30.7.22

Mais ou menos o estado da arte

 

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30.07.2007 – O dia em que Antonioni e Bergman nos deixaram

 


Há 15 anos, com a morte de Michelangelo Antonioni e de Ingmar Bergman, ficaram dois lugares vazios na lista dos grandes do cinema ainda vivos. Mas continuam bem no fundo da nossa memória que ajudaram a moldar.

Em jeito de homenagem, aqui ficam pequenos excertos de «L'Eclisse» e «Blow Up» do primeiro e de «O sétimo selo» e «Morangos silvestres» do segundo.








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Anne Applebaum e a Ucrânia

 


Se não viu a última Grande Entrevista a Anne Applebaum sobre a Ucrânia, tem-na AQUI.
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A difícil descolagem

 


«A primeira regra do viajante de 2022 é saber que, em princípio, ficará apeado em algum lugar. No meu caso, o comandante da Turkish Airlines informou-nos de que só existia pessoal para um veículo de abastecimento de água no aeroporto de Lisboa. No meio do caos aeroportuário, a informação dada aos passageiros pode não ser fidedigna. Certo, só a ligação perdida em Istambul. Mas no aeroporto de Lisboa tudo é possível. E não é só porque precisamos de outro urgentemente e há décadas. É porque a ganância o levou a esta decadência. Nos primeiros sete anos de concessão privada dos aeroportos portugueses, a VINCI teve resultados líquidos de €1174,5 milhões. No mesmo período, a ANA investiu menos €87 milhões do que estava previsto, e, mesmo com o aeroporto de Lisboa a rebentar pelas costuras, diminuiu o investimento face aos anos de gestão pública. Entre 2012 e 2019, enquanto o número de passageiros duplicava, o de funcionários apenas aumentou 21%. Vale o fraco consolo de o problema estar longe de ser português e partilhar o meu drama insignificante com milhões em todo o mundo. Como é que uma indústria milionária não previu e planeou a retoma do turismo em força, depois de dois anos em que se gastou menos e não se gozaram férias? Simples: este não é o tempo do planeamento. É o tempo do lucro e do pânico rápidos. Despede-se depressa, pede-se dinheiro ao Estado, e depois logo se vê.

Para aguentar o embate da pandemia, quando a Lufthansa perdia um milhão de euros por hora, as companhias de aviação europeias e americanas receberam cerca de €90 mil milhões dos contribuintes. Dinheiro que não estão a devolver à economia quando se mostram incapazes de acompanhar a retoma. Até setembro de 2021, perderam-se 2,3 milhões de postos de trabalho na indústria da aviação. Agora, graças aos níveis de desemprego historicamente baixos nos dois lados do Atlântico, companhias de aviação e aeroportos não conseguem contratar pessoal para gerir as operações mais básicas. Só numa semana de junho foram cancelados cerca de dois mil voos na Europa, com o aeroporto de Amesterdão a ser responsável por quase 10% dos passageiros em terra. Vários aeroportos europeus ofereceram prémios e aumentos salariais aos funcionários que indicassem amigos para trabalhar ou prémios horários de €5,5. Nem assim. Perdido o vínculo, e tendo começado a trabalhar noutros sectores, poucos parecem disponíveis para voltar a carregar malas de 20 quilos às três ou quatro da manhã para quem os despediu mal as coisas ficaram difíceis.

Da mesma forma que as empresas aproveitaram a aterragem para ganhar poder sobre os seus trabalhadores, os trabalhadores aproveitam a descolagem para ganhar poder sobre os seus patrões. Multiplicam-se as greves de quem, depois de anos sem aumentos, exige partilhar os ganhos da retoma. Os pilotos da companhia de aviação escandinava, a SAS, pararam durante duas semanas. Queriam respeito por quem esteve uma vida na empresa. Aceitavam trabalhar mais horas e receber menos, mas exigiam que os seus colegas, despedidos durante a pandemia, fossem readmitidos, em detrimento de pessoal menos experiente e mais barato que a companhia queria contratar. Uma greve solidária que deve servir de exemplo para quem não queira ser descartável. Se os ventos estão favoráveis, que se aproveite para mudar um pouco as regras deste jogo viciado. Sem ceder à chantagem de falsos e seletivos “interesses nacionais”, ignorados sempre que estão em causa os lucros.

