12.3.22

Hoje em Odessa

 


Coro dos Escravos Hebreus da Ópera "Nabuco" (G. Verdi)
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12.03.2010 - O dia em que Jean Ferrat morreu

 


Jean Ferrat foi um dos grandes franceses da canção e já passaram doze anos desde que se foi embora. Depois de Léo Ferré, Georges Brassens, Jacques Brel e alguns outros.

Representante típico de gerações de intérpretes politicamente comprometidos, para sempre ligado a Nuit et Brouillard e a tantos outros títulos, o eterno compagnon de route do Partido Comunista Francês, que não hesitou em denunciar a invasão de Praga em 1968.

Clicar AQUI para ver e ouvir alguns vídeos num post do ano passado.
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Sugestão

 

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Por onde anda a pretensa liderança chinesa?

 


«Foi preciso deixar correr 12 dias de agressão contra a Ucrânia para Xi Jinping descer à terra e discutir a sua leitura da crise com Emmanuel Macron e Olaf Scholz. Na véspera, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, havia organizado uma longa conferência de imprensa, focada no mesmo assunto.

Ao analisar estas duas intervenções, fica-me a impressão de que Beijing pretende, em simultâneo, agradar a gregos e a troianos, ou seja, aos europeus da UE e ao regime de Vladimir Putin, e, por outro lado, agravar a retórica contra os EUA. Xi procurou encorajar o diálogo entre os europeus e o Kremlin, bem como criar uma linha de fratura entre a posição europeia e a americana. Assim se pode resumir a iniciativa chinesa.

Acima de tudo, o objetivo de Xi é o de projetar uma imagem de compostura e serenidade, na defesa do sistema multilateral e da paz. Quer aparecer como o grande apologista dos princípios internacionais, enquanto os americanos deveriam ser vistos como os instigadores de conflitos, incluindo o que agora se sofre na Ucrânia. A China estaria sobretudo preocupada com a promoção da cooperação internacional - a palavra cooperação foi mencionada no discurso de Wang mais de 80 vezes -, o desenvolvimento e a prevenção de crises humanitárias em larga escala.

Tudo isto é um exercício de estilo nos domínios da propaganda e da ambiguidade. A China precisa manter uma relação muito estreita com a Rússia. São dois grandes vizinhos, com várias complementaridades, para além da imensa continuidade geográfica. Beijing importa matérias-primas extraídas na Rússia - sobretudo petróleo, cerca de 60% do total das importações vindas da Rússia - e oferece uma válvula de escape à economia do vizinho. Mais importante de tudo, vê nos EUA um inimigo comum. A geografia aproxima os dois países e a geopolítica une-os. Trata-se, porém, de uma união frágil: baseia-se fundamentalmente nas vontades de Xi e Putin. Não tem expressão popular sólida, pois cada povo possui um quadro cultural muito próprio, sem raízes nem referências partilhadas.

E a China também sabe fazer contas: num ano, as trocas comerciais com a UE ultrapassam os 800 mil milhões de dólares, enquanto com a Rússia andam bem mais abaixo, na casa dos 105 mil milhões. Este valor é mais ou menos igual ao do comércio anual entre a China e os Países Baixos. Política e economicamente, Xi Jinping depende de um mercado europeu aberto e amistoso. Para o dirigente chinês, o comércio internacional é essencial para manter o ritmo de crescimento do nível de vida dos seus cidadãos. Isso tem que ver com a sua continuidade no poder. É o argumento fundamental para justificar a sua legitimidade e autoridade absoluta.

O facto é que a liderança chinesa não apoia o assalto militar que Putin ordenou contra a Ucrânia. Pelo que acima escrevo, e por três outras razões. Primeiro, porque desrespeita dois dos princípios fundamentais da política externa chinesa, o da inviolabilidade das fronteiras nacionais e o da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados. Segundo, porque desestabiliza e põe em risco de crise profunda as economias europeias. Terceiro, porque reforça o papel dos EUA na NATO e a sua influência na Europa.

Contudo, Xi Jinping não acha prudente criticar nem mesmo falar agora com Putin. Prefere passar por Macron e Scholz e aconselhá-los a um diálogo com o Kremlin, fingindo que não vê que essa via está, neste momento, bloqueada. Putin não ouve os europeus.

Perante a resistência ucraniana contra os invasores, Putin está decidido a repetir o que outros ditadores fizeram ao longo da história: expandir o uso da força armada, incluindo o bombardeamento de civis - um crime de guerra -, e o cerco das cidades, ao velho estilo medieval. Xi Jinping sabe quais são os custos desse tipo de loucura criminosa. Foi o que o levou a contactar os líderes europeus. Deveria, isso sim, mostrar que as suas palavras sobre o valor do multilateralismo e das negociações diplomáticas fazem sentido e mexer-se com clareza no Conselho de Segurança das Nações Unidas e junto do seu parceiro Putin. Só assim poderá ser levado a sério.»

