23.10.21

Robertos

 


Teatro dos Robertos, perto da Feira da Ladra, Lisboa, 1955
Fotografia de Anita Sequeira
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Ideologização do Orçamento do Estado?

 

«Não há nada de preocupante nem de errado em que o BE e o PCP queiram aproveitar as negociações do OE2022 para introduzirem matérias negociais não directamente orçamentais e procurando levar o Governo a aprovar medidas claramente de esquerda, como a defesa do interesse do Estado no SNS e alterações no Código do Trabalho em defesa dos direitos laborais dos trabalhadores. Nem isto significa que o BE e o PCP queiram fazer a revolução através do OE2022. Agora é indesmentível que ambos os partidos trazem para estas negociações uma clara agenda ideológica e querem, de facto, forçar o Governo a adoptar medidas que são essencialmente de esquerda.»

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Frase bem oportuna

 

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O engano da “dedicação plena”

 

@Joe Fenton

«Quando António Arnaut e João Semedo publicaram a sua proposta de Lei de Bases da Saúde que viria a ser adotada e aprovada em 2019, a redação era clara: “A política de recursos humanos para a saúde visa promover a dedicação exclusiva nos serviços de saúde” – Base XIV; “O Estado deve promover uma política de recursos humanos que valorize o tempo completo e a dedicação exclusiva como regime de trabalho dos profissionais de saúde” – Base XXXIII. Era sobre exclusividade que falavam. António Arnaut confirmava-o em 2017, afirmando que “é preciso recriar as carreiras profissionais [dos profissionais de saúde] como carreiras de função pública”, fazendo com que “haja uma carreira tendencialmente de exclusividade”, semelhante à dos juízes.

Da direita à esquerda, várias vozes têm defendido a opção pela exclusividade dos médicos no SNS, como o bastonário da Ordem dos Médicos ou mesmo o antigo ministro da Saúde Paulo Macedo, que em 2014 lamentava que o Partido Socialista tivesse acabado com a exclusividade em 2009 e manifestava a intenção de a retomar. Tudo isto é sobre exclusividade, não há aqui enganos.

Mas o novo Estatuto do SNS, aprovado esta quinta-feira pelo Governo, não cria nenhum regime de exclusividade para os profissionais de saúde. Pelo contrário, cria uma “terceira via” à qual chama “dedicação plena”, cuja única implicação é a proibição de exercer cargos de chefia em unidades privadas. Trabalhar no SNS e no privado em acumulação, continua a ser permitido. No comunicado emitido pelo Governo nesse dia, esclarece-se, inclusivamente, que os diretores de serviço no SNS passam a ter uma “limitação ao número de horas de trabalho que podem ser exercidas noutras instituições de saúde, em moldes a negociar com as estruturas sindicais”.

Ora, se se pode trabalhar em acumulação no privado, então esta “dedicação plena” não é exclusiva e tão pouco é “plena”. Na verdade é apenas o que a maioria dos médicos já hoje tem no SNS: um horário completo de 40 horas, com possibilidade de serem pagos por trabalho extraordinário, apenas acrescentando a proibição de chefiar outros serviços no privado.

Qual é o problema desta “terceira via”? É que se não exclui a acumulação de trabalho no privado, então ninguém acredita que neste regime os salários sejam majorados, tal como eram no anterior regime de exclusividade. Porque seriam, se não existem contrapartidas? Se os médicos continuarão a ter de correr entre o SNS e o privado?

Só resta uma explicação para esta proposta do Governo: ela serve apenas para confundir as negociações em curso com os partidos da esquerda e os sindicatos, fingindo uma cedência que não existe. Este estatuto não cumpre a vontade de António Arnaut ou a Lei de Bases da Saúde. E pelo meio ainda atropela a língua portuguesa, dando um significado perverso à palavra “pleno”.»

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22.10.21

O 25 de Novembro e a direita

 



O projecto foi rejeitado com os votos contra de PS, BE, PCP, PEV e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, a abstenção de PSD, PAN e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues e voto favorável de CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal.