O aeroporto de Heathrow “optou por não agir, não planear e não investir”, criando “um Armagedão” para os passageiros. Quem o escreveu não foi um sindicato, mas a Emirates. Na origem do comunicado a proposta de cortar mais de 50% dos voos diários permitidos. Uma diminuição superior à saída de 30% da força de trabalho. Algumas companhias descobriram agora que um trabalhador acabado de chegar a uma empresa não consegue fazer o mesmo que quem foi despedido com anos de formação e experiência. Por isso, vários aeroportos proíbem que algumas funções de segurança e responsabilidade sejam desempenhadas nos primeiros cinco ou seis meses de contrato. E como as companhias aéreas têm externalizado quase tudo, numa cadeia cada vez mais complexa e difícil de gerir, basta uma das empresas falhar, seja no check-in ou nos serviços de terra, e o avião não levanta voo. Nem um ano será suficiente para que os aeroportos voltem a funcionar normalmente.

As empresas aeroportuárias despediram porque partiram do princípio, tão em voga, de que o seu mercado de trabalho é como os outros. Que despedindo num dia se contrata no outro, quando a procura começa a subir. Só que o mercado laboral é feito de pessoas. Que fazem contas à vida, têm interesses e, quando encontram outro emprego, têm pouca vontade de voltar a trabalhar para quem as abandonou em tempos difíceis. Esta “mercadoria” tem vontade própria e tende, quando pode escolher, a valorizar quem a valorizou. Há um dia da caça, outro do caçador. A única boa notícia deste caos é que chegou o dia da caça. Vale bem um voo perdido.»

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29.7.22

29.07.1890 – O dia em que Van Gogh morreu

 


Tudo se sabe sobre este extraordinário pintor nascido nos Países Baixos, mas prefiro recordar a sua estadia em Arles porque voltei a passar por lá há poucos anos.

Foi em Arles que o pintor se exaltou com a luz do Sul e pintou muitos dos quadros que tão bem conhecemos, desde os famosos girassóis aos ciprestes, à casa amarela onde viveu, ao célebre quarto, ao autoretrato com a ligadura depois de ter cortado a orelha por causa de uma forte zanga com Gauguin – 185 quadros entre Fevereiro de 1888 e Maio de 1889.

Depois do corte da orelha, a população considerou-o cada vez mais louco e exigiu o seu internamento definitivo no Hotel de Deus da cidade, misto de asilo e hospital. O claustro está hoje intacto (foto no topo deste post), tal como ele o pintou. Pediu depois para ser transferido para um hospital psiquiátrico perto de Saint-Rémy-de-Provence e regressou mais tarde aos arredores de Paris.

Se não o tratou bem em vida, Arles tira hoje todo o partido possível da estadia de Van Gogh nas suas terras.



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Pedro Tamen

 


Um ano sem ele.
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Não havia necessidade, Mr. Coins

 

 
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O arquiduque Pedro Abrunhosa



 @João Fazenda

«Talvez eu não tenha estudado História com suficiente atenção, mas assim de repente parece-me que os incidentes diplomáticos já tiveram mais dignidade. Uma coisa é um assassínio em Saraievo, perpetrado por um nacionalista sérvio, indispor o Império Austro-Húngaro. Outra, bastante diferente, é o cantor Pedro Abrunhosa fazer considerações num concerto em Águeda e ofender a Federação Russa. Não contesto, evidentemente, a importância de Águeda no panorama geopolítico europeu (e até mundial), nem o profundo dano que as declarações de Abrunhosa, especialmente quando proferidas em Águeda, podem causar no maior país do planeta. Mas confesso que não esperava que o Governo de Vladimir Putin, por intermédio da sua embaixada em Portugal, tomasse dura posição sobre as críticas de um cantor. Não apenas por serem opiniões de um cantor, mas também porque a Federação Russa não costuma reagir a críticas através de comunicados, mas sim através da administração de Polónio-210 nas refeições do crítico. Há uma mudança de métodos que, apesar de tudo, se saúda.

Talvez seja melhor começar por contar o que se passou, até para ilustração dos historiadores que, no futuro, estejam interessados na cronologia do incidente. Primeiro, no decurso de um concerto no festival AgitÁgueda 2022, Pedro Abrunhosa recomendou a Vladimir Putin que se dirigisse a determinado endereço. Não vou revelar sequer o código postal, mas digamos que é uma morada bastante popular, para a qual costumam ser enviados vários estadistas, mas também automobilistas que não fazem o pisca e árbitros de futebol que assinalam penáltis inexistentes. Dias depois, a embaixada da Rússia em Portugal considerou “inaceitáveis” as declarações do cantor, prometeu tirar “as respectivas conclusões” e garantiu que “nenhumas provocações ignóbeis ficarão sem resposta”. Em seguida, o Governo português transmitiu à embaixada russa o “repúdio pelo tom e conteúdo” do seu comunicado. Creio que, no tempo em que Portugal e Rússia viviam, respectivamente, sob um regime fascista e comunista, as relações entre os dois países nunca foram tão tensas como agora.

