17.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 8

 


Passar da Argentina para o Chile pelos Lagos Andinos é uma etapa complicada que implica estradas, lagos, autocarros e barcos, mas absolutamente inesquecível por tudo o que se vê entre Bariloche e Peulla.

Faz lembrar a Suíça pela paisagem, mas que ninguém diga por lá que se trata da Suíça da América Latina: a Suíça é que é a Bariloche da Europa… Ver para crer, de facto, a beleza desta parte da Patagónia, sobretudo por um conjunto de lagos inigualável em número, variedade, conjugação com montanhas e vegetação e de um azul absolutamente do outro mundo!
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Cuba: não se recupera a esperança pela força

 

Subscrevo o que Jorge Costa, deputado e dirigente do Bloco de Esquerda escreve neste texto, cuja leitura aconselho na íntegra. Ficam estes parágrafos:

«A longa crise económica, que chega à escassez alimentar, fruto direto do bloqueio económico que Trump agravou e que Biden quer manter, somada à pontual insuficiência do sistema de saúde sob a pressão avassaladora da pandemia, levou milhares de pessoas às ruas por toda a ilha.

A esquerda só pode condenar a repressão das manifestações populares, a que não escapam sequer setores marxistas críticos. Em Cuba, a esperança não se recuperará pela força.

Alimentadas por um “perigoso estado de ódio que foi crescendo nos últimos anos” (Padura), podemos assistir no futuro às desgraças de mais uma operação de “regime change” desenhada a norte. Para impedir tal cenário, Cuba precisará do Partido Comunista, certamente, mas não pode adiar de novo a abertura à liberdade política. Quase impossível? Talvez. Mas apoiar essa possibilidade é a única solidariedade verdadeira, contra o imperialismo e com o povo de Cuba.»
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Almoço (não) «Certificado»

 

13:15, Sábado. Chego a um restaurante, ninguém à porta, entro e sento-me a uma mesa. Quando passa um empregado, abro o Certificado de Vacinação no TM e pergunto-lhe:

- Então e isto?
- Deixe lá, eu confio.

Enquanto lá estive, diverti-me a observar: entraram várias pessoas, sozinhas ou acompanhadas, de diferentes idades, e a nenhuma delas, nem a quem as servia, terá passado pela cabeça que era preciso verificar qualquer coisinha. Foi um Sábado = 6ª feira.

Quem lhes atira a primeira pedra? Eu não o faço.
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Os bilionários assaltam o céu



 

«Nas últimas semanas, os nomes de três dos mais mediáticos bilionários globais - Jeff Bezos, Richard Branson e Elon Musk - têm estado nas notícias por aquilo que é apresentado como uma corrida de machos alfa para saber quem é que vai mais longe no espaço. Como Branson se antecipou à viagem que Bezos realizará no próximo dia 20, este ripostou dizendo que será ele a atingir o limiar da linha de Kármán, a linha convencional, a perto de cem quilómetros de altitude, que separa a periferia da atmosfera terrestre do espaço exterior. Contudo, o que move estes gigantes não é uma luta pelo prestígio, mas a ganância nua e crua. Estes bilionários querem criar um novo mercado para enriquecerem ainda mais.

Estas "aventuras espaciais" estão a ser preparadas há muito. Jeff Bezos foi o pioneiro, em 2000, com a criação da Blue Origin. Elon Musk, seguiu-lhe o exemplo com a fundação da Space X, em 2002. Apesar das mentiras sem castigo em que Musk é pródigo (como a de enviar astronautas para Marte em 2024!), a sua empresa tem funcionado como um táxi que conduz clientes abastados para a Estação Espacial Internacional. Richard Branson, em 2004, foi o último do triunvirato, com a sua Virgin Galactic Holdings Inc. Estas empresas, ao contrário da propaganda que estes bilionários impingem na imprensa e redes sociais, em nada vão contribuir para o alargamento do conhecimento científico. O seu alvo é o mercado de milhares de multimilionários e novos-grandes-ricos, nascidos da brutal desigualdade do neoliberalismo global das últimas décadas. É um mercado de vaidades que o banco helvético de investimento, UBS, avalia já em 244 mil milhões, com potencial para crescer até 800 mil milhões em 2030. O impacto ambiental destas viagens para narcisistas incuráveis será tremendo para as alterações climáticas e para reabrir feridas na camada de ozono. Vai na contracorrente dos esforços internacionais, nomeadamente da UE e dos EUA, para cortar radicalmente as emissões de gases de estufa. Inexplicavelmente, ou talvez não, tanto a NASA como o regulador federal da aviação (FAA) parecem estar abertos para deixar seguir adiante esta empresa insensata. Será que o presidente Biden quer imitar Trump, um entusiasta destes projetos?

