21.8.21

21.08.1968 - Era madrugada em Praga



Na noite de 20 para 21 de Agosto de 1968, as tropas do Pacto de Varsóvia invadiram a Checoslováquia , pondo fim à chamada Primavera de Praga que durou pouco mais de sete meses.



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(Fotos de Josef Koudelka, Invasion of Prague, Thames & Hudson, 2008.)
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21.08.1986 - O'Neill

 

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Talibãs exploraram tensões dos EUA na região



 

«Os talibãs ultrapassaram as forças da NATO lideradas pelos Estados Unidos em todos os aspetos da estratégia militar e política. Mas parte substancial da forma convicta e determinada como avançaram sobre Cabul deve-se ao forte investimento que fizeram na vertente diplomática.

Os talibãs exploraram amplamente as tensões subjacentes dos Estados Unidos com a China, a Rússia, o Irão e o Paquistão e ganharam virtualmente legitimidade internacional. Em concreto, tiraram partido das linhas de rutura nas relações desconfortáveis que a China mantém há anos com os Estados Unidos e apresentaram-se com sucesso como um parceiro fiável para Pequim.

Porta aberta à Rota da Seda

Os talibãs garantiram a Pequim que não permitiriam que grupos militantes antichineses procurassem abrigo no Afeganistão, forneceriam segurança total às suas missões mineiras no país e permitiriam que os seus projetos rodoviários relacionados com a iniciativa global chinesa “Um Cinturão, Uma Rota” passassem por territórios afegãos para os Estados da Ásia Central, algo que vai totalmente contra a posição americana que considera este projeto como uma ameaça à sua influência global.

Também conhecida como Nova Rota da Seda, a iniciativa chinesa começa na China Ocidental e atravessa o Paquistão em direção a toda a Ásia, África e Europa através de rotas marítimas e terrestres.

Rússia e Irão sem dúvidas

Do mesmo modo, os talibãs tiraram vantagens da abordagem dura do Irão relativamente aos EUA. Tanto Irão e Rússia acreditam que secretamente os norte-americanos apoiam o grupo terrorista Estado Islâmico (Daesh) para cercar os dois países. Por outro lado, o facto de os talibãs se oporem ideologicamente ao Daesh contribuiu para que Teerão e Moscovo convergissem no interesse em apoiar os talibãs.
Rússia e China deram indicações de estar disponíveis para reconhecer o Governo dos talibãs.
Em relação ao Paquistão, os talibãs deram garantias de que iriam “retirar” a presença indiana do Afeganistão. Islamabade acusa Nova Deli de usar o território afegão para patrocinar o terrorismo através da sua fronteira porosa com o Afeganistão de 2700 quilómetros de comprimento.
Presentemente, Rússia e China deram indicações de estar disponíveis para conceder reconhecimento diplomático ao Governo dos talibãs. É provável que Islamabade e Teerão sigam pelo mesmo caminho. Se isso acontecer, que é o cenário mais provável, seria então difícil para o resto do mundo não reconhecer os talibãs.
O mundo assiste agora perplexo ao regresso dos talibãs ao poder, 20 anos depois de terem sido expulsos à força de maciços bombardeamentos levados a cabo pelas forças da NATO nas principais cidades afegãs.
Reputação histórica

Desde o primeiro dia após o 11 de setembro, as forças internacionais subestimaram grandemente a força e a resiliência dos talibãs, a sua perspicácia política e, mais importante, a reputação historicamente provada dos afegãos e a sua determinação em expulsar forças estrangeiras a todo o custo.

Os talibãs foram injustamente retratados como se apenas falassem pelos canos das armas e usassem as mulheres como escravas. Os media ocidentais noticiaram pouco a quantidade de dinheiro gasto pelos EUA que acabou nas mãos de políticos, funcionários e milhares de prestadores de serviços norte-americanos corruptos. O último exemplo disso foi a fuga do Presidente Ashraf Ghani, com malas de dinheiro, assim que os talibãs entraram em Cabul.»

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20.8.21

Drama maior é quase inimaginável!

 



O vídeo de um bebé a ser entregue a um soldado norte-americano no exterior do aeroporto de Cabul está tornar-se viral nas redes sociais, não deixando ninguém indiferente.




