quero viver, ninguém pode ser obrigado a instalar localizadores nos seus telemóveis. E não venham falar das apps que as pessoas voluntariamente instalam. Porque, lá está, é voluntário. Há limites para o show-off para conter danos políticos que qualquer governo sofre com esta pandemia. Esses limites são as portas que abrimos e que, diz-nos a História, nunca mais se fecham.» 

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15.10.20

Falhanço garantido

 


«O uso da aplicação StayAway Covid é voluntário mas o Governo quer torná-lo obrigatório em determinados contextos - “escolar e académico, nas Forças Armadas e nas Forças de Segurança e no conjunto de administração pública”. A proposta tem tudo para ser polémica e já está a sê-lo: as críticas chegam de todos os sectores, nomeadamente daqueles onde o Governo pretende forçar o uso da app. A própria Comissão de Proteção de Dados pronunciou-se mal a decisão do Governo foi anunciada: tudo isto “suscita questões graves”. A Associação dos Oficiais das Forças Armadas vai discutir o assunto em reunião e o presidente avança já ao Expresso, a “título pessoal”, o que pensa do assunto. O líder da UGT desafia o Executivo de António Costa: “Eu não vou instalar e quero ver se o Governo me vai obrigar a fazê-lo”.» 
Expresso 15.10.2020 

E nenhum partido (se calhar nem o PS…) votará a favor da obrigatoriedade de usar a a aplicação. E mesmo que a lei passasse na AR (o que não acontecerá), Marcelo já disse que não a aprovaria sem enviar antes para o Tribunal Constitucional.
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App quê?

 


Se a obrigação de usar a tal app, para a qual não foi possível sequer inventar um nome em português, vier a ser chumbada na AR (como espero e julgo que acabará por acontecer), Costa bem pode comprar alguns sapatinhos novos porque o tiro no pé vai furar alguns. 

(Na imagem, o meu primeiro telemóvel. Tão smart que já me parecia!...)
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Não deixe para o próximo ano o que deve fazer agora

 


«Na verdade, nem há opção, não há alternativa razoável que permita fasear ou adiar soluções. O desemprego real já ultrapassa os 10% e vai subir. As pequenas empresas estão estranguladas pela queda da procura interna. As exportações vão reduzir-se duradouramente, em particular o turismo. Ao mesmo tempo, com um mar de liquidez fornecida pelo BCE e com o aumento das poupanças precaucionárias, o valor dos ativos financeiros e da habitação continuarão elevados, alimentando bolhas perigosas. A fraude instalou-se numa parte do sistema bancário e reclama impunidade, acentuando incertezas e riscos. 

Entretanto, a crise sanitária, que se prolongará no melhor dos casos por bastantes meses, pressiona os extenuados serviços de saúde, as contas da segurança social e o dia a dia das famílias. O ano de 2021, por tudo isto, será um ano de tensão máxima para a vida das pessoas. É portanto melhor que a resposta orçamental não seja, como normalmente acontece em Portugal, uma mão cheia de anúncios e depois uma gota de água no oceano. 

Se quem lê estas linhas se lembrar da promessa de criação de um estatuto para responder às dificuldades de centenas de milhares de cuidadores informais e que se concretizou entretanto numa trintena de pessoas aceites para efeito dos apoios anunciados, percebe o que quero dizer. Neste tempo, a promessa não vale nada, o que se faz é que determina tudo. 

Ora, é nestes meses e no ano que vem que se tem de fazer – e que se pode fazer. Em 2021 não vigorarão ainda as regras europeias de austeridade que obrigarão a espremer o Orçamento em nome do défice, nem as regras que impõem a precarização do emprego, nem as que impedem uma política industrial ativa. Os critérios para determinar os rácios de capital dos bancos estão aliviados neste período e a normalização da vida da banca, sem fraude, seria um alívio para o país. 