A expressão "assalto ao céu" (Angriff auf den Himmel) foi escrita por Marx, a propósito da trágica Comuna de Paris (1871). O conceito de "assalto" tem, tanto no alemão como no português, uma conotação bélica, que faz sentido aplicada à revolução armada do povo de Paris. Contudo, neste caso dos bilionários estamos em presença do outro significado da palavra. Na verdade, este assalto ao céu trata-se de um roubo descarado do património comum da humanidade, servido por especialistas na arte de confundir ilusões com argumentos, e apoiado por políticos venais, oscilando entre obediência e silenciosa cumplicidade. Quando a humanidade começa a mergulhar na fase socialmente mais aguda da pandemia, e as alterações climáticas tanto atacam os camponeses de Moçambique como os prósperos habitantes de Koblenz, os bilionários - rostos da injustiça que governa o planeta - resolvem privatizar o espaço e a atmosfera. A angústia universal serve de manobra de diversão para ganhar mais uns dólares. Para eles, ficam os lucros. Para nós, a fatura de um futuro cada vez mais sombrio. Mas não está escrito em parte alguma que isto é uma fatalidade. Aqui estaria uma boa ocasião para a União Europeia mostrar o que vale junto do governo de Joe Biden.»

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16.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 7

 


Conta a mitologia grega que foi da espuma das águas de Petra Tou Romiou, em Chipre, que Afrodite emergiu das ondas, trazida por uma enorme concha e Sandro Botticelli imortalizou o mito em «O Nascimento de Vénus» (equivalente romano de Afrodite). Não vi a deusa nem a concha, mas passei pelo local, que é lindíssimo, e guardei a imagem para mais tarde recordar.
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Janela para o medo

 

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Cuba: Apelo internacional pela libertação dos detidos

 



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Ministros no asfalto

 


«Fará um mês daqui a dois dias. Um mês sobre a tarde de 18 de Junho em que um trabalhador que efectuava obras de manutenção na A6 foi atropelado pelo carro que transportava o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, perdendo a vida.

A realidade sobre o que sucedeu na auto-estrada da Brisa que liga Évora a Lisboa continua enrolada em versões contraditórias e "protegida" pelo segredo de justiça. O Ministério Público abriu um inquérito para apurar as circunstâncias da morte. A GNR investiga. O Instituto Nacional de Emergência Médica abriu um inquérito interno sobre as circunstâncias em que foi prestado o socorro no acidente. O que não se sabe sobre o que aconteceu nesse acidente fatal diz muito sobre a peculiaridade do segredo das altas figuras de Estado. É evidente que, nestes casos, a sociedade da velocidade de informação não se compatibiliza com os excessos de velocidade na estrada.

As regras são claras. Membros do Governo só podem circular em excesso de velocidade em "serviço urgente de interesse público". A violação da lei só pode ocorrer por agentes das forças de segurança em serviço, por condutores de veículos em missão urgente de prestação de socorro e por condutores de veículos em missão de serviço urgente de interesse público. Vamos então à caricatura. O que poderia bater-se bem, em termos de ironia contemporânea, com o ministro da Administração Interna hipoteticamente em excesso de velocidade na A6? No asfalto, a ficção não precisa de argumentistas: o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, a 200 km/h na A2 e a 160 km/h numa estrada nacional. A realidade basta-nos. Perante as agendas vertiginosas e os horários impossíveis a cumprir, a velocidade com que as viaturas oficiais circulam nas nossas estradas são um exercício de memória. Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro a 260 km/h, Manuela Ferreira Leite a 160, Carlos Carvalhas a 200, David Justino a 180. Há mais de 30 anos e com outras estradas, os responsáveis políticos sempre puseram travão ao exemplo.

