19.4.25

Caixinhas

 


Caixas de vidro água-marinha com esmalte.
Moser Boémia.

Daqui.

19.04.1932 – Fernando Botero

 


Fernando Botero nasceu há 93 anos em Medellín, na Colômbia, e morreu em 2023.

Há alguns anos andei pelo seu país e claro que não deixei de passar algum tempo no Museu Botero, situado em La Candelária, bem no centro histórico e cultural de Bogotá, num edifício com um belo claustro.

Não foi fácil fotografar o que vi, mas ficam aqui algumas imagens possíveis.





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Manuel Bandeira

 


Nasceu num 19 de Abril (de 1886) e não sei se chegou a ir para Pasárgada.

O desprezo e o incómodo dos partidos pela sua história

 

Arquivo Ephemera

«Tenho passado as últimas semanas a trabalhar numa grande exposição sobre um dos fundadores da nossa democracia, Francisco Sá Carneiro. E mais uma vez posso testemunhar a dupla maldita destes últimos 50 anos de liberdade, o desprezo e o incómodo dos partidos políticos portugueses pela sua história e, por essa via, pela história dos anos de liberdade dados pela revolução de Abril e os anos de construção de democracia dados pelos fundadores, um dos quais Sá Carneiro. Não é difícil compreender que, para além dos defeitos da ligeireza, superficialidade e ignorância instalada, com o seu repúdio da complexidade que vem com a história, há uma correlação entre a incomodidade e o desprezo pela própria história. Isto é válido para o PSD, PS e PCP.

Não me estou a referir aos historiadores e aos militantes ou ex-militantes que escreveram memórias, mas ao desprezo objectivo das direcções partidárias não só pelo seu património arquivístico, que ou menosprezam ou escondem, como pelas suas publicações sem qualidade, mal-amanhadas e censuradas. Todas as técnicas clássicas de manipulação da verdade são usadas, desde a mentira, à omissão da verdade até à sugestão de falsidade. O caso do PCP é clássico, não só pela ocultação dos arquivos, como pela sistemática manipulação de uma história “oficial” que não suporta qualquer critério de verificação histórica. Não é preciso ir mais longe do que notar que a sua imprensa oficial, como é o caso do Em Frente!, publicado pela sua direcção legítima e que substituiu o Avante! no período do Pacto Germano-Soviético, nunca seja mencionado. A razão não é a legitimidade do jornal como órgão do PCP, mas sim o que lá vem escrito sobre a colaboração da Alemanha nazi com a URSS, até à invasão de 1941.

O PS é, de todos os partidos que mencionei, aquele que é menos dependente de uma história “oficial” e, por isso, está mais à vontade, não só para ter conservado muitos materiais na Fundação Mário Soares, como para aceitar mais controvérsia sobre a sua história e personalidades. Com facilidade aceitará, mesmo de forma irónica, o seu cartaz de 1975 que diz “PS, partido marxista” ou o Coro de S. Carlos a cantar o hino do PS… a Internacional.

O PSD não tem idêntico à vontade, em grande parte porque dificilmente aceita os seus documentos fundadores, que lhe são particularmente incómodos no plano do conteúdo, e que menoriza como sendo apenas uma adaptação retórica ao radicalismo de 1975, para impedir a ilegalização do partido. Já tive ocasião de dizer como isto é insultuoso para a memória e a acção de Francisco Sá Carneiro, que sabia muito bem o que queria muito antes do ano de 1975. Antes do 25 de Abril, em vários escritos, e numa célebre entrevista a Jaime Gama da República, explicou o seu programa em termos claros e nunca o alterou até à sua morte em 1980. Afirmou-o sempre, em textos programáticos do PPD, em discursos partidários e parlamentares, na tentativa muito séria para entrar na Internacional Socialista, na preocupação de nunca colocar o PPD/PSD como cabeça de uma frente de direita, mesmo com a inclusão dos Reformadores na Aliança Democrática genuína, a da Bayer.

Sá Carneiro era anticomunista, e actuou como anticomunista, mas não era anti-socialista, mesmo quando combatia o PS. O PPD, e depois o PSD, na sua prática política combatia sem hesitações o PCP, no 25 de Novembro, na atenção aos retornados, na sua preocupação com a manipulação informativa, com o papel das pequenas empresas, com a liberdade de imprensa, informação e organização, e tudo isto faz parte da “história não escrita” com plena participação de Francisco Sá Carneiro. O mesmo acontecia com uma preocupação central que era a institucionalização de uma democracia plena, civil, assente nos partidos e no voto popular e não em “pactos” que davam aos militares poderes fora da democracia.

