«As deportações de civis ucranianos, entre os quais muitos milhares de crianças que são enviadas para campos de reeducação ou para adoção por famílias na Federação Russa ou para territórios sob ocupação russa, constitui uma clara violação do Direito Internacional Humanitário em todas as suas dimensões, sendo considerado um crime de guerra e um crime contra a Humanidade.
A deportação de crianças assume maior gravidade, porque além de estar tipificada como um dos crimes de genocídio, considerado o crime dos crimes, está associado a um processo de "russificação", que inclui o despojamento da nacionalidade originária. As autoridades russas nem cuidaram minimamente de ver se as crianças tinham pais ou tutores legais, como obrigam as normas internacionais, nem facilitam os contactos com familiares ou conhecidos. Algumas foram "roubadas" de instituições pediátricas ou de orfanatos, apesar de poderem não ser órfãs, ou foram separadas ou retiradas dos pais que foram presos ou mortos.
Um ano depois do início da guerra, os casos de deportação e deslocações forçadas de civis e crianças está bastante documentado, mesmo que os números sejam muito variáveis em função das fontes que os apresentam. Os relatórios da Human Rights Watch, da Amnistia Internacional e do Humanitarian Reseach Lab da Yale School of Public Health e de várias outras Organizações Não-Governamentais e das autoridades da Ucrânia, revelam provas sólidas sobre essas práticas.
Por isso, é sem surpresa e com grande satisfação, que o TPI, perante a evidência das provas, tenha emitido um mandado de captura de Vladimir Putin e para o rosto mais visível na organização das deportações de crianças ucranianas, nas diligências para facilitar a aquisição da nacionalidade e na sua distribuição por famílias russas para adoção, a Comissária para os Direitos das Crianças, Maria Lvova-Belova.
Grande parte das deportações de civis ocorreram essencialmente a partir das regiões que foram mais fustigadas pelos bombardeamentos, como Mariupol e Kherson, não tendo, na altura, os civis que esperavam por um corredor humanitário possibilidade de ir para território seguro na Ucrânia, sendo muitas vezes transportados contra a sua vontade para a Federação Russa ou para zonas sob domínio russo, incluindo para a península ocupada da Crimeia.
As autoridades ucranianas conseguiram comprovar até ao momento 16 226 casos de crianças deportadas, não obstante o número global ser de 280 mil, num total de 1,2 milhões de deportados civis. Já as autoridades russas dizem que entraram na Federação 4,8 milhões de ucranianos, entre os quais perto de 800 mil crianças, número impossível de confirmar e que é, acima de tudo, utilizado como instrumento de propaganda. Seja como for, há um universo muito grande de civis cuja sorte se desconhece, calculando-se que haja cerca de 6 mil crianças em, pelo menos, 43 centros de reeducação na Federação Russa, alguns no extremo oposto da fronteira com a Ucrânia, e na península ocupada da Crimeia, incluindo dois onde os jovens estão a ter treino militar.
Nestes centros estará em curso um processo de "russificação", que consiste no despojamento da identidade cultural originária e corte com os contactos de familiares e amigos na Ucrânia, e a imersão na cultura russa, com aulas de língua e diversas formas de doutrinação para o patriotismo russo.
Tal como referem vários documentos, e a próprio imprensa russa retrata, trata-se de uma política de Estado bem estruturada, que tem no topo da hierarquia o presidente Vladimir Putin, com ligação direta à muito mediática comissária Maria Lvova-Belova, à comissária para os Direitos Humanos, Tatyana Moskalkova e ao ministro da Educação, Sergey Kravtsov, e, daí, para as estruturas regionais e locais, com um papel ativo dos respetivos governadores.
À luz da importância de fazer cumprir a Justiça Internacional, o TPI deu agora um passo muito importante, porque a evidência das provas de violação do Direito Internacional Humanitário é de tal modo flagrante que não há como escapar, havendo claramente elementos de crime de genocídio, tal como considerado no Estatuto de Roma e na Convenção Contra a Prevenção do Crime de Genocídio.
É este o tema central do relatório de que sou autor para a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que será discutido e aprovado na sessão de abril, em Estrasburgo.»
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