«O PS apresenta um programa eleitoral com medidas avaliadas em 1744 milhões de euros. Desse valor, 730 milhões incidem sobre medidas fiscais, como o IVA Zero permanente no cabaz de bens alimentares essenciais, a redução do Imposto Único de Circulação (IUC) e a descida do IVA sobre a eletricidade. O restante são 270 milhões para reforço dasprestações e apoios sociais e 744 milhões para propostas nas áreas da habitação e da saúde. As contas são do próprio partido, nunca desmentidas pela AD ou pela imprensa económica. Perante isto, a AD perguntou: “onde está o dinheiro?”
Poucos dias depois, a mesma AD apresentou, segundo os próprios, um programa de “rigor orçamental”. Juntando três medidas com um impacto fiscal regressivo e utilidade económica duvidosa, são 2000 milhões no IRS (mais do que o custo de todo o programa eleitoral do PS), 1260 milhões para mais uma descida de IRC (na nova versão, até aos 17% para grandes empresas e 15% para PME) e 500 milhões para a descida do IVA sobre a construção. Só estas medidas custarão 3760 milhões de euros. 1744 milhões põem o país a “caminho do empobrecimento”, 3760 milhões são “rigor orçamental”.
Como se consegue ter excedente com mais um rombo nas receitas? Repetindo o truque que permitiu a quadratura do círculo de 2024. Com o cuidado de apagar, desta vez, a quantificação da esmagadora maioria das medidas. Montenegro volta a prometer níveis de crescimento que sabe que não conseguirá. Na campanha de 2024, prometeu 2,9% de crescimento médio até 2029. Chegado ao Governo, ficou-se abaixo dos 2% na comunicação que fez a Bruxelas. Agora, de novo em campanha, volta aos 2,9%.
Os valores do crescimento apresentados pela AD esbarram com os números do Conselho de Finanças Públicas, do Banco de Portugal e do FMI, que andam todos próximos dos 2% previstos no programa supostamente “socrático” do PS. Tudo isto ainda sem o impacto da guerra tarifária. Nem o governo acredita nos números da AD. Todos viram o momento caricato do ministro da Economia a afirmar que, com o atual cenário internacional, ninguém poderia garantir que não haverá défice e a desdizê-lo, minutos depois, quando recebeu um recado de um assessor. É a política orçamental do post-it.
O problema já nem é o regresso do pensamento mágico, que acredita em níveis de crescimento sem paralelo desde o início do euro. É ele servir para justificar opções socialmente regressivas, com a AD a acrescentar benefícios fiscais aos benefícios já dados a minorias favorecidas.
O “IRS Jovem” soa bem, mas abrange, pelo menos de forma significativa, uma fatia restrita de jovens. A descida do IRC para 17% devolve a maior parte do benefício a 0,2% das empresas, responsáveis por quase metade da receita deste imposto — essencialmente grandes grupos financeiros, imobiliários, de distribuição e retalho. Ou seja, as empresas com menor necessidade de estímulo e que menos investem em inovação. Impacto económico? Segundo um estudo do Banco de Portugal, e na melhor das hipóteses, daria origem a um crescimento de 0,1% a longo prazo. Não chega a ser um embuste — é um luxo disfarçado de urgência nacional.
O PS prefere mexer em impostos sobre o consumo e nas prestações sociais. Duvido da eficácia da descida do IVA na alimentação, embora, contra o meu próprio vaticínio, pareça ter feito descer os preços em 2023.Mas o Banco de Portugal indicou que tal só foi possível graças ao elevado escrutínio público, que dificilmente se repetirá numa medida permanente. Ainda assim, se esta medida faz sentido, é na véspera de uma guerra tarifária num país que, infelizmente, importa 70% do que come. Tenho ainda mais objeções, por razões óbvias, à descida do IUC.
Mas há uma diferença: as medidas do PS são de largo espectro, com impacto mais sentido nas classes médias e baixas. As da AD são regressivas — cortam impostos progressivos e beneficiam os de sempre. Com uma receita marada, o bolo da AD fica maior. E, mesmo assim, é injustamente dividido.
A campanha da AD assenta num cenário macroeconómico ficcional, com previsões de crescimento feitas para caberem em cartazes, não nos orçamentos. Tudo é possível ao mesmo tempo. É como prometer um carro mais rápido, mais barato, que consome menos e ainda vem com condutor. Um excedente com mais despesa e menos receita? Claro. Crescimento de 2,9% quando as estimativas andam pelos 2%? Porque não? E, no fim, ainda se fala do despesismo dos outros. Em descaramento o superavit está garantido.»