Mas tudo isto não afectava a sua identidade política que tinha três fontes, o liberalismo político, o personalismo cristão e a social-democracia, cada uma correspondendo a um dos elementos do seu pensamento, a liberdade de homens como Herculano ou Garrett, que lutaram com armas na mão contra os absolutistas, a doutrina social da Igreja e uma interpretação da pessoa humana na filosofia de Emmanuel Mounier, e a social-democracia de Bernstein e Kautsky, do Programa do SPD de Bad Godesberg, no seu tempo a de Olof Palme e Willy Brandt. É por isso que em todos os documentos iniciais o PPD é colocado como partido de “centro-esquerda”.

É incómoda? A história não é amável com a sua manipulação.»


18.4.25

Voto útil?

 


«𝐕𝐨𝐭𝐨 Ú𝐭𝐢𝐥» é 𝐨 𝐏𝐒 𝐢𝐫 𝐛𝐮𝐬𝐜𝐚𝐫 𝐯𝐨𝐭𝐨𝐬 à 𝐝𝐢𝐫𝐞𝐢𝐭𝐚 𝐞 à 𝐚𝐛𝐬𝐭𝐞𝐧çã𝐨 𝐞 𝐧ã𝐨 𝐜𝐡𝐚𝐧𝐭𝐚𝐧𝐠𝐞𝐚𝐫 𝐨𝐬 𝐩𝐚𝐫𝐭𝐢𝐝𝐨𝐬 à 𝐬𝐮𝐚 𝐞𝐬𝐪𝐮𝐞𝐫𝐝𝐚 – 𝐝𝐞 𝐪𝐮𝐞𝐦 𝐩𝐫𝐞𝐜𝐢𝐬𝐚, 𝐚𝐥𝐢á𝐬.


Um dérbi entre o Luís e o Pedro é poucochinho

 


«Entre o montenegrismo e o pedronunismo, com o mundo às voltas e o medo à espreita, talvez o país pergunte para quê abanar o tabuleiro, para quê aventuras, melhor é escolher o que está. No dia 18, a escolha é essa: Luis ou Pedro? E se todas as legislativas se decidem sobretudo entre dois homens, estas, provocadas por tremuras sobre o carácter e o comportamento de um deles, decorrem sob o signo 'cara ou coroa'. Digam lá se isto não merecia mais do que um dérbi.

A CNE e a ERC não deixam. Isto tem que ser a régua e esquadro, todos com todos, direitos iguais, cada líder só debate uma vez com outro líder, o cronómetro manda, nada de improvisos. Claro que há hipocrisia nisto - o debate entre Montenegro e Pedro Nuno dura 75 minutos enquanto os restantes ficam-se pela meia hora e só o frente a frente AD/PS tem direito a transmissão simultânea nas três televisões generalistas. E há hipocrisia porque nas campanhas como na vidinha são todos iguais mas há uns que são mais iguais do que os outros. (…)

Se um e outro escolheram levar ao limite a personalização do combate – o líder do PS quando cavalgou a crise na base de uma avaliação da seriedade do primeiro-ministro e o líder da AD quando resumiu a coisa a “deixem o Luis trabalhar” e proclamou a 'montenegrização' da campanha – tomara que venha a Páscoa, o 25 de abril, as pausas televisivas, os 10 debates que faltam com os mais pequenos para, finalmente, termos o frente a frente que conta.»

Ângela Silva
Newsletter do Público, 16.04. 2025

Fernando Rosas

 



Fingir ao espelho

 


«À procura do espelho mais simétrico a que possa deitar mãos para uma averiguação preventiva, o Ministério Público (MP) não presta grande serviço à justiça ao colocar situações completamente incomparáveis no mesmo patamar no espaço de um mês. Sobretudo, no olho do furacão de um contexto político ao qual, vistas as coisas ao parágrafo, não é alheio. Desde as linhas sobre António Costa no parágrafo que semeou as condições ideais para pôr fim a uma maioria absoluta desgastada com um líder a sonhar com voos europeus, o MP tem contribuído tanto para a instabilidade política que, agora, se sente na obrigação de fechar os olhos à disparidade e meter no mesmo saco os casos de Luís Montenegro e de Pedro Nuno Santos (PNS), como se fossem efectivamente comparáveis. Não são e a objectiva necessidade do MP embandeirar em imparcialidade é um marco de desconfiança em si, nos seus processos, justeza e competências. É, todo ele, um acto de fingimento que não colhe nem se espera das suas superiores atribuições na representação do Estado e na defesa da legalidade democrática.