O ponto positivo desta polémica é, parece-me, o merecido protagonismo de Águeda. No entanto, e mais uma vez, o esforço de descentralização é feito por entidades estrangeiras. Em 2022 foi o maior país do mundo a colocar Águeda no centro do debate internacional; em 1917 foi a mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo a decidir pronunciar-se acerca do destino da União Soviética em pleno concelho de Ourém. Devíamos aprender com estes exemplos.»

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28.7.22

Necessidade básica até nos céus

 

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A «Vogue» e os Zelenski/a



 

Vai forte a polémica por algum mundo fora sobre uma edição de uma revista tão importante como a Vogue, dedicada ao casal mais famoso da Ucrânia, edição essa que inclui várias fotografias de Olena Zelenska, consideradas ofensivas para um povo em guerra e com um número elevado de mortos e milhões de sacrificados.

Acontece que a Vogue não é SÓ uma revista de moda e fariam bem os escandalizados se se lembrassem de outras edições e se lessem o texto que acompanha a imagem e que até já está AQUI em português.

Também as redes sociais se incendiaram entre nós e, para poupar um esforço inútil, sirvo-me de um curto texto que Pedro Abreu publicou no Facebook e que, de um modo geral, reflecte uma parte da minha opinião:

«𝗘𝗦𝗧Á 𝗔 𝗖𝗔𝗜𝗥 𝗢 𝗖𝗔𝗥𝗠𝗢 𝗘 𝗔 𝗧𝗥𝗜𝗡𝗗𝗔𝗗𝗘

Polémica do momento acompanhada de foguetório putinista: Olena, mulher de Zelensky, apareceu na Vogue.

O pecado de Olena: posar para fotos numa revista de moda enquanto os ucranianos estão a ser massacrados.

Começando pela Vogue. É uma revista fundada nos finais do século XIX, goza de grande prestígio e não se limita a "modas" (tema de que nada percebo), incluindo também entrevistas de teor social e político. Por exemplo, edições anteriores abordaram o ativismo negro, e a filha de Martin Luther King foi capa da revista. Recentemente, a paquistanesa Malala também posou e foi entrevistada, para escândalo de muitos. A Vogue abandonou a Rússia depois da invasão.

Olena, para além de posar também foi entrevistada. Não me vou pronunciar sobre as fotos, cuja apreciação será sempre subjetiva. Aqui o que está em causa é, segundo os criticos, o aproveitamento de um cenário real de guerra para fins de promoção de imagem pessoal, vulgo, de futilidade e exibicionismo. Não corroboro essa visão. A imagem de Olena foi consolidada pela sua decisão de permanecer no País e de se apresentar nos fóruns internacionais, não por via do palminho de cara ou do que veste, mas pela sua personalidade. A entrevista à Vogue vai nesse sentido. Que estas fotografias "virais" estão a encher de felicidade os putinistas nas redes sociais, não restam dúvidas. Até já li que se trata de pornografia!» 

Ver também isto:


Aeroporto de Lisboa: resolva-se, já!

 


«Tudo começou em 1942, há 80 anos: é construído um pequeno aeroporto na Portela de Sacavém, na altura um sítio ermo, longe da cidade de Lisboa, a qual não ia além do Areeiro. A guerra em África, nos anos 60, alterou o paradigma; Lisboa precisava agora de um grande aeroporto para permitir a ligação com as colónias. Contudo, a expansão da Portela não se afigurava fácil, já que o aeroporto vê-se rodeado de bairros clandestinos.

Com a construção da ponte 25 de Abril (na altura, ponte Salazar) em 1966, após comparação dos locais com mais aptidão, foi então decidido construir um novo grande aeroporto de Lisboa em Rio Frio, na margem sul, ali a seguir ao Pinhal Novo. Em 1972 foi aberto o concurso internacional para a sua construção e exploração, só que, com a queda do regime em 1974 e o fim do Império, o concurso foi anulado. Durante as décadas seguintes, o tema do aeroporto praticamente deixou de ser falado.

Empolgado com a conclusão de grandes obras no país, como a Expo 98 e a ponte Vasco da Gama, no final dos anos 90, o governo da altura, chefiado por António Guterres, decidiu então retomar o processo da construção de um novo aeroporto de Lisboa. Era ministro das Obras Públicas João Cravinho.

