9.1.21

Madrid hoje

 


(Daqui)
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Joan Baez, 80

 


Nasceu em 9 de Janeiro de 1941, cantou durante décadas em várias arenas, lembra-nos Wookstock, lutas pelos direitos dos negros, activismo contra a Guerra do Vietname, várias detenções como, por exemplo, em 1967, em Oakland, numa das dezenas de manifestações que tiveram lugar em cerca de 30 cidades dos Estados Unidos. 

Ficam, para nunca esquecermos, algumas das suas interpretações: 











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Os ratos a fugir do navio: trumps, trumpinhos e trumpões nacionais



 

José Pacheco Pereira no Público de hoje: 

«Aconteceu o que tinha de acontecer. Não me venham com surpresas, ou com “excessos” – era tão evidente que Trump iria tentar um golpe de Estado, primeiro através dos seus gnomos a pôr em causa os resultados eleitorais e a criar o ambiente para a insurreição do dia 6, com a tentativa de invadir e ocupar o Congresso e “kick the ass” aos “republicanos débeis” que não iam recusar certificar as eleições. 

A coisa correu mal. Há muito tempo, Trump escreveu que tinha consigo os americanos com armas, os polícias e os militares. Os americanos com armas, em particular as milícias armadas que proliferam em vários estados a começar pelo Michigan, a que se juntaram os Proud Boys, esses, estiveram e estão com Trump. Entre os políciastem alguns apoiantes, como se vê com o que se passou há dias, com polícias a pastorearem os invasores e a tirar selfies com eles. Nem todos, mas bastantes. Entre os militares não tinha e não teve, e foi isso que fez toda a diferença. 

Trump teve e tem os seus seguidores em Portugal. Há um caso peculiar de um nosso Stephen Miller, João Lemos Esteves, que escreveu um livro panegírico de Trump, e é colaborador regular do i e do Sol. Quando ele começou nos blogues, ainda pensei que se fazia, mas não só não fez, como se tornou um objecto de ridículo, num culto de extrema-direita e de sionistas, que faz tudo para que lhe dêem alguma benesse. 

Num artigo no Sol, com as habituais mentiras, escrito já depois da insurreição dos trumpistas americanos, repete uma descrição absurda do que se passou. Nunca me ouvirão dizer que estes artigos devem ser censurados, pelo contrário, mas as falsidades e mentiras, essas, devem ser denunciadas. Começa por um treta cómoda mas sem sentido: “Não há violência de esquerda e violência de direita – há violência, que a comunidade não pode tolerar.” Dita por obrigação e desculpa, visto que estes trumpistas estão na defensiva, a frase dá chumbo em qualquer exame de Ciência Política. 

Porém, o que vem a seguir mostra o grau de alucinação conspirativa em que se vive. O artigo é escrito contra a apologia de violência… por Joe Biden. E, mais, foram os Antifas que invadiram o Capitólio: 

“O que vimos ontem tem todos os ingredientes de uma operação de falsa bandeira: até a circunstância da estranheza de como grupos contestatários foram facilmente placados quando tentaram entrar em assembleias legislativas dos estados – e, por contraste, entraram tão facilmente no Congresso dos EUA. Sem teorias da conspiração (que repudiamos); sem teorias da ocultação (que combatemos democraticamente). 

“Mais importante: o Presidente Trump mostrou ser um verdadeiro estadista, por contraponto a Biden. Trump não referiu que os protestantes eram apenas uma ideia ou estavam apenas exigindo o cumprimento da Constituição – não. Exigiu que fossem rapidamente para casa e até ordenou, ao contrário do que Mike Pence e do Defense Department queriam, a mobilização da Guarda Nacional para conter os manifestantes. Que contraste, em defesa da democracia e da segurança, com Joe Biden!” 

Onde é que este homem vive, fora das páginas do Twitter do i e do Sol? Trump não só apelou à invasão do Capitólio, dizendo que se lhes ia juntar, e depois foi ver comodamente pela televisão, como atrasou quanto pôde o envio da Guarda Nacional e elogiou publicamente os manifestantes em termos inequívocos, ao mesmo tempo que repetia as falsidades sobre as eleições. Como acontece com os covardes, só quando as coisas começaram a correr muito mal, quando houve mortos, é que fez uma declaração de condenação, mesmo assim saída pela garganta com grande dificuldade. Claro que, como foram os Antifas a invadir o Capitólio, Trump já os podia condenar. 

