12.6.21

Com um teclado destes...



 

… é que as redes sociais se baralhavam definitivamente.
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Sardinhas 2021

 


Uma das sardinhas vencedoras em 2021 (de Cristiana Freitas).
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'O Príncipe' na ilha da Páscoa

 

Foto Lusa


«Quando analisamos as mudanças no sistema partidário seria prudente procurarmos os padrões e não inovações, mais aparentes do que reais. António Costa (A.C.) é claramente o político luso que nas últimas décadas mais estritamente segue as regras prudenciais expostas por Maquiavel para os governantes que querem conservar o seu lugar.

O seu discurso tem a planura do campo tático, onde é o mestre incomparável. Não tem rugosidades utópicas nem tabus ideológicos. É um pragmático em estado puro, pronto a colaborar com toda a gente, à esquerda e à direita, desde que o interesse nacional e a continuidade governativa possam coincidir. Quando construiu a geringonça, nos tempos em que o diabo da austeridade parecia poder regressar para vingar qualquer erro, A.C. soube mudar o estilo mantendo a substância. A tal ponto que o seu ministro das Finanças foi alcandorado a chefe do Eurogrupo. Hoje, neste intervalo entre a pandemia e a presumível turbulência social que o fim das moratórias - combinado com o eventual regresso das regras europeias do tratado orçamental - tenderá a provocar, A.C. e o PS resistem, tenazmente, às mudanças no sistema partidário. Mesmo sem grande crescimento eleitoral, o PS poderá ganhar lugares no parlamento pela erosão que o Chega e a Iniciativa Liberal irão causar sobre o desmoralizado eleitorado do PSD.

O que enerva o PSD é o PS fazer precisamente o que ele também praticou quando foi governo. Servir as clientelas habituais. As que, sem perderem o mantra da crítica do Estado, não faltam "ao pré e ao rancho", à luta pelo seu lugar na mesa do orçamento. Foi assim, vitaminado pelos fundos estruturais, que o PSD de Cavaco Silva chegou a ter 51% dos votos expressos do eleitorado. Dando prova do seu sentido de oportunidade, e da sua inegável tenacidade e resiliência (que qualificam o homem e não a sua política), A.C. bateu-se sem desânimo pela "bazuca" europeia. Com ela, o governo fica com um extraordinário instrumento para o exercício da governação. A distribuição das verbas do PRR - que o instituto Bruegel acaba de considerar o menos ambientalmente ambicioso dos 14 planos europeus até agora estudados - confirmará lealdades e selará compromissos. A tradição rentista da nossa elite económica esmaga tanto a retórica "verde" como a fantasia de mercados abertos e flexíveis, que os revivalistas liberais pregam para o seu auditório imaginário.

A.C. segue, serenamente, os avisados conselhos de Maquiavel, fugindo àquele que é o mais perigoso caminho na política: ousar transformar. Escreve o Florentino: "Porque o introdutor [de "novas ordens"] tem por inimigos todos aqueles que beneficiavam das ordens antigas e por tíbios defensores todos aqueles que beneficiariam das novas..." (O Príncipe, VI, §5, tradução Diogo Pires Aurélio). Mas será que, neste mundo tão pejado de ameaças - desde a perigosa navegação da nau europeia aos impactos brutais da cascata de consequências da crise ambiental e climática - não seria necessário apostar em novos setores e atores preparando economia e sociedade para enfrentar os inescapáveis desafios das próximas décadas? A resposta seria positiva se o seu ângulo fosse estratégico e não tático. A história de como os europeus, chegados à ilha da Páscoa em 1722, encontraram os restos de uma civilização que se autodestruiu porque acelerou uma economia de devastação ambiental, em vez de mudar de rumo, poderia ser útil. Mas já não cabe neste artigo.»

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11.6.21

Dúvida existencial



 

Como é que um governo que termina as suas funções em 2023 pode prometer fazer algo em 2026?

(Expresso, 11.06.2021, a propósito das comemorações do 50º aniversário do 25 de Abril.)
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E agora, Fernando Medina?



 

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Do Islão a Caxias



 

«Ao delírio da extrema direita – vem aí “uma invasão islâmica que põe em perigo as nossas mulheres” (perigo terrível não tanto de violência sobre as mulheres, mas de humilhação máxima do macho luso) – deve-se dar o desconto de ser delírio desonestamente construído para a cruzada xenófoba.