É desta forma que os avisos dos CTT que nos são deixados nas caixas de correio, pelo Ministério da Administração Interna, onde se anunciam multas por excesso de velocidade, ganham uma nova leitura e um grau de sarcasmo acrescido. Perante os exemplos dos responsáveis políticos, uma acção colectiva contra o Estado português não seria um acidente. É este o Estado da arte e o fim da caricatura. Verdadeiramente ofensivo para a memória do trabalhador que perdeu a vida na A6 é não ter havido um contacto pessoal do ministro com a família (apenas um contacto da assessora do ministro, não confirmado) nem sequer a (prometida) agilização da pensão de sobrevivência ou de uns cêntimos do Estado. Como no caso do ucraniano Ihor Homeniuk - morto às mãos do SEF, sem uma palavra do ministro à família - que esperou 9 meses por uma indemnização do Estado português, prestar condolências é um exercício de humanidade em que Eduardo Cabrita nunca peca por excesso de velocidade.»

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15.7.21

À espera

 

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Ouvido ao almoço

 

Diálogo entre marido e mulher, donos de um restaurante de dimensão média:

- Ela: Estás a tomar um Xanax?
- Ele: Sempre à quinta-feira, para aguentar a espera das declarações da Vieira da Silva.
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O maior desafio das nossas vidas

 


«Quanto mais sabemos sobre a dimensão da crise climática, mais constatamos que o que nos espera não será feito sem turbulência política, sem choques sociais e sem ameaças à sustentabilidade do actual modelo económico.

Quanto mais sabemos sobre a dimensão da crise climática, quanto mais reconhecemos que é precisa uma revolução na economia e nos hábitos quotidianos para evitar a catástrofe que se anuncia, mais constatamos que o que nos espera não será feito sem turbulência política, sem choques sociais e sem ameaças à sustentabilidade do actual modelo económico. Esta quarta-feira, a Comissão Europeia apresentou 13 propostas legislativas para orientar essa revolução e o comissário Frans Timmermans, o responsável pela pasta do clima, foi claro ao situar esses desafios: “Devemos ser honestos, nada disto vai ser fácil.”

Está, portanto, na hora de assumir que a indispensável transição a caminho de um modelo de economia e de sociedade com zero emissões, que a Comissão Europeia projecta entre o sonho, o desejo e a necessidade para 2050 não se fará com cimeiras solenes, o voluntarismo optimista das organizações ambientais ou as receitas que tendem a reduzir o problema a uma mera opção sem consequências. As 13 medidas propostas pela Comissão vão ter um custo anual de 350 mil milhões de euros [quase o dobro do PIB de Portugal], vão impor mais gastos às famílias em comida ou transportes, vão arrasar milhões de postos de trabalho e vão condenar milhares de empresas à inviabilidade pelos maiores custos do mercado de emissões de carbono.

Perante a dimensão destes desafios e dos problemas associados, seria tentador deixar tudo como está. Só que essa, infelizmente, não é uma opção. A crise climática que ameaça a sustentabilidade do planeta deixou de ser um problema do futuro. É uma ferida aberta no presente que se vai agravar a cada ano que passa. Por muito duras que sejam as alternativas, por muito que nos permitam antever problemas graves e de desfecho incerto, o pior que a actual geração no poder podia fazer era desistir de lutar pelo futuro. Felizmente, a União Europeia recusou a cobardia do imobilismo e aparece na liderança de um movimento que terá de olhar para as metas da Cimeira de Paris como uma obrigação colectiva.