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral adjunto da ONU
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11.3.22

Paus e pedras

 

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11 de Março? Sim, há 47 anos

 


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Vistos Gold?

 


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Ihor e Roman

 


«Na semana passada, no podcast Today in Focus, do britânico The Guardian, o jornalista Oliver Bullough falava do love affair britânico com o dinheiro russo. Bullough dedicou parte da sua carreira a cobrir as ligações de Londres aos oligarcas russos e publicou esta semana o livro Butler to the World, literalmente “mordomo” do mundo, que explica como o Reino Unido “ajuda as piores pessoas do mundo a lavar dinheiro, a cometer crimes e a escapar” – assim reza o subtítulo do livro que está na minha lista de leituras próximas.

O dinheiro sujo de oligarcas russos e outros ajuda os setores imobiliário e financeiro, por exemplo. Mas não só. Alisher Usmanov, um dos oligarcas de Putin agora sancionados, já investiu no Facebook, na Apple e no Twitter. Mikhail Fridman investiu na Uber. Alexei Mordashov é dono de um terço do maior operador turístico europeu, Tui. A lista de oligarcas que estiveram nos órgãos de gestão de museus famosos, como os nova-iorquinos Museu de Arte Moderna e Guggenheim ou a londrina Tate Modern, emprestaram coleções milionárias ou doaram montantes não menos estratosféricos é vasta: Vladimir Potanin, Petr Aven, Leonid Mikhelson. E, claro está, o futebol: Chelsea, AS Monaco, Cercle Brugge.

A verdadeira extensão da rede de investimentos destes homens-fortes de Putin nas economias das democracias liberais ainda está por determinar. Muito deste dinheiro é canalizado através de complicadas redes de empresas detidas em jurisdições offshore, o que dificulta a identificação dos beneficiários últimos de cada investimento. Chega a ter contornos caricatos: o superiate Scheherazade, no valor de 700 milhões de dólares, está neste momento atracado num porto italiano, sem que as autoridades saibam se o devem confiscar, por não se saber a quem pertence – os rumores dizem que é do próprio Putin.

Estas complexas redes de interesses económicos, empresas, contas bancárias e testas-de-ferro não nascem por geração espontânea. Nem são montadas e geridas pelos próprios oligarcas. Há uma indústria de serviços nos nossos países que vive disto, que inclui escritórios de advogados, bancos, consultores fiscais, auditores. Alguns são grandes empresas, outros indivíduos isolados. Os ganhos de cada um destes facilitadores (que são poucos) são substanciais. Ganhos concentrados numa elite bem relacionada é receita para uma mudança lenta. Foi precisa uma guerra infame para começarmos a levar isto mais a sério – e ainda há tanto por fazer!

Alegremo-nos, pois, porque já temos um português na lista de bilionários da Forbes. Roman Abramovich, que se naturalizou num processo de contornos pouco claros, agora sob investigação da Procuradoria-geral da República. É público que foi um dos maiores financiadores do Museu do Holocausto, um espaço gerido pela Comunidade Judaica do Porto, que certificou as origens lusas do oligarca. Há também 18 edições mal explicadas na página da Wikipedia dedicada a Roman, feitas pelo museólogo e arqueólogo da dita associação, entre junho e novembro de 2021, período que coincidiu com o processo de obtenção da nacionalidade.

Abramovich tinha um interesse evidente neste passaporte europeu, numa altura em que a pressão para sanções já subia devido à repressão do movimento oposicionista de Navalny. Abramovich jogou pelo seguro. Menos de um ano depois de se ter tornado português, foi efetivamente sancionado pelo Reino Unido esta semana.

No capítulo das sanções aos oligarcas russos, o Governo português e o Banco de Portugal têm sido lacónicos. Afirmam que têm implementado as regras europeias, sem mais. Há várias perguntas para as quais gostaríamos de ter reposta, como o montante de ativos financeiros e imobiliários, ou eventuais participações em empresas, que tenham sido abrangidos pelas sanções. A informação pública é escassa. A VTB capital, cuja casa mãe, o Banco VTB, foi sancionado na União Europeia e está fora do sistema SWIFT, é acionista do Banco Finantia. Um tweet de Rui Pinto de há uma semana dava conta de um avião privado português utilizado por Alexander Mikheev, CEO da empresa Rosoboronexport, exportadora de armas que já está na lista das sanções europeias desde a invasão da Crimeia. No caso de Roman Abramovich, era mesmo importante que o Governo nos explicasse de que forma a nacionalidade portuguesa o vai eventualmente proteger de algumas consequências das sanções britânicas. Pode até ser que não proteja, ou apenas em parte – mas que ninguém nos diga nada a este respeito é inaceitável.