No vídeo, a intervenção de José Manuel Pureza sobre o tema.
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Georges Brassens – 100 ANOS!

 


Georges-Charles Brassens nasceu em Saint-Gély-du-Fesc, um porto de pesca francês banhado pelo Mediterrâneo. Aos 18 anos foi para Paris, regressou às origens quando a capital francesa foi bombardeada em 1940, mas para lá voltou poucos meses depois para mergulhar na leitura de grandes clássicos: Baudelaire, Verlaine, Victor Hugo...

Mais informação e alguns vídeos NESTE post do ano passado.
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Marisa Matias e José Gusmão

 


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As contas que têm de ser certas

 


«É de elementar bom senso que a recuperação económica e social na saída da pandemia exige um orçamento mais ambicioso que nunca no combate ao atraso estrutural do país. Um orçamento que saia da inércia de acrescentar umas décimas a uma rubrica do anterior e tirar umas décimas a outra e assuma o desafio de mexer no que é fragilidade estrutural do país: salários médios esmagados, pensões baixas, SNS sob pressão não do número de internados, mas da desmotivação dos seus profissionais.

Pois bem, apesar de este ser o último ano em que a União Europeia suspende as regras espartanas de limites do défice e admite um mínimo de respiração aos orçamentos nacionais, o orçamento apresentado pelo Governo tem como escolha de fundo a contenção da despesa, atribuindo somente 0,5% do PIB aos estímulos à economia. Quando precisávamos de um orçamento de propulsão, o Governo dá-nos um orçamento de contenção, para causar boa imagem em Bruxelas. É uma escolha política de alto significado. Claro, invocar-se-ão os muitos milhões do PRR e falar-se-á de máximos históricos de investimento. Mas o PRR é conjuntural, a bazuca é uma arma de um tiro só. E a robustez da sociedade e da economia supõe forças próprias e duradouras.

A pergunta que se coloca é simples: deve a esquerda viabilizar um orçamento que põe na coluna do certo a contenção da despesa e na coluna do incerto a regulação das carreiras médicas e de enfermagem, a subida minimamente justa dos salários e tudo o mais que vá além da pilotagem à vista? Esta é a questão essencial: há um desequilíbrio radical entre a certeza da contenção e a incerteza do cumprimento dos compromissos enunciados nos orçamentos. A recusa, desde 2019, de acordos escritos entre os partidos de esquerda com incidência orçamental levou a que, ano após ano, se assista ao “incumprimento de gaveta” – sob a forma de cativações ou simplesmente de inação – de medidas incluídas nos orçamentos. Fica o anúncio da medida, mas prevalece o seu repetido incumprimento. Contas certas, não é?

De todas as razões aduzidas para a esquerda viabilizar um orçamento assim, só há uma que sobrevive às anteriores observações: o cálculo de custos eleitorais. O argumento é este: “viabilizem o orçamento independentemente do que lá está.” No pragmatismo frio com que absolutiza o ganho ou a perda de votos em eleições antecipadas, o argumento merece ser ponderado, claro está. Os votos de cada partido são parte essencial da sua força. E a força eleitoral de cada partido é o que lhe permite fazer valer escolhas políticas essenciais. Por isso, abdicar de fazer valer escolhas políticas essenciais para não perder votos é só cálculo sem política dentro. Um cálculo em que o critério do medo prevalece sobre o critério da força política recebida em cada voto.»

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21.10.21

Memórias de Lisboa

 



Por Joshua Benoliel
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Paulina Chiziane -Prémio Camões

 


Uma excelente notícia sobre uma escritora talvez pouco conhecida entre nós, mas que li desde o primeiro livro lançado em Portugal.

