24.4.21

Miguel Portas

 


25.04.2012 – O Miguel tinha morrido na véspera.
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Vi, sim

 

 
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Sem alarmismo, acionar alertas

 


«As pessoas, de todas as gerações, vivem um dia a dia carregado de apreensões e medos que geram nos seus comportamentos amolecimento e acomodações. Estamos encurralados entre os perigos reais provocados pela pandemia, o alarmismo causado por notícias especulativas e até empolamento de riscos, e uma catadupa de informação cheia de contradições (com ou sem justificação) produzida por Governo, presidente da República, alguns políticos e especialistas.

Perante esta encruzilhada, evoquemos o 25 de Abril e a dinâmica transformadora que gerou, para nos interrogarmos. Como salvaguardar a democracia e os direitos e deveres individuais e coletivos consagrados na Constituição da República? As sucessivas renovações do estado de emergência têm considerado os problemas concretos que as pessoas estão a viver, ou têm-se estreitado no objetivo de "equilibrar economia e saúde", considerando esta apenas em algumas das suas expressões? Vamos deixar que as emergências e exceções se consolidem como futura normalidade?

Centenas de milhares de crianças e jovens estão há mais de um ano impedidos de fazer desporto e atividades culturais e os clubes e associações que os acolhiam vão deparar-se com enormes dificuldades para retomar a vida normal. A desabituação poderá levar parte desses jovens a não voltarem às atividades. Por outro lado, o confinamento induziu-lhes receios sobre práticas de socialização que os vão marcar. Isto é um drama face à importância do desporto, da atividade física e das relações sociais na preparação de uma sociedade saudável.

Os trabalhadores e trabalhadoras que estão em caixas de supermercado, em atividades ligadas a abastecimentos indispensáveis, em serviços de limpeza e de segurança ou nas fábricas sem poderem parar de trabalhar, nunca foram considerados como potencial grupo prioritário no processo de vacinação. Isto merece reflexão e não é bom para a necessária valorização do trabalho.

Antes da pandemia, Lisboa era apresentada como um destino turístico de referência, espaço para endinheirados estrangeiros investirem em imobiliário de luxo e zona de concentração de escritórios de grandes grupos empresariais internacionais. Eram estes os "fatores competitivos" desta cidade (e de outras) invocados para justificarem o custo elevadíssimo da habitação. Agora é evidente que o turismo tardará a ressurgir e não se sabe com que mudanças, as grandes empresas e múltiplos serviços públicos diminuem ou eliminam escritórios no pressuposto da massificação do trabalho remoto que, diz-se, levará muitas pessoas para o interior: mas o preço da habitação e do imobiliário não baixam. Quem explica isto com verdade?

Fruto de uma retoma económica com horizonte continuamente adiado, da economia se estar a afunilar crescentemente em meros negócios e do cutelo das moratórias, todos os dias vemos crescerem as ameaças do desemprego e a desproteção de pessoas. O Governo, para dar a ilusão de que toma muitas medidas de resposta aos problemas de cada setor da sociedade, vai respondendo em microparcelas de quase nada.

Na crise anterior, o povo português foi sujeito a sacrifícios depois de convencido de ter andado a viver acima das suas possibilidades. Agora, tudo indica que está em preparação o regresso à mesma receita. Talvez contem com o amolecimento dos cidadãos provocado pela sujeição às exceções.»

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23.4.21

Foi para isto?

 

@joãoabelmnta

Termidor Errado

IX

E foi para esta farsa
que se fez a revolução de Abril, capitães,
ao som das canções de Lopes-Graça?
Foi para voltar à fúria dos cães,
ao suor triste das ceifeiras nas searas,
as espingardas que matam os filhos as mães
num arder de lágrimas na cara?
E, no entanto,
no princípio, todos ouvíamos uma Voz
a dizer-nos que a nossa terra poderia tornar-se num pomar
de misteriosos pomos.
E nós,
todos nós, chegámos a pensar
que éramos maiores do que somos.

José Gomes Ferreira, A Poesia Continua, velhas e novas circunstanciais
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Há 37 anos

 

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23.04.1936 – Tarrafal, 85 anos

 


A Colónia Penal do Tarrafal foi criada pelo Governo de Salazar ao abrigo do Decreto-Lei n.º 26. 539, de 23 de Abril de 1936.