Cravinho decidiu então encomendar um estudo ao consultor Airports de Paris, que ficou incumbido de comparar dois locais: Rio Frio (que havia sido escolhido em 1972) e a Ota, na margem norte do Tejo. A metodologia seria um estudo multicritério, em que eram comparados os aspetos mais relevantes das duas localizações e ponderados de forma judiciosa. Ao mesmo tempo, eram elaborados estudos de impacto ambiental das duas localizações, para os seus resultados serem incorporados na análise a realizar pelo consultor. O relatório do estudo estava previsto ser entregue em setembro de 1999.

O impensável aconteceu então: dois meses antes, em julho, invocando impactes ambientais pretensamente irreversíveis em Rio Frio, o secretário de Estado do Ambiente na altura, José Sócrates, impôs à sua chefe, a ministra do Ambiente, Elisa Ferreira, um despacho a vetar essa localização. Em setembro seguinte o consultor apresentou o seu estudo, tendo concluído que Rio Frio era a melhor localização. Contudo, a decisão do governo estava tomada: o novo aeroporto de Lisboa seria na Ota. Só que, vai correr mal…

Com a “fuga” de Guterres no final de 2001, o assunto do aeroporto ficou em “banho-maria”, até que, em 2005, José Sócrates, agora primeiro-ministro, decide retomá-lo. Contudo, as críticas à Ota são agora demolidoras, tornando a sua defesa insustentável. Então, em meados de 2007, aproveitando a “boleia” de uma sugestão da CIP para uma alternativa à Ota no Campo de Tiro de Alcochete, Sócrates decidiu encomendar ao LNEC um estudo comparativo dessas duas localizações.

Embora os media considerassem na altura que este ato era para dar credibilidade à Ota, a ideia era mesmo deixar cair a Ota, o que, embora de forma pouco objetiva, o estudo acabou por concluir. O novo aeroporto seria agora em Alcochete, na verdade, num local bem mais longe, em Canha.

Contudo, o espectro da bancarrota do Estado aproximava-se a passos largos, o que levou Sócrates a um acordo com a troika e a imposição ao país de um pesado programa de austeridade durante os anos seguintes. Os “Grandes Projetos” (entre os quais o Novo Aeroporto) ficavam congelados.

Passos Coelho, que sucedeu a Sócrates como primeiro-ministro e a quem coube o ónus de aplicar o programa de austeridade, decidiu então alterar a estratégia quanto ao aeroporto de Lisboa: a Portela seria mantida e seria construído um aeroporto complementar numa das bases militares da região de Lisboa, tendo a escolha cabido à BA6, no Montijo. No final de 2013, a ANA (agora concessionária de todos os aeroportos nacionais até 2062) é vendida ao grupo Vinci, que pagou ao Estado mais de três mil milhões de euros.

António Costa, que se segue como primeiro-ministro, adere à estratégia de Passos Coelho e, em 2017, acorda com a ANA um Memorando de Entendimento: a capacidade aeroportuária de Lisboa será quase duplicada, passando para 72 movimentos por hora no conjunto dos dois aeroportos, a que irá corresponder uma capacidade de movimentação de passageiros da ordem de 45 a 50 milhões por ano, tráfego que, provavelmente, nunca será atingido. Os custos envolvidos, da ordem de 1100 milhões de euros (550 milhões na Portela e outro tanto no Montijo), seriam encargo da ANA.

Os “herdeiros” das megalomanias de José Sócrates é que não desarmam e insistem num novo aeroporto em Alcochete, chegando ao cúmulo de sustentar que uma primeira fase de um aeroporto em Alcochete seria mais barata que o aeroporto do Montijo. Só que a ANA (que é quem paga) sabe que isso não é verdade e não está para lá pôr o seu dinheiro. Além disso, com a instabilidade da TAP, o hub aeroportuário em Lisboa não tem garantias de futuro e sem hub não faz sentido um aeroporto num local tão longínquo.

Descobriu-se, entretanto, a existência de uma lei da República que dá o direito de veto aos municípios em questões de localização de aeroportos, o que foi aproveitado por duas câmaras do PCP para se oporem ao processo, que ficou assim congelado.

Atado de pés e mãos, há um ano atrás o Governo acordou então com o PSD a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica em que o cenário Portela + Montijo seria comparado com o de um aeroporto em Alcochete. Ora, uma decisão por Alcochete acarretaria um pesado encargo financeiro para o Estado, dinheiro que não há.

Então, como, com a maioria absoluta conseguida nas eleições de janeiro último, o Governo deixou de depender de terceiros, em 29 de junho o Ministério das Infraestruturas publicou um despacho a dar conta de que o Governo tinha decidido avançar com o Montijo, para estar a funcionar no final de 2026. Uma solução sensata (a única viável nesta altura), mas que, obviamente, colide com alguns interesses.