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Entretanto no Afeganistão

 

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Nós tudo — o resto do mundo, nada

 


«Minutos antes do jogo de abertura do torneio de ténis de Wimbledon, a 2 de julho deste ano, a multidão que estava no estádio levantou-se de forma espontânea para aplaudir efusivamente, durante mais de um minuto, dame Sarah Gilbert – a cientista da Universidade de Oxford, responsável pelo desenho e desenvolvimento da vacina contra a covid-19, também conhecida como vacina AstraZeneca. Aplausos seguiram-se depois para os mais diversos profissionais de saúde. Mas esta reação verdadeira e sincera do público em Wimbledon à ciência — ali representada pela cientista Sarah Gilbert, mas que podia ser representada também pela sua colega Catherine Green ou ainda pelos cientistas Katalin Karikó, Özlem Türeci e Ugur Sahin da vacina BioNTech/Pfizer, ou cientistas envolvidos nas vacinas da Moderna, Sinovac, entre outras — mostra inequivocamente que a grande maioria de nós compreende que as vacinas são a melhor ferramenta que temos para sair desta pandemia.

Os resultados são extraordinários. Em países onde o nível de cobertura vacinal é elevado, como é o caso português, o resultado das vacinas é real. Por esta razão, governantes e sociedade civil começam já a dar os primeiros sinais de um ‘virar de página’. Além de começarmos a retomar a nossa forma de estar antes da pandemia, os líderes mundiais já estão a pensar no futuro. Em junho deste ano, por exemplo, quando o grupo do G7 se reuniu, o foco dirigiu-se para a prevenção de futuras pandemias. Mas atenção, se para nós até faz sentido começar a planear a proteção a futuras ameaças, para o resto do mundo este é apenas um triste padrão que se volta a repetir! Quando uma pandemia deixa de ser uma ameaça grave à vida nos países mais ricos, a urgência diminui e as prioridades alteram-se. Foi o que aconteceu com uma pandemia recente — o aparecimento do VIH que causa sida. Tudo fizemos para encontrar soluções e salvar vidas nos países ricos, mas pouco ou nada fazemos para impedir que esta doença continue a causar a morte a mais de 800 mil pessoas todos os anos nos países mais pobres e vulneráveis.

Peter Sands, diretor do Global Fund, escreveu: “A sida, a tuberculose e a malária não devem ser rotuladas como ‘apenas’ epidemias ou doenças endémicas. São pandemias que foram derrotadas nos países ricos. Permitir que persistam noutros lugares é uma escolha política e uma decisão financeira.” Eu acrescento, é uma escolha errada para a qual todos nós contribuímos. Que mundo é este que continuamos a construir para as gerações futuras? Temos de nos questionar quando hoje falamos num reforço imediato da vacina (a chamada 3ª dose) ou em vacinar os mais jovens, enquanto a cobertura de vacinação continua inexistente nos países de baixo rendimento. Não me interpretem mal. Como mãe sinto um enorme alívio que as minhas filhas de 15 e 19 anos estejam vacinadas e contribuam para que a escola se mantenha aberta e a funcionar na sua plenitude. Mas como cidadã do mundo globalizado que partilha o mesmo planeta Terra não posso deixar de sentir uma enorme contradição dentro de mim, sabendo que isso acontece à custa da não vacinação de indivíduos vulneráveis e profissionais de saúde em todo o mundo.

Claro que podemos culpar os políticos. Afinal, as decisões são deles. A verdade é que quando nós próprios não conseguimos sair do círculo vicioso de nós e mais nós e sempre nós e só muito depois talvez (e por caridade) o resto do mundo, o que esperar daqueles que são eleitos por nós? Este é (mais) um momento crítico onde a União Europeia deve dar o exemplo — não administrar a 3ª dose de vacina até que os mais expostos e vulneráveis noutras regiões do mundo estejam vacinados.»

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19.8.21

Um Haiti esquecido



 


Prestar ajuda humanitária em segurança às centenas de milhares de pessoas afetadas, algumas em áreas remotas, é um dos grandes desafios.