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François Truffaut morreu num 21 de Outubro

 



Ler mais AQUI, num post de 2020.
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Médicos: ou há exclusividade opcional no Orçamento ou o SNS definha

 


«No momento em que se discute o Orçamento do Estado (OE), cuja decisão pode ditar o futuro político e social dos próximos anos, convém afirmar que é determinante o que se fará com este Serviço Nacional de Saúde (SNS) e, dentro dele, particularmente com os médicos. Ao contrário do que possa parecer, esta não é uma luta sindical nem corporativa, é a luta pela sobrevivência do SNS.

Há várias distorções nos custos e estruturas dos hospitais, que dizem respeito à demografia médica, aos custos medicamentosos, ao recurso desproporcionado às urgências, mas o principal diz respeito aos recursos médicos, os quais também existem nos cuidados primários.

Em 2009 acabaram os contratos de médicos em exclusividade. Ou seja permaneceram nessa situação os já contratados como tal e deixou de haver novos contratos. Era a crise económica e sobretudo financeira que estava a eclodir e o Governo haveria de mudar em 2011. Para trás, desde 2005, ficavam os anos em que houve maior financiamento para o SNS, mais equipamento hospitalar (informático, laboratorial, de electrificação e nuclear) e tinham ficado contratados em exclusividade os novos especialistas que tinham então trinta e poucos anos. Foram estes que aguentaram o pico da pandemia dez anos depois.

De 2009 até agora, portanto durante 12 anos, nunca mais foram contratados médicos em exclusividade. A exclusividade permitia um salário suficiente e dava ao profissional a disponibilidade de estar com a cabeça ali, e não em dois lados. A partir daí, não só não houve contratos de exclusividade como a contratação de cada especialista recém-formado passou a depender de uma cadeia de pressões que ia do director do serviço ao conselho de administração do hospital, para depois ir à Administração Central de Saúde (ARS), depois ao Ministério da Saúde e finalmente ao Ministério das Finanças. Que alegria quando ele dava o OK! E que tristeza o nosso planeamento depender disto, não haver recursos de acordo com a prevalência das patologias na região e nem sequer com o mérito.

Estes novos especialistas contratados foram ganhar 1200 a 1500 euros líquidos por mês e, para pagarem a casa em Lisboa ou no Porto e alimentarem os filhos mesmo que estivessem acasalados, passaram a ter de ir fazer uns “ganchos” no privado e, portanto, a ter a cabeça nos dois ou três lados. Isto coincidiu com o período de grande baixa no número de especialistas que se mostra no gráfico e é consequência do funil da entrada nas faculdades de Medicina nos últimos governos de Cavaco Silva.



Pensei fazer um artigo apenas com histórias exemplares de médicos para ver se as Finanças e outros decisores percebem (a ministra percebe). Mas encheria muitas páginas e seria insultuoso ter de explicar dessa forma. Porque temos todos que levar isto muito a sério.

Conto só uma história. Uma interna do meu serviço, após o seu curso de seis anos mais um e de cinco anos de interna da especialidade, fez exame e teve a melhor nota a nível nacional. Fiquei radiante quando ela foi contratada e aí ficou no Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Lisboa Norte). Quando me reformei, muitos dos meus doentes passaram para ela, o que me deu grande segurança. Ficou a ganhar 1200 euros, durante dois anos, com as urgências e um horário de 40 horas. Após 2017 passou a ganhar entre 1500 e 1800 euros incluindo as urgências. Não tinha nenhuma perspectiva de progressão na carreira por concurso. Os exames para consultores finalmente ocorreram em 2021, mas só significam a obtenção do título. Não estava integrada em nenhum projecto de investigação clínica, porque estes são considerados menos gloriosos do que os de investigação base. Era e é uma grande defensora do SNS. Mas o panorama era este e tem três filhos. Foi-se embora para uma empresa privada de saúde, onde é bem tratada e ganha 1800 euros por dez horas, negociando as restantes; não faz urgências. Nesse ano e no seguinte saíram mais duas do serviço pelo mesmo caminho. Uma delas ganha o triplo. Não estou a falar de casos excepcionais. Podia encher páginas com casos de anestesia, medicina interna, pediatria, otorrinolaringologia, ortopedia.