Vem então a “política à Portuguesa”. O Presidente da República reage e diz não saber de nada. Costa, “apanhado” em Bruxelas, no Conselho Europeu, manda revogar o despacho; supostamente, era o fim do ministro. Contudo, após uma reunião entre os dois, tudo fica resolvido. Entretanto, o ministro esclarece que informara previamente Carlos Moedas, figura incontornável do PSD. E Costa? Será crível que não estivesse a par da preparação do despacho? Provavelmente, alguém se esqueceu (ou não teve condições) para informar o Presidente da República.

Luís Montenegro, o novo líder do PSD e antigo braço direito de Passos Coelho, procura agora capitalizar o incidente, atirando que a responsabilidade é do Governo.

Basta de politiquice: é altura de os políticos responsáveis do país porem de lado os seus tacticismos e se assumirem como homens de Estado. É o futuro de Portugal e dos Portugueses que está em jogo.»

27.7.22

Portas

 


Arte Nova, Bruxelas.
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O velho foi à viola

 


Salazar morreu em 27.07.1970. Repesco ESTE TEXTO no qual Diana Andringa descreve como este dia foi vivido por ela na prisão de Caxias.
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Este país é um colosso

 


Moro muito perto do Estádio da Luz, nem sabia que havia ontem jogo e estranhei tanto barulho de humanos desde o meio da tarde. Vinha de um restaurante pacato, situado mesmo nas traseiras do meu prédio.

Almocei lá hoje e, em conversa com a dona, perguntei-lhe se, em dia de trabalho, toda aquela gente era um conjunto de desempregados, trabalhadores em turnos e estudantes em férias. Sim, tudo isso, foi a resposta, mas não só: muitas pessoas em teletrabalho, que vieram com os portáteis, pouco depois da hora do almoço, para ocuparem as mesas e as reservarem para um jantar antes das 20h. Devem ter esgotado a reserva de cervejas e aumentado a produtividade do país.

Adiante e viva o Benfica que até ganhou o jogo.
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E se se acabasse com os Jogos Olímpicos?

 


«Faz-se a guerra de todas as formas e em todas as frentes, a lição é conhecida. Toda a guerra procura ser total. Bombardear, destruir, ocupar, saquear, extorquir, animalizar o inimigo, essa é a essência do império, de qualquer império, e não há belicismo benévolo. A guerra é exterminista por natureza e aquela a que agora assistimos é a confirmação da regra sem excepção. Não é portanto de espantar que qualquer dos lados da guerra, seja o dos invasores, seja o dos invadidos, procure firmar vantagens em todos os terrenos e que a propaganda, a informação e a desinformação sejam das suas dimensões maiores num tempo de hipercomunicação. No entanto, temos direito a colocar a questão dos limites: deve a opinião pública ou, se se quiser, devem os opositores da guerra contrariar a contaminação generalizada dos territórios da cultura e do desporto pelas bandeiras da morte? A minha resposta é que não só o podemos como o devemos fazer.

Já se discutiu este tema nas primeiras semanas da invasão da Ucrânia e foi induzido pelo excesso de zelo dos censores. Da Rússia, pouca novidade, o regime de controlo da opinião foi reforçado por leis de exceção que proíbem o uso da palavra para designar a coisa e as manifestções continuam a ser reprimidas. A surpresa pode ter sido o comportamento de autoridades europeias (mas seria surpresa, ou houve outras guerras em que aconteceu o mesmo?), e a deriva frenética dos apaniguados, que proibiram Tchaikovsky e Dostoevsky, anularam as apresentações do Bolshoi ou a participação de filmes russos em festivais, culparam Tolstoy ou Tarkovsky pelos males de Putin e ergueram o sectarismo como um estandarte. Foram longe demais e pareceu pouco tino. Mas, como seria de esperar, voltam à carga quando a circunstância parece favorecer a queima dos livros, dos filmes ou dos músicos suspeitos. Nas últimas semanas, vários “influenciadores” dedicaram-se a tal tarefa, sob os mais variados e imaginosos pretextos.

Nesta escalada, dentro de pouco tempo estaremos a discutir se algumas delegações nacionais devem ser expulsas do Jogos Olímpicos. E vale a pena meditar sobre essa escolha extrema, porque se vai colocar e a resposta muito dirá sobre o caminho que seguimos nesta encruzilhada. A realização dos Jogos não será posta em causa, por se tratar de Paris e Los Angeles (jogos de verão) e Cortina (jogos de inverno), se bem quem possa ficar a dúvida sobre se seriam agora aceites os Jogos de Pequim do inverno passado. Mas tenha a certeza de que o Comité Olímpico Internacional será pressionado para excluir vários países em 2024. Não deve aceitar essa pressão.