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Isto vai, camaradas

 


De um dia para o outro, nas redes sociais, o Afeganistão cedeu o primeiro lugar no pódio à comida saudável nas escolas e o drama do Haiti nem um certificado olímpico consegue. Está provado que somos assim e que daí não vem nem bem nem mal à Terra que continua a girar à volta do Sol..

Não se esqueçam é de ver logo à noite, na RTP1, o 4º episódio de «Pôr do Sol», a coisinha mais saudável e divertida que por aí anda – e estou a falar a sério.
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Teorias da conspiração: uma perspetiva da psicologia

 


«As teorias da conspiração não são uma novidade no nosso mundo. Aliás, parecem sempre ter existido. Remetem para tentativas de explicação das causas últimas de eventos políticos ou sociais relevantes já acontecidos ou por acontecer, baseadas na acusação de alguém ou de algum grupo visto como um inimigo poderoso e malévolo. São, normalmente, explicações curtas e simples para grandes e complexos problemas; são, regra geral, apelativas ao apresentarem soluções também elas simples e, sobretudo, definitivas para problemas das pessoas e da sociedade; são, finalmente, propagáveis porque usam e abusam da dimensão emocional e muitas vezes de mentiras e manipulações pelo que, com ou sem intenção, são facilmente disseminadas pelas pessoas junto de outras pessoas.

Então porquê esta preocupação agora? Porque é hoje tão importante compreender as bases deste problema? Diríamos por três motivos fundamentais: (1) porque, com o desenvolvimento das redes sociais digitais e da sua arquitetura, o impacto é hoje muito maior. Posições minoritárias têm agora um eco muito maior, pela lógica de “bolhas” e de facilidade de disseminação da informação e, particularmente, da desinformação (até 6 vezes mais rápida segundo alguns estudos). Isto pode potenciar a utilização das teorias da conspiração para fins menos claros de manipulação das pessoas, seja para se obterem ganhos económicos diretos, através das partilhas das publicações, seja como forma de fragilizar o poder e as instituições em sociedades democráticas; (2) porque vivemos um período sério de crise (veja-se a pandemia covid-19), onde as teorias da conspiração tendem a ser mais eficazes. Preenchem “vazios” e oferecem “controlo”, compensando uma menor confiança nas autoridades, instituições e comunicação social e beneficiando da crescente diluição de mediadores; (3) porque, enfim, podemos. Temos hoje uma vasta evidência científica, particularmente uma ciência psicológica mais desenvolvida, que nos pode ajudar a compreender, prevenir e mitigar o fenómeno e as suas amplas consequências.

Apesar de todas e todos sermos suscetíveis a acreditar e/ou disseminar desinformação, é cientificamente relevante a maior propensão de algumas pessoas para acreditarem em teorias da conspiração. A ciência parece mostrar que as pessoas que acreditam numa determinada teoria da conspiração têm tendência para acreditar noutras, que muitas vezes são até contraditórias entre si. Este facto sublinha a existência de traços (ou pelo menos características) partilhados por estas pessoas, pelo que é fundamental observar as dimensões psicológicas associadas às pessoas mais vulneráveis a estes fenómenos.

Logo à partida parece clara a utilização das teorias da conspiração numa procura por sensações de controlo e de segurança. Segurança de que a pessoa sabe o que se passa, de que detém um conhecimento superior face aos outros e às narrativas oficiais. Consegue, deste modo, responder à incerteza, à imprevisibilidade e ao contraditório, um pouco à semelhança do que acontece quando se usam crenças paranormais ou superstições. Neste sentido, estarão mais vulneráveis pessoas mais alienadas ou revoltadas face à organização social vigente. Igualmente, pessoas com menor capacidade de regulação emocional e que, por isso, utilizam mais automatismos e estão mais expostas a viés deles decorrentes nos seus processos de tomada de decisão.

Além do controlo e segurança, vários estudos têm também demonstrado que as teorias da conspiração são particularmente apelativas junto de pessoas com outras necessidades psicológicas por satisfazer como a auto-estima. Ao explicarem o desconhecido, as teorias da conspiração permitem às pessoas uma sensação de satisfação por conseguirem explicá-lo, fazendo-as sentirem-se especiais e resultando em acréscimos de auto-estima. Não será por isso estranho que o narcisismo, pautado por maior individualismo, centração em si e por uma extrema necessidade da pessoa afirmar a sua superioridade e de se considerar melhor do que a maioria das pessoas, se constitua como uma predisposição para adotar teorias conspirativas que colocam a culpa noutras pessoas ou grupos.