Seis meses depois, em 18 de Outubro, os primeiros presos saíram de Lisboa, no paquete Luanda, com destino ao que viria a ser o «Campo da Morte Lenta», na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Aquele navio era normalmente usado para transporte de gado proveniente das colónias e os porões utilizados para esse efeito foram transformados em camaratas. Depois de uma escala no Funchal e de uma outra em Angra do Heroísmo, para recolher mais alguns detidos e / ou largar os menos perigosos, e no fim de uma viagem em condições degradantes, foram 152 os que desembarcaram, no dia 29, em fila indiana, antes de percorrerem os 2,5 quilómetros que os separavam do destino final.

Edmundo Pedro foi o último sobrevivente deste primeiro grupo que construiu e viveu (durante nove anos, no seu caso) neste campo de concentração. No primeiro volume das suas Memórias, dedica longas páginas à descrição do que foi essa terrível viagem que durou onze dias. (*) O início e o fim:

«E na noite de 18 de Outubro, de madrugada, reuniram-nos em camionetes da GNR. Estas dirigiram-se para o cais de embarque, em Alcântara... No caminho, apesar das ameaças dos soldados, demos largas ao nosso protesto. O nosso vibrante grito de revolta ecoou, ao longo de todo o percurso, nas ruas, desertas, daquela madrugada lisboeta. Cantámos, a plenos pulmões, todas as canções do nosso vasto cancioneiro revolucionário... (...) A 29 de Outubro de 1936, onze dias depois de termos partido de Lisboa, o velho Luanda fundeou, ao princípio da tarde, na pequena e aprazível baía do Tarrafal. Pouco depois, começou a descarregar a "mercadoria" que transportava nos seus porões... Alguns prisioneiros tinham chegado a um tal estado de fraqueza que só puderam abandonar o barco apoiados nos seus camaradas...»

Depois, foi o que se sabe: histórias de terror, 32 pessoas por lá morreram e o Campo durou até 1954. Foi reactivado em 1961, quando começou a Guerra Colonial, como «Campo de Trabalho do Chão Bom», para receber prisioneiros oriundos das colónias portuguesas (o ministro do Ultramar era então Adriano Moreira e foi ele que assinou a respectiva portaria). Durou até 1974.

(*) Edmundo Pedro, Memórias, Um Combate pela Liberdade, Âncora Editora, 2007, pp. 350-359. 
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22.4.21

No Dia da Terra

 

 
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Sempre por estes dias

 

 
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«Nunca pensei viver»

 


Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade – (e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
– no negro desespero sem esperança viva –
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general?

Tantos morreram de opressão ou de amargura,
tantos se exilaram ou foram exilados,
tantos viveram um dia-a-dia cínico e magoado,
tantos se calaram, tantos deixaram de escrever,
tantos desaprenderam que a liberdade existe –
E agora, povo português?

Essas promessas – há que fazer depressa
que o povo as entenda, creia mais em si mesmo
do que nelas, porque elas só nele se realizam
e por ele. Há que, por todos os meios,
abrir as portas e as janelas cerradas quase cinquenta anos –
E agora, meu general?

E tu povo, em nome de quem sempre se falou,
ouvir-se-á a tua voz firme por sobre os clamores
com que saúdas as promessas de liberdade? 
Tomarás nas tuas mãos, com serenidade e coragem,
aquilo que, numa hora única, te prometem?
E agora, povo português?

Jorge de Sena, 40 anos de servidão

21.4.21

A intenção era boa

 

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25 de Abril – Desfile em Lisboa

 


1º Até 2019, habituei-me a descer a Av. da Liberdade, em Lisboa, com amigos que marcavam encontro numa esquina sem se integrarem depois formalmente em qualquer organização social ou partidária: íamos andando;

2º Foi decidido que, este ano, o número de participantes será reduzido a 1 000. 3º Entretanto aparecem vários comunicados, nos quais leio que só poderão entrar no desfile membros das 44 (!!!) entidades que fazem parte da Comissão Promotora. Engulo em seco, confesso…

4º Sou sócia de duas dessas entidades. Uma delas decidiu não participar, a outra convidou «todos os seus amigos e associados a participarem em qualquer uma das manifestações comemorativas do 25 de Abril», mas sem especificar como deveriam inscrever-se para fazerem parte dos 1 000 eleitos para o desfile.