Isto não tem nada a ver com a reparação histórica dos judeus sefarditas. Tem a ver com uma legislação laxista, através da qual o Estado português delegou numa organização privada a verificação das condições para a atribuição da nacionalidade, sem mecanismos de controlo que garantam a aplicação isenta da lei. Em janeiro, a Frente Cívica pediu ao Instituto de Registos e Notariado informação estatística que permita avaliar a forma como o Estado está a controlar a aplicação da lei. Ainda antes deste pedido, o IRN tinha já avançado com um inquérito sobre o processo do nosso compatriota Roman, cujos resultados sairiam em fevereiro. Já lá vão dois meses, e do IRN não temos notícias. Nem acerca do justo e urgente pedido da Frente Cívica, nem do dito inquérito.

Volto, então ao podcast e a Oliver Bullough. Numa das partes da conversa que mais me interpelaram, falava do perigo para as nossas democracias de acolher estas pessoas pelas razões erradas, isto é, devido à sua riqueza. Bullough dizia que os super-ricos de países não democráticos estão habituados a conseguir privilégios devido à sua proximidade com os poderosos, em vez de seguirem as regras das pessoas comuns. Isso corrói a essência da nossa vida democrática, assente no princípio de que todos somos iguais perante as instituições e as leis do país.

Não me tenho cansado de pensar nestas palavras a propósito da forma como o meu país estendeu o tapete vermelho a um oligarca russo do círculo mais próximo de Putin, que se tornou multibilionário à custa do povo russo. E de como isto contrasta com o trato reservado a um trabalhador humilde ucraniano que vinha para Portugal à procura de um trabalho que lhe permitisse dar uma vida melhor à sua família.

Fez ontem dois anos que o ucraniano Ihor Homeniuk chegou a Portugal. Faz este sábado dois anos que morreu às mãos do Estado português. Pior: as autoridades do país, tão afáveis com as ilicitudes de Roman, varreram o crime que matou Ihor para debaixo do tapete durante nove longos meses, até ao puxão de orelhas público da comissária europeia Ylva Johansson.

O vício do dinheiro sujo verga as nossas democracias à lógica do homem forte. O país que assassinou Ihor é hoje porto de abrigo para o bilionário cujos negócios sujos financiam a guerra sangrenta de Putin contra o povo e a família de Ihor. Somos cúmplices.»

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10.3.22

Street Art pela Ucrânia

 


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Diferenças

 


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10.03.1920 – Boris Vian

 


Boris Vian faria hoje 102 anos e morreu antes de chegar aos 40. Escritor, engenheiro mecânico, inventor, poeta, cantor e trompetista, também anarquista, teve uma vida acidentada e ficou sobretudo conhecido pelos livros de poemas e alguns dos seus onze romances, como L’écume des jours e L’automne à Pékin.

Especialmente célebre ficou também uma canção – Le déserteur – , que foi durante muitos anos uma espécie de hino para todos os que recusavam participar em guerras, incluindo muitos portugueses. Lançada durante a guerra da Indochina, foi grande o seu impacto e acabou mesmo por ser proibida por antipatriotismo, na rádio francesa, pouco depois do início do conflito na Argélia.

Nunca esquecerei quando Le déserteur cumpriu a função da mais improvável das marchas nupciais, no casamento de um amigo, em Bruxelas, no fim dos anos 60.

(Clicar AQUI para ver e ouvir três vídeos, incluindo Le déserteur, num post do ano passado.)
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A minha irmã ucraniana



“Ao longe, vi algo. Quando me aproximei, vi que se movia.
De mais perto, vi que era um homem.
Face a face, vi que era meu irmão.»

(Provérbio berbere)

Hoje, a minha irmã ucraniana chora. Com desconhecidos deixa partir os filhos. Salva-lhes a vida. Um dia compreenderão. A minha irmã emudece. Arrancaram-lhe a alma, impuseram-lhe o trauma. Regressa ao trabalho. Quem cuida dos velhos que ficam? Ouve as bombas e os tiros, os gritos e os choros. Vê o medo, o desespero e as feridas. Cheira a destruição e a ruína, cheira a coragem. Relembra as palavras da poetisa Lesya Ukrainka: “Liberdade já não tenho, a minha boa sorte voou, só me resta uma esperança, a de regressar à Ucrânia.” A casa invadida, a casa profanada. Regressar à Ucrânia. Que a Ucrânia regresse.

Somos seres dotados de empatia. Sentir o que o outro sente e ter a capacidade de nos colocarmos no seu lugar, excluindo certos casos particulares, faz parte da natureza humana. É o nosso tal lado bom. Aquele que nos leva à compaixão, aquele que nos guia do sentir ao agir. Nos últimos dias, a onda de solidariedade que se elevou para ajudar o povo ucraniano foi admirável. Em contraste extremo com a visão do que a natureza humana também tem de pior.