Falemos, pois, dos imigrantes concretos que chegam ao nosso país. Gente que não vem com outro horizonte que não seja o de conquistar a vida digna que nunca teve. Gente que, como os nossos emigrantes fizeram em França, na Suíça ou nos Estados Unidos, entra como pode e trata da regularização logo que consegue.

Pois bem, esses homens e mulheres, que já aqui trabalham e já aqui descontam para a Segurança Social de todos nós, esperam anos (!) pela marcação de um atendimento no SEF para o início da sua regularização no país. O país soube a semana passada que os agendamentos do SEF para regularização estão lotados até outubro. Por défice de apetrechamento da dimensão administrativa do SEF – desde logo em pessoal suficiente –, milhares de imigrantes são condenados a viver em condição irregular no país. Só não vê quem não quer: Portugal precisa de um serviço administrativo robusto de tramitação da entrada e regularização dos imigrantes, que dê resposta efetiva e atempada aos pedidos nesse sentido. A imigração não é um caso de polícia, é, antes de tudo, um caso de administração eficiente.

Mesmo os imigrantes que são retidos na entrada do país pelo SEF não são, na sua esmagadora maioria, casos de polícia. Em 2019, a 89% das cerca de cinco mil pessoas detidas nos espaços geridos pelo SEF nos aeroportos, a quem foi recusada a entrada no país, foram-no por causa de irregularidades na documentação e não por serem suspeitos de crime.

Por isso, encarcerar estas pessoas, que não cometeram nenhum crime – como o Governo admite vir a fazer na ala sul da prisão de Caxias, em Alcoutim e em Vila Real de Santo António – é tudo o que há de mais aberrante, porque transmite a ideia de que as pessoas migrantes são um perigo para a segurança. Não, não é um lapso do Governo: já no verão passado, vários grupos de migrantes vindos do Norte de África foram colocados na prisão do Linhó e num quartel em Tavira, sem possibilidade de recorrer a advogados ou de requerer autorização de residência em Portugal.

Moral da história: não é preciso embarcar no delírio da extrema direita para tratar os imigrantes como ameaças ou criminosos em potência. Encarcerar aqueles cuja irregularidade é detetada na fronteira é uma cedência irresponsável a essa fantasia perversa de quem inventa invasões e violações em massa para surfar o alarme que cria.»

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10.6.21

10 de Junho, ainda



 

O João Abel Manta é que eternizou bem a realidade neste desenho.
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10 de Junho de 1974

 



O primeiro 10 de Junho depois da Revolução de 1974 foi «comemorado» assim: um grupo de quarenta e oito artistas plásticos pintou no Mercado do Povo, em Lisboa, um mural que viria a desaparecer num incêndio em 1981. Entre os pintores, muitas caras conhecidas: Júlio Pomar, João Abel Manta, Nikias Skapinakis, Menez, Vespeira, Costa Pinheiro, etc., etc.

O filme é um documento precioso, da autoria de Manuel Costa e Silva e foi-me disponibilizado, já há uns anos, por Fernando Matos Silva.
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10 de Junho

 


Este post regressa quase todos os anos. Por mais tempo que passe, nunca deixará de ser, para mim, o tal «Dia da Raça», já que não consegui apagar da memória o que era até ao 25 de Abril. 

Assinala-se hoje o dia em que Camões foi transladado para o Mosteiro dos Jerónimos, em 1880. Feriado nacional desde os anos vinte do século passado, a data ganhou um novo significado em 1944, quando Salazar a rebaptizou como «Festa de Camões e da Raça». Fê-lo por ocasião da inauguração do Estádio Nacional, que ocorreu com grande pompa, em cerimónias a que terão assistido mais de 60.000 pessoas e que foram filmadas por António Lopes Ribeiro (vídeos aqui e aqui). Linguagem inequívoca: «Às cinco horas, chegou o chefe: Salazar. Salazar, campeão da pátria, era o atleta número um, naquela festa de campeões.»

Mais graves, e bem mais trágicos, passaram a ser os 10 de Junho a partir de 1963. Transformados em homenagem às Forças Armadas envolvidas na guerra colonial, eram a data escolhida para distribuição de condecorações, muitas vezes na pessoa de familiares de soldados mortos em combate (fotos reais no topo deste post).