5º Assim sendo, estou a pensar dirigir-me solitariamente nessa tarde para o Largo do Carmo, sentar-me num banco (se houver) e reflectir. Afinal, foi lá que estive há 47 anos.

6º Isto não vai acabar bem.
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Como é fazer parte dos 97%?

 


«Se as palavras fossem categorizadas nos dicionários tal como nos laboratórios, de acordo com o seu grau de nocividade ou inflamabilidade, seria caso para dizer que o medo é uma substância extremamente corrosiva, altamente tóxica e facilmente explosiva.

O ano de 2020 e os primeiros, mas tão longos, meses de 2021 podem ser facilmente caracterizados pelo medo sentido pela população. Seja ele pelo receio gerado perante as incertezas criadas no contexto de pandemia, ou por todos os problemas estruturais a níveis social, cultural, político e económico, que se agravam com o passar de cada mês. O dia de amanhã é uma total incógnita e, para quem tenta fazer contas à vida, é impossível não se corroer, a cada segundo de cada minuto, com tudo aquilo que se passa e, principalmente, com o que não se passa à sua volta.

Este último ano foi também de protestos, não só contra os novos desafios que têm surgido, mas, simultaneamente, contra todos os problemas pré-existentes na nossa sociedade, que se tendem a agravar.

No início de Março de 2021, o desaparecimento da londrina Sarah Evarard, de 33 anos, chocou a Inglaterra e o resto do mundo. Porém, de acordo com o The Guardian, o caso não é “incrivelmente raro”; isto porque a insegurança na rua é usual na vida de uma mulher e o assassinato de Sarah Everard veio apenas reafirmar essa realidade.

Todas nós já saímos de casa de amigos depois de anoitecer, já nos questionámos se deveríamos ir ou não a pé para casa, e acabámos por fazer um telefonema para não caminharmos totalmente sozinhas. Sempre com muito cuidado, a observar e interpretar o ambiente que nos envolve como se a nossa vida dependesse disso porque, muitas das vezes, depende.

Depois da morte da jovem inglesa foi conduzido um estudo para averiguar a percentagem de mulheres que já foram alvo de assédio sexual na rua em Inglaterra e, nesse seguimento, conclui-se que 97% das mulheres, entre os 18 e os 24 anos, já tinham sido alvo de abusos em espaços públicos. Desde cedo aprendemos a lidar com esta realidade porque “é normal”. Uma em cada dez mulheres na União Europeia já foi vítima de assédio sexual, sendo que o risco é superior para as jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 29 anos, o que só nos afasta, dia após dia, da nossa meta, cujo prémio final é a igualdade de género.

Viver nesta condição torna-se tóxico, a constante necessidade de alerta, a antevisão do que se passa à nossa volta, o calcular dos possíveis desfechos das diversas vezes que somos abordadas, até mesmo compreender qual é a reacção mais adequada a adoptar para que se evite qualquer tipo de tragédias.

Há quem me oiça e diga “Que exagero, foi só um assobio”, mas da última vez, depois do assobio veio um apalpão, depois de um olhar veio uma pequena, mas para mim muito longa, perseguição, e não me consigo deixar de questionar “O que é que vai acontecer? O que é que devo fazer? Será que vai ser hoje? Até onde é que esta situação pode escalar?”. E finalmente expludo. Expludo e como todas as outras mulheres que são alvo de abusos na rua, chego a um ponto de ruptura e digo “Basta!”.

O assédio sexual não existe só na sua forma física, mas diz respeito a “todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”, define a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. Todas as “pequenas” mas grandes acções contribuem, de alguma forma, para a deterioração da dignidade feminina e da sua segurança em espaços públicos.

Cabe a cada um de nós, enquanto cidadãos, informarmo-nos e tentar compreender o que se passa à nossa volta e de que forma é que os nossos actos podem estar a contribuir, mesmo que de forma passiva, para agravar ou eternizar a violência da qual as mulheres são alvo. Vivemos numa sociedade que apresenta os seus preconceitos de base, cuja profundidade muitas das vezes não conseguimos avaliar, mas que não é por isso que deixam de estar presentes no nosso dia-a-dia, ou que não são responsáveis pela normalização de comportamentos abusivos e degradantes à condição humana.