Este e outros artigos são de um enorme ridículo, mas pelos vistos o seu autor acredita que Trump “vai apenas para férias” e que a “família Trump, com o seu capital político, terá ainda muito que dar” ao mundo. Citá-los é dar-lhes um estatuto que eles não têm. Mas isto é o trumpismo sem disfarces, o menos importante. O mais importante trumpismo nacional não ousa nomear o nome de Trump, mas apoia a inflexão populista e elogia-a. 

Agora estão caladinhos. Em blogues de extrema-direita como o Blasfémias, ou da ala da direita radical nostálgica do PàF, ou em particular no Observador, não faltam artigos em defesa de Trump, das suas políticas, muitas vezes aparecendo apenas como comentários contra os democratas, e o Black Lives Matter. Trump é demasiado histriónico e pouco educado para os nossos direitistas, que se classificam como conservadores e que não gostavam da propensão do homem para o insulto soez. Mas gostavam das suas políticas, projectavam-nas para os projectos políticos nacionais, a começar pelo Chega, mas indo mais significativamente para os think tanks que têm vido a proliferar na direita radical portuguesa, influenciando o CDS e o PSD, mas acima de tudo os mecanismos comunicacionais. Aí, numa linguagem mais educada, o elogio a Trump foi evidente, manifestado nas opções de voto em Novembro de 2020, nas análises geoestratégicas, no elogio à redução dos impostos, na cobertura pró-sionista e pró-Arábia Saudita no Médio Oriente e na sistemática desculpa dos excessos de Trump. 

Trumpinhos e trumpões vão continuar por cá. Sofreram uma derrota importante, mas a deslocação à direita e o populismo são a sua única esperança eleitoral e representam uma política que lhes agrada. É por isso que a procissão ainda está no adro, não da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, mas do clube de golfe de Mar-a-Lago. Isto, se o homem não for preso.» 
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8.1.21

Pode ser que ele apareça...

 

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Marisa Matias versus André Ventura

 


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Saia de cena, senhor Ventura



 

«A participação de André Ventura na campanha eleitoral é um espetáculo indecente e insultuoso. A democracia e os democratas não podem pactuar com a violência permanente contra as pessoas, contra as minorias, contra classes sociais, contra o Estado e as suas instituições, contra a Constituição da República. Sim, André Ventura é um perigo para a democracia e para a coesão da nossa sociedade. 

O candidato do Chega, que professa a mesma ideologia extremista que outros partidos congéneres na Europa, viola permanentemente de maneira grosseira a Constituição da República, mente e manipula com a maior das canduras, ignora os contextos para fazer acusações que são uma distorção da realidade, e certamente que iniciaria as “limpezas” de que tanto gosta de falar em partidos políticos, sindicatos e outras organizações, fazendo eco das práticas das ditaduras. 

Também afirma que nunca seria o Presidente de todos os portugueses, sobretudo de alguns menos afortunados com a vida, pertencentes a determinadas classes sociais, ou de certas origens étnicas ou religiosas, embora não se saiba que tipo de “limpezas” lhes estariam destinadas se por acaso viesse a ocupar algum cargo que lhe desse esse poder. 

É totalmente inaceitável que no debate com Marcelo Rebelo de Sousa tenha mais uma vez violado a Constituição ao usar de forma abusiva uma foto de um grupo de sete pessoas do Bairro da Jamaica, sem nenhum respeito pelos homens, mulheres e até uma criança que estavam com o Presidente, que as visitou na sequência de acontecimentos de violência policial. 

As imagens que então ficaram conhecidas eram bem evidentes sobre o abuso da violência que alguns polícias exerceram sobre um grupo de pessoas indefesas, incluindo uma mãe que queria proteger o filho. Foi essa circunstância que levou o Presidente a visitar o bairro e a encontrar-se com essas pessoas originárias de países africanos de expressão portuguesa. 

O candidato do Chega, travestido de justiceiro e mestre na arte da manipulação, está claramente apostado em despertar os sentimentos mais básicos de algumas pessoas que se identificam com o racismo, xenofobia e a violência que exala, não hesitando em desconsiderar outros seres humanos menos afortunados socialmente, e por isso exibiu aquela foto de forma insultuosa para quem é deputado e candidato ao mais alto cargo da nação. 