Associando este fator aos comuns traços de impulsividade nestas pessoas e à sensação de angústia, desespero e mau estar psicológico, viver num mundo com “pessoas malévolas” pode ser de algum modo “reconfortante”, pois fornece uma explicação para as suas emoções mais “negativas” como o medo, a raiva ou o ódio. Poderá ainda ser mais reconfortante pela associação a um grupo especial, que consegue perceber coisas que os outros não são capazes de compreender, o que será ainda mais reforçado com a diabolização de outros grupos. Este fenómeno gera maior polarização e tribalismo e ajuda a explicar também porque pessoas socialmente mais vulneráveis poderão ter uma maior tendência de identificação com estes grupos.

Resta assim claro que as teorias da conspiração promovem prejuízos sérios, uma vez que contribuem para a diminuição da confiança e para a dicotomização e polarização das opiniões e consequente incapacidade para encontrar soluções equilibradas (veja-se, por exemplo, o impacto na saúde pública dos movimentos anti-vacinas alimentados por teorias da conspiração).

Mas nem tudo é negativo. Este fenómeno pode concorrer para acelerarmos e intensificarmos seis mudanças urgentes na sociedade: (1) investir em maior transparência nas ações políticas, questionando as inconsistências de algumas decisões e abrindo a discussão de temas que de outro modo poderiam não ser discutidos; (2) promover a educação, a diversidade e acesso ao contraditório e a literacia das pessoas e da sociedade como antidoto e fator de inoculação face às teorias da conspiração. Em paralelo, influenciar mudanças nos algoritmos utilizados nos motores de busca e redes sociais nesse sentido, permitindo que uma busca de um qualquer tema ou o simples navegar em redes sociais permita acesso ao contraditório e diverso e não apenas a posições reforçadoras das ideias ou crenças de quem procurou; (3) desencadear mecanismos de reforço da confiança, de reforço da coesão e da conexão entre pessoas e grupos (incluindo políticos) por oposição ao extremar ideológico dos mesmos; (4) apostar na promoção da saúde psicológica da população, prevenindo as situações que expõem as pessoas a estes fenómenos, através da promoção da capacidade de adaptação, de resiliência (individual e social) e da crença na possibilidade de bem-estar e num mundo tendencialmente justo e seguro; (5) investir na literacia digital e na capacitação das pessoas para uma utilização consciente das tecnologias de informação e comunicação e das redes sociais, assente no desenvolvimento de pensamento crítico sobre a informação disponibilizada e da capacidade de distinção entre factos / evidências e opinião; (6) investir no combate às iniquidades, desigualdades e a todas as formas de exclusão.

Bem sabemos quão longo, complexo e desafiante é este caminho. As desigualdades, as dificuldades económicas e sociais, a vulnerabilidade a abusos e as sensações de injustiça são um combustível ótimo para as pessoas embarcarem neste conforto de se sentirem parte de algo importante e poderoso. Parecem poder acabar com o mal do mundo, punir os culpados e, enfim, sentirem-se compensados de todos os males sofridos. As psicólogas e os psicólogos podem ter um papel importante no trabalho com estas pessoas pelo seu papel na facilitação do desenvolvimento de mecanismos mais funcionais que as possam ajudar a lidar com as suas dificuldades.

A ciência psicológica pode contribuir com evidência para a compreensão do fenómeno e para ajudar quem decide a desenvolver políticas que o possam prevenir e mitigar. Enquanto sociedade, temos a responsabilidade de valorizar a diversidade e de sermos mais inclusivas e inclusivos e promotores de pontes entre as pessoas, diminuindo a sua marginalização e vulnerabilidade às teorias da conspiração e a outros fenómenos que impactam significativamente a sua possibilidade de bem-estar.»

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18.8.21

Garcia Lorca e os ciganos no 85º aniversário da sua morte

 


Federico García Lorca conta-se entre as primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola. Foi fuzilado, com apenas 38 anos, em Agosto de 1936, entre os dias 17 e 19, pelo seu alinhamento político com os Republicanos e por ser declaradamente homossexual.