Não é uma luta sindical

Como fica demonstrado, não se trata de uma luta sindical por melhores salários, nem de uma luta elitista em que se podia dizer “lá estão os médicos a querer ganhar mais, quando se vai dar a um reformado dez euros por mês para ele ir lá comprar qualquer coisinha”. Trata-se de impedir o esvaziamento de especialistas do SNS. Para que estas pessoas tenham melhores condições ou há dedicação plena (designação para não ofender as Finanças), ou há o regime das unidades de saúde familiar ou dos centros de referência, em função da produção, ou os novos especialistas desertam. O caso não é idêntico a lutas sindicais (justas) em que há desemprego e bolsa de trabalho. Neste caso não há. Será que não é evidente para quem decide? Se não houver solução, incluída no Orçamento do Estado, o SNS vai definhar. Que este se sabe organizar e planear ficou demonstrado durante a pandemia. Que tem de ter recursos humanos é mais do que evidente. Tratar-se-ia de uma recompensa e era justo. Mas não é isso. Trata-se da sobrevivência de um SNS de qualidade para toda a gente.

Logo entre 2010 e 2015 os hospitais foram defraudados em 276 milhões de euros quando o memorando da troika só pedia 100 e nesse mesmo período o SNS subiu mais 163 milhões no que pagou aos hospitais privados (só serviços hospitalares, sem análises nem hemodiálise).

Os hospitais públicos perderam 500 camas, que não foram repostas. Os hospitais públicos, como sempre, foram custeando os citotóxicos de oncologia, os imunomoduladores, os antivíricos, os hemoderivados e outros produtos igualmente caros, mas indesejáveis para a indústria da saúde. E continuarão a fazer, claro. E também lá continuarão a acorrer os 6 milhões de doentes às urgências por ano, se o OE, e neste caso também o PRR, não introduzir alterações profundas nos cuidados primários. Se isto não foi suficientemente pedagógico para os altos dirigentes, então como é que eu conseguirei explicar aos meus alunos as consequências do esgotamento do pâncreas na diabetes? Todavia, verifico que eles compreendem.»

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20.10.21

Os Quiosques

 


Quiosque do Jardim de S. Pedro de Alcântara, Lisboa 
Fotografia de Joshua Benoliel
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Amianto, uma catástrofe invisível

 


«Asbesto (ou amianto) vem do grego ἀσβεστος que significa indestrutível, inextinguível. Parece que os Governos e a Comissão Europeia gostam de levar a etimologia das palavras muito a sério, tendo em conta as décadas de atraso para a remoção sistemática, célere e segura de um material que já matou dezenas de milhares de pessoas na Europa.»

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Desta vez é a sério

 

«É António Costa que tem a faca e o queijo na mão. Que não dê ouvidos aos triunfalismos que o levaram ao balde de água fria nas autárquicas. É ele que controla as principais variáveis num Orçamento onde as cedências aos partidos de quem depende para ter maioria são irrelevantes. E noutras áreas onde se recusa a regressar ao pré-troika. Não estou, ao contrário de muitos, nada convencido que o seu ganho com uma crise política seja grande. Pelo contrário, acho que a derrota da esquerda será geral. Outros primeiros-ministros, no passado, acharam que seriam premiados pela indisponibilidade para negociar e perderam eleições. Costa tem poucos dias para negociar. Desta vez é a sério.»

Daniel Oliveira, Expresso 20.10.2021
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A direita cria mais riqueza do que a esquerda?

 


«Frase da semana: "Se o Orçamento Geral do Estado não for aprovado, a culpa será do PCP e do Bloco."

Porquê?...

O eventual chumbo do OE não será, em primeiro lugar, culpa do governo, por não ter feito um documento que pudesse ser votado por algum dos outros partidos parlamentares? À esquerda ou à direita? Porque é que se fez um Orçamento que só agrada ao primeiro-ministro?

