6.7.24

Janelas, muitas janelas (FIM)

 


Frida Kahlo

 


Chegaria hoje aos 117, mas nem viu os 68.

Uma frase? “Onde não puderes amar, não te demores.”

Euro 2024

 


França: a receita de RN para ganhar

 




Os patriotas do futebol querem lá saber

 


«Há temas a que volto sempre porque, como nada muda, mais vale continuar a malhar no ferro frio. Na verdade, ele nunca se molda, mas pelo menos fica o som e o prazer da marretada.

No dia em que escrevo, Portugal prepara-se para parar às 20 horas. Como há sempre meia dúzia de resistentes, eu vou estar a inaugurar uma exposição e a falar sobre liberdade e o 25 de Abril, coisas já gastas e sem novidade, no Teatro de Almada, uma hora antes de o país parar. Não sei se vai aparecer alguma gente, e qual vai ser o desfecho do destino da Pátria, mais uma vez em luta contra os franceses, desta vez sob a sombra de Madame Marine Le Pen. Quando me lerem já sabem tudo, mas na verdade a parte que vão saber é bastante irrelevante, a não ser como espelho dos maus costumes nacionais. Em 15 dias, se perdermos, está tudo esquecido e nesses 15 dias haverá um surto de logomaquia infeliz, acusatória, vingativa, depressiva e deprimida, porque mais uma vez a Pátria na versão Ronaldo não esteve à altura dos seus Maiores. Se ganharmos, rufarão mais tambores do que portugueses e a bandeira, que só serve para estas coisas, estará por todo o lado, nas casas, nas lapelas, pintada na cara de uns e umas, que estarão aos saltos por essa Europa fora. Ridículo visto de cima, não é? Mas é este o nosso único sobressalto patriótico, o dos nossos Menores. Os patriotas do futebol querem lá saber.

O patriotismo de pacotilha à volta do futebol não existe apenas em Portugal, mas coexiste com outros restos de história mais vivos, para o bem e para o mal, na França, no Reino Unido, em Espanha. Quase sempre hoje para o mal, como se vê na empáfia francesa que vota em massa nos herdeiros dos colaboracionistas da II Guerra Mundial, e nos saudosistas da Argélia Francesa. Por cá, é que é só no futebol, e, ocasionalmente, na nostalgia do Império com os brasões das colónias a murchar e a esfera armilar, que o nosso Governo restituiu com orgulho no meio das cores jacobinas. Do resto os patriotas do futebol querem lá saber.

Talvez precisássemos de algum patriotismo para ter dado por ela que, sem qualquer consulta popular, entregámos a soberania financeira, ou seja, quase tudo das opções fundamentais da governação, a Bruxelas, sem qualquer sobressalto. Os patriotas do futebol querem lá saber. E, no ano em que comemoramos um dos raros génios nacionais, Camões, continuamos indiferentes aos estragos que a nossa língua teve com o Acordo Ortográfico, que, para além do enorme desastre diplomático, só continua em vigor por pura inércia. Essa inércia é o retrato do patriotismo das nossas elites políticas, que estão todas a “reler” Os Maias, quando perguntadas sobre o que estão a ler, e que vão agora durante um ano buscar à Wikipédia umas frases de Camões, para parecer que ainda lhes importa a língua, que ajudam a matar na sua ortografia todos os dias. Os patriotas do futebol querem lá saber.