Todos os anos nesta data, em Viznar, perto de Granada, ciganos cantam, dançam e dizem poesia em honra de Lorca e de cerca de 3.000 fuzilados pelos franquistas, cujas ossadas se encontram por perto. De madrugada, à luz de velas e das estrelas, sem nada programado, sem nenhuma convocação formal.







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Património cultural afegão: e agora?

 


«São imagens impressionantes: afegãos tentando abraçar os trens de aterragem dos aviões, numa tentativa desesperada de fugir do país antes das mudanças que se aproximam. A velocidade dos acontecimentos dos últimos dias apanharam todos de surpresa, até mesmo os novos ocupantes do palácio presidencial. Ainda por conhecer a forma e a composição do próximo governo talibã, teme-se um regresso ao passado, pelo menos no que diz respeito a direitos fundamentais e à protecção do património cultural.

Vinte anos depois lembram-se os atentados feitos à memória pré-islâmica. Ao saque do Museu Nacional de Cabul soma-se o tráfico de antiguidades para financiar o movimento religioso. Mas o caso mais emblemático foi a destruição dos Budas de Bamiyan, com o objectivo de eliminar um ídolo considerado anti-islâmico. Perante o choque e a impotência da comunidade internacional, as estátuas de Buda, com mais de 50 metros de altura máxima, foram destruídas durante 25 dias, primeiro alvo de disparos de artilharia, que se revelaram ineficazes para desfazer rocha maciça, depois com cargas de dinamite, que finalmente deixaram os nichos da escarpa livres de marcas reconhecíveis das figuras milenares.

Neste último caso, a destruição dos Budas de Bamiyan não reflecte a incúria de um governo: há uma eliminação intencional da memória colectiva, numa tentativa de isolar a herança de uma só religião. Do mesmo modo que a proibição de músicas, filmes, até da televisão, retira distracções numa sociedade mais clerical.

Como se pode imaginar, o Afeganistão tem uma história muito mais vasta, muito mais ancestral do que o século VII d.C. Por lá passaram Dário I da Pérsia, Alexandre o Grande da Macedónia, os impérios Máuria, Cuchana, Timúrida, Mongol ou Mogol. O relevo montanhoso de um país sem mar torna-o difícil de dominar, até mesmo na história recente. Os britânicos finalmente desenharam a Linha Durand, fronteira entre o Afeganistão independente e a Índia Britânica, em 1919, depois de vários dissabores militares. E a presença de tropas da União Soviética teria a oposição de um clima de guerrilha quase constante, até Gorbachev retirar a maioria do contingente militar do país em 1989 - abrindo caminho para a ascensão dos taliban.

Mesmo com uma história conturbada, o património cultural afegão é marcado pela diversidade: do culto do hinduísmo, zoroastrismo, budismo, judaísmo e cristianismo, à herança islâmica, árabe e persa. Foi também no Afeganistão que a arte budista recebeu influências gregas, antes de se expandir para a China, mostrando a relevância da cultura afegã para o resto do mundo.

Quando os taliban retomam o poder, o que esperar? As opiniões dividem-se. De acordo com declarações recentes do movimento, os bens culturais serão protegidos, proibindo a escavação, o transporte e a venda de antiguidades. Contudo, o director do Museu Nacional de Cabul, Fahim Rahimi, teme a integridade das 800 mil peças que o museu alberga. A evolução política do Afeganistão levanta também questões sobre a protecção de bens culturais no resto do mundo. Pouco mais de 100 países assinaram a Convenção de Haia, para preservação de bens culturais em situações de conflito armado. Mas as atrocidades recentes do Estado Islâmico em Palmira, na Síria, mostram como milénios de história podem desaparecer tão rapidamente, se dependerem da boa vontade dos ocupantes.

Não menos importante é perceber como decisões relacionadas com a identidade cultural irão ajudar a moldar o futuro Afeganistão. Cada vez mais longe da influência americana e dos anos posteriores à última ocupação, há várias potências capazes de dialogar com os taliban. Embora nenhum outro país deseje envolver-se directamente na estabilização do Afeganistão, há interesse em beneficiar dos recursos minerais ou do transporte de energia entre os países vizinhos, entre o Médio e o Extremo Oriente, do Irão à China, entre outros. A História está longe de terminar.»