Entalados entre a certeza de que as mudanças serão árduas, tormentosas e com consequências imprevisíveis, por um lado, e a certeza de que os custos da crise climática implicarão a morte e destruição de amplas zonas habitadas do planeta, as presentes gerações estão condenadas a escolher a única via que lhes concede alguma luz no futuro. Lutar por essa luz, recusar as soluções fáceis dos negacionistas e dos populistas, aceitar que não se faz uma mudança radical sem custos individuais e colectivos, pressionar o poder para cuidar dos mais vulneráveis e conceder meios para uma transição económica o mais suave possível tornou-se o maior desafio das nossas vidas.»

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14.7.21

Cuba dói-me

 



Cuba dói-me, dos pés à cabeça. Aquele povo magnífico tem de se safar e não se vislumbra como.
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14.07.1789 - Tomada da Bastilha

 



Paris, 14.07.1989
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Racismo, o campeonato onde todos perdem

 


«Entre o destino e a sorte, ou falta dela, Marcus Rashford, Jadon Sancha e Bukayo Saka acabaram a noite a falhar os penáltis que deram a vitória à Itália na final do Europeu.

A razão do seu insucesso, no entanto, e de acordo com os adeptos ingleses, não está de modo algum na sua juventude, possível inexperiência ou nas escolhas do treinador. Não, a razão do seu insucesso está na cor da pele, ou não tivessem sido os três jogadores vítimas de racismo nas redes sociais imediatamente a seguir ao término do jogo.

Os insultos, intraduzíveis e rasurados por razões óbvias, foram desde “Go back to Nigeria”, “Get out of my country”, até aos “Take banana n...r” ou “It’s coming Rome!!! F...g n...r!”.

Infelizmente, o futebol, este campeonato e o desporto em geral acabam nestes momentos, revelando o pior de uma nação ainda a braços com um passado colonial onde a supremacia britânica é ainda um motivo de orgulho.

A mesma supremacia usada como argumento para a saída do Reino Unido da União Europeia e onde o emigrante, o mestiço, o negro, o europeu, o asiático, o diferente porque a cor da pele diferente, a língua e a cultura diferentes, o não caucasiano com olhos que não azuis e com cabelo que não louro ou uma estatura nem por isso satisfatoriamente alta, fazendo lembrar tempos nem por isso distantes, é o bode expiatório e o único responsável pelos pecados, insucessos e derrotas de um país.

A mesma supremacia ignorante cuja presença dá razão aos adversários do Reino Unido no palco mundial num mundo que se quer mais justo e igual, mas onde a ignorância é ainda rainha quando o insucesso bate à porta.

A ignorância de quem procura por todos os meios expulsar todos os que se levantam às 3horas desde sempre para fazer tudo o que os britânicos se recusam a fazer, limpar o chão e as ruas, cuidar dos doentes e idosos, construir estradas, edifícios, infra-estruturas, o país, mas também investigar, ensinar, curar, em suma, ajudar, através do sacrifício imenso de quem está a milhares de quilómetros dos seus, a desenvolver uma nação a troco não de uma vida mas de insultos, medo, ameaças e agressões.

E o que dizer do exemplo de Marcus Rashford ao promover o acesso a refeições gratuitas para famílias carenciadas em plena pandemia?

Porque a culpa do insucesso, a existir, é da mesma sociedade que insulta das bancadas quando a equipa da qual se deviam orgulhar insiste em ajoelhar-se, jogo após jogo, contra a injustiça e o sofrimento, a equipa cujas aspirações, desejos e anseios, pelo futuro que é o futuro de todos nós vai muito além das quatro linhas de um simples relvado.

Perder ou ganhar, no fim é tudo desporto e o importante é competir. Com respeito, maturidade, solidariedade e amizade, revelando o verdadeiro poder de união que só o desporto tem ao trazer-nos todos juntos mais uma vez e depois de tanto tempo.

Dizer mil vezes obrigados a estes jogadores que tantas emoções e alegrias nos trazem pecará sempre por defeito. E sublinhar a nossa presença ao seu lado quando o pior monstro de todos se revela mais uma vez, um monstro que a todos diz respeito e cujo nome, racismo, não é senão o campeonato onde todos verdadeiramente perdem e contra o qual combatemos. Até à vitória final.»