Para um governo que saiba o que quer, é agora que pode estimular o investimento, reforçar a proteção social, reconstruir o Serviço Nacional de Saúde, apoiar planos industriais estratégicos, normalizar as regras do contrato de trabalho. Não haverá uma voz no tão temido Olimpo de Bruxelas que se atreva a recusar medidas desse tipo, que aliás outros países já estão a aplicar denodamente, de Espanha à França e à Alemanha. 

Acho mesmo que é uma exuberante demonstração de subserviência autoimposta que o Governo faça constar e um célebre comentador repita com gosto que, se o período experimental voltar a ser de três meses, o que até a troika permitia e só o PS quis ampliar, o governo holandês se abaterá sobre Portugal como um raio celestial e nos cortará os fundos. Tenho pena que se possa descer a esse nível de argumentação, que não tem a menor justificação a não ser um conformismo medroso que se vai tornando a marca da nossa classe dominante. 

Em contrapartida, se em 2022 a economia dos países do centro da Europa estiver em recuperação, as regras orçamentais e a disciplina ideológica de Bruxelas poderão ser de novo grosseiramente impostas e já sabemos como reage a elite portuguesa a essas ordens. Também por razões políticas, é por isso agora que o país pode conseguir uma política económica e social que responda à emergência e, mais ainda, que nos proteja estruturalmente das vagas seguintes. A atual configuração da relação de forças é a única que o pode permitir. É agora ou não será. Será, se o compromisso com Portugal determinar as escolhas dos próximos dias.» 

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14.10.20

Stayaway Covid

 



Desculpem lá… Mas com tanta prosa sobre a Stayaway Covid, não me sai esta da cabeça.
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Corais na Austrália

 


Isto é terrível! Tive a sorte de ainda ver muito - antes desta desgraça e de o Covid me manter por cá em prisão domiciliária. 


«O número de corais na Grande Barreira de Coral, na Austrália, diminuiu mais de 50% desde 1995, alerta um estudo do Centro de Excelência para o Estudo dos Recifes de Coral (CoralCoE), uma entidade australiana que em 2018 já tinha alertado para o desaparecimento dos corais de superfície. O aquecimento global está a perturbar de forma irreversível este ecossistema subaquático, alertam agora num estudo publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society.»
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Um heterónimo conveniente chamado Fundo de Resolução




 

«Quando foi preciso salvar a banca, o governo de Passos Coelho criou, em 2012, um heterónimo do Estado: o Fundo de Resolução. Podia ser para a banca tratar de si, pondo de lado qualquer coisa caso qualquer coisa corresse mal. Mas acabou por ser, como era inevitável que fosse, um fundo público onde a participação dos bancos é marginal. 

O heterónimo serve agora para fazer propaganda. O Bloco de Esquerda e o PCP não querem viabilizar o Orçamento do Estado se ele previr mais um cêntimo que seja para o Novo Banco. Compreende-se: para estes partidos, é suicida estarem associados a este assalto recorrente ao Estado relacionado com uma resolução e uma venda a que se opuseram desde o início. Ainda mais quando temos os dados que nos permitem suspeitar que os contribuintes estão a financiar um banquete para a Lone Star, que voltará a deixar-nos, depois, com o menino nos braços. 

Como resolve o Governo este problema e tenta satisfazer as reivindicações dos partidos à esquerda? É verdade que não transfere nada para o Fundo de Resolução. Deixa que seja ele a pedir emprestado aos bancos. Vou repetir como comecei: o Fundo de Resolução é público e as suas receitas são esmagadoramente garantidas pelo Estado. A divisão é meramente artificial. 

Se os bancos não aumentarem as suas contribuições para o Fundo, e não se prevê que o façam, e lhe emprestarem dinheiro para ele meter no Novo Banco, alguém terá de vir a cobrir essa dívida. Será o Estado, como fez até agora. Este truque de propaganda, que faz o Fundo endividar-se junto da banca para não ser o Governo a transferir o que no fim terá de pagar, até pode, no limite, sair mais caro. Porque os juros que a banca praticará serão sempre mais altos do que os da dívida pública. 