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17.8.21

Confere

 

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Afeganistão: uma imagem para a História

 


Um dos aviões de carga americano C-17, com capacidade para 150 tripulantes, levantou voo de Cabul no Domingo à noite com cerca de 640 refugiados afegãos.
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Senhor/a presidente de junta, para as alterações climáticas temos o quê?

 


«Estamos a algumas semanas das eleições autárquicas, as listas já foram entregues, os candidatos escolhidos e a maioria dos cartazes já estão afixados, por isso, estamos na altura ideal para perguntar que ideias nos trazem os candidatos.

As autárquicas são as eleições de maior proximidade e, talvez por isso, acabamos por ser mais pragmáticos e menos ideológicos, nada a apontar nesse aspecto, mas já não digo o mesmo em relação a votar em caras e não em ideias.

A concessão de águas, os buracos nas estradas ou as refeições grátis no ensino primário são tudo óptimos temas de disputa política autárquica, tanto em 1998 como em 2021 mas, enquanto não fizermos perguntas diferentes não teremos ideias novas e ficaremos imóveis numa luta para a qual já estamos décadas atrasados.

O IPCC lançou recentemente o resultado do primeiro de três temas que compõem o Sixth Assessment Report sobre as alterações climáticas e as suas principais conclusões não surpreenderão os mais atentos. Os humanos são os responsáveis pelas alterações climáticas; muitos dos efeitos nefastos das alterações climáticos já se estão a fazer sentir; quanto mais tarde actuarmos, mais consequências teremos e menos eficazes seremos na sua mitigação.

Tendo tudo isto em conta que ideias estamos a pedir aos nossos decisores políticos? Que propostas pesam na hora de escolhermos o lugar da cruzinha? A nível individual, o voto é provavelmente a nossa maior ferramenta pela luta climática.

A democracia tem esta bonita vantagem que é não só escolhermos dentro do cardápio de escolhas aquela que mais nos agrada, mas também exigir aos candidatos que tragam novos tópicos a debate, que tenham um rasgo de novidade.

Por isso, senhor ou senhora presidente de junta, para as alterações climáticas temos o quê?
  • As casas com deficiências energéticas estão sinalizadas para poderem aceder aos fundos de apoio?
  • Há apoio para as pessoas menos capacitadas poderem aceder a estes?
  • As matas por limpar estão sinalizadas?
  • Os caminhos de acesso dos bombeiros estão limpos e desobstruídos?
  • Os habitantes com mais susceptibilidade de sofrer consequências de ondas de calor estão sinalizados?
  • Que novos espaços verdes teremos?
  • O que estamos a fazer para melhorar a qualidade do ar?
  • O que estamos a fazer para reduzir o desperdício alimentar?
  • Que incentivos temos à mobilidade verde?
  • Os edifícios da junta de freguesia são energeticamente sustentáveis?
  • As margens dos nossos rios e sistemas de drenagem estão dimensionados para o caudal que podem vir a ter?
  • Que metas de emissões de carbono pretende alcançar?
  • Como incentivaremos e apoiaremos as empresas para que atinjam os seus objectivos de emissões?
Precisamos de desconstruir a ideia de que ou tudo tem de ser resolvido a nível governativo central ou tudo a nível individual e nesse aspecto as freguesias, cidades e comunidades municipais permitem o equilíbrio ideal entre a capacidade de implementação e a proximidade que permite maior feedback dos efeitos esperados e inesperados, aproveitemos.» 