Precisamos de muito mais do bom, genuíno, culto, sentimental, fundador patriotismo. É que somos portugueses e, por muito que não se queira, é o que nós somos, qualidades e defeitos. Uma língua magnífica, uma literatura que, sem se conhecer minimamente, não se é culto, nem nos EUA, nem na China, nem na Polónia, nem obviamente em Portugal. Uma história que faz parte da história universal em certos séculos e noutros é irrelevante, é como a do Tuvalu, e que devíamos conhecer melhor sem excitações de glória – a história não casa bem em nenhum sítio com a palavra “glória” – mas como fazendo-nos, querendo ou não, “portugueses”. E habitamos uma “casa” antiga, dois fragmentos do velho império romano, um a norte que vai à missa e outro a sul que é “terra de missão”, cujas fronteiras conhecemos bem, mar de um lado, Espanha do outro. O mar é impiedoso, “mar cão”, e do lado de lá a tentação do “nem bom vento, nem bom casamento”, bastando olhar para o mapa da Península para se ter cuidado com os políticos, mas não com o grande Quixote, nem o Lorca, nem o Unamuno. E cá por dentro, onde a pátria tem falhado acima de tudo aos portugueses, e onde todas as perversões da desigualdade, da pobreza existem há tempo demais. É verdade, mas com uma democracia que deve tudo até agora, insisto, até agora, à força enorme da liberdade do 25 de Abril. Vamos ver se dura e como dura.

Os patriotas do futebol querem lá saber disto tudo.»


Euro 2024

 


5.7.24

Janelas, muitas janelas (15)

 


Edifício Sultão Abdul Samad, no centro de Kuala Lumpur, Malásia, 2012.

Mia Couto

 


Chega hoje aos 69.

Um candidato que esteja vivo, se faz favor

 

«Sempre que um sectário diz que não se deve criticar o nosso lado porque isso é dar armas ao adversário, eu acho que ele está a dar armas ao adversário. Espero que isso tenha ficado mais claro após o debate que na semana passada opôs Donald Trump a Joe Biden. Ao longo dos últimos quatro anos, talvez tivesse sido bom haver alguém a dizer que um candidato que terá 82 anos no dia da eleição não é a escolha ideal para cumprir mais um mandato até 2028. Talvez tivesse sido bom ouvir alguém dizer que era óbvio que a evolução do estado de saúde de Joe Biden não o recomendava para uma nova candidatura. Mas isso, lá está, teria implicado violar a regra de não criticar o nosso lado. Assim, em vez de não darmos armas ao adversário, resolvemos não dar um adversário ao adversário.

Não teria sido muito difícil. Biden é velho e frágil, mas tendo em conta que Trump também tem 78 anos e é conhecido por ter proposto administrar uma injecção de desinfectante aos pacientes para curar a covid, a fasquia para um debate deste tipo estava, à partida, colocada muito em baixo. O candidato que conseguisse terminar uma frase, dar a sensação de saber onde estava ou manter a boca fechada enquanto o outro falava, obtinha uma vantagem importante. Infelizmente, Biden não foi capaz de cumprir nenhum destes objectivos. Por isso, no final do debate, o tema eram as coisas que Biden tinha dito e ninguém tinha percebido, em vez de serem as coisas que Trump tinha dito e toda a gente tinha percebido bem demais, como a alegação de que, nos Estados governados por políticos democratas, as pessoas podem executar os bebés após o nascimento. O tema eram as perguntas a que Biden não respondeu porque não consegue, em vez de serem as perguntas a que Trump não respondeu porque não quer, tais como: “Vai aceitar os resultados eleitorais?” O tema eram as frases incompletas de Biden, em vez de serem as frases completas de Trump, como por exemplo: “Neste momento há 10 mil milhões de guatemaltecos a atacar o memorial do Lincoln.” Trump já tinha conseguido a proeza de transmitir a ideia de que não pertence à elite quando é um milionário que tem o privilégio de não pagar impostos, e já se tinha apresentado como o salvador que vai “drenar o pântano” quando a sua conduta dificilmente poderia ser mais pantanosa. Agora, aos 78 anos, Trump consegue impor, por comparação, a ideia de que é um jovem enérgico. É por isso que continuo a achar que criticar o nosso lado é bastante importante. Até para continuarmos a ter um lado. A alternativa é o nosso lado perder por falta de comparência.»


4.7.24

Assim vai a França


 

Janelas, muitas janelas (14)

 


Janelas de madeira esculpidas de Kumari Ghar, Catmandu, Nepal, 2005.

Cinema Quarteto

 


Boas recordações. O Quarteto foi inaugurado em 1975, com quatro salas, e encerrado em 2007.