São praticamente os mesmos os factos que levaram o Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto a arquivar uma denúncia anónima de 2024, antes das legislativas de março, sobre as casas de PNS. Perante mais uma denúncia anónima nos mesmos termos, PNS faz o que tem a fazer, disponibilizando todos os documentos de imediato, mas não está livre de que alguém escreva mais um parágrafo, anónimo ou pela mão de um regresso ao passado do “modus operandi” de Lucília Gago. Estamos todos tão cansados da interferência que atira ao homem, como da interferência salomónica. Está a ser altura do MP ir a juízo se prova que não o tem.

A dificuldade em valorizar “o caso” de PNS atravessa o espectro político e ainda bem. Mesmo para uma oposição à oposição sedenta de novos casos de corrupção, é difícil ser selvagem ou demagógico. O PSD mostra sentido de Estado, até porque sabe que não pode desempoeirar o tapete que colocou debaixo da cama. Mas ao criticar a disponibilização das provas pelo líder do PS, talvez seja o PSD a olhar ao espelho e a ver o que não foi capaz de fazer a bom tempo.»


17.4.25

Horas

 


Relógio "The Magnus", uma peça rara da linha Cymric da Liberty & Co. Feito de prata e esmalte, com inscrição “Tempus Fugit” (O Tempo Voa) no mostrador. 1903.
Archibald Knox.

(Knox baptizou alguns de seus melhores desenhos Cymric com nomes de figuras históricas escocesas. Este é uma homenagem ao Rei Magnús Óláfsson, que conquistou a Ilha de Mann em 1252.)

Daqui e não só.

17.04.1975 – Camboja: os Khmer Vermelho tomam Phnom Penh



 

Foi há 50 anos que a capital do Camboja, Phnom Penh, foi tomada pelo Khmer Vermelho. Seguiram-se quatro anos de terror, num processo brutal que tinha como objectivo a criação de uma sociedade comunista puramente agrária e do qual resultou um genocídio que eliminou 20 a 25% da população (cerca de dois milhões de pessoas, embora não haja números exactos). Uma das consequências absolutamente impressionante e visível, mesmo para o turista desprevenido, é que o Camboja é hoje um país quase sem velhos: a grande maioria dos que teriam actualmente cerca de 70 anos, ou mais, desapareceu.

Estive lá em 2009 e, por muitos ou poucos anos que ainda viva, nunca esquecerei um dos mais célebres killing fields, situado nos arredores de Phnom Pehn, onde se encontra o Museu do Genocídio de Tuol Sleng. Numa antiga escola transformada em prisão e nos terrenos que a rodeiam, terão sido torturadas e assassinadas cerca de 10.000 pessoas – homens, mulheres e muitas crianças –, como testemunham largas centenas de fotografias expostas em grandes painéis. É um museu muito simples, impressionante pobre, mas terrível.

Há muita literatura sobre este período negro de uma parte importante do sudoeste asiático, há um grande filme (The Killing Fields, Terra Sangrenta, em português) e muitos pequenos vídeos como estes, precisamente sobre o museu de Tuol Sleng.




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Coimbra, 17.04.1969

 


Há 56 anos, Alberto Martins, então presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra, pediu a palavra em nome dos estudantes, na cerimónia de inauguração do Departamento de Matemática, presidida por Américo Tomás. Claro que ela não lhe foi concedida, o que funcionou como o pontapé de saída para uma longa crise estudantil.

No vídeo, o comentário do Ministro da Educação, José Hermano Saraiva:




Resumo dos acontecimentos durante a crise que foi longa e dura:


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Harvard como exemplo de resistência

 


«Aconteceu mais uma iniciativa da Administração Trump que julgávamos impensável: o ataque à liberdade, ao pluralismo e à produção de conhecimento científico nas universidades. Todas as ditaduras, sem exceção, passam por aí. Recordemos a Revolução Cultural chinesa, o nazismo na Alemanha, Portugal no tempo da ditadura ou, mais recentemente, a Hungria e a Turquia. Sempre o mesmo padrão e o mesmo resultado: despedimento de cientistas e professores, encerramento de departamentos, desmantelamento de projetos de investigação. Não imaginámos nunca que o mesmo acontecesse nos EUA, onde a ciência beneficiou da liberdade académica e do acolhimento de milhares de investigadores fugidos de países com regimes autoritários.