Ao mostrar a fotografia, disse com toda a impunidade que se tratava de uma foto com “a bandidagem”. Dizer isto de pessoas que não se conhece, tenham ou não cadastro, e que certamente não será o caso da criança, é uma vergonha para quem quer ser Presidente da República e tem um cargo eletivo no Parlamento. É inaceitável que o candidato André Ventura faça uma demonstração tão abusivamente xenófoba e racista através da televisão, que inclui nesses comentários infelizes uma criança, violando de forma grosseira a Constituição da República em muitos dos seus artigos. 

Basta citar o art. 26.º para ilustrar a falta de condições para o candidato da extrema-direita continuar a sua campanha, porque jamais poderia respeitar a Constituição. Diz o referido artigo, no ponto 1, que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento, à personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”. 

Aquilo que Ventura faz é espezinhar sem escrúpulos cada um destes muitos preceitos constantes neste artigo. Quem o autorizou a utilizar a foto com todas aquelas pessoas para lhes chamar bandidos? Que autoridade tem para destruir o bom nome e reputação de todas aquelas pessoas, incluindo de uma criança? Quem o autorizou a destruir a reserva de intimidade privada e familiar das pessoas na foto, mostrada para centenas de milhares de pessoas em todo o país? 

Isto é verdadeiramente ignóbil e uma forma de fascismo que não se coaduna com os valores humanistas de Portugal nem pelo respeito da Constituição e da Lei. Aquilo que faz não é ser politicamente incorreto. É não ter escrúpulos, utilizando vidas de pessoas como meios para atingir os seus fins com objetivos eleitorais e de promoção pessoal. 

André Ventura não tem condições para continuar como candidato à Presidência da República nem tão pouco como deputado, por estar a fazer incitação ao ódio, contra o que estabelece o art.º 240 do Código Penal, ao rotular de forma infundada um grupo de pessoas de origem africana como bandidos. Saia de cena, senhor Ventura!» 

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7.1.21

Capitólio


 

Não consigo imaginar qual teria sido a minha reacção se me tivessem mostrado as imagens de ontem quando eu tirei esta fotografia ao calmíssimo Capitólio, em 2019, numa das minhas últimas viagens pré-Covid. 
Trump e a pandemia levaram-nos para outra plataforma das nossas vidas e não está a ser nada bonito.
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07.01.2021 – Comunicado do Conselho de Ministros

 


«O Conselho de Ministros aprovou hoje o decreto que regulamenta a prorrogação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, em todo o território continental, no período entre as 00h00 do dia 8 de janeiro de 2021 e as 23h59 do dia 15 de janeiro.»
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EUA, 06.01.2021

 





Duas das muitas imagens que ficam para a História.
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10 027


 

«10 027. O número foi repetido à exaustão em notícias e análises, mas vale a pena fixá-lo, repeti-lo, para que não nos deixemos anestesiar na rotina de uma pandemia que se arrasta sem fim à vista. 

O recorde no valor de novas infeções diárias chega precisamente quando se atingem picos de afluência nas urgências, agravando a pressão sobre os serviços de saúde. Pior, chega quando ainda se aguarda um retrato detalhado da situação epidemiológica, que só deveremos conhecer na próxima semana. 

Era esperado que a abertura permitida nos dias de Natal tivesse impacto. Ainda o ano estava a virar a página e já se sentiam oscilações nos relatórios diários a fazer adivinhar o que aí vinha. Ainda assim, a reunião de peritos foi deixada para dia 12. Tarde para perceber ao pormenor o que estamos a viver. Mesmo que o Governo se antecipe e aprove desde já medidas mais duras, estará a fazê-lo sem o rigor de uma leitura fina essencial para fundamentar as decisões políticas. 

Habituámo-nos às disparidades de números locais ou à demora dos relatórios oficiais em traduzirem as oscilações por concelho - a cada segunda-feira, oferecem-nos um retrato que já é servido com oito dias de atraso. Habituámo-nos a um estado de emergência constante e com prolongada renovação de medidas, que acaba por ter um efeito de adormecimento. Sabemos ainda, todos, exatamente as restrições em vigor? 

A luz ao fundo do túnel, expressão tantas vezes repetida para traduzir a esperança trazida pelo início da vacinação, poderá ter induzido uma falsa sensação de conforto. A maratona está longe do fim e é marcada pela incerteza. Desconhecemos, em Portugal e na Europa, quase tudo: a que ritmo chegarão as vacinas (e decorrerão novas aprovações de outros laboratórios), que percentagem de população teremos de inocular para atingir a imunidade de grupo, quanto tempo durará a proteção conferida pela vacina. 