«Lisboa Antiga» no Facebook

Se não se pode repetir 1987, as circunstâncias estão erradas

 


«Cavaco Silva escreveu mais um artigo, mas eu não vou tratar de mais um texto de Cavaco Silva. É um texto “pedagógico”, claro. Para explicar às massas ignaras o que deve fazer o país para dar um salto nos próximos 10 anos, não menos do que isso. No essencial, são generalidades bem-intencionadas que poderiam ser repetidas num discurso de Miss Mundo, com passagem pelo ISEG. Cavaco nunca governou com euro e as suas regras, nunca governou com uma Europa de 28, nunca governou com qualquer tipo de contrariedade ou constrangimento sérios.

A parte económica do artigo tem como função falar do que realmente o levou a escrever o artigo: tática partidária. No essencial, o que Cavaco tinha para dizer é que os únicos cenários políticos que tornam o salto económico provável implicam novas eleições. Confirmamos que foi por conselho seu que se definiu a estratégia de tentar repetir 1987: ir esticando a corda para ir a votos enquanto sobra dinheiro e estado de graça, responsabilizando o PS, o Chega ou os dois pela crise política e tentando conseguir uma maioria. Não é preciso fazer interpretação dos atos do primeiro-ministro, foram fontes da AD a colocarem na imprensa esta tese, talvez para condicionar o PS.

Cavaco Silva tem tão boa opinião de si mesmo que não põe a possibilidade do que fez não ser repetível. Se ele foi o melhor estadista desde a fundação de Portugal, se o país lhe deve quase tudo, se nunca se engana, raramente tem dúvidas e é preciso nascer duas vezes para ser mais sério do que ele, como raio poderiam novas circunstâncias pôr em causa a sua estratégia? Se as circunstâncias o impedem, as circunstâncias estão erradas.

Vou, no entanto, pôr uma possibilidade meramente académica: que, sendo o fenómeno do Chega muito diferente do PRD, as condições para fazer este jogo sejam muito diferentes. Pode até acontecer que Montenegro, que seguiu o conselho de falar pouco e negociar nada, lançar muito fogo de artificio e trabalhar para eleições no fim do ano, tenha perebido que as eleições europeias, que deixaram quase tudo na mesma apesar do estado de graça e do embalo da vitória nas legislativas, desaconselham aventuras. É até possível que a tenha percebido que a estratégia que António Costa usou com os partidos à esquerda do PS (o abraço do urso) seja a mais acertado. Se assim foi, nunca convencerá o seu mestre. A subtileza política é incompreensível para ele.

Cavaco Silva tem 84 anos. É natural que não compreenda um fenómeno tão disruptivo como esta nova extrema-direita, que chegou ao parlamento português já ele estava retirado. Mas falta-lhe a humildade que lhe permitiria ter dúvidas perante um novo e estranho mundo. E falta-lhe, sempre lhe faltou, generosidade para com os seus próprios pupilos. Não aguenta não deixar claro a todo o país que é ele a dar a tática a quem lhe pediu apoio. Mesmo quando isso expõe o seu partido à suspeita de desejar uma crise política. A partir deste artigo, passou a ser fácil perguntar a Montenegro: quer governar ou seguir a tática do mestre?»


Exactamente

 


3.7.24

Janelas, muitas janelas (13)

 


As janelas das belas ruas de Cartagena de Índias, Colômbia, 2012.

Helena Vaz da Silva

 


Chegaria hoje aos 85 e morreu em 2002. Quando vi a notícia, numas curtas férias que passava em Moçambique, o choque foi grande: com muitos outros, ela fez parte de uma fase muito importante da minha vida.

Eram tempos difíceis, mas «sempre à espera de estarmos na véspera de vivermos grandes coisas», como disse Pasolini e Alberto Vaz da Silva recordou num texto que reli há alguns dias.

03.07.1883 – Franz Kafka

 


Na situação verdadeiramente kafkiana em que o mundo se encontra, recordemos que Franz Kafka nasceu em Praga e que faria hoje uns mais do que improváveis 138 anos.