Solução? Uma auditoria para saber se a Lone Star nos está a roubar. Porque nenhum contrato pode obrigar um Estado a ser enganado. Até lá, nem mais um euro para o Novo Banco. Ao exigir isto, nenhum partido está a mudar as linhas vermelhas que se estabeleceram, como diz o PS ao recordar que quem lhe pode viabilizar o Orçamento do Estado só exigiu que de lá não saísse dinheiro para o Fundo de Resolução. Trata-se de não aceitar que a propaganda das aparências, que permite a quem aprova o Orçamento ficar fora da fotografia do Novo Banco, substitua a substância do problema.» 

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OE2021 versus CR7

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13.10.20

Reacção do Bloco à entrega do OE2021

 


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Yves Montand – Seriam 99, hoje

 


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Fátima, 13.10.2020


@Pedro Vieira
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Uma questão de confiança



 

«Nas próximas duas semanas assistiremos à negociação fora da negociação para a aprovação do Orçamento do Estado. O Governo soprou cedências extraordinárias que foi fazendo, o BE já soprou exigências a que o Governo não cedeu. O PAN, embrulhado na sua crise interna precoce, não teve a possibilidade de se defender, mas posso eu fazê-lo: o Governo não cumpriu praticamente nada daquilo a que se comprometeu com os animalistas, no orçamento do ano passado. Como António Costa tem uma boa relação pessoal com Jerónimo de Sousa, dispensa o PCP deste jogo. E o facto das negociações para um Orçamento dependerem tanto das relações pessoais do primeiro-ministro é já um mau sinal. 

Que jogo é este, afinal? É o jogo da perceção pública. Interessa a António Costa passar a ideia de que está a dar tudo e que são os outros, sobretudo o BE, que são pouco razoáveis. O objetivo é aumentar a pressão pública para que o preço de criar uma crise política recaia sobre o Bloco e ele não tenha outro remédio que não seja viabilizar um Orçamento de que discorda no essencial e onde muito pouco conseguiu pôr de seu. Interessa ao BE passar a ideia que o fundamental não foi garantido para reduzir essa pressão e ter mais espaço para negociar ou para votar contra. 

Durante a geringonça, houve alguns jogos assim, em versões muito mais ligeiras. É natural. Mas não só havia um documento que definia as linhas vermelhas e que funcionava como tira-teimas, como havia uma relação política mais distendida e um interlocutor no governo – Pedro Nuno Santos – em quem os parceiros parlamentares do PS confiavam. Quando os acordos se esgotaram, esse rumo comum desapareceu. E Costa mudou tudo. Chutou o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares para cima e, quando as sondagens lhe eram favoráveis, tentou forçar umas eleições antecipadas através da crise artificial dos professores. 

Houve episódios anteriores, mas este marcou o fim da geringonça. E marcou o fim de qualquer relação de confiança entre os partidos de esquerda. Quando, na campanha, o primeiro-ministro garantiu que o BE nada tinha a ver com o nascimento da geringonça fechou definitivamente o ciclo, o que se confirmou com a recusa de qualquer acordo escrito depois das eleições. Costa fez essa escolha de forma consciente e deliberada, não tentando sequer passar a ideia que estava a tentar negociar um acordo com o BE para a legislatura. Pensar que depois disto este governo poderia depender exclusivamente do BE só pode resultar de um enorme cinismo político. 

Não sei se o BE se verá obrigado a viabilizar mais este Orçamento. Se o fizer, sem cedências muito mais significativas do que as que conhecemos, será apenas por medo das consequências políticas de uma crise. E sabendo que, tal como sucedeu na crise dos professores e na última campanha, será abandonado à beira da estrada mal isso favoreça Costa. Catarina Martins sabe que Costa não lhe propõe uma parceria, mas uma armadilha. E isso torna qualquer negociação numa charada insuportável. 

