18.12.21

18.12.1961 – Goa: o primeiro golpe no império

 


Foi na manhã de 17 de Dezembro de 1961 que tiveram início as operações militares que levaram à ocupação da cidade de Pangim, capital de Goa, na noite do dia seguinte.

Os factos são conhecidos, mas vale a pena recordar o célebre discurso que Salazar fez na Assembleia Nacional, em 3 de Janeiro de 1962.

Ler mais informação AQUI, num post do ano passado.
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Patxi Andion

 



Deixou-nos há dois anos.
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Migrações, trabalho, demografia

 


«Comparando os dados, ainda provisórios, dos Censos 2021, divulgados esta quinta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), com os de 2011, vemos que a população a residir no país diminui 2,1% e que os residentes estrangeiros aumentaram, sendo agora 555 299.

Observa-se o envelhecimento da população por efeito não só do saldo natural negativo (diferença entre nascimentos e óbitos), mas também de uma enorme dimensão da emigração em década e meia. Deitando mão destes factos e de indicadores vindos de setores económicos e do mundo do trabalho, torna-se evidente que o país precisa, urgentemente, de uma população ativa mais numerosa e mais jovem.

Numa perspetiva de curto prazo, aquele objetivo só é possível com a vinda de imigrantes a quem se garanta trabalho digno, e com políticas laborais e outras que reduzam a nossa emigração. Imigrantes colocados em condições deploráveis, com salários de miséria, com qualificações e saberes desprezados tornam-se instrumento estratégico na desvalorização salarial de todos os trabalhadores que laboram no país. O racismo e políticas violentas alimentam-se daí. Quanto mais maltratados e mal pagos forem os imigrantes, mais jovens portugueses emigrarão, mais se enraíza a precariedade, mais se aprofunda a pobreza.

São necessárias políticas novas e solidárias para a imigração. Uma ação articulada entre vários ministérios - incluindo o dos Negócios Estrangeiros para assegurar uma boa ação diplomática e de cooperação com os países de origem - pode estruturar planos de formação, de reconhecimento de competências e acreditação de formações, promovendo a integração e a valorização dos imigrantes e atacando práticas e redes mafiosas que os exploram.

Dispensam-se as promessas que os governos fazem em momentos de exposição pública de escabrosos maus-tratos a imigrantes. Há que agir para evitar essas situações e impedir que a utilização de mão de obra imigrante se torne na tábua de salvação do "consenso implícito" que impõe salários de miséria a imigrantes e a parte significativa dos trabalhadores portugueses. É imprescindível garantir regulação, negociação coletiva e fiscalização das condições de trabalho.

Portugal precisa de políticas que contrariem o envelhecimento da população. O seu decréscimo origina uma sociedade envelhecida, graves problemas no plano social e bloqueios ao desenvolvimento. A imigração em condições de "criar raízes no país" pode contribuir para soluções de médio prazo e de futuro. Todavia, nas políticas de natalidade há muito a fazer para que as pessoas que querem ter filhos os possam ter e muitas outras se sintam motivadas a fazê-lo.

A nossa despesa pública em educação e cuidados de apoio às crianças, em percentagem do PIB, é das mais baixas da OCDE. E a despesa das famílias em educação e cuidados de apoio às crianças está acima da média da União Europeia. Tem de se investir em provisão pública de cuidados às crianças, garantindo creches e jardins de infância acessíveis e capacitados para as suas funções, combater a precariedade e tempos de trabalho desregulados. Impõe-se a redução progressiva dos horários de trabalho.

O trabalho tem o dom de estar no cerne de quase todos os problemas: se for valorizado é uma alavanca extraordinária para o desenvolvimento das sociedades; se for instrumento de exploração ilimitada e de desigualdades, afunda-as.»

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17.12.21

O chafariz



Chafariz do Rato, Lisboa, 1907.
Fotografia de Joshua Benoliel.
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Clara Ferreira Alves

 


Nem queria acreditar quando a ouvi dizer isto, ontem , no Eixo do Mal. Mas disse e, felizmente, levou a resposta do Daniel Oliveira.
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Alexei Navalny

 


A ler: Prémio Sakharov 2021: o Parlamento Europeu presta homenagem a Alexei Navalny
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Os impostos que os ricos não pagam e o que podíamos fazer com eles

 


«Há exatamente dez dias, o World Inequality Lab publicou a segunda edição do World Inequality Report. O relatório atualiza muitos dos indicadores que já estavam disponíveis na primeira edição, publicada há quatro anos, complementando-os com novidades como a desigualdade das emissões de carbono e a desigualdade de género no rendimento de trabalho. Por outro lado, a análise da distribuição da riqueza está mais completa e melhorada, devido ao esforço continuado dos investigadores de todo o mundo que têm contribuído para este projeto colaborativo que é o World Inequality Lab.

Os 10% mais ricos do mundo ficam com 52% do rendimento mundial (antes de impostos, mas considerando pensões e subsídios de desemprego), ao passo que a metade mais pobre tem apenas 8,5%. Imagine um mundo com 100 pessoas e 100 bananas. Estes números querem dizer que 10 pessoas comem 52 bananas (mais de cinco cada uma), ao passo que 50 pessoas comem apenas 8,5 bananas (menos de um quinto de banana). Vinte e cinco vezes menos bananas, portanto. Nós temos a sorte de viver no continente mais igualitário, no qual as 50 pessoas mais pobres comem quase 20 bananas e as dez mais ricas comem 35 bananas. Mesmo assim, são seis vezes mais bananas para cada um dos dez mais ricos.