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16.8.21

15.08.1947 – Independência da Índia



 

Eduardo Galeano, Los hijos de los días:

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Afeganistão: milhares de especialistas

 


De repente, saltaram debaixo das pedras das redes sociais pessoas de quem nunca se leu uma linha sobre décadas de guerra no Afeganistão, mas que têm agora opiniões categóricas sobre os factos e, sobretudo, que são incapazes de não identificar e acusar «os culpados», como se estivessem assim a contribuir para o que quer que seja. Mais: até condenam quem não o faz. A nossa moralista cultura judaico-cristã é bem mais forte do que julgamos.
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Um grito

 

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Os gritos negacionistas parecem vindos do passado mas podem ser o futuro



 

«Já tinha transmitido as dúvidas de boa parte dos pediatras quanto à necessidade de vacinar menores de 16 anos. Na última sexta-feira, manifestei a minha preocupação pela forma como a DGS mudou de posição, depois de pressão política, dava “lastro aos negacionistas” e dificultava o futuro. É tentador dizer que a premonição se confirmou de imediato. Mas seria dar demasiada relevância a um grupo que é, felizmente, francamente minoritário em Portugal. E sabemos porque os antivacinas são mais fracos por cá do que no norte da Europa: a memória de um tempo em que se morria por pouco ainda está demasiado próxima. Lembramo-nos, pelo menos de ouvir desgraças do passado dos nossos avós ou pais, o que devemos à medicina. A recusa da ciência é uma miséria da ignorância ou um luxo do conforto desmemoriado. Como em muitas coisas, nós ainda estamos no meio.

Os negacionistas aproveitam todas as falhas das autoridades. Os antivacinas souberam, no passado, aproveitar a falta de transparência. Os teóricos da conspiração aproveitam a ganância da indústria farmacêutica. Uma e outra coisa são reais. Mas, verdade seja dita, não precisam de nada para se alimentar. Uns estão fechados nas bolhas de desinformação que as redes sociais promovem. E os que os alimentam fazem-no por má-fé e não precisam de erros para fazer crescer a mentira.

O problema nunca foi a vacina. Há dois anos era porque isto era uma gripe sem importância. 4,4 milhões de mortos depois, ou os óbitos não são de covid ou passaram para novas trincheiras sem perderem tempo com a revisão da matéria dada. Não querem restrições porque amam a liberdade. Não querem a máscara que pode evitar algumas restrições porque não são do rebanho. Não querem as vacinas que salvam vidas e aliviam hospitais porque são os mais esclarecidos. São irredutíveis porque recusam a realidade. Saltam de negação em negação, num jogo do gato e do rato. Criam uma avalanche de desinformação impossível de contrariar. E, no fim, piscam os olhinhos de bons cidadãos e explicam que só têm dúvidas. Que são apenas mais exigentes do que os outros. Seguem a primeira mentira que se lhes põe à frente mas sentem-se, orgulhosos, homens e mulheres extraordinariamente livres.

Quem tem dúvidas pergunta a quem sabe. Quem insiste nelas é porque se baseia, com humildade, em debates realmente existentes (e relevante) entre cientistas que não usam vídeos de YouTube ou páginas obscuras na Internet para dirimir as suas divergências. Quem não está habilitado para debates científicos (eu não estou) concentra-se na discussão sobre a ponderação de valores. Porque isso sim, ultrapassa a ciência. E quem contesta medidas propõe outras em alternativa.

Quem mais me irrita são os que mascaram tudo isto com um suposto combate à ganância da indústria farmacêutica e do capitalismo. Querem combate-la? Batam-se pelo levantamento das patentes. Defendam o progresso científico como um bem comum, não o obscurantismo contra a ciência.

A imagem de gente possuída por um ódio absurdo a insultar o coordenador da vacinação contra uma pandemia deve ficar-nos na cabeça. Em Portugal ainda são poucos, mas em países em que a ausência de cuidados de saúde se perde mais na memória são muitíssimo mais. Com a destruição dos mediadores que tornam a vida em comunidade e em democracia possível, a desinformação ganhou instrumentos que nunca teve. Vivemos tempos de retrocesso. Esta pode ser a última pandemia que conseguimos vencer. Isto, partindo do princípio que a ganância do mundo rico que priva de vacinas os países mais pobres não nos está já a condenar à derrota.

O caos que se instala não é inocente. Ele abre alas a homens providenciais que nos salvarão do medo e do desespero. Quem trabalha para que nenhuma autoridade científica, técnica ou política seja aceite não quer apenas o caos. Quer a ordem autoritária que a ele sempre se segue. Aqueles gritos tresloucados que chamam assassino a quem trabalha para salvar vidas parecem vindos do passado. Mas são um aviso para o futuro. Recusarmos um debate sério sobre a regulação dos instrumentos disponíveis à desinformação é condenarmos à morte os valores da liberdade que queremos defender. Não existe liberdade sem regulação. A isso voltarei um dia destes.»