Algumas pessoas espantam-se por eu, que defendi desde a primeira hora um acordo à esquerda, andar a defender que esse acordo só deve acontecer com grandes cedências de Costa. Faço-o por três razões. 

Primeira: não defendo acordos que não sejam politicamente benéficos para todas as partes. Um acordo em que uma parte se sente perdedora está condenado a falhar. 

Segunda: os acordos entre forças políticas devem existir quando as une um objetivo comum - na legislatura anterior, era a reversão de uma ofensiva sem precedentes do governo mais à direita que a nossa democracia já conheceu. Se é para ter apenas um acordo de regime deve ser entre as duas forças que historicamente têm capacidade de governar. 

Terceira: os acordos dependem de relações de confiança que se alimentam e cultivam. Não é por acaso que a AD entre Marcelo e Portas morreu. Essa relação não existia. Também não acontece, há pelo menos dois anos, entre António Costa e Catarina Martins. Costa detesta o Bloco e a sua líder e é incapaz de o disfarçar, mesmo em público. E isso em política também conta. Sobretudo com um primeiro-ministro tão visceral. 

As sucessivas cedências a uma chantagem continuada, para evitar uma crise política, só podem resultar numa derrota e esvaziamento dos partidos à esquerda do PS. Num tempo em que a direita está em crise, a extrema-direita em crescimento e o centro-esquerda a fazer a mera gestão quotidiana, esse esvaziamento teria um custo político que desestruturaria o nosso sistema partidário. Olho para o resto da Europa e sei que não o quero. 

António Costa ajudou a construir a improvável geringonça, num momento em que estava frágil. Quando se sentiu forte, não a soube preservar. Está a pagar o preço disso. É tudo uma questão de confiança.» 

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12.10.20

Mariana Mortágua sobre OE2021, hoje

 


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12.10.1960 - O sapato de Nikita

 


Quem já era gente há 60 anos lembra-se certamente deste episódio cujas imagens deram volta ao mundo, quando este era muito mais sorumbático e politicamente respeitador do que hoje: durante uma agitadíssima Assembleia Geral da ONU, Nikita Kruschev tirou um sapato e bateu furiosamente com ele na sua bancada. 

O incidente produziu-se num momento de grande tensão na Guerra Fria, cinco meses depois de um avião-espia americano ter sido abatido em território soviético e quando o recentíssimo governo de Fidel Castro se aproximava cada vez mais da URSS. 

Na origem do gesto de Kruschev esteve uma intervenção do representante das Filipinas, em que este acusou a União Soviética de «colonizar» os países da Europa de Leste e os privar de direitos civis e políticos. 

Seguiu-se uma sequência rocambolesca: Nikita protestou com o sapato, o presidente da Assembleia tentou controlá-lo batendo na mesa com um martelo, partiu-o, apagou a comunicação das traduções simultâneas e interrompeu a sessão. 



(Fonte)

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Um Governo que alimenta vícios

 



Quando a velha Raspadinha já é um gigantesco vício dos pobres, o governo cria outra para financiar a «Salvaguarda do Património Cultural»? Qualquer raspadinha alimenta o vício do jogo, já hoje inacreditável. Porque não vender vinho ou tabaco para preservar o Património? Vício por vício…
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Será suficiente para termos Natal?

 


«Esta semana poderão ser anunciadas mais medidas de combate à expansão da covid-19. Tendo em conta que nos últimos dias 67% dos novos casos tiveram origem, segundo a Direção-Geral da Saúde, em convívios familiares e em festas de jovens universitários, um dado é certo: é impossível legislar sobre o que se passa dentro da casa de cada um de nós. 