Se acha a desigualdade do rendimento chocante, talvez queira saltar este parágrafo. Segundo o relatório, os 50% mais pobres do mundo têm apenas 2% da riqueza; que é como quem diz: nada. Já os 10% mais ricos têm 76% da riqueza. Voltando à analogia das bananas, imaginemos um mundo com 100 pessoas no qual, das 100 bananeiras existentes, 50 pessoas dividem duas e 10 pessoas são donas de 76. A Europa volta a ser a região menos desigual: os dez mais ricos teriam 50 bananeiras, e os 50 mais pobres teriam quatro. Mesmo assim, dá 50 vezes mais bananeiras para cada um dos dez mais ricos.

A pandemia só veio piorar as coisas. Entre 2019 e 2021, a riqueza dos 0,001% mais ricos do mundo aumentou 14%. Este valor compara-se com uma taxa de crescimento da riqueza total de 1%, o que mostra que os super-ricos viram o seu património crescer a um ritmo 14 vezes superior ao das restantes pessoas. Já a riqueza do grupo mais restrito dos bilionários aumentou 50%, ou seja, mais um dólar por cada dois dos (muitos) que já tinham antes da pandemia.

Será que estas pessoas assim tão ricas pagam a sua justa parte de impostos? Umas semanas antes, em novembro, tinha saído outro relatório importante, o The State of Tax Jusitce 2021, da responsabilidade da Tax Justice Network, da Global Alliance for Tax Justice e da Public Services Internacional. Também uma segunda edição, depois da primeira que foi publicada no ano passado. Como andamos com o nariz metido na pandemia, estas coisas passam-nos, infelizmente, ao lado.

Este relatório calcula a receita fiscal perdida utilizando informação que a OCDE compila a partir de uma nova obrigação das multinacionais, que consiste em declarar às autoridades tributárias os lucros e custos que têm em cada país em que operam, em vez de reportar apenas o total, sem discriminação de países. Este “country by country” reporting ajuda os países a detetar comportamentos abusivos e foi proposto pela Tax Justice Network em 2003. Mas demorou a ser adotado, e os primeiros dados disponíveis são de julho de 2020. A Tax Justice Network estima as perdas de receita fiscal identificando discrepâncias entre a atividade económica contabilizada pelas multinacionais em cada país e o lucro que nele declaram. No que diz respeito às offshores, os autores do relatório utilizam métodos estatísticos que comparam as estatísticas macroeconómicas com as declarações individuais de património. Estes métodos começaram a ser desenvolvidos pelo economista Gabriel Zucman no seu muito citado The Missing Wealth of Nations, publicado no Quarterly Journal of Economics em 2013.

Em todo o mundo, perderam-se 483 mil milhões de dólares de receita fiscal no último ano. A maior parte advém das estratégias de planeamento tributário agressivo das multinacionais, que desviam lucros dos países onde efetivamente produzem ou vendem para outros com taxas de imposto mais baixas. São 312 mil milhões de dólares de receita fiscal perdida. A riqueza financeira escondida em paraísos fiscais offshore é responsável pelas restantes perdas, num total de 171 mil milhões. Este montante de receita fiscal perdida seria suficiente para vacinar três vezes a população mundial.

Podíamos pensar que estes esquemas de esconder o dinheiro, ou de o transferir artificialmente para países de impostos baixos, utilizam essencialmente ilhas paradisíacas com coqueiros e águas transparentes. Também, mas não só. Aliás: nem sequer principalmente. A Tax Justice Network calcula que 39% dos esquemas são baseados apenas no Reino Unido e nos seus territórios e dependências. Juntando os Países Baixos, o Luxemburgo e a Suíça, já temos 55% das manigâncias. E juntando os restantes países da OCDE, chegamos praticamente a 80%. Portanto, quatro em cada cinco dólares são subtraídos aos cidadãos deste mundo por práticas tributárias lesivas praticadas nos países da OCDE.

E Portugal nisto tudo? Outra vez olhando para o rendimento antes de impostos, mas tendo em conta pensões e subsídios de desemprego, na alegoria das bananas, as dez pessoas mais ricas comem quase 40 bananas. Do lado da riqueza, são proprietárias de 60 bananeiras. Na UE, apenas a Estónia tem maior desigualdade do rendimento e a desigualdade da riqueza só é superior em seis países (medidas por este indicador). Portugal é, por isso, um país bastante desigual. Podemos não ter bilionários daqueles que estão no topo dos mais ricos do mundo, mas os ricos do nosso país comem muito mais bananas e têm muito mais bananeiras do que as pessoas normais.

Os cálculos da Tax Justice Network mostram que Portugal perde anualmente mais de mil milhões de dólares (quase 900 mil milhões de euros) devido às práticas fiscais abusivas. O património colocado em jurisdições offshore faz voar 470 milhões de receita fiscal, ao passo que as práticas de otimização agressiva por parte das multinacionais fazem escoar 420 milhões.