É importante procurarmos fomentar conversas de consciencialização junto de rapazes e de homens, aliados essenciais para que se possa combater estas atrocidades. Começa por ouvirmos os testemunhos das mulheres à nossa volta e procurarmos debater junto da nossa família e amigos sobre todos os comportamentos responsáveis pela perpetuação deste ciclo de violência, para que estes também o façam junto das pessoas que os rodeiam. As palavras não são ocas, acarretam os seus significados e. tal como se faria num laboratório, é importante expormos os riscos às quais estão associadas.

A informação e a educação permitem-nos chegar mais longe, desconstruir problemas de fundo e, acima de tudo, neutralizar o pior elemento químico presente no dicionário, a ignorância, essa que tão sorrateiramente vem de mão dada com o medo.»

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20.4.21

Censos

 

Sempre que surge mais um Recenseamento, lembro-me de uma reflexão de AMÉRICO TOMÁS, certamente a propósito daquele que teve lugar em 1970.

Por motivos que então não eram conhecidos, passou-se mais de um ano sem que os resultados fossem divulgados e o presidente da República aproveitou um discurso de Ano Novo (terá sido o de 1972) para criticar o facto, com a lógica implacável que o caracterizava. Cito de cor, mas a ideia era a seguinte:

«QUEREMOS TANTO SABER COMO SOMOS, QUE FICAMOS SEM SABER QUANTOS SOMOS»
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Pôncio Pilatos não faria melhor



 


«Avaliação dos especialistas da EMA é que os benefícios desta vacina continuam a ultrapassar os eventuais riscos, depois de analisar os casos de formação de coágulos. Mas recomenda que seja feita uma nota de aviso na embalagem.»

«A vacina contra a covid-19 da Janssen deve passar a ostentar um aviso acerca do efeito secundário raro da formação de coágulos sanguíneos juntamente com a diminuição do número de plaquetas determinou a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) nesta terça-feira. Mas o balanço entre riscos e benefícios da vacina da subsidiária da Johnson & Johnson continua a ser positivo.»
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Sintoma preocupante

 

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Contra a síndrome do silêncio? Parar de aceitar o inaceitável

 


«É mais fácil dizer que as mulheres mentem do que responsabilizar os abusadores. É mais culpabilizar e descredibilizar as vítimas do que confrontar e condenar agressores. É mais fácil o linchamento público da vítima do que não compactuar com uma sociedade que as silencia. A luta das mulheres e dos homens que respeitam as mulheres, não é por vingança que a vingança não nos merece, é por justiça.

Em 2017 a personalidade do ano para a revista Time foram “as vozes que lançaram um movimento”, as pessoas que denunciaram casos de assédio e abuso sexual. As campanhas #MeToo e Time´s Up derrubaram a ideia normalizada de que o assédio sexual, o abuso e a violação eram uma contingência do ser-se mulher. Essa mudança aconteceu pela enorme força colocada em movimento pelas mulheres ao começarem a falar. Harvey Weinstein acabaria condenado a 23 anos de prisão por crimes sexuais.

O movimento #MeToo teve a virtude de dar uma voz coletiva às mulheres. De as empoderar. Esse foi o seu grande feito. Há uma lógica de empatia, de identificação: mulheres de todo o mundo deixaram de se sentir sós.

Em Portugal falar na sua própria voz não é muito o hábito, uma denúncia é uma coisa muito íntima, dolorosa, há muitas mulheres que temem a exposição e a denúncia pública, com boas razões. Este fim-de -emana numa entrevista televisiva a atriz Sofia Arruda quebrou o silêncio. “Uma mão, um cumprimento que ficava no sítio que não era suposto. Um beijo que me deixava um bocadinho constrangida, mas às tantas tu pensas que se calhar a pessoa é assim, muito afetuosa, e ficas a sorrir timidamente e afastas-te. Mas depois disso ia passando para intervenções mais diretas, de dizer que estava bonita, que me tinha visto não sei onde (…) quando comecei a ficar mais desconfortável com a situação tive de pegar no telefone e disse que se fosse uma reunião ou um almoço de trabalho a minha agente iria comigo. Se não fosse essa intenção então não haveria qualquer almoço ou jantar. Essa pessoa disse ok e desligou o telefone. Depois, mais tarde, durante as gravações, estava na maquilhagem e a pessoa chegou, agarrou-me no braço e perguntou-me ao ouvido se era a minha última decisão. Eu disse que sim e ele respondeu-me que nunca mais ia trabalhar ali”. O que acabaria por acontecer. “Sei que fui vítima, mas sentia-me culpada porque pensava se em algum momento tinha dado a entender alguma coisa. Mas tinha a certeza que não tinha dado, que nunca tinha permitido qualquer tipo de aproximação que não fosse profissional dentro do local de trabalho”.

