23.1.19

Os limites da violência policial



«Nós não sabemos exactamente o que aconteceu antes de uma equipa da PSP desatar a agredir cidadãos no bairro da Jamaica, no Seixal. Sabemos sim que o mundo não é a preto e branco, que há zonas cinzentas entre os que se dizem vítimas e os que são acusados de ser algozes.

Podemos por isso presumir que, como diz a polícia, algo como uma recepção dos agentes à pedrada pode ter acontecido. Mas, tivesse ou não acontecido esse gesto de provocação, nada explica e ainda menos justifica a forma desabrida e descontrolada como os agentes começaram a agredir as pessoas.

Sim, o vídeo dos acontecimentos que passou nos últimos dias tem tudo para ser duvidoso, como o provam os comentários associados que procuram apenas revelar uma parte do incidente, a parte das vítimas. Mas, mesmo que seleccionadas ou truncadas, essas imagens são comprometedoras da imagem de uma polícia de um país subordinado ao imperativo da lei.

Estamos cansados dos sucessivos comportamentos de agentes que dão origem a inquéritos, da mesma forma que não há paciência para os que usam essas atitudes abusivas e indignas de alguns, para criar a ideia genérica de que a PSP é um agrupamento de malfeitores habituado ao uso desproporcional da força para instigar o racismo larvar da sociedade portuguesa.

Só há uma forma de travar esses maniqueísmos e de proteger a necessária integridade da PSP: condenar sem reservas actos como o destes dias e exigir que tudo se esclareça. Não pode deixar de haver punições sempre que agentes da polícia dispam a farda e actuem como arruaceiros. Vendo apenas as imagens divulgadas, foi isso que aconteceu.

Pretender que a denúncia deste tipo de atitudes é uma forma de esvaziar a autoridade da polícia não passa, por isso, de pura demagogia. Ainda que se admita que em bairros como o da Jamaica (no qual o espaço físico degradado é em si mesmo uma agressão aos moradores e uma vergonha para a autarquia e para o Estado) haja uma cultura endémica que estimula a desobediência e o confronto com a polícia, não se pode aceitar que os agentes percam o controlo em situações nas quais não se aplica a necessidade da legítima defesa nem da manutenção da ordem pública.

De resto, é mantendo esse nível de exigência que melhor se consegue evitar a espiral de violência e destruição gratuita que se verificou na noite de segunda-feira e, em situações extremas, combate-la exemplarmente como se impõe.»

Manuel Carvalho


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