Entre 1975 e 1977, o Dia de Portugal foi 25 de Abril e, de 1974 a 1976, não houve comemorações do 10 de Junho. Até que um militar presidente da República as ressuscitou em 1977, primeiro como «Dia de Camões e das Comunidades» e, a partir de 1978, também como «Dia de Portugal». Mas continua-se a distribuir condecorações – outras, por motivos diferentes e eventualmente louváveis. No mínimo, talvez fosse possível escolher outra data para o efeito, já que, pelo menos no que me diz respeito, sou incapaz de não associar qualquer distribuição de medalhas neste dia às trágicas imagens do Terreiro do Paço, em tempo da guerra colonial.

Porque era assim:


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9.6.21

E o Turquemenistão lá tão longe…

 



Poder atravessar a pé a fronteira de Caia sem mostrar certificados, ou mesmo ter um Passaporte Verde na mão para andar pela UE, agradeço mas prescindo. São as lonjuras que me fazem uma enorme falta, percorrer outros mundos como este só com uma amiga, no que chegou quase a ser, ou pelo menos a parecer, uma pequena aventura.

Há cinco anos andei pelo Turquemenistão e tive um 9 de Junho bem diferente do de hoje. Bem depois de Alexandre Magno e de Gengis Khan, cheguei a MERV, um dos principais centros da célebre Rota da Seda, com um calor abrasador e estradas que deixavam muito a desejar, numa carripana já bastante envelhecida…

Declarada Património da Humanidade pela UNESCO, há quem defenda que Merv, «A Rainha das Cidades», foi a segunda cidade islâmica (depois de Bagdad) entre os séculos VIII e XIII e mesmo a maior do mundo no século XII durante um curto espaço de tempo. Tenha sido ou não, não há dúvida que teve o papel de um gigantesco polo de intercâmbio comercial e rezam as histórias que nela chegaram a concentrar-se caravanas com 1.000 camelos. Foi incendiada e saqueada durante várias invasões e finamente destruída pelas tropas de Gengis Khan, que, com a embalagem que levavam, queimaram uma biblioteca com mais de 150.000 livros.

Hoje restam ruínas de grandes fortalezas, palácios e mausoléus, muitos a serem actualmente recuperados.
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A raça… a raça…

 



Eu sei que só amanhã é 10 DE JUNHO, mas não resisto a recordar, de véspera, esta efeméride (10.06.2008).
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Como tramar os jovens



 

«Afinal era mesmo inconstitucional, diz o Tribunal, que chumbou a norma que permitiu a duplicação do período experimental para 180 dias, nos casos em que o trabalhador à procura de primeiro emprego já tenha tido um contrato a prazo de 90 ou mais dias. O Tribunal aceitou a opção daquela lei noutras matérias, como sobre a caducidade dos contratos coletivos ou mesmo sobre o período experimental para desempregados de longa duração. Mas a sua decisão, mesmo que somente sobre um dos pilares do ajustamento ao Código Laboral aplicado pelo anterior governo, então apoiado pelo PSD, tem um impacto profundo.

O facto é que esta duplicação do período experimental tem uma história perversa. O Governo estabelecera um acordo com a esquerda sobre alterações ao Código Laboral, incluindo a redução da sucessão de contratos a prazo e outras normas que foram apreciadas como protetoras dos direitos sociais. Festejado o sucesso da negociação ao final de uma tarde prometedora, soube-se no dia seguinte que, pela madrugada ou alvorada do dia, tinham sido acrescentadas algumas medidas negociadas à sorrelfa com as associações patronais, incluindo o nefando período experimental (e a curiosa extensão do tempo para os contratos verbais).

A rutura com a esquerda foi amplificada pela perceção desta má fé negocial. Compreende-se assim porque é que a questão da revisão do Código Laboral, que já era um ponto fulcral das negociações entre o Governo e a esquerda, passou a ter este interdito atravessado: o PS nunca aceitou rever aquele acordo que negociou de madrugada com as associações patronais e alegou mesmo essa razão para recusar um acordo para a legislatura com o Bloco, como lhe foi proposto depois das últimas eleições. A engenharia do trabalho experimental, do trabalho temporário e da precarização tornou-se uma questão de honra para o Governo. Agora, o Tribunal Constitucional determinou que um dos pontos essenciais dessa mudança do Código é ilegal.