Obama veio a público condenar as ingerências da Administração Trump na vida das universidades, sublinhando que “Harvard deu o exemplo a outras instituições de ensino superior”. Harvard soube rejeitar as restrições à liberdade académica e garantir que todos os seus estudantes continuassem a beneficiar de um ambiente de reflexão intelectual plural.

Porém, as notícias relatam também as dificuldades de outras universidades e a forma como estão a capitular (“Economist”, 12 de abril). Não surpreende, porque a história mostra-nos que as universidades, mesmo quando tentam, não conseguem resistir por muito tempo a regimes ditatoriais, tendo de se adaptar para sobreviver. Mas a história mostra também que, sem liberdade académica, em regra, as universidades sobrevivem sem pujança e com degradação da sua atividade. Sobretudo quando conheceram ambientes de maior autonomia e pluralidade. A crise da universidade em Portugal na fase final do Estado Novo, depois de expulsões sucessivas de cientistas e de estudantes, é um exemplo que não devemos esquecer.

As universidades e os sistemas científicos necessitam, para se desenvolverem, de autonomia e de investimento. Em nenhum país do Mundo a ciência se desenvolveu sem fortes investimentos públicos. É o caráter público do financiamento que permite o seu florescimento e, simultaneamente, garante a sua autonomia. Porém, essa é também a sua grande fragilidade. Quando o Estado usa o seu poder de financiamento para coartar a liberdade, para interferir e determinar ideologicamente o que deve ser ensinado, quem deve ser professor, quem pode ser estudante, é quase impossível evitar a capitulação.

Por saber tudo isto, fica a pairar uma pergunta com sabor amargo: até quando e como vai Harvard ser um exemplo de resistência? As forças do mal são mesmo muito poderosas.»


O grito do dólar

 


16.4.25

16.04.1975 – Um dia de nacionalizações

 

@Alfredo Cunha

Logo após o 11 de Março de 1975, mais concretamente por decretos publicados nos dias 14 e 15, foram nacionalizadas quase todas as instituições de crédito e de seguros.

O dia 16, quando era então Ministério da Indústria e Tecnologia João Cravinho, que hoje nos deixou, foi um marco importante no processo, pela longa lista de empresas que passou a ser controlada pelo Estado nessa data: TAP, CP, empresas portuguesas refinadoras e distribuidoras de petróleo, de transportes marítimos, de siderurgia e empresas produtoras, transformadoras e distribuidoras de electricidade – entre as quais a Companhia Nacional de Navegação, Siderurgia Nacional, Cidla, Sonap e Sacor.

Ainda de madrugada, o PS emitiu um comunicado em que «saúda as decisões (...) e apela para que o maior número de militantes e simpatizantes se associem à festa socialista, no próximo Domingo, às 15h30, no estádio 1º de Maio, em Lisboa, onde será manifestado o regozijo dos socialistas por essa decisão histórica e o apoio do PS ao MFA e ao Governo Provisório». (Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC, p.77)

Para esse mesmo dia, ao fim da tarde, foi convocada uma manifestação – promovida pelo PCP e com a adesão de MDP/CDE, MES, FSP, Intersindical, LCI e PRT – de «apoio» e «regozijo» com as nacionalizações. Do Rossio a S. Bento, 100.000 pessoas (segundo notícia do Diário de Lisboa de 17 de Abril) desfilaram com bandeiras de partidos e de comissões de trabalhadores. Por volta das 23:00, Vasco Gonçalves, então primeiro-ministro do IV Governo Provisório, recebeu na residência oficial representantes dos partidos, que lhe manifestaram total apoio às medidas decretadas e a eventuais futuras com a mesma orientação.
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João Cravinho

 


O Cravinho morreu hoje. Toda a sua actividade política, e não só, será recordada nas próximas horas.

Conheci-o bem em várias plataformas da oposição antes do 25 de Abril e em casa de amigos comuns. Pertencíamos à mesma teia.

Lembro-me bem da sua participação em actividades da Pragma, algumas proibidas pela PIDE. Outros tempos, outras lutas. Menos um.

Maria Luísa Albuquerque

 


Superavit de descaramento

 


«O PS apresenta um programa eleitoral com medidas avaliadas em 1744 milhões de euros. Desse valor, 730 milhões incidem sobre medidas fiscais, como o IVA Zero permanente no cabaz de bens alimentares essenciais, a redução do Imposto Único de Circulação (IUC) e a descida do IVA sobre a eletricidade. O restante são 270 milhões para reforço dasprestações e apoios sociais e 744 milhões para propostas nas áreas da habitação e da saúde. As contas são do próprio partido, nunca desmentidas pela AD ou pela imprensa económica. Perante isto, a AD perguntou: “onde está o dinheiro?”