Os Jogos terão começado em algum momento da antiguidade, talvez no século VIII antes da nossa era, juntando desportistas (e militares) de várias cidades-estado gregas, que se guerreavam mais frequentemente do que praticavam a paz. Aliás, algumas das competições tinham – e têm – um marcado cunho militar (lançamento do dardo, tiro ao arco e agora também com pistola, boxe e outras formas de luta), mas os Jogos exprimiam a festa religiosa e popular em que a guerra era suspensa. Os Jogos faziam paz e assim deviam continuar a fazer. Foi por isso um erro que alguns Jogos tivessem sido boicotados por protagonistas da Guerra Fria (os de Moscovo, 1980, e os de Los Angeles, 1984) e é essa estratégia que se vai repetir em 2024. Proibir músicos de atuarem onde quiserem, o que para já só é proposto pelos extremistas que buscam chamar a atenção para a extravagância da censura, é somente um aperitivo para essa nova Guerra Fria. O novo Muro será instalado dentro das bibliotecas, dos cinemas e salas de concertos, e as Olimpíadas vão ser o grande teste para este arame farpado. Não falta muito para se começar a falar da virtude de acabar com os Jogos como eles sempre se anunciaram.»

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26.7.22

Uma questão de grão

 


É um prazer ler as crónicas de António Araújo no DN e a de Domingo passado não foi excepção. E aprende-se sempre.

Está AQUI.
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Entre o Papa no Canadá e as trancinhas da Rita Pereira…

 

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Nova cultura hip hop? Violência, delinquência?

 


Se pelo menos soubessem o que significam os termos que usam, já não era mau!
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Educação, Constituição e Convenção Europeia dos Direitos Humanos

 


«Um pouco por todo o mundo, pais e educadores têm-se oposto à frequência, pelos seus educandos, de certas disciplinas ou conteúdos curriculares, alegando razões religiosas, morais, ou de consciência. O caso de Famalicão é, por isso, a declinação portuguesa de um fenómeno bem mais vasto, e podemos colher auxílio noutras jurisdições para enquadrar a questão.

É certo que, à luz da nossa Constituição, o Estado português apresenta vinculações que estão ausentes noutras ordens jurídicas. É de realçar o artigo 73.º, que estabelece o dever do Estado de promover a democratização da educação para que a mesma contribua para a “igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida ativa”.

Obviamente, a educação não é um processo alheio a valores. A educação não pode ser ideologicamente programada, como o impõe o artigo 43.º, n.º 2, mas isso não significa que seja valorativamente assética. Como reconhece o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), muito dificilmente certas disciplinas não terão, em maior ou menor medida, ressonância ética, filosófica ou moral.

À luz da Constituição, e do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Estado deve respeitar as convicções morais e religiosas de cada um, designadamente dos pais, e o direito destes de educar os seus filhos de acordo com essas convicções. É inequívoco, aliás, que os pais são os principais responsáveis pela educação e ensino dos seus filhos.

No entanto, a escolaridade obrigatória implica deveres públicos relativamente aos pais e encarregados de educação, tal como o dever de garantir que os alunos frequentam as aulas e o currículo obrigatório. O não cumprimento destes deveres pode dar lugar a sanções. Nos termos da jurisprudência do TEDH, o desenho dos currículos compete aos Estados, devendo a informação e o conhecimento ser enquadrados de modo objetivo, crítico e plural, dando aos alunos ferramentas para desenvolver um espírito crítico.

Se estes limites, bem como as crenças religiosas e filosóficas dos pais, forem respeitados, o Estado é livre de desenhar os conteúdos, estabelecer a sua obrigatoriedade, e aprovar, ou não, isenções à frequência de certas disciplinas. Aliás, relativamente às isenções, o Tribunal acrescenta que as mesmas podem até ter um efeito pernicioso e estigmatizante, potenciando um conflito de lealdades entre a escola e os pais. O TEDH salienta ainda que o pluralismo na educação é essencial para preservar o Estado de direito democrático.

Existem casos em que a recusa dos pais em autorizar a frequência dos filhos de disciplinas de educação sexual, ética, ou mesmo o ensino presencial, conduziu à aplicação de sanções penais (penas de multa e de prisão), e à retirada do poder paternal, concretamente por parte do Estado alemão. Em todos esses casos, o TEDH considerou não ter ocorrido violação de parâmetros da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Situações destas podem-nos parecer drásticas, mas demonstram claramente que, em matéria de educação, e dentro dos limites definidos pelo Tribunal, os Estados têm competências para garantir que as convicções pessoais dos pais não interferem no direito dos filhos à educação.