Não é ainda o momento de baixar a guarda. Ou de demorar a avaliar a situação e a aplicar as devidas medidas. É o momento de detalhar diagnósticos e comunicar com clareza. Explicar exatamente onde estamos. E o que fazemos para evitar que os números continuem a galopar. E temos que ser rápidos. Fechar o país por incapacidade de antecipar, e de gerir com base em dados fiáveis, é voltar a morrer da cura. Mesmo que a principal responsabilidade seja nossa, por termos sido irresponsáveis.» 

6.1.21

Antes que o dia acabe

 


Comam Bolo-Rei, republicanos, comam Bolo-Rei.
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Sabia-se que isto ia acontecer!

 


Houve Natal de 2020 para termos este Janeiro de 2021?

(Expresso, 06.01.2021)
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10 027 novos casos




 


Alguma surpresa? Com quatro dias de facilidades proporcionadas no Natal, talvez únicas quando comparadas com países em situações semelhantes à nossa, em que as famílias alargadas se contaminaram, horas e horas sentadas à mesa a comer rabanadas, esperava-se o quê? E atenção porque os números do Ano Novo ainda só estão a chegar, se é que já estão incluídos alguns.
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A transição climática ou é inclusiva ou falha

 


«A evidência acumulada durante as últimas seis décadas das alterações climáticas é irrefutável. Hoje, sabemos que elas resultam do aumento acelerado da concentração de gases de efeito de estufa (GEE) na atmosfera. E sabemos porque fomos capazes não só de medir, como de prever e de aferir essas previsões. A minoria dos que ainda duvidam é hoje insignificante e, quase inconsequente. 

E sabemos muito mais: a) que o principal GEE atual é o CO2; b) que a sua origem provem do consumo acelerado das vastíssimas fontes de energia fóssil que o planeta possui, e que são de fácil acesso; c) que a população mundial continua a crescer 1% ao ano (são mais 70 milhões anualmente); d) que mais de 80% dessa população continua a aumentar o seu consumo de energia per capita; e) que os oceanos continuam a ser o sumidouro mais importante deste GEE; f) e que as florestas, o segundo sumidouro mais importante, estão em franco declínio. 

Mas foi só há 25 anos, reconhecendo o impacto global crescente dessas alterações climáticas na saúde, no ambiente, na economia e na segurança das populações, que 117 países se reuniram em Berlim, criando o primeiro Grupo de Trabalho dedicado a este tema. Foi a primeira das Conferências das Partes (COP1) e estando a vigésima sexta planeada para fins de 2021, com o objetivo reconhecido e reforçado de conseguir que as concentrações de CO2 deixem de aumentar ao ritmo atual e que em breve seja possível começar a reduzir essas concentrações. Com a população do planeta a crescer e com a maioria dessa população a querer ter o mesmo nível de conforto energético da minoria dos que vivem nos países mais desenvolvidos, só existem três formas de o conseguir: fazer uma transição rápida para fontes de energia renovável, aumentar a eficiência energética dos produtos, ou aumentar a capacidade de captação do CO2. O mais seguro e o mais desafiante em termos de inovação, seria explorar todas estas vias. 

A primeira boa notícia é a do enorme progresso conseguido nas últimas décadas. Em custos de produção, a energia renovável já é competitiva em comparação com outras fontes de energia. A inovação nesta área é espantosa: o custo de energia produzida pelos atuais painéis fotovoltaicos baixou 250 vezes comparado com os iniciais. Mas a energia eólica, a hidroelétrica, a solar térmica, a geotérmica ou das ondas e marés, continuam a trazer novidades todos os dias. Talvez a mais controversa neste momento seja a do hidrogénio verde. Apesar de estar ainda longe de ser a mais competitiva, tem a grande vantagem de ter como produto final da combustão, a água. 

Em relação à eficiência energética é difícil exagerar a sua penetração no mercado. Na construção civil, nos transportes, nos eletrodomésticos já todos sabemos o que querem dizer as letras de F a A até AAA+++. No que diz respeito à captação do CO2, muito trabalho tem sido feito, mas a sua penetração no mercado ainda é reduzida. 

Infelizmente, nem todos conseguem ter acesso a muitos destes avanços. A designada “pobreza energética” afeta milhares de milhões de cidadãos. E o número de “refugiados climáticos” não para de crescer. 