O episódio tem uma leitura política e constitucional, mas tem também outra dimensão maior, estratégica, que responde à seguinte questão: é a precarização a forma adequada para garantir emprego aos jovens ou, pelo menos, ser-lhes-ia prejudicial mexer nestas regras? Se bem percebo o argumento de Ricardo Costa, na última edição do Expresso, a sua resposta é que não se deve alterar esta lei, que teria servido a criação de emprego, ideia retomada por muitos comentadores e decisores. Escreve ele que “a generalização da precariedade nos serviços e a uberização do trabalho são mudanças brutais mas que só podem ser combatidas com inteligência e um forte crescimento económico. Quem acha que altera isso numa lei está enganado. Mais grave: pode prejudicar os jovens, que foram os mais castigados nesta crise”. Pergunta por isso, de modo retórico, “se a recuperação do emprego a partir de 2014 se fez com esta legislação, qual é o sentido de a mudar agora?”. O argumento é óbvio, não mexam nas leis do trabalho.

O problema é que os factos não parecem conviver bem com qualquer proposta situacionista. É evidente que, sendo a uberização e plataformização uma mudança violenta, somente o crescimento económico cria emprego. Só que, se o trabalho continuar a ser precarizado, esse caminho trama os jovens. Os dados publicados na semana passada pela Fundação José Neves demonstram esse perigo. Estudando os anos desde a crise da dívida soberana, incluindo portanto cinco anos de recuperação económica até 2019, os resultados são constrangedores: os jovens qualificados, com ensino superior, perderam 17% de salário. E, depois de tanto crescimento de emprego, foram postos de lado: têm agora uma taxa de desemprego de 19,4%, o triplo do desemprego médio nacional. A “recuperação do emprego a partir de 2014, com esta legislação” não lhes serviu. Acresce que 15% dos jovens licenciados estão a trabalhar abaixo das suas qualificações. Para as mulheres, pior ainda, o fosso salarial agravou-se com o progresso da sua formação: o desnível salarial entre homens e mulheres é, segundo a Fundação, de 21%, mas chega a 32% no caso das mulheres com mestrado.

É um desastre geracional. E é um processo consolidado pela precarização: num mundo laboral de contratos experimentais e de trabalho à peça ou à jorna, ou de trabalhadores transformados em empresários em nome individual para efeito do não pagamento da segurança social pela entidade contratante, só pode haver uma corrida para o fundo da tabela salarial e para a desvalorização do trabalho qualificado. Os empresários que esfregam as mãos de alegria pelas margens de curto prazo geradas por esta devastação social, ou o Governo que apregoe este sucesso, não compreendem o vazio que estão a criar. Ou compreendem bem demais.»

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8.6.21

Sempre a aprender


Espanha amiga…



 


Mas…, mas… 
Se eu for de carro ali a Salamanca (não vou, não vou…), e me virem sair de um automóvel com matrícula portuguesa na Plaza Mayor, podem exigir-me que mostre certificado de vacinação? Estamos a fazer isso a estrangeiros nas filas para os pasteis de Belém (nem sei se já há filas…)? 

«As autoridades espanholas explicam que, assim como já acontece atualmente, poderão ser feitos "controlos aleatórios" dentro do território espanhol e os viajantes têm a obrigação de ter um teste negativo à covid-19, certificado de vacinação ou de recuperação da doença.»
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O Continente, o ludismo e como pôr a tecnologia a trabalhar para todos

 


«Foi anunciada, com grande excitação, a abertura de uma nova loja do Continente totalmente tecnológica, sem caixas. Ou seja, com menos trabalhadores. Essa é a sua verdadeira modernização. Boa para os acionistas, não sei se com grande vantagem para os clientes (pensem o que ganhámos com o atendimento automático telefónico, sem contacto com pessoas, no apoio ao cliente). Não há nada de surpreendente aqui. Depois da mecanização do trabalho fabril, este é o tipo de emprego que vai desaparecer: os trabalhos repetitivos de baixo rendimento, em que a tecnologia parece ser mais barata do que a mão de obra. Os trabalhos de custo baixo e menos repetitivos – como a limpeza de quartos de hotéis ou algum trabalho de minúcia na agricultura – são mais baratos quando feitos por imigrantes sem direitos do que o investimento que seria exigido em tecnologia.