Poucos dias depois, a mesma AD apresentou, segundo os próprios, um programa de “rigor orçamental”. Juntando três medidas com um impacto fiscal regressivo e utilidade económica duvidosa, são 2000 milhões no IRS (mais do que o custo de todo o programa eleitoral do PS), 1260 milhões para mais uma descida de IRC (na nova versão, até aos 17% para grandes empresas e 15% para PME) e 500 milhões para a descida do IVA sobre a construção. Só estas medidas custarão 3760 milhões de euros. 1744 milhões põem o país a “caminho do empobrecimento”, 3760 milhões são “rigor orçamental”.

Como se consegue ter excedente com mais um rombo nas receitas? Repetindo o truque que permitiu a quadratura do círculo de 2024. Com o cuidado de apagar, desta vez, a quantificação da esmagadora maioria das medidas. Montenegro volta a prometer níveis de crescimento que sabe que não conseguirá. Na campanha de 2024, prometeu 2,9% de crescimento médio até 2029. Chegado ao Governo, ficou-se abaixo dos 2% na comunicação que fez a Bruxelas. Agora, de novo em campanha, volta aos 2,9%.

Os valores do crescimento apresentados pela AD esbarram com os números do Conselho de Finanças Públicas, do Banco de Portugal e do FMI, que andam todos próximos dos 2% previstos no programa supostamente “socrático” do PS. Tudo isto ainda sem o impacto da guerra tarifária. Nem o governo acredita nos números da AD. Todos viram o momento caricato do ministro da Economia a afirmar que, com o atual cenário internacional, ninguém poderia garantir que não haverá défice e a desdizê-lo, minutos depois, quando recebeu um recado de um assessor. É a política orçamental do post-it.

O problema já nem é o regresso do pensamento mágico, que acredita em níveis de crescimento sem paralelo desde o início do euro. É ele servir para justificar opções socialmente regressivas, com a AD a acrescentar benefícios fiscais aos benefícios já dados a minorias favorecidas.

O “IRS Jovem” soa bem, mas abrange, pelo menos de forma significativa, uma fatia restrita de jovens. A descida do IRC para 17% devolve a maior parte do benefício a 0,2% das empresas, responsáveis por quase metade da receita deste imposto — essencialmente grandes grupos financeiros, imobiliários, de distribuição e retalho. Ou seja, as empresas com menor necessidade de estímulo e que menos investem em inovação. Impacto económico? Segundo um estudo do Banco de Portugal, e na melhor das hipóteses, daria origem a um crescimento de 0,1% a longo prazo. Não chega a ser um embuste — é um luxo disfarçado de urgência nacional.

O PS prefere mexer em impostos sobre o consumo e nas prestações sociais. Duvido da eficácia da descida do IVA na alimentação, embora, contra o meu próprio vaticínio, pareça ter feito descer os preços em 2023.Mas o Banco de Portugal indicou que tal só foi possível graças ao elevado escrutínio público, que dificilmente se repetirá numa medida permanente. Ainda assim, se esta medida faz sentido, é na véspera de uma guerra tarifária num país que, infelizmente, importa 70% do que come. Tenho ainda mais objeções, por razões óbvias, à descida do IUC.

Mas há uma diferença: as medidas do PS são de largo espectro, com impacto mais sentido nas classes médias e baixas. As da AD são regressivas — cortam impostos progressivos e beneficiam os de sempre. Com uma receita marada, o bolo da AD fica maior. E, mesmo assim, é injustamente dividido.

A campanha da AD assenta num cenário macroeconómico ficcional, com previsões de crescimento feitas para caberem em cartazes, não nos orçamentos. Tudo é possível ao mesmo tempo. É como prometer um carro mais rápido, mais barato, que consome menos e ainda vem com condutor. Um excedente com mais despesa e menos receita? Claro. Crescimento de 2,9% quando as estimativas andam pelos 2%? Porque não? E, no fim, ainda se fala do despesismo dos outros. Em descaramento o superavit está garantido.»


15.4.25

Regressam os vitrais

 


Vitral no Palau Ramon Montaner, Barcelona, 1889.
Arquitectos: José Doménech i Estapá, piso térreo e dois andares; Lluis Doménech i Montaner, o resto da construção até a conclusão do edifício, ajudado por Antoni María Gallissá.
Daqui.

Nem conseguimos acreditar

 



Abril em Keukenhof

 


É como Meca: ir a Keukenhof pelo menos uma vez na vida!