Renúncia
Era muito cedo, pela manhã, as ruas estavam limpas e vazias, eu ia à estação. Ao comparar a hora no meu relógio com a do relógio de uma torre, vi que era muito mais tarde do que eu acreditara, tinha que apressar-me bastante; o susto que me produziu esta descoberta fez-me perder a tranquilidade, não me orientava ainda muito bem naquela cidade. Felizmente havia um polícia nas proximidades, fui ter com ele e perguntei-lhe, sem fôlego, qual era o caminho. Ele sorriu e disse:
– Queres conhecer o caminho através de mim?
– Sim – disse –, já que não posso encontrá-lo por mim mesmo.
– Renuncia, renuncia - disse e voltou-se com grande ímpeto, como as pessoas que querem ficar a sós com o seu riso. 

Franz Kafka, 1922
..

Aux armes, citoyens

 


«Liberdade, igualdade, fraternidade. O lema da Revolução Francesa tornou-se universal. É sinónimo de direitos humanos e de democracia. Produto do século das luzes, sobreviveu aos tempos mais sombrios dos últimos duzentos anos. E está inscrito na Constituição francesa. Deveria estar em todas, porque todas as democracias europeias são, de uma forma ou de outra, herdeiras destes princípios.

Valores sob ameaça, quando parece certa a vitória da extrema-direita no domingo. Exagero retórico? Foi Marine Le Pen que, no discurso de vitória da primeira volta, disse ao que vinha. A França com que sonha é outra: liberdade, segurança, fraternidade (liberté, securité, fraternité, no original). Não é uma alteração de pormenor. Não há liberdade ou fraternidade sem o objetivo da igualdade.

A União Nacional tem raízes profundas no antissemitismo, na homofobia, na xenofobia, no racismo, na supremacia branca. Le Pen alterou o embrulho e o partido parece menos retrógrado e reacionário. Ou, como agora se diz, está normalizado. Mas, ainda que com palavras mais suaves, a retórica é igual: a França para os franceses. E já não basta ter nascido em França para ser um verdadeiro francês. É preciso ser da etnia certa.

E é por haver tantos que, nesta perspetiva distorcida, não são franceses, que se justifica trocar, na retórica radical, a igualdade pela segurança. Os que vivem em França não podem ser todos tratados de forma igual. Os verdadeiros franceses terão sempre mais direitos do que os outros.

Paira uma sombra sobre a França e a Europa. Para a afastar é preciso que os cidadãos respondam ao repto de “A Marselhesa”: “Aux armes, citoyens” (Às armas, cidadãos). Sendo certo que, no século XXI, a arma para combater os promotores do ódio é a do voto. Não há nada mais eficaz.»


Publicidade da boa

 


2.7.24

Janelas, muitas janelas (12)

 


Uma pequena parte de uma fachada do Museu Hermitage, São Petersburgo, 2012.

02.07.2013 – Paulo Portas, «O Irrevogável»

 


O tempo passa depressa ou talvez nem por isso. Foi há 11 anos que Portas introduziu um novo termo no léxico político da PàF.



Mas três dias depois: Paulo Portas fica no Governo como vice primeiro-ministro e Pires de Lima será o ministro da Economia

O suicídio assistido da França

 

@Miguel Medina

«Emmanuel Macron dramatizou a derrota nas eleições europeias e exigiu aos franceses uma clarificação: ou ele ou Marine Le Pen. O que os franceses lhe responderam neste domingo, na primeira volta das eleições legislativas antecipadas, foi a repetição do que tinham dito a 9 de Maio. O mais jovem presidente do país vai deixar o Eliseu sem a pompa e a circunstância com que entrou. O seu tempo está a chegar ao fim.

Ironicamente, o homem que queria acabar com o obsoletismo das categorias ideológicas assiste ao funeral do centro político onde se situou. Macron queria acabar com a esquerda e a direita, mas serão a esquerda e a direita a acabar com o que restar do macronismo. O presidente que queria sobrepor à dicotomia ideológica a dicotomia entre europeístas e soberanistas, entre um modelo de sociedade economicamente aberta e o proteccionismo, foi rejeitado por uma população que deixou de se rever em alguém como ele.