Como lembram ambos os relatórios – o do World Inequality Lab e o da Tax Justice Network -, os problemas só se resolvem cabalmente com cooperação internacional. Que tem, aliás dado passos (tímidos e incompletos) recentes, como a iniciativa da taxa mínima global promovida pela OCDE. Mas isso não é uma desculpa para cruzarmos os braços. Uma parte desta riqueza offshore tem origem em esquemas de corrupção e crimes de colarinho branco que está nas nossas mãos combater. Assim haja exigência cidadã e vontade política. Quer saber o que representam estes 900 milhões? Em 2019, Portugal gastou 790 milhões de euros com o abono de família, uma prestação que alivia a pobreza das crianças deste país. Imagine que gastava o dobro.»

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16.12.21

Uma rainha com boa memória

 

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Premonição?


 

Isto circulou há um ano nas redes sociais. E não é que aconteceu mesmo?
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O PSD fez «uma viragem à esquerda»?

 


... diz o CDS. Anda tudo um pouco confuso no Centrão, o PS que se cuide.
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Zemmour e os democratas dentro da cerca

 


«Éric Zemmour, jornalista, comentador e intelectual, é a nova estrela da extrema-direita francesa. O uso do choque para se tornar viral é tática conhecida e em que é mestre. Disse que Vichy protegeu os judeus – ele próprio tem ascendência judia da Argélia. Apontou uma arma aos jornalistas, numa brincadeira carregada de simbolismo e que também não é original. Sobre o ataque terrorista ao Bataclan, em Paris, disse que “em vez de bombardear o Iraque, a França devia bombardear Molenbeek” (o bairro muçulmano de Bruxelas). Mas a confusão com Donald Trump é absurda. Abertamente xenófobo e misógino, onde o ex-Presidente norte-americano é primário e ignorante Zemmour é sofisticado e culto.

Éric Zemmour ameaça a velha xenofobia orgânica herdeira de Pétain, que limou as suas arestas e assumiu um discurso social. Nas últimas sondagens que vi, tinha cerca de 15%, praticamente empatado com Marine Le Pen. Os dois juntos tinham cerca de 30%, quase mais 10 pontos percentuais do que o excelente resultado que a extrema-direita já tinha conseguido na primeira volta das últimas presidenciais, em 2017 (mais 6%, se contarmos com a votação que então teve Nicolas Dupont-Aignan, um dissidente da UMP). Cresce porque Zemmour é mais eficaz do que Le Pen a entrar no eleitorado republicano e até no eleitorado de Macron. O seu aparecimento teve dois efeitos interessantes: a normalização de Le Pen e a demonstração prática de como Macron precisa da extrema-direita.

Há umas semanas, na televisão, David Doukhan, um jornalista do “Le Parisien”, alertava para um estranho fenómeno: Zemmour tornou Le Pen mais frequentável e menos assustadora. Esta é a perversidade criada pelos que abandonam o seu lugar político contra um mal maior. Foi assim que boa parte da esquerda (e muita direita) se entregou nos braços de um liberal populista como Macron, esvaziando a sua capacidade de ser alternativa. Quem escolhe sempre o mal menor não só entrega o seu espaço a outros como ignora que haverá sempre um mal pior que fará do menor aceitável. Isso, e a desistência, por parte da esquerda, da sua agenda clássica, pela qual está a pagar pesadamente – os socialistas têm hoje 5%, Mélenchon caiu para os 8%.

A xenofobia e o racismo raramente são a causa, são quase sempre o sintoma. Um país não entra em decadência quando tem fortes comunidades migrantes – pelo contrário – e lida com as consequentes e inevitáveis tensões que isso sempre trouxe. Entra em decadência quando isso se torna insuportável. Quando esse incómodo passa a ter uma forte tradução política. As tensões, que podem ser complexas e não corresponderem à simples dicotomia entre racistas e cosmopolitas, não devem ser ignoradas. Mas Trump, Bolsonaro, Abascal, Zemmour e por aí adiante cresceram em circunstâncias muito diferentes. As razões têm de ser, portanto, mais profundas.

Como se vê pela reação à vacinação e às medidas sanitárias, ou ao politicamente correto e direitos das minorias sexuais, tudo são pretextos. É preciso olhar para os pretextos, porque alguns são complexos. Mas achar que basta ceder a esses pretextos para derrotar a extrema-direita não levará a melhores resultados do que ignorá-los.

Um artigo não chega para debater as razões profundas do crescimento da extrema-direita nos países ocidentais: a destruição das instâncias mediadoras e o poder absurdo entregue aos gigantes tecnológicos; a globalização desregulada que deixa metade pelo caminho; a dificuldade em garantir políticas eficazes de integração social dos migrantes, que não é nova; o enfraquecimento dos Estados nacionais e, com eles, da democracia e do poder dos cidadãos; a decadência económica do mundo ocidental e em especial da Europa; o aumento da desigualdade e a perda de poder dos trabalhadores, que ficarão ainda mais atomizados com o crescimento do teletrabalho; a morte de grandes narrativas alternativas ao capitalismo. Há milhares de razões para esta exaustão.