Estamos na quinzena do ano em que é previsível que as túlipas estejam na sua melhor fase de florescimento e em que ir a Keukenhof é portanto um dever, pelo menos para quem esteja por perto. Foi o meu caso, durante alguns anos, e nunca me cansei desse jardim de 32 hectares, a sudoeste de Amsterdão, onde todos os anos reaparecem milhões de túlipas e de muitas outras flores. Um festival de cores que as fotos não conseguem mais do que sugerir e uma mistura de cheiros, impossível de reproduzir.









 
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Montenegro e financiadores do PSD

 


Bloco Central: antes o poço da morte que tal sorte

 


«O Bloco Central de que tanto se fala em Portugal aconteceu entre 1983 e 1985, quando uma grande parte dos eleitores ainda não tinha nascido ou era criança.

Na época, foi preciso cumprir um programa doloroso do FMI. O resultado prático desse Bloco Central foi a criação de um novo partido, inspirado na figura do Presidente da República da época, Ramalho Eanes, que fez com que o PS, nas eleições seguintes, ficasse reduzido a 20%.

No Bloco Central 1983-1985, o primeiro-ministro era Mário Soares (que já estava a aquecer os motores para a candidatura presidencial) e o vice-primeiro-ministro Carlos Alberto da Mota Pinto, com quem Soares tinha uma grande relação de amizade e cumplicidade. Depois da morte prematura de Mota Pinto, o novo líder do PSD, Aníbal Cavaco Silva, rompe com o acordo do Bloco Central e faz com que seja o PS — e só o PS — a pagar “as favas” da duríssima crise que atingiu Portugal.

É a partir do momento em que força o PSD a sair do governo do Bloco Central que Cavaco constrói a sua vitoriosa carreira política como primeiro-ministro.

Esta história já não é muito recente mas explica porque é que a expressão “bloco central” se tornou totalmente proibida nos últimos 40 anos. O PS quase que ia sendo “substituído” por outro partido — o Partido Renovador Democrático revelar-se-ia um falhanço mas isso não foi logo previsível em 1985 — e o único partido que “ganhou” com a coligação foi o PSD, já com Cavaco Silva, que não estava comprometido com a solução de Bloco Central e conseguiu fazer com que a impopularidade do Governo recaísse toda sobre o PS.

Meia volta, em Portugal, aparecem uns saudosistas do Bloco Central que consideram que todos os males da República seriam resolvidos com um entendimento governamental entre PS e PSD.

Ferro Rodrigues foi uma das personalidades que esta semana voltou a insistir na possibilidade “numa situação-limite” que pode estar ao virar da esquina: “Há todos os ingredientes negativos do ponto de vista internacional, muito mais graves do que nessa altura [1983]”. Ferro acha que “quando começarem a chegar à mesa dos portugueses” as tarifas de Trump “as pessoas vão começar a perceber que os tempos estão a mudar e que é necessário que os políticos aprendam alguma coisa e que tenham juízo” e “não fomentem crises desnecessárias”. Ferro admite que não será nestas eleições já, mas numa “próxima crise pode haver necessidade de pôr frontalmente a questão em cima da mesa”.

Habitualmente, para defender esta solução, os seus apóstolos dão o exemplo da Alemanha, onde a “grande coligação” entre o equivalente do PSD (CDU) e o equivalente do PS (SPD) tem sido uma constante nos últimos anos. O que somos nós a menos do que os alemães?, perguntam os “blococentralistas”.

O problema é que a Alemanha já nem é a Alemanha de “antigamente”. Uma das notícias da semana foi o facto de, pela primeira vez, no dia em que a CDU e o SPD assinaram o acordo de coligação, o partido de extrema-direita, Alternativa para a Alemanha (AfD), apareceu numa sondagem como o partido com mais intenções de voto.

Numa Alemanha que se está agora a rearmar em força, num processo histórico que é uma das grandes reviravoltas políticas do pós-Segunda Guerra Mundial, o partido que está cheio de neonazis ganhou a liderança nas sondagens.

Agora imagine-se que vem aí uma recessão económica provocada pela loucura de Trump, numa economia que já está debilitada como a alemã? A possibilidade de a AfD crescer nas sondagens e vencer as próximas eleições é uma possibilidade real e assustadora.

Portugal não é a Alemanha e o Chega não é AfD, embora sejam partidos irmãos. O que aconteceria no dia em que PS e PSD decidissem juntar-se, deixando o Chega à solta?»