O que seguiu nas redes sociais foi o catálogo do previsível: “Porque só fala agora?”, “porque não diz o nome?”, “porque não foi à PSP?”, “isso é um não-assunto”. E estes são os comentários mais “benévolos”. É mais fácil dizer que as mulheres mentem do que responsabilizar os abusadores. É mais culpabilizar e descredibilizar as vítimas do confrontar e condenar agressores. É mais fácil o linchamento público da vítima do que não compactuar com uma sociedade que as silencia. A luta das mulheres e dos homens que respeitam as mulheres, não é por vingança que a vingança não nos merece, é por justiça.

Quando uma mulher conta uma experiência como esta a primeira coisa que devemos fazer é não duvidar dela, “essa dúvida não deve ser alimentada pelo facto de a pessoa ter demorado anos a falar. Uma experiência de assédio não prescreve. Vive no corpo da vítima até à sua morte. Nem todas as pessoas conseguem reconhecer imediatamente o assédio. Nem todas as pessoas têm uma estrutura pessoal, mental, emocional, profissional para o denunciarem. Nem todas as pessoas conseguirão, alguma vez, denunciá-lo”, escreveu na sua página de Facebook a atriz Sara Barros Leitão.

O testemunho de Sofia Arruda é de uma enorme coragem, como antes o fora o de Catarina Furtado, e parece ter espoletado o tão necessário #MeToo português. Mulheres mais ou menos anónimas partilharam nas redes sociais as suas histórias de assédio sexual e muitos homens reconheceram que o assédio não é uma bagatela, é um abuso de poder, uma consequência de uma sociedade laboral assimétrica, resultado da desigualdade de oportunidades, e de um mundo dominado por homens e determinado pelas decisões de homens.

Importa não se cair na tentação colectiva de pedir que a pessoa diga o nome do agressor. “Primeiro: não precisa. A vítima só deve contar até onde estiver preparada para contar. Não é o facto de haver um nome que irá alterar o que aconteceu. Segundo: apesar de o nome não ser público, pelo menos por enquanto, não significa que não se saiba quem é. Como dizer isto de forma clara? Toda a gente no nosso meio sabe quem é. De colegas a equipas, de canais a comunicação social”, continua atriz Sara Barros Leitão.

O #MeToo não é uma “moda” como o tentam descartar muitos homens aterrorizados, é um movimento contra a impunidade que protege os agressores e deita fora as vítimas. Já há uma censura moral contra os agressores – nós sabemos quem eles são - , eles sabem que esses comportamentos são inaceitáveis, falta agora criar-se “redes de apoio e solidariedade, respeitando o tempo das vítimas, respeitando as suas histórias, e, sobretudo, resistindo à sórdida tentação de querer narrativas mais violentas, mais trágicas, o que acaba por desvalorizar as micro-agressões, deixando, assim, centenas de vítimas a sentir-se ainda pior com o que lhes aconteceu por não encontrarem, sequer, ali espaço para a sua história”.

A sociedade tem que ser um lugar seguro para mulheres, não um lugar onde assediadores e agressores continuem a escrever artigos de jornal, a trabalhar nas televisões, a chefiar departamentos, a perseguir mulheres. Que sociedade queremos? Basta de condenação moral, queremos consequências. Obrigada Sofia.»

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19.4.21

Daniel Sampaio

 


Leitura absolutamente obrigatória!


«O psiquiatra sobreviveu para contar a experiência mais forte com que até hoje foi confrontado: a da luta pela própria vida. Infectado pelo vírus SARS-CoV-2 aos 74 anos, esteve internado durante 50 dias, precisou de ser entubado e ventilado, mas decidiu viver.»
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Um centenário

 


«O» jornal de muitos de nós durante décadas fez 100 anos no dia 7 de Abril.