13.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 6



 

No Rio Yangtzé (China 2004), a caminho da Barragem das Três Gargantas, bem antes de ela estar concluída e a anos de luz de se imaginar que um dia viesse a dominar a nossa modesta EDP. Voltas que o mundo dá.
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Pedro Nuno Santos

 


Não deixar de ver esta excelente entrevista que Pedro Nuno Santos fez ontem a Miguel Sousa Tavares.(*) (Não, não é engano, foi mesmo o que acabei de escrever.)

(*) Ver o vídeo com 31:44 minutos.
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Entretanto em Cuba

 

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Tomate Cherry sim, neo-escravatura não

 


«Um dos argumentos utilizados na defesa da globalização económica é a ideia de que as empresas, ao procurarem maximizar a sua rentabilidade, acabam por beneficiar as pessoas que mais precisam de trabalho, livrando-as da pobreza.

Em concreto, as empresas dos países ricos, ao se deslocalizarem para os países mais pobres, acabariam por empregar as pessoas mais pobres, fazendo com que essas pessoas, e esses países, ficassem melhor economicamente.

Da mesma forma, quando se dão movimentos de migração de pessoas pobres em direcção aos países mais ricos, as empresas que operam em sectores de menores salários dariam emprego a essa mão-de-obra imigrante, que estaria disposta a trabalhar em condições, e por preços, que os trabalhadores nacionais não aceitam.

Para além disso, as pessoas dos países ricos beneficiariam destas dinâmicas, pois passariam a poder comprar bens e serviços a preços que, de outra forma, não conseguiriam.

Como sucede na maior parte dos argumentos demagógicos, há uma parte de verdade na explanação acima. De facto, quer a deslocalização das empresas dos países ricos para os países pobres, quer a migração de pessoas dos países pobres para os países ricos, têm permitido tirar algumas pessoas da pobreza absoluta, mas a um custo elevado. Esse custo materializa-se no desemprego provocado nos países mais desenvolvidos, na poluição que “emigra” para esses países pobres (mas que contamina o globo) e no retrocesso civilizacional que estas empresas acabam por pôr em prática, nomeadamente ao nível dos direitos laborais, na medida em que praticam salários de miséria, cargas horárias excessivas, precariedade, ausência de seguros de trabalho e baixíssimas condições de salubridade.

O argumento só seria verdadeiro se as empresas dos países desenvolvidos, ao deslocalizarem-se, empregassem as pessoas dos países mais pobres com salários decentes, com horários laborais de padrão ocidental (8 horas diárias, 40 horas por semana), férias pagas, seguros de doença e permitissem a existência de sindicatos. Para além disso, essas empresas teriam que respeitar, nos países pobres, as normativas ambientais que respeitam no ocidente. O mesmo se diga do aproveitamento da mão-de-obra imigrante nos países ricos, tantas vezes ilegal, que, na prática, cria um mercado de trabalho paralelo, sem direitos, uma autêntica exploração do desespero.

Em Portugal, a pandemia acabou por destapar vários exemplos de más práticas deste tipo, perpetradas por empresários do sector agrícola, que exploram populações imigrantes, e que ainda tiveram o desplante de se agarrarem a este tipo de demagogia: ouvir um representante dos proprietários das explorações agrícolas da Costa Vicentina (produtoras de frutos vermelhos e tomate Cherry) dizer que se não fossem eles a empregar estas populações imigrantes (a ganharem tão pouco e a viverem nas condições tão más em que vivem, leia-se), não seria possível o consumidor português ter acesso a tomate Cherry, é uma afronta.

Essas explorações agrícolas não têm que ser centros de exploração do desespero dos trabalhadores. Têm é que respeitar as leis nacionais, a dignidade do trabalho e, das duas, uma: ou baixam a sua taxa de lucro para pagarem decentemente aos trabalhadores e respeitarem os direitos laborais, ou sobem o preço do tomate Cherry, e logo vêem o que acontece à sua procura no mercado. Agora, argumentar que só é possível termos tomate Cherry à venda nos supermercados se se praticar esta neo-escravatura sobre as populações migrantes é um argumento miserável. E nem sequer é novo: era exactamente isso que os esclavagistas norte-americanos argumentavam antes da guerra civil, dizendo que as plantações de algodão não eram rentáveis senão com trabalho escravo. A história mostrou que, obviamente, esse argumento era mentiroso, e apenas protector desses péssimos “empresários”.