Assim, numa altura em que os números de novas infeções fazem soar todos os alarmes no setor económico e no Serviços Nacional de Saúde, e afastada que está a hipótese de um novo confinamento, percebem-se os apelos insistentes do Governo e da Presidência da República à responsabilidade pessoal. Será suficiente para termos Natal? A ideia que fica é que não. O regresso às aulas e o cansaço que a pandemia impôs às pessoas não explica tudo e é evidente que, um pouco por todo o lado, se percebe que o relaxamento quanto à prevenção aumentou. Festas em discotecas interrompidas, espaços de restauração sem o distanciamento obrigatório entre mesas ou confraternizações na via pública estão à vista de todos. 

Não causará qualquer surpresa, portanto, que o uso da máscara social passe de uma recomendação a uma obrigatoriedade em todos os espaços abertos, com as devidas exceções, ou que os horários e a lotação de restaurantes, cafés e outros espaços comerciais sejam de novo revistos. Porém, antes de serem divulgadas mais restrições, há muito para afinar. Não apenas nos processos técnicos, como melhorar a rapidez dos resultados dos testes e a identificação dos contactos com casos positivos, de forma a controlar as cadeias de transmissão, mas também na pedagogia e na uniformidade das medidas. Até para que os portugueses não fiquem ainda mais confusos, sob pena de o desleixo nos cuidados sanitários essenciais para prevenir a doença aumentar.» 


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11.10.20

Hier encore...

 

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Claro que é assim...

 

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Corona c'est moi

 


«E não perca as aventuras desta semana! O nosso herói venceu o vírus e saiu do hospital ileso, sem máscara, pronto a enfrentar o real varandim da Casa Branca e a mostrar aos fiéis, à América e ao mundo que a única coisa que correu mal foi a maquilhagem, excessos do pessoal das cosméticas, alguém usou e abusou da base laranja que prometia dar ao curado um halo bronzeado e incrivelmente saudável, como se ele tivesse acabado uma partida de golfe ao sol de Palm Beach. Degenerou em vermelhão, mas o nosso herói continua heroico e, mais ainda, imune ao vírus. O próprio corona ter-se-á sentido mal depois de infetar o Presidente e circulou para pastagens mais simples de contaminar, infetando não apenas a Casa Branca como o Pentágono. O líder do mundo livre é agora o maior superspreader de Washington, contribuindo para aumentar as cifras de infeção. Tudo o que sobe é bom. 

Algures em Pequim, a nomenclatura chinesa teve um ataque de riso que ainda dura, riso até às lágrimas. Mal sabem o que os espera. E algures em Moscovo, o grande Putin, na sua bolha de plástico, onde recebe convidados borrifados com lixívia, afirmou aos íntimos que o Trumpovski era mais fácil de envenenar do que o Navalny, mas não era preciso, o herói é um aliado da grande Rússia. Nunca a América foi tão grande em mortos e infetados. 

O eminente Dr. Fauci chorou no recato do lar, quando soube da cura. E quanto à maquilhadora que se enganou na cor, já está infetada. O cabeleireiro também, mas como o Presidente não confia num desses gays liberais que pululam no sector decidiu que o homem das lacas e dos pentes continuava ao serviço, infetado ou não. A estopa tem de se manter firme, como o nosso herói. E o resto? Corona c’est moi. Nem Luís XIV teve um tal poder sobre os elementos e a natureza. O imortal Luís XVI, o homem que inspirou os decoradores da Trump Tower e de Mar-a-Lago quando encomendaram os doirados, os rococós e os brocados. O nosso herói só teve dúvidas sobre a meia de seda e o sapato de fivela da época, demasiado maricón