A segunda boa notícia é que Europa decidiu ser neutra na contribuição de GEE até 2050, que Portugal é provavelmente o país que vai mais à frente nesta corrida e que a proposta de Lei de Bases da política climática que o PS submeteu é ambiciosa mas realista. A terceira boa notícia é a de que existe consenso significativo entre os partidos políticos representados na Assembleia da República sobre a importância deste desafio. E não tenho qualquer dúvida de que todos querem que a Lei de Bases a ser aprovada seja construída baseada no conhecimento atual mais robusto. 

Não é novidade para ninguém, os imensos interesses económicos subjacentes às áreas da produção, do armazenamento, da distribuição e do consumo de energia nos mais variados setores (indústria, agricultura, transportes, pescas, urbanismo etc). Mas os desafios sociais não são menores. Alterar o statu quo nem é fácil nem necessariamente acessível. Perceber a diversidade dos desafios que a sociedade civil enfrenta é crucial. Esclarecê-la sobre formas mais inteligentes e integradoras de lidar com os mesmos fará parte do trabalho político que terá de ser feito com investigadores, autarcas, ONG e empresários na construção desta Lei. 

No desafio do clima, a inclusão não é só uma oportunidade, é fundamental. Sem ela, nem a nível local, nem a nível global haverá solução.» 

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5.1.21

A imunidade do Governo

 

«A sucessão de trapalhadas envolvendo ministros e ministérios, não deixando ninguém indiferente, é tão significativa que já quase nem surpreende, podendo esse fator estar a contribuir para a aparente imunidade do Governo. As polémicas mais recentes abalaram os gabinetes de Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, e Francisca Van Dunem, ministra da Justiça. 

No xadrez de António Costa parece ser sempre assim, aconteça o que acontecer, só caem os peões, e nessa queda é sustentada a continuidade das peças mais proeminentes. Eticamente pouco recomendável, a estratégia parece ser correta politicamente na perspetiva do PS, se olharmos para as sondagens. Se calhar, os portugueses têm medo de sentir saudades deste Governo. Se atentarmos no facto de "saudade" ter sido a palavra do ano em 2020, superando "pandemia" e "covid-19", pode fazer sentido.» 

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Luiz Pacheco morreu há 13 anos

 


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Não havia necessidade, Ana Gomes

 



POLÍGRAFO:


"Há cinco anos, eu fui candidata à Presidência da República e, na altura, Ana Gomes até propôs ao seu partido apresentar Maria de Belém como candidata. Portanto, não me apoiou", afirmou ontem Marisa Matias, candidata à Presidência da República apoiada pelo Bloco de Esquerda. 
Ana Gomes interveio prontamente, negando a alegação. "Não, eu apoiei Sampaio da Nóvoa", recordou. 
"Não, isso foi o apoio, eu estou a dizer a sugestão inicial", retorquiu Marisa Matias. Mas a antiga eurodeputada do PS voltou a negar: "Não, isso é um erro"

«Não há dúvida de que Ana Gomes sugeriu Maria de Belém como candidata. No entanto, posteriormente, em janeiro de 2016, Ana Gomes seria anunciada como uma das mandatárias da campanha de António Sampaio da Nóvoa, um candidato independente que viria a dividir o eleitorado do PS nas eleições presidenciais de 2016. 
Ora, a primeira afirmação de Marisa Matias ainda poderia suscitar a dúvida sobre se se referia apenas a sugerir ou também a apoiar Maria de Belém. Contudo, Marisa Matias especificou logo a seguir que se referia à "sugestão inicial" e, mesmo assim, Ana Gomes voltou a negar, dizendo que "isso é um erro". Na realidade, não é um erro. O facto é que sugeriu mesmo Maria de Belém como candidata apoiada pelo PS, embora depois tenha decidido apoiar Sampaio da Nóvoa.»
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João Cutileiro (1937-2021)

 


Desaparece mais um dos muito bons.
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O povo da Esquerda e as presidenciais

 


«O candidato Marcelo Rebelo de Sousa pode estar à frente nas sondagens, e a experiência pode dizer-nos que todos os presidentes foram reeleitos à primeira volta, mas nenhum destes factos deve tornar a eleição presidencial numa formalidade. Essa é precisamente a estratégia de Marcelo. 

Tendo assumido o primeiro mandato na sequência do trauma Cavaco e com a Direita em cacos depois da austeridade, o presidente procurou não afrontar gregos nem troianos, dando quase sempre uma no cravo e outra na ferradura. O Governo agradeceu a blindagem política em certos temas essenciais que quis vedar à Esquerda: o trabalho, a Banca e a recuperação do SNS. Não é por acaso. São estes os temas em que o PS frequentemente vota com a Direita, e Marcelo é, no fim de contas, o candidato desse compromisso. 