Se há alguém que está mal, e que tem que sair no meio desta história toda, são os empresários que não sabem ganhar dinheiro senão com neo-escravatura.»

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12.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 5

 


Samarcanda, no Uzbequistão, é como Meca: há que lá ir pelo menos uma vez na vida. Eu fui, já passaram 10 anos e gostava bem de lá voltar.
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Restrições necessárias, claras, coerentes e para todos

 


«Somos, por estes dias, o país que mais vacina por dia no mundo. Mais de 1,5% da população. Somos o oitavo país da UE com mais pessoas vacinadas. Não é novo. Desde o início que estamos acima da média europeia. E este é o caminho. Basta ver como o aumento exponencial de casos não é acompanhado por uma tragédia em número de mortos e como o número de internados não corresponde ao que tínhamos antes, quando estávamos neste nível de infetados, para perceber a eficácia da vacinação. Como há uma grande diferença entre ter uma ou duas doses, avançar depressa na segunda toma é uma prioridade absoluta para o país.

Ao mesmo tempo, somos o país que tem medidas mais restritivas em toda a União Europeia e o vigésimo no mundo. Atrás de nós, a maioria são ditaduras. E não é só por causa dos números atuais. Apesar da irritação de muitos com o nosso suposto laxismo, estivemos quase sempre entre os mais restritivos. E estou a falar de regras formais. Ao contrário da ideia instituída, estou convencido, pelo que vou ouvindo de quem nos visita, que somos dos que mais cumprem as limitações.

Se na vacinação o Governo está a fazer um bom trabalho, no que toca às medidas parece ter perdido o norte. A medida de recolher obrigatório (a que não chama recolher obrigatório) é inconstitucional, decidida que foi sem Estado de Emergência e em mera reunião de Conselho de Ministros. Não vão longe os tempos em que decisões destas eram tomadas com circunspeção e pesar. Agora, é total a ligeireza com que se impõem limitações drásticas às liberdades mais elementares. Como se fosse um mero ato administrativo. E aceite sem qualquer sobressalto. Primeiro estranha-se, depois entranha-se, disse-o há ano e meio. Não esperava que fosse tão rápido. Nem o Presidente, ilustre constitucionalista, se dá ao trabalho de levantar o sobrolho perante uma medida ilegal.

Mas o problema não é apenas os direitos, liberdades e garantias. É a ausência de sentido prático de muitas das medidas. Basta ver como o Governo impôs e fez cair a interdição de sair e entrar na Área Metropolitana de Lisboa, no espaço de uma semana, para o perceber. Se o objetivo era adiar o avanço da variante delta, sabendo como se espalha pela Europa, a eficácia parece ter sido bem pequena. Foi mais cacofonia para ajudar à confusão e, com ela, a desobediência às sucessivas medidas e contramedidas.

Agora vem a exigência de apresentar certificado digital ou teste negativo para entrar em restaurantes nos concelhos em pior situação pandémica. Mais uma vez, o sentido prático da medida é difícil de acompanhar. Alguém consegue explicar a razão para apresentar o certificado ou fazer um teste para ir a um restaurante numa sexta-feira e não numa quinta-feira? Estará o vírus mais ativo à sexta? Serão os restaurantes mais seguros à quinta?

Compreendo a necessidade de abrir à economia e de ter incentivos à vacinação. Mas este tipo de exigências só será aceitável (e mesmo assim discutível) quando não estar vacinado corresponda a uma escolha. Ainda não temos 40% da população totalmente vacinada e mais de metade está por imunizar. O que se impõe é uma discriminação etária impossível de sustentar. Que, durante as férias, divide famílias.