Nos episódios desta semana confirma-se o que se suspeitava, que um Presidente com esteroides é o que a América precisa para ser great again! Já tínhamos o capitalismo com esteroides, uma sábia definição, passamos agora para o estádio superior, um Presidente insuflado com química que se sente melhor do que há 20 anos e que afirma aos íntimos, todos infetados, que está a ganhar músculo em lugares inesperados. Os olhos cintilam com a vitória eleitoral que se adivinha, apesar das sondagens. Também Hillary tinha as sondagens a favor e viajou na maionese na noite de novembro em que foi derrotada pelo nosso herói. O homem faz chorar os inimigos, e Biden terá a sua dose de pranto quando as manobras das bases e das milícias armadas nos locais de voto consagrarem o nosso herói como o líder da nação temente a Deus. Já foram encomendados esteroides que mantenham o feelgood factor até ao dia 3 de novembro. Vários republicanos estão também a encomendar a dose, para os energizar para a campanha sem máscara e sem cautelas. O velho Mitch McConnell, a cair da tripeça, quer a receita e tem esperança que lhe afine a voz de sapo. O venal Lindsay Graham, aflito com a sinecura, quer a dose para poder continuar a mentir e a sentir-se como um milhão de dólares. Um assento no Senado não tem preço. Euforia precisa-se. 

Quanto ao nosso herói, derrotou todos os snowflakes liberais com a recuperação milagrosa, incluindo os idiotas que lhe desejaram as melhoras. Os flocos de neve não aprendem, não basta vencer o inimigo, há que aniquilá-lo. O nosso herói dispensa a piedade dos fracos. Os snowflakes ainda não perceberam que o nosso herói não é humano. É mitológico. Nasceu de Zeus, o deus dos deuses, o Trump do Olimpo, e de uma perna de vaca com a qual Zeus procriou julgando-a uma deusa disfarçada que a sua luxúria cobiçava. Deste ato nasceu Donald, tal como Hércules nasceu de uma mulher, Alcmena, filha de Electrião, e do deus de todos deuses, noutro inspirado momento de erotismo grego. Hércules, meio irmão de Perseu, sendo também bisavô de Hércules. Os gregos são confusos. 

Donald é o Hércules da televisão, o Hércules do Twitter, o Hércules da construção civil. Pelo menos, foi a história que o protofascista Stephen Miller contou, antes de cair infetado. O Perseu é quem? Não me chateies com pormenores, não te armes em doutor, quero lá saber do Perseu, ninguém conhece o Perseu, o herói é o Hércules. E isso da perna de vaca, substitui por uma loiraça tipo páginas centrais da “Playboy”, uma mulher nota 10. Não vou ter como mãe a perna da vaca, já basta aquele livro da minha sobrinha a inventar coisas sobre a minha mãe ser uma bruxa má. Põe lá um mulherão na minha árvore genealógica, se tem de ser. A Melania não vai gostar. 

Stephen prometeu podar a dita árvore enquanto media a febre. Até o Giuliani parece que está com o bicho, deu uma entrevista à Fox News em que se fartou de tossir enquanto esperava os resultados do teste. Fracotes. O nosso herói nunca tossiu, nunca teve febre, tirando as bilhas de oxigénio e as misturas de esteroides e antivirais não comercializados e que só são dados aos vip. Na verdade, o nosso herói nunca esteve doente. O resto, são danos colaterais, infeções acidentais. Os deuses e heróis gregos também matavam uma data de gente da própria família. 

Algures em Pequim, o Presidente Xi Jinping continua a enxugar os olhos quando lhe contam as novidades. Fica exausto de tanta gargalhada e contente pelas boas notícias da América e de Hong Kong. A vida não podia correr melhor. Não eram precisas estratégias nem iniciativas para derrotar os americanos, derrotavam-se a eles mesmos. Os conselheiros e demais membros do Politburo acenaram com a cabeça, sufocando o riso. 

Não sabem o que os espera. O Pompeo prepara um ataque a Wuhan. E os 200 e tal mil mortos? O nosso herói encolhe os ombros. Deixaram que o vírus dominasse as suas vidas. Deixaram que fosse o corona a mandar. Ora a positividade manda que uma pessoa permaneça positiva. Positiva enquanto positiva, no bom sentido. O nosso herói é positivo, duplamente positivo, resiste a tudo. Passem o corticoide. Está inflamado.»