É nestas causas profundas que os devemos combater. E esse combate não se faz com uma paternalista compreensão da revolta das pessoas. Faz-se representando a revolta das pessoas de forma diferente, direcionando-a para a construção de alternativas, não para o ódio ao vizinho de baixo. Sim, é fundamental criar uma cerca sanitária em torno destes fanfarrões. Até porque à medida que cresce a sua força melhores serão os seus líderes, e Éric Zemmour é prova disso mesmo. A questão é se, ao tornar indistinto o que fica do lado de cá, não somos nós que ficamos dentro de uma cerca.

Com esta dúvida, passo para o segundo efeito de Zemmour: ele dividiu o campo da extrema-direita e, com isso, permitiu que a direita tradicional sonhe com uma ida à segunda volta, mesmo com resultados iguais ou inferiores aos do seu candidato, François Fillon, em 2017, que ficou excluído nas últimas eleições. Algumas sondagens dão Valérie Pécresse (dos republicanos) em segundo lugar, na primeira volta, muito abaixo dos dois candidatos de extrema-direita juntos, mas um pouco acima do primeiro deles. E, segundo pelo menos uma sondagem, a candidata da direita tradicional ganharia numa segunda volta contra Macron.

Assim se percebe porque Emmanuel Macron, que fez do perigo da extrema-direita o antídoto contra qualquer exigência política à esquerda ou contestação ao seu poder, precisa desesperadamente desse perigo. Sem ele, perde o poder.

É compreensível e até apelativa a ideia de que o combate político fundamental se faz entre democratas e antidemocratas. Mas ela pode ser perversa, por dar força aos antidemocratas. Pior ainda é a ideia de que o combate é entre os que estão abertos ao mundo e os inimigos da globalização, que entrega os derrotados da globalização a Zemmour e Le Pen, como os entregou a Trump. Como o centro-direita, a esquerda não se deve deixar levar por frentes moderadas que atiram para as margens da democracia qualquer discurso que se desvie do consenso atual. Foi isso que permitiu que Macron rebentasse com o sistema partidário francês, dando força a uma Le Pen que o tornava a ele na única escolha aceitável.

Quando os democratas se unem como se fossem uma força única ficam acantonados no “sistema”, uma palavra imprecisa que traduz um poder que as pessoas sentem que não controlam. Os democratas só se devem unir na defesa das regras do jogo e, quando elas estão em causa, agir firmemente, não temendo a vitimização dos prevaricadores. E na defesa de um chão comum de direitos humanos. Mas se essas regras e esse chão comum passam a ser o programa, já foram derrotados. Já só defendem os mínimos, num recuo que só interessa a quem deseja uma democracia mínima. É quando são alternativas entre si que os democratas defendem a democracia.

O valor da democracia não pode ser apenas a alternância, defendida pelos que continuam em negação perante um sério problema de regime. É conter em si alternativas que até podem corresponder a ruturas – desde quando a esquerda pode existir, mesmo a moderada, sem pelo menos questionar o capitalismo? Aceitar a radicalidade em democracia, sem a colar aos seus inimigos, é a condição para a democracia se renovar. Se não, a alternativa são eles. Até podem vir a ser alternativas entre si. Porque haverá sempre pior.»

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15.12.21

Os passeios

 


Passeio nos Restauradores, Lisboa, 1912.
Fotografia de Joshua Benoliel, AML.
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A sabedoria em meia dúzia de palavras

 

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PJ: é a competência que defende a independência da Justiça

 

«Ninguém se atreve a dizer, fora de um discurso de circunstância, que temos um bom Ministério Público. É mais ou menos consensual que temos uma boa Polícia Judiciária. O corporativismo não é, nem nunca foi, o antidoto para a instrumentalização política. Pode até ser a melhor forma de a instrumentalizar. É a competência, é o prestígio (incluindo o internacional, com ganhos para as investigações) e são os bons resultados que defendem das instituições das interferências externas. As interferências relevantes são mais pela falta de meios técnicos e humanos.»

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Cimeira pela Democracia: por um lado e por outro

 


«A cimeira nasce da preocupação americana com o estado da sua democracia, mas ficou ensombrada pela tentação de voltar a uma política de blocos que enfraquece o multilateralismo.

O Presidente Biden afirmou, na abertura da cimeira, que as democracias liberais, essa combinação única de direito de voto com Estado de direito, estão em recessão. O cenário autocrático reforçou-se com a emergência da China, onde a esperança de reformas políticas se desvaneceu, como primeira potência económica.

O iliberalismo político, defendido por Orbán ou Putin, a redução da democracia à realização de eleições, cada vez menos livres, é impulsionado por uma vaga de nacionalismo populista que chegou ao poder no Brasil ou na Índia, e ameaça a França e a Itália.

Quando Biden, em plena campanha eleitoral, anunciou no Council on Foreign Relations que iria convocar esta cimeira caso fosse eleito, os Estados Unidos eram o epicentro da vaga nacional populista. A ameaça existencial à democracia americana é hoje muito mais do que Trump. Em diversos estados, o Partido Republicano tem vindo a aprovar legislação para dificultar o voto das minorias afro-americanas e alterar a certificação dos resultados eleitorais de forma a garantir a vitória em 2024, mesmo que percam.

Esta cimeira procura enfraquecer o movimento antidemocrático americano, assimilando-o à vaga autocrática mundial e recordando a interferência de Putin nas eleições americanas.