O presidente entrou no Eliseu com uma aura de vitória, sem ter percorrido o trajecto habitual dos políticos, não tinha concorrido sequer a nenhuma eleição anteriormente. Os franceses rejeitam-no porque ele se tornou numa entidade distante, pertencente a uma casta social inatingível, que exibia a sua arrogância sem embaraços: chegou a sugerir que quem não tinha um Rolex depois dos 50 anos era um falhado.

Ao dissolver a Assembleia Nacional na noite das europeias, e ao convocar eleições antecipadas, o presidente francês alienou parte do seu campo político, surpreendido e desgostoso com a decisão. Nenhuma das principais figuras do seu campo político o apoiou numa decisão que pode levar o partido de extrema-direita ao poder. Edouard Philippe, um dos seus ex-primeiros-ministros, disse que o presidente “tinha matado a maioria” e que era “altura de seguir em frente”, para além do macronismo. Candidatos alinhados com Macron evitaram colocar a fotografia do presidente nos seus cartazes de campanha, para não se associarem à sua impopularidade.

Mas houve outro erro de cálculo mais funesto: Macron não estaria a contar com a rapidez com que partidos de uma esquerda sempre quizilenta conseguiriam ultrapassar o que os dividia e constituir em tempo recorde uma Nova Frente Popular (NFP), inspirada na de 1934.

Os dirigentes dos partidos socialista, comunista, ecologista e da França Insubmissa formaram a coligação num dia e dispuseram de pouco tempo de campanha. Definiram os alvos em comum e esqueceram as profundas divisões, particularmente notórias se falarmos de política externa. Os alvos eram dois: o lepenismo e o macronismo. O resultado foi este: a pergunta deixou de ser Macron ou Le Pen para passar a ser Le Pen ou Jean-Luc Mélenchon?

A coligação vai manter-se estável até domingo. Depois disso, tudo é possível. Em caso de vitória da NFP, na ausência de um critério conhecido, não é líquido quem seja o primeiro-ministro. Mélenchon não recusaria sê-lo. O PS de Raphaël Glucksmann tenta encontrar uma figura consensual e François Hollande, o ex-presidente socialista, fará tudo para que não seja o líder da França Insubmissa.

Hollande foi eleito à primeira volta para a Assembleia Nacional e pode ser que o seu regresso à frente de combate político não se fique por aqui. Voltar ao Eliseu em 2027 era a melhor revanche para alguém que ficou na história do país por ter exercido apenas um mandato e que foi substituído por um antigo ministro das Finanças de um governo seu.

A União Nacional (UN) teve mais tempo para se preparar para chegar até aqui. O objectivo é o Palácio de Matignon daqui a uma semana e o Eliseu em 2027. Jordan Bardella no primeiro, Marine de Le Pen no segundo. Os Republicanos, divididos numa luta fratricida, serão um apoio importante para uma maioria absoluta da UN. Os Republicanos de Charles de Gaulle vão entregar-se à agenda de um partido racista, xenófobo, que substituiu o anti-semitismo pela islamofobia por oportunismo político, assim como colocou em suspenso a sua eurofobia. É a vez de Éric Ciotti demonstrar o seu oportunismo.

A estratégia resultou. Bardella, aos 28 anos, parece um jovem Jacques Chirac, no corte dos fatos e no penteado curto e rente. A UN é um partido de todos, de quem perdeu poder de compra, de quem aplaude as reportagens que o Canal 8 faz quando acompanha a polícia na caça deplorável a imigrantes indocumentados. Como se viu na noite eleitoral, tenta agora diabolizar a Nova Frente Popular, sobretudo Mélenchon, e assustar o eleitorado.

Macron percebeu tarde de mais o erro da sua decisão prematura. Chegou a publicar na imprensa regional uma carta na qual reconhecia que era necessário governar de outra forma. Tarde de mais. Ninguém quis saber do seu arrependimento. O princípio é simples: tudo menos Macron.»