Somos seres dotados de empatia, mas é capacidade imperfeita. Para nos colocarmos no lugar do outro precisamos de nos sentir próximos, e quanto mais o outro está longe mais árdua é a tarefa. É a imaginação que, por vezes, nos socorre.

Somos seres narrativos, diz o escritor franco-marroquino Rachid Benzine. Para dar a conhecer a sua investigação sobre o processo de arregimentação dos grupos de terrorismo islâmico, o autor escolheu contar uma história, através dos olhos de uma criança, no seu romance Voyage au bout de l’enfance. Benzine conhece bem os mecanismos de empatia, sabe que, para se colocar no lugar do outro, se não podemos estar face a face, a imaginação precisa de ser estimulada e a literatura é também, para esse fim, um excelente instrumento. Precisamos de histórias. E na cobertura mediática de tragédias emocionamo-nos mais quando histórias nos são contadas. Quando existem personagens, quando existe uma narração. Não é por acaso que nas campanhas de angariação de fundos de certas ONG vemos caras, vemos nomes, vemos trajetos de vida.

Podemo-nos emocionar mais com o desespero de uma pessoa do que com a de milhões, tudo depende se e como a história nos foi contada. Os casos de crianças como Rayan, que morreu preso no poço em Marrocos este ano, ou Aylan Kurdi, menino sírio que morreu afogado no Mediterrâneo em 2015, emocionaram o mundo inteiro. E, no entanto, sabemos que tantas crianças morrem no mundo todos os dias por causa de maus-tratos, fome, doença ou guerra. Mas, contaram-nos uma história. Uma história verdadeira. E que merece toda a nossa emoção.

Neste momento, na cobertura mediática dos refugiados ucranianos as histórias são omnipresentes. Há história e há quase face a face, podemos ver o desespero ao minuto, quase tocá-lo nas televisões em alta definição. A empatia encontra aqui as suas condições quase ideais. Mas existem outros obstáculos, não basta a história para nos sentirmos próximos, precisamos também de acreditar que, de facto, poderíamos estar nessa situação. Pensar a um dado momento: “este podia ser eu”. A proximidade geográfica da Ucrânia ajuda, o medo de uma guerra que contamine a Europa, o medo das armas nucleares, que levou até à procura de comprimidos de iodo em França ou em Portugal. Mas também ajuda a sensação de proximidade social, cultural, religiosa ou cromática. Não é por acaso que vários jornalistas ou políticos fizeram a isso menção, como Peter Dobbie da Al Jazeera ou Daniel Hannan do Daily Telegraph: “eles são como nós”, “pessoas europeias de olhos azuis e cabelos loiros”, “um país civilizado”, “pessoas prósperas de classe média”, “parecem-se com qualquer família europeia que poderia ser nossa vizinha”, “a guerra já não é algo relativo a populações empobrecidas e distantes. Pode acontecer a qualquer pessoa”.

Estas declarações são imorais, mas são realistas. Estas pessoas também sabem como funciona a empatia. Mas talvez não saibam que a empatia é capacidade flutuante. Talvez não saibam que, por exemplo, em Portugal já vivem ucranianos e não consta que não sofram de discriminação. E talvez nunca tenham ouvido o nome de Ihor Homeniuk.

A empatia não chega, precisamos também de princípios. E o princípio de que “uma vida é uma vida e tem o mesmo valor do que qualquer outra” corrige, em parte, as nossas carências. Podemos expandir a nossa capacidade de empatia, se derrubarmos os muros racistas, xenófobos e intolerantes que não nos permitem ver que o outro, ao longe, afinal é nosso Irmão.»

Luísa Semedo

9.3.22

Terrível realidade

 

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Vera Lytovchenko

 



(Ver post anterior a este.)
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A última música

 


«Em Kharkiv, uma das maiores cidades da Ucrânia, Vera Lytovchenko vestiu-se a rigor, calçou os seus melhores sapatos e pegou na arma que melhor controla, o violino. E tocou! Tocou tal qual Wallace Hartley tocou, enquanto o Titanic se despedia da sua primeira viagem, que seria também a última.

A música que se ouve nas ruas infelizmente abafa aquela que sai do violino de Vera. É uma música orquestrada de forma pesada e violenta tocada pela filarmónica russa em crescendo desde o dia 24 de fevereiro. É tocada à desgarrada, sem pauta e sem harmonia. É tocada sem tom e sem ritmo. É uma música rude que ninguém quer ouvir. Pelo contrário, Vera pegou no violino e tocou de forma harmoniosa e melódica para um público que não queria assistir a este espetáculo. Tocou para um público que viu naquelas notas um escape. Uma fuga à realidade.

Alguns sobreviventes do Titanic, contaram que enquanto fugiam nos botes salva-vidas ouviam aqueles oito heróis que tocavam música em cima de música à medida que o navio desaparecia. E com o navio, as melodias, os instrumentos e os próprios músicos acabaram por se silenciar no fundo do Atlântico.