A Cimeira não sublinhou as causas profundas da vaga populista: a desigualdade e a corrupção da política. Biden sublinhou o desafio da corrupção, que é um problema grave em vários países, mas não a necessidade de pôr termo ao financiamento das campanhas eleitorais pelas grandes fortunas, o que vicia os resultados eleitorais e perpetua as desigualdades.

Apesar de partilharem a preocupação de Biden com o nacional populismo, os dirigentes europeus não mostraram particular entusiasmo com esta cimeira. Por um lado, consideraram que não é alinhando em mais uma iniciativa americana de promoção da democracia que irão enfraquecer o populismo nos seus países – o historial americano das últimas décadas “de promoção da democracia”, como a guerra do Iraque, é difícil de esquecer. Os dirigentes europeus participaram na cimeira para apoiar Biden, embora saibam que é nos seus países e na União Europeia que têm de agir se quiserem conter a extrema-direita.

A agenda democrática da cimeira é ensombrada pela estratégia americana de criar um bloco anti-chinês, retomando uma parte da retórica da guerra fria, do mundo livre contra o mundo da tirania. Esta segunda agenda fere gravemente a credibilidade da cimeira, pois justifica o convite a países não democráticos – como as Filipinas, Angola, o Paquistão, a República Democrática do Congo ou o Iraque – e a ausência de outros, como a Bolívia, país onde acabam de se realizar eleições livres. Também a Tunísia ficou de fora, mesmo que Estados Unidos e União Europeia tardem a declarar o seu repúdio inequívoco ao golpe de Saied, o que seria bem mais eficaz.

A política de blocos reforça a aliança entre a China e a Rússia. Para os europeus, porém, a Rússia de Putin é uma ameaça às suas democracias muito mais eminente do que a China.

A violação grave dos direitos humanos na China, tal como em outros países, alguns presentes na cimeira, deve ser uma prioridade de política externa, mas o palco adequado para abordar esta questão são as instituições multilaterais. É neste quadro que se pode estabelecer a relação entre a defesa dos direitos humanos e o combate à emergência ecológica ou à pandemia. A comissão de inquérito da OMS às origens do Covid é um exemplo do que deve ser feito, como é a ação da Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, cujo papel deveria ser muito mais respeitado e apoiado, da mesma forma que a OMC é o quadro ideal para tratar de questões como o trabalho forçado.

As conclusões da cimeira são necessariamente vagas: não só a lista de participantes a tal obriga, como nenhum país pode obrigar outro a levar a cabo reformas internas. Dois dos participantes na cimeira, Bolsonaro e Modi, são o exemplo mesmo da ameaça existencial que enfrentam as democracias. É por isso revoltante ouvir Bolsonaro usar a tribuna da cimeira para defender o direito de continuar a desinformar, a que chamou a liberdade da internet, sem que ninguém o contrarie.

O que restará da cimeira é a afirmação clara e inequívoca de que as democracias estão em risco, a par com o reconhecimento do papel da sociedade civil e das suas organizações transnacionais, o anúncio de medidas de apoio à liberdade de imprensa, aos direitos humanos e ao combate à corrupção. Nada de particularmente inovador, e em muitos casos reciclagem de medidas já existentes.

Dentro de um ano os dirigentes voltarão a encontrar-se para verificar o cumprimento das vagas promessas que fizeram. Biden afirmou que tudo fará para que seja aprovada a lei que garante o direito de voto livre de todos os americanos, o que depende, antes de tudo, da determinação em contestar as táticas de “filibuster” no Senado norte-americano. Tem um ano para o fazer. Se fracassar, não é esta cimeira que está em causa, mas algo de muito mais essencial para o futuro da democracia no mundo: a própria democracia americana.»

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Pobre Pai Natal!

 


Nós prendemos notáveis, na Alemanha foi detido um Pai Natal por não usar máscara.
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14.12.21

No país dos Rendeiros


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14.12.1962 – Portugal fortemente condenado na ONU



 

No fim do ano de 1962, a Assembleia Geral da ONU insistiu na condenação da política colonial portuguesa em várias resoluções, com especial destaque, pela sua dureza, para a 1807, aprovada em 14 de Dezembro por 82 votos contra 7 (Bélgica, França, Portugal, Reino Unido, África do Sul, Espanha e EUA) e 13 abstenções (onde se incluíam os restantes membros do «grupo NATO»).
Qual o seu âmbito?

– A Portugal, cuja atitude condenava, porque contrária à Carta, pedia a adopção das seguintes medidas:
a) Reconhecimento imediato do direito dos povos dos seus territórios não autónomos à autodeterminação e independência;
b) Cessação imediata de todos actos de repressão e retirada das forças, militares e outras, utilizadas com tal fim;
c) Amnistia política incondicional e liberdade de funcionamento dos partidos políticos;
d) Início de negociações, na base da autodeterminação, com os representantes autorizados, existentes dentro e fora do território, com o fim de transferir os poderes para instituições políticas livremente eleitas e representativas da população;
e) Rápida concessão de independência a todos os territórios, de acordo com as aspirações da população;

– A Estados membros dirigia um duplo convite, no sentido de pressionarem o governo português e de não lhe concederem qualquer assistência que favorecesse a repressão;

– À Comissão de Descolonização pedia a máxima prioridade ao problema dos territórios portugueses;

– Ao Conselho de Segurança, que, caso não fossem acatadas esta e as anteriores resoluções da Assembleia, tomasse medidas para Portugal se conformar às suas obrigações de Estado membro. 