E o PSD, a IL, o CDS e o Chega também não são responsáveis perante o povo português? Ao votarem contra o Orçamento por mero posicionamento político, sem sequer discutirem seriamente o seu conteúdo, não são igualmente responsabilizáveis por esse chumbo?

E o PAN e os Verdes, se não votarem a favor do Orçamento, estão fora desta frase feita porquê?

Frase da quinzena: "Se o Orçamento Geral do Estado não for aprovado, haverá uma crise política e convocar-se-ão eleições."

Porquê?...

O chumbo de um Orçamento Geral do Estado implica, apenas, que a classe política que lidera o país trate de elaborar outro Orçamento. Para isso não precisa necessariamente de novo governo, nem de nova legislatura, nem de convocar eleições.

Caso o Orçamento chumbe o documento em debate, o que é que impede, no atual parlamento, antes de eventuais eleições antecipadas, promover-se uma nova negociação para um novo Orçamento ou até para um novo governo? Porque é preciso, a meio da legislatura, ir logo para novas eleições antes de se esgotarem outras possibilidades - ainda por cima correndo o sério risco de a relação de forças parlamentar, no essencial, após a votação popular, ficar na mesma?

Não é isso irresponsável e prejudicial para o país? Porque é que o Presidente da República prefere saltar logo para eleições?

Frase do mês: "A esquerda só sabe distribuir a riqueza do país, não sabe aumentar essa riqueza"?

Porquê?...

Conto, desde os governos de Cavaco Silva (1985), os anos em que o crescimento do PIB de Portugal foi negativo: aconteceu em quatro anos de governo PSD e em três anos de governo PS (ver nota).

Nos 11 anos de Cavaco Silva a média anual de crescimento do PIB foi de 3,9%.

Na era Guterres foi de 3,3%.

Durão teve uma média de 0,43% e Santana Lopes 0,78%.

Sócrates teve um valor médio de crescimento do PIB de 0,23% e Passos de -0,6%.

António Costa tem um valor médio de crescimento do PIB de 0,4%, mas se tirarmos 2020, o ano da pandemia, a conta subiria para 2,76%.

Como se vê, não é por o PS ou o PSD estarem no poder que os valores de "criação da riqueza" diferem: quando havia muitos fundos europeus os valores foram quase sempre razoáveis. Mesmo assim, Cavaco Silva, o principal beneficiário dessa época, teve um ano com valor negativo.

Quando entrámos no euro (2002), os valores do PIB passaram a ser muito débeis e, pelo meio, houve a crise financeira, houve a troika, houve o aumento da dívida pública e houve as falências bancárias que estamos a pagar, o que só agravou o problema do fraco crescimento da nossa economia - mas isso deve-se a políticas ditas "de direita" que dominaram estes anos todos, e não a políticas de distribuição de riqueza, à moda da esquerda.

Por acaso os melhores valores do PIB português do pós-euro dão-se durante o período da geringonça. Por exemplo: o crescimento de 3,51% do PIB em 2017 é o melhor valor português desde o ano 2000, ainda governava Guterres e ainda havia escudos na rua.

Ou seja, é quando finalmente PCP e Bloco conseguem meter a mão no Orçamento Geral do Estado, quando impõem ao PS, por exemplo, medidas de distribuição de rendimentos, que a riqueza geral do país aumenta para lá dos habituais valores muito baixos dos últimos 20 anos: antes da pandemia, a média do PIB dos governos de Costa é a melhor desde 2002 e mesmo com a pandemia é melhor do que a média de Passos Coelho e de José Sócrates.

Como é que se pode dizer, face a esta estatística, que as políticas económicas da esquerda prejudicam o crescimento económico? E Costa, não percebe que este caminho orçamental, já testado, deve mesmo ser aprofundado e que boa parte das reivindicações de PCP e Bloco para o novo Orçamento são, afinal, medidas de bom senso, apoiadas numa experiência que deu sinais positivos?

Porque é que continuamos a ser acríticos a frases feitas?