Um ato de coragem, foi o que se disse na época. Morreram, mas ficaram imortais. Imortais através da música. Imortais através da arte.

Não sei o que Vera está a tocar, mas acredito que a fricção das cordas e o seu dedilhar consiga transportar o pensamento dos ouvintes para outro lugar. Pelo menos por uns momentos, e que tenham o poder de silenciar a filarmónica russa.

Enquanto nós ouvimos a música dos bombardeiros através dos media, há um país que se afunda. Mas numa cave há um grupo de sobreviventes que assiste a um concerto particular. Não decidiram ir. Não compraram bilhete, mas estão lá.

Haverá certamente música a ser tocada em outros pontos do mundo, mas essa, ao que parece, estamos a ouvi-la mal. Talvez porque a tocam baixo, ou porque a tocam numa geografia mais longínqua. Enfim...

O violino de Hartley foi recuperado e está agora num museu para contar uma história que culminou com a morte do artista.

A minha esperança é que possa ser Vera, esta valente soldada ucraniana, a contar a sua própria história, assim que termine de tocar.»

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8.3.22

Antes que o dia acabe

 

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Desinformação, notícias falsas, portas giratórias: É a democracia que está em causa | 2022.03.08

 

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Sempre neste dia

 

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A batalha na Rússia


 

«O ditador talvez acreditasse mesmo que era aguardado como um salvador pela maioria da população ucraniana, ansiosa pela chegada da "Mãe Rússia", que a libertaria de uma independência que, como nação que não é (Putin dixit), nunca teria desejado. A lenda expansionista de Putin, contada ao Mundo no discurso que antecedeu a invasão, esboroou-se perante todos em poucas horas. A Ucrânia recusa a condição de Estado-vassalo que Putin conseguiu impor à Bielorrússia, que assim continua dominada por um fantoche de Moscovo, aliás, um dos ditadores com maior longevidade no ativo.

A lenda esboroou-se mas é mais resistente no interior da Rússia, onde a invasão é vendida pela propaganda de Estado não só como a reposição de fronteiras "naturais", mas também como uma operação para travar uma limpeza étnica cometida por nazis na região do Donbass. Essa violência existiu, mas é um pretexto, aliás inaceitável de uma política repugnante e de um crime maior contra o direito internacional e a paz.

Os que na Rússia recusam a história oficial são tratados como traidores, ameaçados por novas leis aprovadas em tempo recorde na Duma para criminalizar a crítica e ameaçados pelos partidos da extrema-direita russa, apoiante do presidente, que defendem a incorporação forçada e o envio para a frente de quem se opuser à guerra.

É neste contexto, no mínimo, adverso que milhares de russos têm erguido a sua voz. Em nome do respeito entre povos que são irmãos e com uma longa história comum, feita de misturas e desgraças, que sempre as aproximou e distinguiu como nações. Os revolucionários russos reconheceram o direito da Ucrânia a decidir o seu destino. Estaline suprimiu esse direito e Putin quer reabilitá-lo.

Dezenas de milhares de russos foram detidos desde o início da invasão, mais de quatro mil só no fim de semana passado. São manifestações multitudinárias, sempre sob assédio policial, que envolvem não só os setores ligados ao preso político Alexey Navalny mas também uma miríade de organizações de esquerda, opostas ao ultraliberalismo autoritário de Putin e ao seu nacionalismo militarista. A supressão de redes sociais e a vigilância obsessiva dos seus contactos não impedem os bravos homens e mulheres de saírem às ruas pela paz - e pela vida dos seus familiares enviados para a frente.

As sanções contra o poder económico da oligarquia russa são essenciais no apoio aos democratas que lutam pelo fim da guerra no interior da Rússia. É esse desgaste do poder de Putin entre os seus fiéis que pode acelerar um recuo do regime e travar a escalada da guerra. Nessa, todos perderiam - os ucranianos que resistem como país ao ocupante e os russos que enfrentam Putin e a sua repressão.»

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7.3.22

Não só mas também

 

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Kharkiv, ontem

 

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Como tirar a Rússia do submarino de Putin?



 

«No dia 21 de fevereiro, que parece ter sido há uma eternidade, Vladimir Putin renuiu o seu Conselho de Segurança para dar o último passo para o reconhecimento formal das repúblicas populares de Luhansk e Donetsk. A reunião foi transmitida na televisão. Muitos têm presente a imagem do chefe dos serviços de inteligência, Sergei Naryshkin, a saltar o guião e a dizer que o objetivo era a integração das repúblicas na Federação Russa. E lembrar-se-ão da forma humilhante como foi repreendido e corrigido em frente ao mundo inteiro. Cada um dos membros daquele conselho, que representa o topo da elite política, comprometeu-se, em público, com o caminho que Putin determinou para a Rússia.