«Se tirássemos o Diário de Lisboa do fio da história do jornalismo em Portugal, desmanchava-se a manta toda e ficávamos todos com os joelhos a bater nos cotovelos, a ver passar os navios.»
Miguel Esteves Cardoso, Público 19.04.2021
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Numa igreja perto de si

 


A nova água benta.
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As raízes eleitorais da corrupção



 

«Ainda com a Operação Marquês “entalada nas nossas gargantas”, chega-nos agora a Operação Triângulo. Esta semana, a presidente da Câmara de Vila Real de Santo António foi detida por suspeita de corrupção. Em causa está a venda de um imóvel a uma empresa por valor abaixo do mercado, com supostas contrapartidas para a autarca e outro funcionário da câmara, lesando assim o erário municipal. Ao ler estas notícias, muitos de nós pensam que o mais provável é que esta senhora tenha o mesmo destino que outros políticos corruptos, ou melhor, alegadamente corrompidos pelo sistema. Assim sendo, é provável que passe algum tempo na prisão, que as provas não sejam conclusivas, que o processo prescreva e que entretanto escreva um livro, volte em apoteose num pedestal de inocência e, como mártir, se recandidate e seja eleita.

Tal cenário é passível de acontecer porque a população, mesmo já informada da existência de corrupção, continua a votar em pessoas que não se coíbem de colocar os seus interesses pessoais à frente dos interesses públicos. Como escreveu, em 2017, Javier Martín, no “El País”, a propósito da eleição de Isaltino Morais, “os munícipes voltam a votar no presidente que os rouba”.

Tradicionalmente, a ignorância e a falta de informação são vistas como a razão fundamental para que os eleitores votem em políticos corruptos. A população, em geral, desconhece o nível de corrupção, não consegue corretamente avaliar os seus efeitos e não acredita que esta seja o problema fundamental que impeça o real crescimento e desenvolvimento do país. Mais, os eleitores podem não ser capazes de inferir se determinadas práticas ou políticas são ilícitas, sobretudo quando expressas como do interesse público. Os políticos corruptos tendem a ser convincentes da sua idoneidade, sobretudo dando apoio a programas anticorrupção e também apontando o dedo a outros políticos idóneos, causando confusão à população em geral. Por último, é difícil para os eleitores conceptualizarem um sistema alternativo de governação e administração pública onde a corrupção está praticamente ausente.

O problema da ação coletiva também pode explicar o paradoxo do voto em políticos corruptos. Suponha, por simplificação, que existem dois partidos que do ponto de vista ideológico têm as mesmas propostas, mas que um inclui corrupção e outro não. O melhor resultado é a eleição do partido não corrupto. No entanto, para os apoiantes do partido corrupto existe um risco: o de perderem benefícios do clientelismo se não apoiarem o seu partido e este ganhar. Estes indivíduos têm então um incentivo para apoiar o partido corrupto. Se a maioria dos eleitores se comportar desta forma, é possível que a corrupção ganhe.

Obviamente, não nos teríamos que preocupar tanto com o voto em políticos corruptos se a corrupção fosse combatida na sua origem. Para tal, em Portugal é preciso reformar a justiça penal, que é extremamente lenta, pesada, burocrática e processualista. Tão simples quanto isto, com a cultura judicial portuguesa, os crimes de colarinho branco compensam, simplesmente porque os benefícios superam, em muito, os custos. Para alterar este quadro é preciso, como Nuno Garoupa diz, uma “profunda mudança da cultura jurídica, o que só é possível de ser feito, talvez em uma ou duas gerações, se as faculdades de Direito fizerem uma revolução agora”.

Entretanto, é preciso que a população esteja cada vez mais bem informada e escolha não eleger políticos corruptos. A esse nível, os meios de comunicação podem dar uma ajuda. Por um lado, não darem tanto espaço mediático a estes políticos. Por outro, para além de informarem sobre o quanto determinado político ganhou com alguma atividade ilícita, criando em nós a sensação de que “o mundo é para os espertos”, seria bom salientarem em quanto a população foi lesada com esse crime, causando nos eleitores a desagradável sensação de perda. Por exemplo, se um imóvel da câmara é vendido abaixo do preço de mercado, seria bom informar sobre as eventuais perdas, quebras de receitas fiscais e, se possível, traduzir essas perdas em informação que facilmente chega ao coração das pessoas. Por exemplo, o montante “roubado” traduz-se em “N” bolsas de estudo a menos para estudantes necessitados.