A formação marxista que recebi na juventude livrou-me de um discurso moral sobre este tipo de dinâmicas que alguma esquerda adota para falar de “especuladores” ou “empresários sem escrúpulos”. E é por isso que, quando um empresário me diz, para parecer um bom samaritano, que ao contrário de mim criou imensos empregos, só consigo sorrir. Um empresário cria tantos empregos como um trabalhador que mantém a empresa sustentável e produtiva. Não é um ato benemérito. O empresário cria os empregos necessários para produzir o que o mercado parece querer ou poder consumir. Se criar um a mais ele vai desaparecer. Quem cria emprego em atividades que visam exclusivamente o lucro é o mercado. Eu escrevo neste jornal porque há quem me queira ler (ou anunciantes que não se importam que eles me leiam). No dia em que isso não aconteça deixarei de escrever.

O empresário diz isto porque quer ganhar superioridade moral num debate que não é moral. Só que eu não acho que um empresário padeça de qualquer inferioridade (ou superioridade) moral por buscar o lucro. Eu nem sequer acredito num capitalismo socialmente responsável ou ambientalmente sustentável. Acredito em políticas públicas, desenvolvidas pelo poder político, que levam a que ele se torne uma e outra coisa. Porque o poder político é moralmente superior ao poder económico? Não. Porque os eleitos representam o conjunto da sociedade e o seu dever é zelar pelos interesses da grande maioria com critérios de Justiça. Quando não o fazem, aí sim, há uma falha moral. O dever dos gestores é servir os interesses dos acionistas. Mesmo quando, conhecendo-se a sua alarvidade social e laboral, fingem que estão preocupados com o país, como faz o senhor da Ryanair. Os que não o fazem, dentro dos limites da lei, estão em falha profissional.

Os empresários querem reduzir custos. Desse ponto de vista, o seu objetivo é criar menos emprego, não mais. Mesmo que percebam que uma sociedade sem emprego não consome os seus produtos, nenhum vai pôr a sua empresa a cumprir esse papel. É por isso que a ambição pessoal, sem regulação pública, não tende para o equilíbrio, mas para o caos. Cabe ao Estado pensar no bem comum e até na sustentabilidade da economia. E é por isso que é absurdo transformar os empresários, por mais competentes que sejam, em oráculos da nação para políticas públicas. É como esperar que um pasteleiro seja dietista. Não é bondade ou maldade, competência ou incompetência. É perceber a função de cada um.

Resumindo: não tenho qualquer crítica moral a fazer a um gestor que decide abrir uma loja sem trabalhadores para poupar dinheiro aos acionistas ou provar que esse caminho tem sustentabilidade. São os acionistas que ele defende, não os trabalhadores. Muita gente reagiu à notícia dizendo que não vai usar estas lojas. Podem não o fazer no início, acabarão por o fazer no fim. Como fazem com a Via Verde e com imenso trabalho mecanizado em que já nem pensam. A resistência à mecanização como discurso político tem um nome: ludismo. Um movimento que, nos primórdios da industrialização e antes de os socialistas terem dado à resistência uma perspetiva mais sistémica, se dedicava à destruição de máquinas em protesto. Não resultou então, não resultará agora.

Mais uma vez, o debate não é moral. A tecnologia não determina as escolhas políticas, apenas as condiciona. É a forma e os objetivos como é usada que decidirá quem perde e quem ganha. Ela tende a acentuar as derrotas e as vitórias que já existem, a não ser que o Estado, que todos serve, atue. Não estava escrito em lado nenhum que a tecnologia que permitiu a Uber servisse para contornar as leis laborais. Como se vê em decisões recentes de tribunais, como no Reino Unido, é possível travar esse caminho. É a ausência de lei ou leis feitas à medida da Uber (a do governo português, por exemplo) que o permitem.

Cabe ao Estado e aos políticos pensar na forma de os desenvolvimentos tecnológicos beneficiarem o conjunto da população, e não apenas os donos das empresas. Que sirvam para trabalharmos todos menos horas e ganharmos mais, e não para criar uma massa de desempregados e uma população que concentra em si horas absurdas de trabalho para o desenvolvimento tecnológico que já atingimos.