No dia seguinte ao começo da ocupação, Putin juntou os principais empresários para discutir os impactos da guerra e das sanções. E para deixar claro que também eles estavam amarrados à sorte da aventura ucraniana. Com o isolamento económico da Rússia e as sanções, também eles estão cada mais distantes do Ocidente e cada vez ainda mais dependentes do regime, trancados com Putin e a sua loucura. Como conta Andei Kolesnikov, do Carnegie Moscow Center, num artigo interessante na “Foreign Afaires”, há um provérbio russo que pergunta para onde se vai quando se está num submarino. Vai-se para onde ele for. O submarino russo “está cercado por águas profundas e ninguém pode sair”.

Claro que isto tem um limite. À medida que as coisas começarem a apertar a oligarquia russa e, até mais do que ela, a elite que rodeia Putin, pode não querer mesmo afundar-se com ele. Como escreveram, também na “Foreign Afaires”, Andrea Kendall-Taylor, do Center for a New American Security, e Erica Frantz, da Universidade de Michigan (dois artigos onde pude ir buscar parte da informação que uso neste texto e que confirma o que é escrito por quem conhece a política russa), “as sanções tendem a ser mais eficazes contra regimes autoritários personalistas do que contra outros tipos de autocracias, porque os ditadores personalistas são os mais dependentes do clientelismo para manter o poder”. E explicam: pela primeira vez, a elite russa pode ter de escolher o seu estilo de vida e Putin. Se ele não lhes garantir um futuro próspero, podem tentar substituí-lo. A questão é se a própria cadeia de comando militar começa a sentir essa necessidade, digo eu. E se há, dentro do regime, alguma alternativa.

Censura e repressão

Depois, há o povo. Não devemos ter grande ilusões neste momento. Apesar de manifestações em dezenas cidades e de uma petição contra a guerra assinada por um milhão de russos, são os corajosos “suspeitos do costume”. A imagem de Yelena Osipova, uma sobrevivente do cerco de Leninegrado, a ser detida é comovente pela coragem e desconcertante pela fragilidade de um regime que teme uma mulher quase centenária. Mas Yelena é uma ativista de longa data. Daquelas pessoas que se mantêm nas lutas quando os outros já ou ainda estão acomodados à situação. Ainda não há um movimento popular contra a guerra.

Antes da Rússia invadir a Ucrânia, a maioria dos russos apoiava o reconhecimento das regiões separatistas e culpava a Ucrânia e a NATO pelo conflito iminente. E o índice de aprovação de Putin cresceu entre novembro (63%) e fevereiro (71%), atingindo os melhores números dos últimos anos. Mas uma guerra longa, sangrenta e destrutiva, assim como uma crise económica profunda, causada pela queda do rublo, pode mudar as coisas.

Até lá, o regime tem sabido defender-se.

Pela censura, antes de tudo. Os russos não estão a ver o mesmo que nós – e mesmo nós estamos muito longe de ver tudo, como se percebe pela divulgação de alguma propaganda ucraniana sem grande escrutínio prévio, mas isso deixo para outro texto. Ouvem a repetição da narrativa de Putin, tratando esta “operação militar” como uma reação à intimidação do povo do Donbasse e a um golpe apoiado orquestrado pelo Ocidente, em 2014 (tudo coisas em que os russos querem acreditar).

Palavras como “invasão”, “ataque” ou “guerra” foram banidas da comunicação social. O acesso ao Facebook e ao Twitter foi bloqueado. A Procuradoria-Geral impôs a proibição dos sites dos meios de comunicação independentes mais populares, como a TV Rain. A 2 março, a estação de rádio independente que transmite na Rússia desde 1990 Echo Moskvy foi encerrada. O acesso a sites de informação internacionais, como a BBC ou a Deutsche Welle, ou nacionais, como Meduza e Radio Svoboda, foi bloqueado. Só os jovens conseguem contornar este bloqueio à informação.

O Parlamento aprovou uma lei que pune com penas até 15 anos de prisão a disseminação de notícias que as autoridades considerem falsas acerca da atuação das forças armadas. E são os próprios órgãos de comunicação social estrangeiros que estão a sair da Rússia, deixando-nos cegos em relação ao lado de lá. O que pode o ocidente a cometer erros semelhantes aos que estão a ser cometidos pela Rússia.

E Putin defende-se pela repressão. Já foram detidos muitos milhares de manifestantes. A repressão é eficaz na Rússia. Em 2021, 52% dos russos temiam a repressão em massa e 58% tinham medo de serem presos ou prejudicados. São os números mais altos desde 1994. Putin pode resistir à reação das pessoas à guerra da Ucrânia e à crise. Pode até impedir, por via da censura e da repressão, que os protestos se espalhem. A não ser que a revolta ganhe enormes proporções no prolongar da guerra.