Nota - Em 1993 o valor de crescimento do PIB português foi de -0,69% (Cavaco era primeiro-ministro - PSD). Em 2003 foi de -0,93% (Durão Barroso - PSD). Em 2009 foi de -3,12% (Sócrates - PS). Em 2011 foi -1,7% (Sócrates - PS). Em 2012, -4,06% (Passos Coelho - PSD). Em 2013 foi -0,92% (Passos Coelho - PSD). Prevê-se que em 2020 ronde os -8.9% (António Costa - PS). 

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19.10.21

O Parque, ainda



 

Série “De volta à Cidade”. Lisboa, Parque Eduardo VII, décadas de 60/70.
Fotografia de Artur Pastor
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Hoje há ciclovias, amanhã não sabemos


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Nove anos sem Manuel António Pina

 


MAP morreu em 19 de Outubro de 2012, mas a memória do que representou, com tudo o que lhe devemos, resta intacta.

Ler AQUI o que escrevi nesse dia.
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A decisão de António Costa



 

«Antes das eleições de 2019, o PS admitiu que desejava governar sem "empecilhos" à sua esquerda. Depois de ter falhado o objetivo da maioria absoluta, António Costa recusou um acordo para a legislatura com o Bloco de Esquerda. Fê-lo por duas razões. Em primeiro lugar porque preferia negociações ocasionais, "à peça", dependentes de maiorias conjunturais. Em segundo lugar porque rejeitava reconsiderar o tema da legislação laboral.

Ficou claro nessa altura, e mais ainda desde então, que a preocupação do PS não é a estabilidade da governação, mas o desgaste dos partidos à esquerda. Sem um acordo para enquadrar as negociações, à semelhança do que aconteceu na anterior legislatura, o Governo recusa-se a ir além de medidas pontuais, que muitas vezes ficam por cumprir. É o caso do estatuto do cuidador informal. Em 2020, por acordo, foram inscritos 30 milhões de euros para trinta projetos-piloto. Gastaram-se 206 mil. Em 2021 os 30 milhões regressaram, mas a execução ficou-se pelos 700 mil euros. Em 2022 o Governo promete alargar os projetos que nunca pôs em prática a todo o país, e orçamenta os mesmos 30 milhões. Como confiar?

Sem ganhos de causa em matérias fundamentais, como as leis do trabalho ou as regras de organização do SNS, e perante um Orçamento tão poucochinho, António Costa conta apenas com a ameaça da crise política para tentar chantagear o Bloco e o PCP. Esta não é a primeira vez que o primeiro-ministro cede à tentação de resolver um problema político pela chantagem da demissão, mas é a mais evidente. Até porque, como se entende, o poder de fazer ou não um acordo para o Orçamento de 2022 depende exclusivamente da sua vontade.

O Bloco apresentou ao Governo nove medidas: 1) contratação e exclusividade dos profissionais de saúde; 2) criação da carreira de técnico auxiliar de saúde; 3) recálculo das pensões das longas carreiras contributivas, tão prejudicadas pelas regras que vigoraram entre 2014 e 2018; 4) fim de uma parte da penalização para quem se reforma com mais de 60 anos e 40 anos de descontos; 5) fim da caducidade da contratação coletiva; 6) reposição dos dias de férias; 7) reposição do valor das horas extraordinárias; 8) reposição da indemnização por despedimento; 9) reposição do princípio do tratamento mais favorável.

O país conhece bem estas propostas, e o Governo também, há muito. Ainda assim, nenhuma destas matérias foi incluída no Orçamento ou mereceu resposta por parte do PS. Já depois da apresentação da lei orçamental, foram divulgadas publicamente duas propostas destinadas a criar confusão: uma que cria um mecanismo para manter a caducidade da contratação coletiva que o Bloco quer eliminar, e outra que pretende impor um regime muito limitado de exclusividade e que até já existe.