Portugal manteve-se inabalável e a guerra continuou. Hoje, sabemos o resto da história. 
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Nuno Brederode Santos

 


Seriam 77, hoje, e faz-me muita falta.
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Falar com(o) máquinas



 

«Há não é um Mundo desconhecido. Vamos para o segundo Natal com os receios que, provavelmente, não tivemos no primeiro e se transformou num descalabro de casos e mortes em janeiro e fevereiro.

Já temos saudades de nos cumprimentarmos com dois beijos ou um aperto de mãos caloroso. Estamos naquela situação em que parecemos uns amputados: não sabemos se damos o punho, o cotovelo ou apenas uma reverência à oriental. Todos estamos de acordo que a covid está a mudar a forma como nos relacionamos, sendo que não é só o medo do contágio que faz tomar as devidas distâncias. A pandemia acelerou uma tendência anterior da automatização digital do nosso quotidiano e está a levar-nos para a economia sem contacto, da sociedade sem contacto.

Generalizou-se o teletrabalho e a maior parte das reuniões passaram para um ecrã. O dinheiro quase desapareceu e foi substituído por cartões de crédito e débito ou por outros sistemas de pagamento através do telemóvel. Em apenas dois anos, algumas destas formas de relação sem contacto entraram na nossa vida sem darmos conta. Cada vez é mais estranho entrar numa loja, deambular pelas secções, procurar um tamanho, escolher e passar pela caixa automática sem falar com ninguém. Que Natal este sem o calor humano. Em muitos restaurantes, o código QR substituiu o empregado e não tardará muito para que seja uma máquina a servir à mesa. E se formos falar no comércio online, não demorará muito recebermos os pedidos em armários instalados nos porões dos edifícios sem necessitar de falar com alguém.

Mas também começa a ser irritante ser obrigado a falar constantemente com máquinas, seja para reclamar da fatura da luz ou pedir crédito ao banco. E mesmo em serviços de saúde, rebentamos em ira quando temos de digitar vários números e falar com frases curtas para chegar a lado algum. Claro que viver de apps não é só desvantagens. Facilitam-nos a vida, aumentam a produtividade e dão-nos mais tempo para outras coisas. O lado obscuro é que nos conduzem a uma interação social comandada por algoritmos, autómata e despersonalizada. É que as máquinas não sorriem nem choram. E os humanos precisam disso.»

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13.12.21

Ui!... até dói

 

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Não sei se não estamos a levar isto «leve, leve» por cá

 


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Alô, China

 

«A supremacia dos portos chineses é não só indiscutível como impressiona pela sua esmagadora dimensão. Nos dez primeiros portos mundiais estão sete da China, sendo a ordem a seguinte: 1º Xangai (China), 2º Singapura, 3º Ningbo-Zhoushan (China), 4º Shenzhen (China), 5º Guangzhou (China), 6º Busan (Coreia do Sul), 7º Qingdao (China), 8º Hong Kong, 9º Tianjin (China) e 10º Roterdão (Países Baixos). Quanto aos EUA, o seu primeiro porto (Los Angeles) apenas aparece em 17º lugar e o segundo porto (Long Beach) em 22º lugar — ambos na Califórnia, ou seja, na costa do Pacífico e orientados para o comércio com a China / Ásia. Na costa do Atlântico o porto melhor posicionado é o de Nova Iorque e está num relativamente modesto 24º lugar. Quanto aos europeus, Antuérpia (Bélgica) está em 14º lugar e Hamburgo no 17º lugar. O ranking anterior refere-se ao volume de mercadorias manuseadas em Twenty-foot Equivalent Unit (TEU), a medida usual para aferir o volume de um contentor por onde passa o comércio da maioria das mercadorias.»
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Proteger a sociedade civil e a democracia

 


«A reunião virtual dos líderes mundiais dos dias 9 e 10 de dezembro para a Cimeira pela Democracia do presidente dos EUA, Joe Biden, deveria ter sido colocada uma questão simples: O que é que podemos fazer para ajudar os mais corajosos defensores da democracia, como os manifestantes que estão a arriscar as suas vidas no Sudão?

Durante meses, centenas de milhares de pessoas inundaram as ruas do Sudão, exigindo um governo responsável e o fim do regime militar, apesar de as forças de segurança sudanesas os terem recebido com balas. Dezenas de manifestantes morreram.

A sua coragem não é única. Da Bielorrússia à Bolívia, e até mesmo no Reino Unido e nos Estados Unidos, há líderes e organizações da sociedade civil que estão a liderar movimentos corajosos para resistir à opressão estrutural, ao autoritarismo e à injustiça.

Infelizmente, o seu trabalho não poderia ser mais urgente. As ameaças aos líderes da sociedade civil e às instituições democráticas estão a aumentar em todo o mundo. O nacionalismo, a desigualdade e a polarização política estão em ascensão por todo o mundo, e as restrições relacionadas com a pandemia nas reuniões públicas e a tecnologia de vigilância cada vez mais avançada fortaleceram os regimes autoritários.

