Foi ontem lançado mais um livro de Irene Pimentel:
«Mocidade Portuguesa Feminina» (*).
É um belíssimo álbum que, para além do texto, contém muitas dezenas de fotografias da época, de pessoas e de páginas de revistas da organização – um riquíssimo conjunto de documentos que falam por si, mais um importante contributo da autora para a memória do século XX português.
A obra percorre e caracteriza detalhadamente a história desta instituição, desde a sua fundação, em 1937, até à extinção oficial já depois do 25 de Abril.
Há na capa uma frase que funciona como uma espécie de subtítulo –
«Educada para ser boa esposa, boa mãe, católica e obediente» – e que nos revela o mais importante do que vamos ler e ver: o retrato da mulher portuguesa moldada por décadas de uma ditadura, através de uma instituição com características próprias – diferente das suas congéneres europeias em muitos aspectos, nomeadamente pelo facto de ter uma organização autónoma e independente do ramo masculino, o que provocou por vezes conflitos, mas também algumas vantagens. Lá chegarei.
É impossível resumir o que já li e vou reler, parando nas imagens com textos extraordinários que parecem chegar-nos de uma outra galáxia. Mas não: vêm desta e são «de ontem». Retratam realidades que se passaram, ao vivo e a cores, no próprio edifício onde teve lugar o lançamento do livro – o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa, de que era reitora Maria Guardiola, também comissária nacional da MPF, desde a sua fundação e até 1968. Aquelas paredes, que tanto ouviram, ainda «falam».
Preparavam-se boas esposas e boas mães evocando heroínas femininas: D.Leonor, D.Filipa de Lencastre, D.Maria e, obviamente, a Virgem Maria – que chegou mesmo a ser eleita «dirigente máxima da Mocidade Portuguesa Feminina».
Fomentava-se a acção social e caritativa das associadas, promovendo, por exemplo, campanhas de dádivas de enxovais e de berços. Mas lembrava-se que estes, porque «se destinam a pobrezinhos, não devem ser forrados com tecidos ricos».
Houve controvérsias em torno da promoção do desporto e da educação física porque, para certos sectores da Igreja e do Estado, eles masculinizavam as raparigas e constituíam uma arma do comunismo e do feminismo.
Os conselhos para as férias e os perigos a evitar são inenarráveis.
Etc., etc., etc. Voltarei talvez, noutros
posts, com alguns temas específicos.
Só mais uma observação que me parece importante. O facto de a MPF ser independente do ramo masculino acabou por ter como consequência a formação de uma elite de dirigentes quase profissionalizada, que tirou partido da experiência adquirida para mais tarde actuar em palcos e linhas de orientações bem diferentes. Há no livro vários exemplos e testemunhos. Deixo aqui apenas um caso, bem significativo:
Mª de Lourdes Pintassilgo declarou que ficou a dever à MPF o «clima de entusiasmo e de generosidade, de gosto pelos grandes ideais e de pronto espírito de serviço», bem como a certeza «de uma vocação própria da Mulher no mundo».
De como o feitiço se vira, às vezes, contra o feiticeiro.
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(*) Irene Flunser Pimentel, Mocidade Portuguesa Feminina, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2007, 240 p.