14.4.25

Hoje é o Dia Mundial do Café

 


Máquina de café Steampunk. Funciona e é o resultado da combinação de elementos de uma velha máquina de costura e de uma máquina de café Nespresso. 
Alexander Schlesier. 


Simone de Beauvoir morreu num 14 de Abril

 


Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir morreu em 14 de Abril de 1986, com 78 anos. Ela que disse um dia que «a vida não é uma coisa que se tenha, mas sim algo que passa».

Tudo já foi escrito sobre esta escritora, intelectual, activista política e feminista, mas vale talvez a pena recordar o papel decisivo de uma das suas obras – Le Deuxième Sexe –, publicada em 1949. Esteve longe de ser um manifesto militante ou arauto de movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde, já que as mentalidades não estavam preparadas para a problemática da libertação da mulher tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.

As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».

Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber. Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória.

Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre. Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».


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Hino da AD - Coligação PSD/CDS - Legislativas 2025

 



Deixem-me avençar

 


Deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar!

 


«Desde “Obrigado José Sócrates”, ou “O Menino Guerreiro”, para Pedro Santana Lopes, que um líder perseguido não tinha direito a um hino. Desta vez, veio em sertanejo cavaquista: “Deixa o barco navegar/Não é hora de parar/A esperança vai renascer/Deixa a gente ser feliz/Deixa o Luís trabalhar/Que um novo futuro vai acontecer” E depois vem o refrão: “Deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar/Ele tem palavra/Ele tem valor/Deixa o Luís, deixa o Luís trabalhar.”

Não vou brincar com o “trabalho” de Montenegro na Spinumviva. Fico-me pela referência literária a Cavaco Silva, quando, perante as críticas, a oposição, o escrutínio, os contrapesos democráticos a que chamou “forças de bloqueio” a todos os limites ao seu poder, apelou à anemia democrática em nome da eficácia da governação. “Deixem-me trabalhar” foi, no seu tempo, o grito autoritário do líder que se julga acima das instituições que circunstancialmente dirige, como se as regras e a ética que limitam o seu trabalho não fossem o trabalho da democracia.

É sabido que Luís Montenegro tem Cavaco Silva como mestre. E o ego do antigo líder, que o País apreciou, mas nunca com a devoção de que se acha merecedor, só tem uma lição a dar ao discípulo: se fizeres como eu fiz, se fores como eu fui, tudo correrá pelo melhor. E desde que chegou ao poder é isso que Montenegro tenta fazer. A estratégia da queda rápida do governo era a mesma de 1987, só que, não havendo o cão da moção de censura, caçou com o gato da moção de confiança. De resto, tudo igual: exibir um desrespeito altivo por jornalistas e oposição e, perante o escrutínio, nunca oferecer mais do que indignação. Até tem o desplante de dizer que o “Expresso” e o “Correio da Manhã” não escrutinavam assim o PS. Que o digam Costa, Galamba e Pedro Nuno Santos.

Nada em Montenegro é autêntico. Nem a arrogância, nem os silêncios, nem a indignação. Montenegro era um cacique local que fez carreira em pequenos esquemas (independentemente da sua legalidade, que é outro debate). Está muito longe de ser o único, no PS, no PSD ou em qualquer partido que se aproxime do poder. Só que, por uma conjugação dos astros, chegou a primeiro-ministro. Era quem lá estava, depois de vencer um homem competente e sério, mas sem ponta de carisma (Jorge Moreira da Silva), quando chegou a inevitável mudança de ciclo. Depois de oito anos de poder do PS e com a saída de Costa, tinha de ser. Como teve de ser quando Cavaco partiu. E, mesmo assim, ficou-se por 50 mil votos de vantagem face a um partido desgastado por tanto tempo a governar e um opositor também desgastado, apesar de acabado de chegar à liderança do PS.

Quando o silêncio deixou de funcionar e o passado veio ao de cima, Montenegro disse a frase que é o seu lema ético: “o primeiro-ministro não fez nem mais nem menos do que faz qualquer português". É com esta autocomplacência nacional que conta. A que ouvi numa conversa, este fim de semana, a um eleitor da AD: Montenegro não será flor que se cheire, mas não é altura para mudar, e, de qualquer das formas, “são todos iguais”. Tenho dito que o voto no Chega não é de indignação ética, mas de acomodação. Por isso os seus escândalos não o afetam. É nessa mesma acomodação que Montenegro aposta.