A guerra de desgaste

O problema de Putin é que, iludido pelo isolamento a que os déspotas sempre se condenam, é cada vez mais evidente que esta guerra foi mal preparada, porque se baseou num extraordinário otimismo em relação ao que se ia encontrar no terreno. É provável que a informação tenha passado por filtros políticos – como aconteceu na guerra do Iraque, com os EUA – para tudo parecer mais fácil.

Os ucranianos resistirão à ocupação com ferocidade e, mesmo que sejam derrotados, os russos terão de lidar com a insurgência. Ao contrário do que Putin esperava, isto não tem nada a ver com o que aconteceu com a Crimeia. Nem a reação ucraniana, nem a do resto do mundo, nem sequer o apoio que a intervenção merece na Rússia.

As coisas avançaram de tal forma que não é, neste momento, fácil imaginar que espaço de recuo existe para uma negociação. A ocupação da Ucrânia exige uma mobilização geral de centenas de milhares de soldados (e baixas permanentes) que seria fatal para Putin. E não há ninguém para liderar um governo fantoche, que não duraria muito. Se tiver consciência disto, o desgaste levará Putin à mesa de negociações e, nessa altura, com a Ucrânia destroçada e a Europa consumida por uma crise, duvido que haja muita gente irredutível. Se Putin não o souber de tudo isto, sobra a sua queda.

A porta das negociações tem de estar sempre aberta. Não compreendo, aliás, como é que dizer este óbvio ululante pode causar qualquer polémica. E o melhor que nos poderia acontecer era a China querer mediar o conflito. Mas acreditar em negociação sem a pressão militar dos ucranianos é conversa de miss mundo. Os ocupantes só negoceiam se a isso forem obrigados. E, mesmo assim, raramente o fazem.

A vitória total e final de um dos lados é difícil, pelo menos a médio ou curto prazo. E a intervenção direta da NATO ou uma zona de exclusão área (no-fly zone) seria, como bem disse o presidente Conselho Europeu, Charles Michel, expor o mundo à possibilidade de uma terceira guerra mundial, nuclear. Não está sequer em cima da mesa. A Ucrânia não seria salva por uma escalada que ponha em sério risco a sobrevivência de todos, incluindo a dos próprios ucranianos (os que lá estão e os que fugiram).

Resta a guerra de desgaste, em que os russos terão de lidar com milhares de baixas, como lhes aconteceu na guerra do Afeganistão e aos norte-americanos no Vietname. E uma prolongada crise económica. Aí, não será fácil Putin manter a sua narrativa e a elite amarrada à sua própria tragédia.

Tudo isto levará imenso tempo, imensas vidas e uma crise também na Europa. Não terão de esperar muito para ver os que mais se entregaram à solidariedade com os ucranianos a atacarem os seus governos pelo aumento do preço do combustível. A solidariedade é mais fácil quando é de borla. E tudo isto pode servir de pouco. Putin pode muito bem resistir. Responder. Responder a todos.»

6.3.22

De novo em São Petersburgo



Como em Moscovo e em mais de trinta outras cidades russas. 
4.000 pessoas detidas por se manifestarem.
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06.03.1927 – Gabriel García Márquez

 


Gabriel Garcia Márquez faria hoje 95 anos e morreu há oito. Foi certamente um dos escritores da minha vida e, durante muitos anos, respondia à tal pergunta parva sobre o livro preferido entre todos referindo «Cien años de soledad». Em espanhol, sim, porque não esperei pela tradução para o ler, assim que saiu em 1967. Não sei se foi o «melhor livro escrito em castelhano desde Quixote», como terá dito Pablo Neruda, mas foi certamente um marco.

Pelo caminho, ficaram «Os Funerais da Mamãe Grande», «O Outono do Patriarca», «O Amor nos Tempos de Cólera» e muitos outros. Até que, em 2002, me precipitei de novo para a primeira edição, em espanhol, de «Vivir para contarla», relato romanceado das memórias da infância e juventude de GGM. A prometida continuação nunca veio (o que foi anunciado como um primeiro volume pára em meados da década de 50). Releio hoje o que escreveu como epígrafe do livro: «La vida no es la que uno vivió, sino la que recuerda y cómo la recuerda para contarla.»

Há quase dez anos fui a Arataca umas horas, visitei a casa dos avós, onde Gabo nasceu e que hoje está transformada em museu, sempre à espera de encontrar algum membro da família Buendía ao virar de uma esquina, um qualquer José Arcádio ou um dos muitos Aurelianos… Foi em Aracataca que se inspirou para criar a mítica aldeia de Macondo, de «Cem anos de solidão».

Em rigorosa «peregrinação», fiz um desvio de dezenas de quilómetros para chegar a essa localidade, hoje com 45.000 habitantes, feia e infelizmente desmazelada, que não honra como devia o que de mais importante deu ao mundo.