Até que a reforma da justiça penal aconteça e a cultura judicial mude, é preciso compreender melhor as raízes eleitorais da corrupção, saber em que grau os eleitores apoiam políticos corruptos, porque os apoiam, e como é que os eleitores podem ser persuadidos e motivados a penalizar com o seu voto estes políticos. Para tal, é preciso não descurar fatores comportamentais neste combate.»

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18.4.21

O drama da Índia

 

DN, 18.04.2021

Desde o início deste drama mundial que penso na Índia como a provável maior vítima.

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Mariana Mortágua sobre corrupção

 


Expresso da Meia Noite, 16.04.2021
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A dificuldade em ter uma vida decente



 

«É difícil vislumbrar algo mais grave — a pobreza. E, no entanto, a maior parte encolhe os ombros perante essa realidade. Ou continua a pensá-la através de associações clássicas, como se fosse só sinónimo de sem-abrigo, pessoas na penúria completa, empregados com salários miseráveis, desempregados duradouros, deficientes, doentes, idosos com baixas pensões ou pessoas e famílias em contextos de vulnerabilidade, que perante ocorrências imprevistas são atiradas para essa situação.

Esta semana foi comunicado mais um estudo (A Pobreza em Portugal – Trajectos e Quotidianos, da Fundação Francisco Manuel dos Santos) que aborda o assunto e entre as diversas conclusões diz-se que uma boa parte das pessoas em posição de pobreza tende a relativizar essa disposição, como mecanismo de defesa psicológica, recorrendo a comparações com o seu próprio passado ou com outros em situações semelhantes. E há também, claramente, envolvido neste tipo de procedimento, a vergonha. E muitas vezes o sentimento de culpa. Uma acumulação de violências. É-se pobre. E é complexo falar disso.

O que nos pode conduzir para uma realidade paralela, mais difusa, menos clássica, não comprovada por nenhuma estatística, mas que se vai impondo e que a pandemia veio expor ainda mais. Ao lado desta pobreza de teor tradicional, emergem novas disposições, com cada vez mais pessoas vulneráveis no limiar de situações de grande desconforto. Não são pobres no sentido clássico, mas constituem uma massa seres humanos (precários ou com ordenados miserabilistas, ligados às mais diversas actividades, do ensino à comunicação ou serviços) incapazes de ter uma vida decente, escondendo-se tantas vezes atrás da cortina da vergonha social, sendo até encorajados entre os seus pares em não revelar a sua posição fragilizada. Contam ansiosamente os tostões para pagar a renda da casa, a saúde, a electricidade, a comida, a educação e a pensão dos filhos e nem sempre chega. Essa é a verdade: ter uma vida decente, sendo um cidadão modelar, com trabalho regular e honesto, sem ser uma actividade predadora, tornou-se numa genuína quimera.

E o mito perdura: que essa situação é apenas responsabilidade individual. Não trabalhou o suficiente, ou não foi perspicaz, ou foi gastador. Histórias. A meritocracia é um sofisma que convém aos que estão bem na vida do ponto de vista material, porque lhes reforça o seu suposto esforço e importância, mas nesse movimento esquece-se os que igualmente vigoraram, estudaram e têm valia, mas que apesar de trabalharem com brio não saem de uma espiral onde a mobilidade social vai sendo inexistente.

Vivemos no interior de um sistema socioeconómico falhado, onde a precariedade se naturalizou, incapaz de uma redistribuição de recursos eficaz, seja através de salários, ou das transferências do Estado, e ainda por cima culpabilizamos os que estão prostrados no chão ou fala-se com desdém da situação. O desapreço com que alguns discorrem sobre lógicas de protecção social diz muito de um país servil com os poderosos e altivo com os desprotegidos. Isso é que nos devia fazer corar de vergonha.

Os menos favorecidos não querem esmola, querem dignidade, e têm direito a ela. Vale a pena continuar a batalhar pela protecção social ou por um rendimento mínimo adequado que assegure uma existência decente para todos, mas, em simultâneo, quanto mais a própria ideia de pobreza se vai transformando e disseminando, é preciso revolver nas lógicas reprodutoras que provocam desequilíbrios e desigualdades gritantes. Há muita gente que não está interessada nisso. Mas sem isso nada de essencial mudará.»

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