A ação do Estado visa precisamente permitir que a liberdade de consciência dos pais não interfere na liberdade de consciência dos filhos, garantindo que os alunos podem formar livremente as suas convicções, dando-lhes condições para virem a ser adultos livres.

Existe espaço para o debate crítico sobre os conteúdos curriculares e as ferramentas pedagógicas do ensino obrigatório. Esse debate é próprio de sociedades plurais e o dissenso não deve ser aniquilado, nem esse deve ser o objetivo da escola, nem da educação. Tal debate deve ser travado, primordialmente, no espaço democrático, reservando-se para as restantes autoridades, designadamente os tribunais, situações em que o Estado, notoriamente, não respeitou os limites que se lhe impõem, designadamente em matéria de respeito pelas convicções religiosas e morais dos pais.

Quanto ao respeito que o Estado deve às convicções religiosas e morais dos pais, vale a pena, contudo, salientar um aspeto crucial que resulta da jurisprudência do TEDH, e que merece profunda reflexão, em tempos de crescente polarização: em Estado de direito democrático, não existe um direito humano a não sermos confrontados com opiniões contrárias às nossas crenças e convicções – nem a isolarmos os nossos filhos do pluralismo próprio das sociedades contemporâneas.»

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25.7.22

Iliteracia digital?

 

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Assino por baixo

 

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Assim vamos...

 


El País, 25.07.2022
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O que fazemos pela floresta, quando ela não arde?

 


«O país aprendeu o que tinha a aprender com a catástrofe de 2017? O actual ministro da Administração Interna, pelo menos, terá percebido ser necessário fazer algo mais do que atalhar o problema a posteriori, embora fale mais sobre o reforço dos meios de combate do que no reforço das medidas de prevenção, um cliché entre os ministros desta pasta.

A Protecção Civil está hoje mais bem organizada do que em anos anteriores e planeou o que havia a planear para evitar que esta mistura explosiva entre seca extrema, calor exasperante e ventos perigosos provocasse fogos com consequências ainda mais trágicas.

José Luís Carneiro teve o bom senso de se antecipar, de manter uma relação institucional de maior proximidade com os meios de combate e de ter recorrido ao estado de contingência.

Não era tarefa impossível: aprendeu com os erros dos antecessores e, sobretudo, tem a seu lado alguém experiente no assunto como é Patrícia Gaspar, secretária de Estado da Administração Interna, que foi segunda comandante da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil. Mas Carneiro teve ainda o bom senso de não se meter a comprar golas inflamáveis. E ajudou não termos tido más notícias sobre o SIRESP.

Tiago Oliveira, presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, diz que o país interiorizou que não basta combater os fogos, e que o que há a fazer é sobretudo preveni-los. Interiorizar é uma coisa, fazê-lo é outra.

Mas o mais relevante da sua recente entrevista ao PÚBLICO é o retomar de uma proposta antiga: alterar o regime sucessório para não permitir que o desentendimento entre herdeiros condene os terrenos ao abandono e aos incêndios. Isso e a possibilidade de remunerar o proprietário pela boa gestão do terreno, de deduzir as despesas da limpeza da mata ou de evitar a construção em locais de risco são outras sugestões pertinentes. Nada impossível de fazer. Não nos faltam diagnósticos e estudos sobre como gerir a floresta.

Como se vê pelo resto da Europa, o precipício do aquecimento climático está a uma curta distância de nós. As temperaturas vão continuar a aumentar — este mês de Julho já é o mais quente do século — até termos o Norte de Marrocos no Sul do Algarve. A resposta à sazonalidade dos fogos terá, forçosamente, de ser revista. Um país que não consegue gerir a floresta, que ocupa 70% do território, acabará por ser ingerível. Afinal, o que fazemos pela floresta, quando ela não está a arder?»

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24.7.22

Cúpulas, grandes cúpulas (1-11)

 


E por falar em 24 de Julho

 


Qualquer pretexto é bom para celebrar Machu Picchu e foi num 24 de Julho (de 1911) que o explorador americano Hiram Bingham encontrou duas famílias que o levaram às ruínas da «velha montanha». Até lá, esta «cidade perdida dos Incas», que é o símbolo mais típico do seu império (e hoje também do Peru), construída no século XV a 2.400 metros de altitude, extraordinariamente bem conservada e com uma localização absolutamente excepcional, mantinha-se desconhecida.