Pode espreitar para ver AQUI a casa em detalhe, os móveis, a cama onde nasceu, a escola, etc. etc.

A guerra vista daqui

 


«A cada geração a sua guerra e nós estávamos há muito sem ter a nossa. Houve, é certo, o terror da Al-Qaeda com os barbudos das bombas, mas era ocasional e intermitente, e o Iraque e o Afeganistão sempre foram demasiado distantes e exóticos para os sentirmos como verdadeira ameaça. Agora não, é diferente, é na Europa aqui ao lado, com Yuris-canalizadores, crianças loirinhas e mães com lábios de pato que mais parecem modelos.

O ódio é uma emoção cansativa, disse Patricia Highsmith, que dominava o assunto, e é facto que nem passou uma semana e já estamos todos arrasados de tanto abominarmos Putin. Como sempre sucede, os problemas de véspera, aquela multa da EMEL, o carro na revisão, a tarde com a chata da sogra, a seca e os calores climáticos, até a saudosa covid, parecem-nos hoje pequenos, fáceis de manejar. Às tantas, nos momentos mais pesados, até sentimos inveja daqueles que já morreram e, outras vezes, remorso por termos gerado filhos em mundo tão desgraçado.

O mais doloroso de tudo é que, como no fim dos casamentos ou nos cancros terminais, a guerra obriga a que nos confrontemos connosco próprios e com o que fizemos ou deixámos de fazer para chegarmos aqui. Putin é nosso inimigo e está em guerra connosco desde que subiu ao poder - há mais de 20 anos, portanto -, nós é que não quisemos ver. De pouco adianta agora culparmos a "fraqueza" dos líderes que temos e escolhemos, pois a culpa é nossa e de todos, que em troca de bela vida compactuámos com o gás trazido de longe, os iates dos oligarcas, os vistos a brilhar de doirados, o pântano das offshores. Sobretudo, é nossa a culpa de vivermos na ilusão de que poderíamos ser amigos e fazer negócios com um ditador que nos odeia, e que sempre nos quis destruir.

A culpa dos nossos líderes é apenas, mas grave, a de não terem visto nas estrelas o que nelas há muito já estava escrito: os avisos feitos pela Rússia desde 2007 de que jamais aceitaria a expansão da NATO para a Ucrânia; os precedentes da Geórgia e da Crimeia; a devastação bárbara da Chechénia (que, no limite, Putin poderá replicar agora em Kiev); a Síria e a Bielorrússia; a afirmação de Sergey Lavrov em 2015 de que a Ucrânia não era um verdadeiro Estado; o ensaio de enquadramento teórico publicado por Putin no ano passado, próprio de uma nação dada ao espírito; a deslocação em massa de tropas da Ásia para o Ocidente, nunca vista nos últimos 100 anos; o encontro de Putin e Xi em Fevereiro transacto, o primeiro desde 2019, e a "parceria" que daí nasceu; o acordo bilateral com o Azerbaijão poucos dias antes da ordem dada para invadir a Ucrânia.

Perceber a estupidez dessa invasão, quando para o Kremlin teria sido mais avisado e sensato para Moscovo abocanhar tão-só o Donbass, é tarefa para os "especialistas" em geopolítica, que têm proliferado como coelhos nas televisões dos últimos dias, mas será erro pensar que a racionalidade de Putin é igual à nossa, pois ele e milhões dos seus compatriotas estão sincera e genuinamente convictos de que a Ucrânia é russa e é deles e não tem razão de existir por si própria. O plano imediato parece ser hoje claro, entrar pela Ucrânia adentro, pôr lá um governo-fantoche ("desnazificar"), firmar uma "esfera de influência" e sair rapidamente e em força, com escassas sanções ocidentais, para mais suportadas por um fundo de 630 mil milhões de dólares entesourados para a ocasião. Por trapalhadas logísticas e resistência dos Yuris, a coisa tem-se embrulhado, o que significa que a ofensiva seguinte será ainda mais poderosa e sangrenta, uma catástrofe. Ponto pouco falado, contudo, têm sido os russos da Ucrânia, 8 milhões de pessoas, que não vemos nas estradas a saudar os invasores. Quantos foram evacuados? Significa isto que, a par da catástrofe humanitária a Ocidente, 600 mil refugiados and counting, outra haverá a Leste, mais oculta, menos falada? Ao entrarem nas cidades, com 22% de russos, como saberão os soldados sobre quem disparar? Putin, dizem os entendidos, sofre de presbitismo, um defeito que dificulta a vista ao perto, o que talvez explique o seu estranho "olhar de alumínio" (Anna Arutunyan), mas sobretudo o atoleiro em que a Rússia se meteu, pois ninguém de bom senso imagina viável governar um país em escombros, minado pela guerrilha urbana.