Marcelo Rebelo de Sousa não apoiou a criação do SNS. A sua visão sobre o negócio da Saúde ficou clara quando, mesmo durante a pandemia, usou os seus poderes para obstaculizar a requisição dos serviços privados a preço de custo e a sua subordinação ao SNS. 

E não é preciso recordar as palavras do comentador Marcelo a garantir ao povo a solidez do BES para sabermos que, enquanto político, aceitou e protegeu a Banca do regime. Juntou-se ao centrão para apresentar como inevitáveis as vendas ruinosas do Banif e do Novo Banco. Quase exigiu a demissão do ministro das Finanças no polémico caso das declarações de rendimentos dos gestores da Caixa, mas nunca criticou os contratos abusivos assinados por Centeno - contratos que o país hoje paga bem caro. 

Não foi com os seus afetos que os trabalhadores despedidos sob a pandemia puderam contar. E das leis laborais só quis saber para as degradar com o alargamento do período experimental para seis meses. 

Ao votarmos, não é indiferente sabermos que Marcelo se opôs ao Tribunal Constitucional quando este impediu os cortes nas pensões feitos por Passos Coelho. Ou que normaliza a participação da extrema-direita em futuros governos. Marcelo facilitou tal aliança nos Açores muito antes de, como fazem em França ou na Alemanha, ter esgotado as possibilidades de um compromisso republicano. 

Que voto pode contribuir para romper os bloqueios na saúde, no trabalho, na Banca? Que voto é mais útil para alcançar os compromissos exigentes que Marcelo e Costa querem adiar? Responder a estas perguntas pensando no dia seguinte, eis o desafio colocado ao povo da Esquerda nestas presidenciais.» 

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4.1.21

Ora bem...

 

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Debates Presidenciais

 


Hoje, 04.01.2021:

* Marcelo Rebelo de Sousa / João Ferreira: TVI, 21:00
* Marisa Matias / Ana Gomes: SIC Notícias, 22:00
* Vitorino Silva / André Ventura: RTP3, 22:45
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De que maneira a covid-19 poderá mudar o mundo?

 


«A covid-19 está a devastar o mundo. Está num processo de infetar muitos (talvez até a maioria) de nós, matando alguns, bloqueando as nossas relações sociais normais, interrompendo a maioria das viagens internacionais e destruindo as nossas economias e o comércio. Como será o mundo daqui a alguns anos, depois de ter passado esta crise aguda? 

Existe uma suposição generalizada de que em breve estarão aprovadas vacinas para nos proteger contra a covid-19. Infelizmente, essa perspetiva ainda é muito incerta. As doenças variam no seu potencial para serem prevenidas por vacinas. 

Algumas vacinas - contra a varíola e a febre-amarela, por exemplo - oferecem proteção por décadas ou por toda a vida; contra a gripe, contudo, só o fazem por menos de um ano. E ainda não existem vacinas contra a malária e a sida, apesar dos enormes esforços investidos no seu desenvolvimento. A gripe sofre mutações frequentemente, ou as suas várias estirpes mudam proporcionalmente, de modo que uma nova vacina tem de ser desenvolvida todos os anos. E enquanto as vacinas contra a poliomielite e a varíola protegem a todos, as vacinas contra a gripe e a cólera protegem apenas cerca de metade dos indivíduos que as recebem. Portanto, é impossível de se prever a eficácia das anunciadas vacinas contra a covid-19. 

Mas vamos supor que vacinas eficazes contra a covid-19 estejam disponíveis em breve. Como conseguirá isso mudar o mundo? Cientistas em muitos países - China, Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e outros - estão numa corrida para as aprovar. Isso sugere o pior dos cenários, o melhor dos cenários e tudo o resto entre os dois. 

Já existem muitos sinais de um pior dos cenários incipiente. Mesmo que algum país que desenvolveu uma vacina, a teste e garanta a sua eficácia, 7,7 mil milhões de doses para 7,7 mil milhões de pessoas no planeta não poderão ser fabricadas e distribuídas em todo o mundo num piscar de olhos. Em primeiro lugar, os suprimentos serão escassos. Quem receberá as primeiras doses desejadas? As propostas de bom senso estipulam que as primeiras doses devem ser reservadas para o pessoal da saúde, porque todos os outros precisam das equipas médicas para administrar as doses aos restantes de nós e para cuidar dos doentes. Entre aqueles de nós que não são médicos, pode-se esperar que pessoas ricas e influentes encontrem maneiras de adquirir as doses antes das pessoas pobres e sem influência. 