António Costa pode achar que ganha sempre. Ou submete os partidos à esquerda numa negociação sem cedências ou culpá-los-á por uma crise política que ninguém deseja. A decisão é sua. Da parte do Bloco, o país sabe com o que conta. Enfrentamos as chantagens, decidimos sobre soluções concretas.»

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18.10.21

O Parque

 


Série “De volta à Cidade”. Lisboa, Parque Eduardo VII, décadas de 60/70.
Fotografia de Artur Pastor
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As nove propostas do Bloco para o Orçamento

 


Nas negociações com o Governo para o próximo Orçamento do Estado, o Bloco de Esquerda apresentou nove propostas nas áreas do reforço do SNS, Segurança Social e protecção laboral.

O pdf com as nove propostas pode ser lido AQUI.
 

Há 100 anos, a Seara Nova

 


A quem não teve oportunidade de ver, na RTP2, os dois episódios do documentário realizado por Diana Andringa «HÁ 100 ANOS, A SEARA NOVA», aconselho vivamente que o faça AQUI, na RTP Play.
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18.10.1936 - A viagem dos primeiros presos para o Tarrafal

 


Foi há 85 anos que os primeiros presos saíram de Lisboa, no paquete Luanda, com destino ao que viria a ser o «Campo da Morte Lenta», na ilha de Santiago, em Cabo Verde. O Luanda era normalmente usado para transporte de gado proveniente das colónias e os porões habitualmente utilizados para esse efeito foram transformados em camaratas.

Depois de uma escala no Funchal e de uma outra em Angra do Heroísmo, para recolher mais alguns detidos e / ou largar os menos perigosos, e no fim de uma viagem em condições degradantes, foram 152 os que desembarcaram, no dia 29, em fila indiana, antes de percorrerem os 2,5 quilómetros que os separavam do destino final.

No primeiro volume das suas Memórias, Edmundo Pedro dedica longas páginas à descrição do que foi essa terrível viagem que durou onze dias. (*) O início e o fim:
«E na noite de 18 de Outubro, de madrugada, reuniram-nos em camionetes da GNR. Estas dirigiram-se para o cais de embarque, em Alcântara... No caminho, apesar das ameaças dos soldados, demos largas ao nosso protesto. O nosso vibrante grito de revolta ecoou, ao longo de todo o percurso, nas ruas, desertas, daquela madrugada lisboeta. Cantámos, a plenos pulmões, todas as canções do nosso vasto cancioneiro revolucionário... (...)
A 29 de Outubro de 1936, onze dias depois de termos partido de Lisboa, o velho Luanda fundeou, ao princípio da tarde, na pequena e aprazível baía do Tarrafal. Pouco depois, começou a descarregar a "mercadoria" que transportava nos seus porões... Alguns prisioneiros tinham chegado a um tal estado de fraqueza que só puderam abandonar o barco apoiados nos seus camaradas...»
Depois, foi o que se sabe: histórias de terror, 32 pessoas por lá morreram e o Campo durou até 1954. Foi reactivado em 1961, como «Campo de Trabalho do Chão Bom», para receber prisioneiros oriundos das colónias portuguesas (o ministro do Ultramar era então Adriano Moreira e foi ele que assinou a respectiva portaria) e durou até 1974.

(*) Edmundo Pedro, Memórias, Um Combate pela Liberdade, Âncora Editora, 2007, pp. 350-359.
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17.10.21

O Chiado antes do incêndio

 


Série “De volta à Cidade”. Lisboa, Rua do Carmo, décadas de 50/60.
Fotografia de Artur Pastor
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Cá vamos...

 

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16.10.1968 - Jogos Olímpicos do México

 



Ler: As luvas pretas que ajudaram a mudar o mundo
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Zero vírgula vinte e cinco

 


«Todos os anos, ano após ano, chegamos a esta altura e deparamo-nos com o mesmo. Não há ansiedade, antecipação, creio que já nem nos lembramos de pensar no assunto. É apenas assim: chega a proposta de Orçamento do Estado e o investimento público na Cultura, no direito de cada um de nós, cidadãos, de termos acesso à criação e à fruição artísticas, vale quase nada.