Tem duas áreas distintas, uma dedicada à agricultura, numa série impressionante de socalcos, e uma outra urbana com templos, casas e sepulturas, dispostos ao longo de ruas e de (terríveis!) escadarias.

É Património da Humanidade desde 1983.
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24 de Julho, Moçambique e caranguejos



 

Morei durante toda a minha infância na Av. 24 de Julho – na antiga Lourenço Marques, entenda-se. Enquanto aprendia todos as estações e apeadeiros da Linha do Norte na «Metrópole», ouvia falar do frio no Natal e fazia redacções sobre as latadas no Douro.

O nome da rua devia celebrar o dia em que Patrice Mac-Mahon presidente da França, declarou, em 1875, que a Ilha da Inhaca (e a dos Elefantes) era território moçambicano e, portanto, português, numa acção de arbitragem entre o governo britânico e o de Lisboa. Mas suspeito que vivi nove anos a comemorar a entrega de Lisboa ao Duque da Terceira, em 24 de Julho de 1833, pelo Duque de Cadaval, antigo primeiro-ministro do rei D. Miguel.

Vingança consumada: foi em Inhaca que comi os melhores caranguejos do mundo, quando voltei a Moçambique há 20 anos. 
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O verso e o reverso da nação

 


«O quadro político que governantes e poderes dominantes, nacionais e europeus, bem como comentadores encartados nos vêm impingindo, e os debates dos últimos dias sobre o "estado da nação" mostram-nos preocupantes consensos sobre o verso desse estado, mas ausência da abordagem do seu reverso, ou seja, a não assunção dos problemas e da construção de soluções. Acresce que o velho passa-culpas da invocação de crises para impor sacrifícios aos povos encontra o cenário perfeito para a sua utilização: a conjugação dos impactos da pandemia com os do clima belicista acelerado pela invasão e guerra na Ucrânia e os resultantes da brutal degradação climática.

Esta semana, vimos que o verso do estado da nossa nação continua a assentar na crença na eficácia e natureza democrática da UE, e é marcado pelo reconhecimento consensualizado de que "o país vive pior do que há um ano". Todos reconhecem que a inflação este ano comerá 1/14 avos dos salários e pensões. Na versão da Direita "o SNS está em colapso", na versão do Governo está perante "grandes desafios". Para o Governo, a resposta ao agravamento das condições de vida e da pobreza pode ser "garantida" por subsídios e apoios pontuais às famílias e pessoas necessitadas; para o PSD, é preciso um programa de "emergência social" que aprofunde a lógica dos apoios do Governo no sentido de institucionalizar a caridade pública. Uns e outros secundarizam os salários e a necessidade da sua atualização face à inflação.

Quando olhamos para o reverso do estado da nação, o que vemos a influenciar o nosso futuro?

A UE - onde estamos muito dependentes - colocada como instrumento da defesa da hegemonia global dos EUA na sua luta contra o grande desafiador que é a China, será crescentemente secundarizada e acantonada, aniquilando expectativas dos povos europeus nesse projeto comum, que dava enfoque à justiça social e aos direitos humanos.

Se os governantes dos países europeus continuarem a iludir-se, repetindo que a "Europa está mais unida que nunca", mas esquecendo-se dos cidadãos que os elegem e a quem têm de responder, teremos os governos a estoirar uns atrás dos outros e os fascismos a avançar. A União Europeia (UE) terá cada vez mais "passageiros clandestinos" no seu comboio e tornar-se-á ingerível ou antidemocrática. Neste quadro, os problemas para Portugal não serão apenas preparar-se para "viver sem fundos comunitários". O nosso modelo de sociedade estará em causa, mesmo que o "projeto europeu" não descarrile totalmente.

Dois exemplos de tensão comprometedora. Primeiro, o fosso remuneratório entre trabalhadores da Administração Pública e do setor privado - para funções semelhantes - não pára de se aprofundar, destrói o SNS e a escola pública, corrói as estruturas mais profundas do Estado, desde a defesa à segurança ou à justiça. Segundo, a insistência na conceção de que os problemas do emprego se resolvem pelo lado da oferta da formação, secundarizando o facto de muitas empresas não apresentarem condições para acolher trabalhadores mais qualificados, favorece a fixação de um baixo perfil de especialização da economia, alimenta a exploração de imigrantes e a emigração, mata o sistema de relações laborais, bloqueia o desenvolvimento.

Vermos uma maioria absoluta do PS e o seu Governo arrastados na enxurrada, muito agarrados a exercícios panfletários e incapazes de definir objetivos e planificar ação, é confrangedor.»

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