Na Colômbia, 65 ativistas ambientais foram mortos em 2020. A proibição do uso do Twitter em território nacional pelo governo nigeriano, imposta em junho deste ano, continua em vigor. E em agosto, o governo do Uganda suspendeu as operações de 54 organizações de direitos humanos.

Estas medidas repressivas, tanto nas democracias como nos Estados autoritários, têm consequências duradouras. Ao restringirem as liberdades civis - inclusive a liberdade de imprensa, de reunião e de expressão - e ao atacarem as organizações que as defendem, os Estados estão a deixar os nossos direitos e instituições indefesos contra ataques futuros.

É por isso que os nossos beneficiários e parceiros da sociedade civil estão a fazer soar o alarme. Organizações de várias causas e de diversos países estão a ser alvo de estratégias semelhantes, inclusive acusações de "interferência estrangeira" sempre que trabalham com organizações internacionais estabelecidas e instituições filantrópicas como as que lideramos.

Estes ataques não podem continuar. Eles ameaçam não apenas as vidas e os meios de subsistência de milhares de organizadores e ativistas da sociedade civil em todo o mundo, mas também a própria democracia. Enquanto os regimes autoritários enfraquecem estes grupos essenciais e interrompem o seu trabalho imprescindível, os seus cínicos representantes apelidam a democracia de "idealista" e "ingénua".

Nós rejeitamos fundamentalmente esta perspetiva. Aderimos ao poder da democracia precisamente porque requer manutenção, proteção e participação constantes. A paz e a estabilidade que promove são conquistadas por um contrato social inclusivo, não por uma mão de ferro.

Nesse espírito, a Cimeira para a Democracia de Biden visou apoiar a renovação democrática, a participação cívica e a colaboração multilateral. O encontro representou uma oportunidade importante para os líderes se comprometerem novamente com os direitos fundamentais de reunião, associação, expressão e informação nos seus países, e para promoverem esses direitos no estrangeiro através de uma diplomacia estratégica.

Mas os compromissos verbais por si só vão apenas até certo ponto. Enquanto os Estados se envolvem em conversas virtuais nestes dias, têm de estar preparados para irem além da retórica e assegurarem a importância desses direitos combinando palavras com ações na luta pelo espaço cívico.

No domínio dos direitos humanos, isso significa promover as proteções internacionais e nacionais para a liberdade de expressão e de reunião, garantindo assim o direito de cada indivíduo de expressar a sua dissidência diante do autoritarismo. Em muitos Estados, para garantir a liberdade de expressão será necessário revogar as leis de sedição e terminar a suspensão da Internet. Além disso, os governos devem bloquear a exportação e transferência de equipamentos de vigilância para os regimes repressivos.

Mais urgentemente, os líderes mundiais têm de aumentar substancialmente os investimentos nas organizações da sociedade civil que exercem uma verificação crítica sobre o poder do Estado. E têm de destinar recursos tangíveis aos defensores dos direitos humanos, jornalistas locais, serviços sociais e centros comunitários.

Isso requer não apenas apoiar essas organizações em tempos de crise, quando já estão a batalhar para satisfazer as suas comunidades, mas também investir no seu crescimento a longo prazo, o que é um investimento na sustentação de uma cidadania ativa e preparada para enfrentar futuras emergências. Por exemplo, os líderes democráticos devem ampliar os mecanismos de proteção envolventes que providenciam aos ativistas em risco serviços jurídicos, médicos, psicossociais, de segurança digital e de apoio à relocação, em particular aqueles projetos que operam perto de onde os ataques regionais e nacionais à sociedade civil estejam a ocorrer. Esta é uma das formas mais seguras de os Estados apoiarem aqueles que estão a arriscar as suas vidas para defender a democracia.

Por último, os líderes têm de se unir em torno da causa democrática comum e colaborar estreitamente em parcerias multissetoriais e multilaterais. Nos governos, no setor filantrópico, no setor privado e na sociedade civil, temos a oportunidade de desenvolver o diálogo na cimeira e usar os nossos pontos fortes exclusivos para expandir o espaço cívico. Afinal de contas, o melhor protetor do espaço cívico é haver mais espaço cívico povoado por cidadãos comprometidos e interligados, que tenham recursos, proteções e poder para defenderem os seus próprios direitos e meios de subsistência.

Uma cidadania que se compromete pode ser transformadora. Na Moldávia e na Malásia, por exemplo, organizações da sociedade civil ajudaram, este ano, a derrubar leis repressivas de "estado de emergência", evitando a erosão perigosa das instituições democráticas. E milhões de pessoas marcharam em protestos Black Lives Matter no verão de 2020, formando provavelmente o maior movimento de massas na história dos Estados Unidos.

Independentemente da origem da luta ou da distância que percorram, quando as pessoas se reúnem pacificamente para defender os seus direitos humanos fundamentais, fazem extraordinários progressos rumo à dignidade, equidade e justiça para todos. De Cartum a Kuala Lumpur, vamos proteger e promover esse progresso em palavras e ações, e garantir que continua robusto para a próxima geração.»