Há quem defenda que os impostos sobre o trabalho passem a ser impostos sobre a tecnologia. Não acho que seja o caminho. É uma forma dissimulada de ludismo. Apenas atrasa o desenvolvimento tecnológico dos países que façam essa opção. É, a prazo, insustentável. A ideia mais interessante que ouvi, desenvolvida por António Brandão Moniz (sociólogo especialista nestes temas), foi a de beneficiar as empresas que conjugam desenvolvimento tecnológico com investimento em formação e reconversão profissional, prejudicando as que não o fazem. Uma política fiscal que sirva para a expansão e modernização e para acrescentar valor ao que se produz, e não apenas para reduzir custos. Porque é mau reduzir custos? É excelente, se servir mais gente. E não basta dizer que reduzir custos baixa preços ao consumidor. Isso de pouco serve se ficarmos todos desempregados.

A mecanização deste trabalho não é má, por si só. Ninguém sonha ser caixa de supermercado ou estar numa fábrica a fazer trabalho repetitivo. O ideal até seria que esta tecnologia nascesse, porque já ninguém aceita ser caixa de supermercado. A questão é se ao libertarmos os humanos desse trabalho conseguimos dar-lhe outro melhor, beneficiando-o. Para isso, é preciso uma política fiscal que desvie o dinheiro que apenas serviria para concentrar ainda mais a riqueza nuns quantos (é o que está a acontecer) e desemprego noutros para reconverter trabalhadores para trabalho mais qualificado, para reduzir horários ou criar um novo mercado de trabalho social e público. A questão não é como travar a tecnologia. É como pô-la ao serviço de todos - e não apenas de alguns. E isso cabe à política.»

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7.6.21

Peru: condor, dá uma ajudinha final!

 




«Con el 94% de las mesas escrutadas, el candidato de izquierda toma la delantera y supera con el 50,07% de los votos a la líder de la derecha.»
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No rir é que está o ganho

 

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O «velho normal»


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As Odemiras dos bairros de Lisboa

 


«Há umas semanas, o país encolhia-se de horror perante as imagens de miséria que chegavam de Odemira. A indignação tolheu governo e deputados e nenhum responsável, político ou outro, deixou de lado a opinião alimentada pela consciência de que o caso dos imigrantes a viver em condições sub-humanas não podia admitir-se. Houve quem lembrasse que não era caso único nem sequer recente, enquanto a maioria rasgava as vestes e declarava a situação insuportável.

Como todos os outros, o caso de Odemira passou, ao fim de uns dias, de assunto de Estado a palha para engordar a longa lista de temas que queimam e se extinguem demasiado depressa - como os horrores vividos pelos moçambicanos às mãos de jihadistas, o descontrolo nas festas dos adeptos de futebol, a marquise de Cristiano Ronaldo e outros temas que por diferentes motivos despertam a indignação coletiva. Raras vezes duram tempo suficiente para encontrar responsáveis e soluções. Antes servem de combustível para alimentar causas próprias.

Sobre Odemira, disse Fernando Medina no seu espaço de comentário semanal que muito daquela história se contava pelo "desequilíbrio ambiental e dos serviços" - educação e saúde - e que "o ideal seria nunca ter deixado crescer a agricultura intensiva ao nível que cresceu". Porque, naturalmente, a avidez de produzir mais e mais, e a falta de portugueses que queiram trabalhar nos campos, combinadas com a deficiente fiscalização, haviam resultado naquela situação indizível.

Há, porém, outras Odemiras. E a muitas não pode apontar-se o crime da agricultura. Como aquela que se desenvolve debaixo do nariz do presidente da câmara de Lisboa, empurrando dezenas de nepaleses, bangladeshianos, senegaleses, guineenses e outros imigrantes que aqui chegam com parcos meios e ainda menos perspetivas para se alojarem em quartos de 15 metros quadrados. Divisões cortadas a pladur em que partilham o espaço à meia dúzia, a pagar mais de 100 euros por uma cama e tempo limitado de casa de banho. É o que têm de fazer para conseguir trabalhar nas mercearias e lojas de souvenirs que vão sobrevivendo à pandemia e garantir que o pouco dinheiro que fazem vai chegando às suas famílias, lá longe.