Porém, essas considerações egoístas aplicam-se apenas à distribuição de doses dentro do país que primeiro desenvolver uma vacina eficaz. É provável que haja egoísmo internacional também: um país que desenvolve uma vacina, certamente colocará os seus próprios cidadãos em primeiro lugar. Essa priorização já aconteceu no que diz respeito às máscaras: há alguns meses, quando eram escassas e alguns carregamentos da China chegavam à Europa, ocorreram disputas e lutas de licitações, alguns países procuravam garantir o abastecimento para si. Pior ainda, o primeiro país que desenvolveu uma vacina poderá negar-se a cedê-la a rivais políticos ou económicos. 

Pensando bem, porém, políticas nacionais egoístas seriam suicidas. Mesmo no curto prazo, nenhum país pode alcançar a segurança duradoura contra a covid-19 para si mesmo eliminando a doença dentro das próprias fronteiras. No mundo globalizado de hoje, a covid-19 simplesmente voltaria para esse país vindo de outros que não tivessem eliminado o vírus. 
Isso já aconteceu na Nova Zelândia e no Vietname, onde medidas rigorosas interromperam a transmissão local, mas os viajantes que regressavam continuaram a importar novos casos de covid-19. Isso ilustra uma importante conclusão: nenhum país estará seguro contra a covid-19 até que todos estejam. É um problema global que exige uma solução global. 

Eu considero esse facto como uma boa notícia. Enfrentamos outros problemas globais que exigem soluções globais: especialmente as mudanças climáticas, o esgotamento de recursos em todo o mundo e as consequências desestabilizadoras da desigualdade entre os países no nosso mundo globalizado. Assim como nenhum país se consegue manter livre da covid-19 para sempre eliminando apenas o vírus dentro das suas fronteiras, nenhum país se pode proteger contra as mudanças climáticas reduzindo apenas a sua dependência em combustíveis fósseis e as suas próprias emissões de gases de efeito estufa. O dióxido de carbono atmosférico, assim como a covid-19, não respeitam fronteiras políticas. 

Mas as alterações climáticas, o esgotamento de recursos e a desigualdade representam ameaças muito mais sérias à nossa sobrevivência e qualidade de vida do que a atual pandemia. Mesmo na pior das hipóteses, se todos os humanos na Terra fossem expostos à covid-19 e 2% de nós morrêssemos como consequência dessa exposição, isso significa "apenas" 154 milhões de mortes. Isso deixa 7546 milhões de pessoas ainda vivas, muito mais do que o suficiente para garantir a sobrevivência humana. A covid-19 é uma ninharia, em comparação com os perigos que as alterações climáticas, o esgotamento de recursos e a desigualdade representam para todos nós. 

Então, por que razão não nos sentimos incentivados para agir contra as alterações climáticas e outras ameaças globais, quando estamos motivados pela ameaça comparativamente mais branda da covid-19? A resposta é óbvia: a covid-19 chama a nossa atenção, atacando ou matando as suas vítimas rápida e inequivocamente (no período de alguns dias ou semanas). Em contraste, a mudança climática destrói-nos lentamente e muito menos claramente por meio de consequências indiretas, como a redução da produção de alimentos, a fome, fenómenos climáticos extremos e a propagação de doenças tropicais em zonas temperadas. Consequentemente, temos sido lentos em reconhecer as alterações climáticas como uma ameaça global que requer uma resposta global. 

É por isso que a pandemia da covid-19 me dá esperança, mesmo enquanto lamento a perda de amigos queridos que ela dizimou. Pela primeira vez na história mundial, as pessoas em todo o mundo estão a ser forçadas a reconhecer que todos nós enfrentamos uma ameaça comum e que nenhum país pode superá-la por si mesmo. Se os povos do mundo se unirem, compulsivamente, para derrotar a covid-19, poderão aprender uma grande lição. Poderão sentir-se motivados a unir-se, obrigatoriamente, para combater as alterações climáticas, o esgotamento de recursos e a desigualdade. Nesse caso, a covid-19 terá trazido não só tragédia, mas também salvação, colocando finalmente os povos do mundo numa rota sustentável.» 