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12.12.21

PJ e Cagapitos

 


O Facebook está cheio de profundos conhecedores da Polícia Judiciária, que se desdobram em troca de galhardetes porque há uns que a consideram «uma das melhores do mundo» e outros «mais uma vergonha» deste jardim à beira mar afogado.

Pois eu associo-a sempre à palavra «cagapitos» e passo e explicar. Nos idos de 70, a dita PJ vivia ainda numa era pré-informática e coube-me a função de ajudar outros a desenvolverem as primeiras aplicações num computador do Ministério da Justiça. Foi necessário criar uma modesta base de dados para testes e inventar nomes para hipotéticos criminosos a serem carregados com múltiplas culpas. E foi aí que surgiu o Cagapitos como o mais importante de todos, o mais rico e mais suspeito, aquele a quem atribuíamos mais crimes para termos a certeza de que o sistema estava à altura e não implodia.

O que nunca previmos? Que o Cagapitos fosse preso em pijama, a milhares de quilómetros de distância, e que isso fosse um acontecimento nacional que ocupasse o Povo durante vários dias.
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Barquinhos da Trafaria


 

… e estes azuis que ninguém nos tira.
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Ausência justificada

 

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A misteriosa popularidade de Rio junto dos eleitores PS

 


«Uma das coisas que me têm impressionado nos últimos tempos é ver, tanto na minha “bolha” pessoal como na “bolha” das redes sociais, um grupo de pessoas que, sendo habituais votantes no PS, gostam muito de Rui Rio. Eu sei que alguns deles só não votariam PS nas próximas legislativas se António Costa fosse apanhado em flagrante a assaltar bancos. No entanto, foi com estupefacção que os vi a festejar a vitória de Rui Rio sobre Paulo Rangel e esta alegria não era por uma razão utilitária, politicamente admissível: se Rui Rio foi um líder da oposição com quatro anos de decepções, António Costa vence com mais facilidade as legislativas em confronto com Rio do que com o candidato mais combativo e aglutinador da direita, Paulo Rangel. Não era por isso. Era, simplesmente, porque gostam do homem.

Esta percepção foi verbalizada com uma clareza irrepreensível pela jornalista Maria Antónia Palla – que, por acaso, é mãe de António Costa – há oito dias no programa “Mínimo Denominador Comum”, da CNN Portugal. Depois de Sebastião Bugalho ter recordado o fraco amor de Rui Rio pela liberdade de imprensa, pela independência dos tribunais, a sua desvalorização do Parlamento – que têm sido uma constante no seu percurso político, da Câmara do Porto à liderança do PSD – Maria Antónia Palla revelou a sua “enorme admiração pelo dr. Rui Rio”, por ser “um homem que se rege pela sua cabeça e isso é muito importante”.

Rui Rio, segundo Palla, “transmite aos outros que está a dizer o que diz porque pensa de facto assim”. A jornalista elogia o historial de Rui Rio enquanto democrata: “Rui Rio pode ser impetuoso nas suas decisões – às vezes tem que se ser – mas não é presa de ninguém”. A jornalista, que foi das primeiras mulheres em Portugal a lutar pela despenalização do aborto, também naturalmente admira a “coragem” de Rio de apoiar a causa – “Uma das raras pessoas do PSD que era a favor da legalização do aborto”. E se a questão do aborto “é uma questão de liberdade”, “o dr. Rui Rio é uma pessoa que está do lado da liberdade”. E conta um episódio pessoal ilustrativo: quando se soube da vitória de Rui Rio, ligou à sua amiga e fundadora do PSD Maria João Sande Lemos e disse “ganhámos”. Palla concorda com a estratégia de Rio segundo a qual o segundo partido deve apoiar o Governo do partido mais votado. Sérgio Sousa Pinto estava maravilhado com a “estatura democrática” de Maria Antónia Palla e disse que quase não tinha nada a acrescentar.

Obviamente, nem Maria Antónia Palla nem Sérgio Sousa Pinto, candidato pelo PS, vão votar no PSD. As pessoas da minha “bolha” que referi também não. Mas até que ponto esta estranha amabilidade dos eleitores do PS relativamente a Rui Rio terá consequências eleitorais? Será que este apego do eleitorado socialista a Rio indicia que será mais fácil a transferência de voto do PS para o PSD no eleitorado mais flutuante? É verdade que sempre foi essa a estratégia de Rio, que diz que não é de direita: ir buscar votos ao PS.

A inacreditável purga que Rui Rio fez aos apoiantes de Rangel nas listas de deputados comoveu muito pouca gente. O valor dominante em Portugal é “o chefe manda”, o que explica muita coisa – 48 anos de ditadura deixaram um rasto visível no nosso quotidiano. E, nesse aspecto, Rio cumpre o valor da “autoridade” salazarista que tanto sucesso continua a fazer em Portugal.

Hoje, 12 de Dezembro de 2021, o cenário mais provável é uma vitória do PS sem maioria absoluta. É o que as últimas sondagens indiciam. A questão é se o desgaste do Governo, ao fim de seis anos e com uma pandemia pelo meio – com o SNS no estado em que está – acabará a ter efeitos eleitorais surpreendentes. E já sabemos, desde Durão Barroso, que um péssimo líder da oposição pode, havendo sorte, acabar em primeiro-ministro.»

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