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15.8.21

René Magritte

 


Deixou-nos há 54 anos.
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Bom 15 de Agosto

 


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Vacinação: copo meio cheio



 

Foi bom ver os protestos contra a vacinação quando Gouveia de Melo chegou ontem ao centro de Odivelas: os gritos eram esganiçados, mas os gritantes muito poucos. As palmas vão para os mais de 100.000 jovens 16/17 vacinados num só dia.
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Uma vida pela frente

 


«Na nossa juventude, nós e o nosso grupo restrito de amigos sabíamos imenso sobre cinema, música, arte e literatura. Líamos extensivamente sobre os filmes, já que tínhamos de esperar meses, quando não anos, até os conseguirmos visionar na Cinemateca ou, depois da meia-noite, na televisão. Não era então como é hoje, em que todos os filmes e toda a música do mundo — toda a produção humana, na realidade — estão à distância de um gesto digital. Este acesso, dizem pessoas da minha geração, sendo indiscriminado, provoca uma homogeneização “perigosa”; sem curadoria, todo este saber se transforma em não-saber.

Hoje em dia, eles, os jovens, consomem coisas, não ouvem, nem lêem, realmente, como nós fazíamos. Pergunto se é preferível a existência de um grupo pequeno de gente excepcionalmente culta a uma larga maioria de gente suficientemente culta. Ah, mas o problema é que os jovens de hoje não são nada cultos, antes pelo contrário, tudo lhes escapa porque andam sempre enfiados no telemóvel.

O que eventualmente assusta de facto a minha geração é que à era do nicho, da excepcionalidade e da curadoria, se suceda uma era irrestrita, a partir da qual parece ser impossível superar a mediania. Lamentamos que estejam a desaparecer tantas coisas que conhecíamos bem, coisas profundas e notáveis, substituídas por outras que, inscritas na grande superfície digital, nos parecem demasiado acessíveis para importarem. Daí que, numa suposta atitude crítica, muitos de nós tenham rejeitado ou adiado a infoliteracia. Por este andar, enquanto lastimamos o que se vai perdendo, pode o mundo tornar-se um sítio melhor — bem debaixo dos nossos narizes.

A partilha de sistemas e de informação, facultada pelos computadores que temos hoje no bolso, poderá vir a resultar na produção de inteligência colectiva, diversa e colaborativa, feita por humanos, para humanos, assegurando equidade e transparência — na sua génese, conceitos próximos dos nossos ideais de juventude. Sim, assusta ver seres com uma vida pela frente a passar tanto tempo ao telemóvel, mas torna-se menos temível se pensarmos que parte importante do seu futuro, e do nosso, passa pela destreza, inteligência e imaginação com que saibam usar as actuais tecnologias. Receamos que lhes fiquem a faltar outras competências, tão fundamentais — aos nossos olhos, mas não aos deles. Tem sido sempre assim: se viajarmos até à nossa própria juventude, sem a romantizar, vemos com clareza o quanto todos crescemos ao arrepio dos preceitos dos nossos pais. E os nossos pais dos deles.

Corre na Internet a citação de um artigo, de 1999, de Douglas Adams, em que o escritor e humorista cria três breves regras em que procura descrever a relação das gerações com a tecnologia: “1. Qualquer tecnologia que exista quando se nasce é vulgar e apenas parte natural da forma como o mundo funciona. 2. Qualquer tecnologia inventada entre os 15 e os 35 anos é nova, excitante, revolucionária e eventual oportunidade profissional. 3. Tudo o que for inventado depois dos 35 anos é contra a ordem natural das coisas.” Estas regras cómicas, sem rigor estatístico, talvez estejam certas nisto: os jovens, ainda que em toda a sua ignorância, são a força verdadeiramente revolucionária em campo. Têm do seu lado a maior e mais legítima motivação de todas, a de viver uma vida longa e boa, num planeta ameno. Arregaçar as mangas e juntarmo-nos a eles seria tão educado e bem-disposto da nossa parte.»

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