Há pouco mais de três anos, em Março de 2018, ainda o vírus estava longe de nos assombrar, foram publicados os resultados do primeiro Concurso de Apoio Sustentado às Artes da responsabilidade da “geringonça”. A herança do período anterior e uma condução política marcada, pelo menos, pela falta de convicção na centralidade da acção cultural e do apoio às artes conduziram, nos primeiros resultados, a uma espécie de caricatura daquilo que seria uma política minimamente consequente.

Daí, da frustração imediata, mas também daquela consciência mais profunda de que o futuro não pode estar sempre a ser adiado, deram-se algumas manifestações públicas com clara relevância, nasceram movimentos de artistas e profissionais das artes que procuraram mais uma vez mobilizar a sua energia na reivindicação do óbvio.

As circunstâncias do momento e, espero, a compreensão da justeza das reivindicações produziram resultados concretos. Os procedimentos foram interrompidos, os montantes a concurso corrigidos em alta, num esforço ainda assim escasso de repor alguma normalidade. Foi lançado um processo, mais um, de revisão das regras de apoio público à acção cultural independente, iniciou-se o caminho que um dia há-de levar a um estatuto da profissão artística, lançaram-se os fundamentos da Rede Nacional de Teatros que agora começa a esboçar-se…

Pelo meio, deu-se este pequeno grande detalhe chamado pandemia. Essa, fiel à sua crueza existencial, pôs a nu a miséria precária dos profissionais das artes e a desresponsabilização das grandes estruturas públicas, a sua suborçamentação e o feroz incumprimento de relações laborais normais enquanto método virtuoso de gestão. Tão a nu que foi preciso mais uma vez a intervenção pública de grupos, os representativos do sector ou os espontâneos que felizmente surgiram, para mostrar ao Governo e à Segurança Social, tanto quanto conseguiram, como activar mecanismos de ajuda de emergência construídos para um mundo que não é o mundo informal e precário da generalidade da profissão artística. Mais uma vez enquanto medida extraordinária, ainda que num gesto louvável de minimização dos impactos da crise num sector imensamente frágil, foram estendidos os apoios públicos à criação e programação, tanto no tempo, adiando o novo concurso para 2022, como na sua abrangência, integrando todas as candidaturas consideradas elegíveis, assim permitindo o acesso aos apoios a criadores e companhias que nunca o tinham conhecido.

Tanto o sobressalto de 2018 como a pandemia, quando finalmente deixar de nos assombrar, deixam uma herança incontornável: a evidência de que o edifício da cultura e das artes, cuja construção nunca avançou muito, carece de pilares sólidos e atitudes corajosas. Na sua fundamentação política, na definição dos seus termos de intervenção, na assunção definitiva de que se trata de uma componente essencial do menu das políticas públicas. Mas deixam também um outro rasto. Com as suas respostas, eventualmente tácticas, às emergências que foram surgindo, o Governo abriu caminhos para uma cidadania real do mundo da cultura neste país/mundo que partilhamos. E a única maneira de irrigar esses caminhos é o incremento progressivo do orçamento para a Cultura.

É claro que podemos sempre fingir que não vemos e voltar a aceitar que se dedique à Cultura o montante extraordinário de zero vírgula vinte e cinco por cento de um Orçamento do Estado. Zero, talvez vírgula, e depois um número qualquer, zero em suma. Ou esperarmos que, desta vez, os partidos à esquerda da “geringonça” incluam a cultura nas suas linhas vermelhas. Ou que o primeiro-ministro compreenda que o ministro das Finanças lhe está a boicotar o esforço. Ou, então, passamos à acção. Até porque, parafraseando Salgueiro Maia, o herói que deu, em Abril, um significado sublime ao número vinte e cinco, há o estado de emergência, há o estado de calamidade e há o estado a que isto chegou…»

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