Claro que há os testes. Não é provável que o sistema, como está desenhado, suporte um acesso generalizado e permanente aos testes gratuitos, e a comparticipação foi, ao bom estilo de João Leão, pensada para não funcionar. Em regra, o acesso à normalidade terá de ser pago. Discriminação etária e social, portanto.

Definiu-se um conjunto de critérios para um conjunto relativamente simples de medidas. Depois foram-se pondo camadas de novas restrições ou alívios em cima até construir, ao bom estilo burocrático, um mapa de regras absurdo que já nem Mariana da Silva, apesar da sua competência comunicacional, consegue explicar.

O problema da irracionalidade, do experimentalismo e da pouca consistência das medidas que vêm e vão e do labirinto caótico que divide o país em bantustões sanitários é que já nenhum cidadão sabe a quantas anda. Desfoca e torna a disciplina no que realmente conta – a máscara, o distanciamento social, a higienização – mais difícil de impor. Haja poucas limitações, uniformes, previsíveis e sem exceções. E que não se crie, com metade do país por imunizar, uma sensação de injustiça que alimenta a desobediência dos jovens.»

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11.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 4



 

Não sei se o Mercado de Chichicastenango, na Guatemala, terá sofrido algumas alterações por causa da pandemia, mas quando lá estive era este mar de vida e de cor!
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E o ridículo não mata nem engorda


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Abre, fecha, testa, vacina

 


«Podemos começar pelo fim, que também é o princípio: vacinar, vacinar, vacinar. No meio de tanto abre, fecha e testa, é o único chão firme que temos pisado. Mérito do vice-almirante Gouveia e Melo, mas também do Serviço Nacional de Saúde, dos seus profissionais e dos municípios que, mais uma vez, estão a dar uma prova inequívoca de que a descentralização do poder, quando bem aplicada, é um préstimo à nação.

Em tudo o resto, tem avultado o experimentalismo, a sobranceria de um Estado que é dos mais restritivos do Mundo na resposta à pandemia, e uma chuva de medidas e contramedidas que equiparam a comunicação a um puzzle de cinco mil peças. Há regras em função dos dias da semana, das horas, das regiões e dos setores de atividade. Dir-me-ão: não havia outra forma, porque Portugal não é igual no impacto e na resposta à doença. Mas a outra face da moeda mostra-nos que chegamos a um ponto em que já ninguém percebe nada. O que é meio caminho andado para ninguém cumprir nada.

As mais recentes medidas, anunciadas com a doçura habitual pela ministra Mariana Vieira da Silva, são uma amálgama bem-intencionada (restringir para não fechar), mas ainda assim uma amálgama. Em que é que o Governo se baseou para exigir certificado ou testes aos alojamentos turísticos e aos restaurantes e não o fazer, por exemplo, aos cafés, shoppings e ginásios? Qual foi o suporte técnico desta estratégia que poupa uns para castigar outros? Não sabemos. Então, mas não eram as festas legais e ilegais que explicavam a proliferação do vírus nesta quarta vaga, como sugeriu António Costa? Se assim é, não fazia sentido recentrar a estratégia no reforço da fiscalização policial, em vez de transformar os donos dos restaurantes em polícias da zaragatoa?

Mais: a ministra disse estar convencida de que é à sexta, sábado e domingo que os restaurantes propiciam um "convívio mais alargado, com mais pessoas", parecendo desconhecer, por um lado, que é precisamente nesses dias que se sentam à mesa os clientes que normalmente fazem parte da bolha familiar (por isso mais protegidos), e, por outro, que os restaurantes, sobretudo nas grandes cidades, têm estado povoados à hora do almoço durante o resto dos dias, normalmente com comensais que são colegas de trabalho e estão fora da tal bolha de proteção.

Chegados aqui, e com menos de 40% da população vacinada totalmente, resta-nos continuar a agradecer ao vice-almirante, aos profissionais de saúde e aos municípios a abnegação com que têm feito funcionar a única boia de salvação que nos resta. E esperar que o certificado digital se espalhe rapidamente pela comunidade, a tempo de salvar a economia, a lógica e o Governo.»

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