Também em Lisboa o problema não é novo ou desconhecido: foi identificado num estudo completado há uma década. Mas pouco se alterou nesta que é cada vez mais a realidade de bairros como a Mouraria, o Martim Moniz, o Intendente. Nem foi atalhado há um ano, já em tempos de pandemia, quando a polémica do dia eram as 170 pessoas retiradas de um desses edifícios, em plena Morais Soares, tendo 136 delas acusado positivo para a covid. Ou quando nos assaltaram dezenas de casos semelhantes por toda a cidade, prédios sobrelotados, sem condições, recheados de imigrantes a depender da ajuda de associações locais - que apontam para mais de um quarto dos estrangeiros em Lisboa a viver nessas condições. Para esses, não há alojamento digno à vista. Tão-pouco uma daquelas 6 mil casas prometidas por Medina há quatro anos, a renda comportável por quem não tem hoje acesso à cidade (parte delas chumbadas pelo Tribunal de Contas, menos de 400 feitas).»

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6.6.21

Quando se viajava…

 


Por estes dias, há oito anos, andava por Barcelona e passei umas horas no Palau de la Música Catalana, onde nunca tinha estado e que é absolutamente deslumbrante.

Foi projectado pelo arquitecto Lluís Domènech i Montaner, um dos principais representantes do modernismo catalão, construído entre 1905 e 1908 e declarado Património da Humanidade em 1997. Mais informação AQUI.
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06.06.1968 – Maurice Béjart em Lisboa

 


Há 53 anos, dois dias depois do assassinato de Robert Kennedy, Maurice Béjart deu um concerto em Lisboa, que estaria na origem da sua expulsão do país.

No final do espectáculo, veio ao palco para afirmar que Robert Kennedy fora “vítima de violência e de fascismo” e para pedir um minuto de silêncio “contra todas as formas de violência e de ditadura”. Com a maior parte dos espectadores de pé, renovaram-se os aplausos, com mais força e mais entusiasmo. Informado do sucedido, Salazar proibiu os espectáculos seguintes e ordenou que Béjart saísse imediatamente de Portugal.

Ver mais informação neste post do ano passado.
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É isto



O Governo e os britânicos


 

«Quando tudo corre bem, o mérito é do trabalho de casa bem feito pelo Governo. Quando corre mal, a culpa é das avaliações "intempestivas" e com "falta de lógica absoluta" do Executivo de Boris Johnson, ficando por explicar a incapacidade de negociação e diálogo prévio sobre decisões que apanham o país de surpresa.

No que toca ao turismo e à oportunidade que acaba de ser perdida por Portugal, é difícil ao Governo explicar o óbvio: como quer puxar dos galões quando entramos na lista verde do Reino Unido, mas evita assumir responsabilidades sempre que acontece o inverso.

Politicamente, a decisão de manter a matriz de risco foi ajustada ao objetivo de colocar pressão sobre o controlo dos números, transmitindo uma mensagem externa de rigor e segurança. Mas imagens como as que circularam da final da Champions não enganam. Aglomerados descontrolados de adeptos sem máscara não suscitaram apenas críticas internas, sendo difícil calibrar um discurso exigente perante tantas oscilações.

Os números e factos não chegam para se fazer caminho. Desde logo porque é cada vez mais difícil reunir consensos numa altura em que tantos reclamam uma alteração dos critérios para desconfinamento. E sobretudo porque as perceções contam quase sempre mais do que a realidade em si mesma. As mensagens contraditórias sobre a Champions ou sobre os santos populares dificultam a tarefa de conseguir que os portugueses entendam os objetivos e se mantenham unidos em torno deles.

Sete países europeus têm já em funcionamento o certificado digital covid. Garantido que está o princípio de não discriminação de não vacinados, com as regras clarificadas e concertadas ao nível da União Europeia, é preciso assegurar com urgência a concretização deste processo em Portugal. Essa será a única forma de não ficar dependente de negociações parcelares, ou de mercados restritos, normalizando gradualmente o turismo. Dependemos muito dos turistas britânicos, claro. Mas não podemos apostar todas as fichas num tabuleiro. Muito menos quando não temos capacidade negocial para provar que somos capazes de manter as portas abertas.»

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