Quando era óbvio que ia macaquear Cavaco, usando a mesma arrogância altiva e a mesma gestão de silêncio para esconder as suas próprias fragilidades e inseguranças, escrevi que, no tempo das notícias 24 sobre 24 horas e das redes sociais, seria outro o escrutínio. Mas talvez o excesso de ruído seja igual ao silêncio de quando só havia RTP (só no fim do mandato de Cavaco as coisas mudaram). Veremos a 18 de maio. Uma coisa é certa: este hino apela ao passado. É, na política, na ética e na estética, uma cópia pirata do cavaquismo. Como Montenegro.»



13.4.25

Não é azul mas…

 


Decantador Arte Nova em vidro com sobreposição prateada. Cerca de 1900.
Empresa de fabricação de Gorham.

Daqui.

Eduardo Galeano

 


Galeano morreu há dez anos.

Carlos Matos Gomes

 


Ainda há poucos dias escrevia no Facebook. Não o fará mais porque uma notícia chegou esta manhã com estrondo. 

Lia-o muito, só estive com ele três ou quatro vezes. Mas admirava-o. Polémico em muitas situações, tenaz sempre.

Inaceitável! A liberdade académica não responde a interrogatórios ideológicos

 


«Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo, esperando que seja o último a ser comido.
Winston Churchill

Há momentos em que o silêncio institucional é cumplicidade. E este é um desses momentos. A revelação de que a Embaixada dos Estados Unidos, em Lisboa, enviou às universidades portuguesas um questionário ideológico — exigindo respostas sobre “agendas climáticas”, “relações com partidos comunistas e socialistas”, ou “estratégias para preservar mulheres das ideologias de género” — representa uma violação frontal da liberdade de pensamento, da autonomia universitária e da soberania científica do Estado português.

Este não é um episódio menor. É uma tentativa clara e deliberada de condicionar a atividade académica com base em critérios políticos e ideológicos impostos por uma potência estrangeira. A reação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, expressa pelo seu presidente, Paulo Jorge Ferreira, é inequívoca: as perguntas enviadas foram “intoleráveis”. Mas isso não basta.

É imperativo que o Governo português, as universidades e a sociedade civil se pronunciem com firmeza: Portugal não tolera inquisições ideológicas.

Mais inquietante ainda é o contexto em que tudo isto ocorre. Portugal investe, anualmente, milhões de euros em parcerias com instituições norte-americanas como o MIT, Carnegie Mellon e a Universidade do Texas em Austin. Essas colaborações — com aspetos positivos — tornam-se perigosas se não forem acompanhadas por mecanismos robustos de proteção da liberdade científica e de escrutínio político.

Colocam-se agora questões que não podem mais ser adiadas: as instituições envolvidas nestas parcerias também receberam este tipo de questionário? E, se ainda não o receberam, estarão imunes a este tipo de pressão? E, caso o venham a receber, como reagirão as instituições portuguesas e o próprio Governo: manterão a dignidade, ou cederão a condicionalismos inaceitáveis?

O que está em causa não é apenas a autonomia da universidade X ou Y. É o modelo de sociedade que queremos defender. O questionário enviado às universidades portuguesas não é um gesto isolado. Inscreve-se numa lógica crescente de exportação ideológica e de pressão sobre instituições académicas, que visa normalizar a intolerância e o controlo do pensamento sob o pretexto da segurança ou da “neutralidade de valores”. Esta ofensiva — herança de uma Administração Trump que procura minar ativamente os consensos científicos e os valores democráticos — continuará a ter ramificações concretas, mesmo após a sua saída formal do poder.

Não nos enganemos: este tipo de práticas, se não forem travadas, corroem as democracias por dentro. Começam nos questionários e terminam em censura e autocensura, na exclusão de temas incómodos e no silenciamento de vozes críticas. E quando isto acontece dentro das universidades, que são — ou deviam ser — os últimos redutos de liberdade de pensamento, é o próprio regime democrático que entra em falência lenta.

É por isso que a recente recomendação do Conselho da União Europeia sobre segurança da investigação (2024) não pode ser ignorada. Os Estados-membros são chamados a proteger os seus sistemas científicos contra interferências externas e riscos híbridos. Portugal tem aqui uma obrigação moral e política de agir — não apenas em defesa dos seus investigadores, mas em defesa da própria democracia europeia.

A ciência não se submete a inquéritos ideológicos. A liberdade académica não responde a embaixadas. E a soberania de um país não se negoceia em troca de favores culturais ou bolsas de investigação. O que está em causa não é uma mera troca diplomática. É a linha que separa uma sociedade livre de um Estado sabujo.

Não basta indignar-nos. É preciso traçar limites. Claros. Públicos. E inegociáveis.»