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3.1.21

Edgar Morin

 


O que eu gosto deste homem que faz 100 anos daqui a seis meses e que tive a sorte de conhecer nesta Lisboa de outras eras!
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E a propósito de Peniche

 


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03.01.1960 – A Fuga de Peniche

 


Há 61 anos, Álvaro Cunhal, Carlos Costa, Francisco Martins Rodrigues, Francisco Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Jaime Serra, Joaquim Gomes, José Carlos, Pedro Soares e Rogério de Carvalho fugiram da Fortaleza de Peniche numa iniciativa absolutamente espectacular. (Mais no blogue, num «post» de 2019) 

Ler e ver mais AQUI.
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Um café e uma vacina

 


«Foi há dias, pela manhã, no café. De repente, aquilo saiu-lhe, espontâneo, em voz audível, provocando a risota geral. “Adoro vacinas! Por mim, tomava uma todos os dias ao pequeno-almoço, depois do galão quentinho!” Falava-se, evidentemente, de um dos assuntos que tem povoado a generalidade das conversas nos últimos dias: as vacinas e o novo coronavírus. 

Eu também, passe a expressão, adoro vacinas. E, no entanto, a excitação repentina que tomou conta do espaço público, as expectativas desmesuradas que foram criadas e a forma como tudo tem sido comunicado e experienciado deixam algumas interrogações no ar. Curiosamente, a OMS (Organização Mundial da Saúde), que ao longo destes meses não tem sido sempre eficaz na comunicação, fez ao longo destes dias alertas a que, de forma significativa, não foi dado grande eco. 

Nada que não se soubesse e que não tenha sido reafirmado ao longo destes meses, mas que é preciso recordar em momentos como este, quando se cria a ilusão de que temos a situação sob controlo, ou que por mais danos que façamos, a ciência ou a tecnologia serão sempre prodigiosamente reparadoras. Por exemplo, Mark Ryan, líder do programa de emergências da OMS, frisou que, apesar do impacto da actual pandemia, esta “não será necessariamente a maior”, e que o mundo vai ter de aprender a coabitar com o vírus, que poderá tornar-se endémico, apesar de vacinas que, “mesmo sendo eficazes”, não são garantia de “eliminação” do problema. 

Ou seja, a vacina é uma excelente notícia, e deve ser celebrada, mas deve ser circunscrita ao que é: uma ferramenta que faz diminuir o perigo numa altura de emergência. Não deve ser vista como a varinha miraculosa que erradicará todos os dilemas que a pandemia convoca e que vão além das circunstâncias actuais. O foco tem de ser ainda a prevenção, aprender com os erros, olharmos para as causas multidimensionais que nos trouxeram até aqui e para o modelo insustentável de habitar o planeta, e apostando em simultâneo num bom sistema público de saúde e em comportamentos responsáveis, seja do ponto de vista colectivo como individual. E, já agora, em vez do actual endeusamento dos cientistas, como já aconteceu antes com médicos ou enfermeiros, ter a consciência de que aquilo que permite gerir de forma satisfatória uma pandemia é a conjugação de saberes. 

Não se trata de retirar o enorme mérito a quem tem vindo a trabalhar nas vacinas, mas de reconhecer que ainda estamos longe do fim do processo. Como já se percebeu, haverá muita gente a recusar-se a tomá-la. E não, não se vai lá chamando-lhes incultos ou ignorantes, da mesma forma que nos tempos do vírus VIH não bastou dizer às pessoas para usarem preservativos para as cadeias de contágio serem interrompidas, para isso acontecer por artes mágicas. Não basta, digamos assim, resolver os problemas tecnicamente, como recordava há algumas semanas José Vítor Malheiros, num texto no Facebook a que deu o título de: O factor humano. Porque é disso que também se trata. É preciso saber analisar comportamentos, atitudes, hábitos ou grupos socioculturais, envolvendo ciências sociais ou humanas, para que as hipóteses criadas não fiquem pelo papel e venham a constituir uma realidade. 

É preciso auscultar e perceber o que se receia ou porque é que é tão difícil estabelecer relações de confiança entre diferentes pessoas, instituições ou saberes. A estratégia até agora seguida no combate à pandemia, em Portugal e na maior parte dos países da Europa, nem sempre o tem conseguido fazer. Até certo ponto, tendo em atenção as inevitáveis incertezas e contradições encontradas pelo caminho, é compreensível. É também por isso que tem existido tolerância em relação a quem decide e está no poder. Mas a par de imposições, ou estados de emergência, tem de haver informação clara e completa, e acreditar na capacidade das populações para a receberem na sua complexidade e a debaterem. É assim que as relações de confiança se constroem. 

Posto isto, venha de lá essa vacina e um abatanado curto, se faz favor!»