Pauvre France...

 


1.7.24

Janelas, muitas janelas (11)

 


The Cross, Chester, Inglaterra, 2013.

Ventura e as polícias

 


Portugal vai sempre um pouco «atrasado» quando comparado com França, mas creio que há quem esteja a acelerar para chegarmos rapidamente a um caos semelhante.


Fausto Bordalo Dias

 


O barco «foi» de saída (1946-2024).
.

E agora, o voto une-se contra a maioria absoluta dos herdeiros de Vichy?

 


«Os franceses mobilizaram-se. E, desta vez, não se mobilizaram pelo mal menor. Emmanuel Macron decidiu, para impedir a construção de qualquer alternativa à extrema-direita que não passasse por ele, atirar a França para o caos político. O oportunismo que marcou toda sua carreira tem sido visível para todos os europeus, quando passou da defesa da negociação com Putin para a defesa de tropas francesas na Ucrânia, sempre ao sabor de necessidades políticas internas. Repetiu-se, neste caso. E correu mal, como muitos avisaram.

Neoliberal autoritário, Macron trabalhou para destruir todo o sistema partidário, criou uma força política em torno sua pessoa e impôs mudanças económicas e sociais radicais por decreto, passando sobre o parlamento. Mesmo a marcação destas eleições para três semanas depois para impedir a oposição de se preparar é democraticidade discutível. Macron não foi, durante estes anos, defensor da democracia francesa. Degradou-a e encaminhou-a para uma tragédia há muito anunciada. Agigantou a extrema-direita para ele ser o voto inevitável. Um dia aconteceria a extrema-direita chegar a esta votação e a alternativa deixar de ser ele. Foi ontem.

O sistema eleitoral francês, construído para favorecer o centro, tem duas voltas. Passa à segunda quem tiver mais de 12,5%. Os confrontos triangulares, envolvendo três partidos, levaram, noutras eleições, o centro-direita neoliberal a pedir concentração de votos contra a extrema-direita, através da desistência de candidatos de esquerda que ficassem em terceiro. No passado, a esquerda garantiu esta união de forças e voltou a fazê-lo agora, anunciando a desistência para candidatos democráticos sempre que não esteja em primeiro ou segundo lugar. Objetivo: vencer a extrema-direita.

Haverá reciprocidade? Da velha direita conservadora, sabe-se a quem darão a mão. E do chamado “centro” macronista?

Antes das eleições, Emmanuel Macron deixou de falar da frente contra a extrema-direita, passando a falar de uma frente contra dois extremos, que foi equiparando. Sendo que na Nova Frente Popular (NFP) estão os socialistas e os verdes e tem como um dos candidatos “radicais” François Hollande. A equiparação é insultuosa, mas, para os neoliberais, a democracia esgota-se nas suas propostas económicas. As que estenderam a passadeira vermelha a Marine Le Pen.

Sabendo que só entendimentos com a esquerda podem impedir que o centrão presidencial seja esmagado, o partido de Macron anunciou que desistirá para os candidatos na NFP onde estes tenham ficado nos dois primeiros lugares, contra a RN. Já o tinha feito ao votar em Macron e Chirac, que representavam quase tudo o que a esquerda combate. E fizeram-no nas sucessivas legislativas. Porque havia um valor superior a defender. Não fiquei seguro que assim será para boa parte dos macronistas.

Dentro do bloco presidencial, não é claro se essa desistência também aconteçará quando os candidatos da NFP sejam da França Insubmissa – e eles são a maioria dos candidatos de esquerda que passou à segunda volta. Dentro desse bloco, o Horizons, do ex-primeiro-ministro Édouard Philippe, teve esta posição irresponsável. A do Renaissance, principal força da coligação “Ensemble pour la République”, não ficou clara. Pelo contrário, ao ver a televisão francesa, fui ficando crescentemente preocupado.

O primeiro-ministro Gabriel Attal disse que era preciso fazer tudo para travar a maioria absoluta da União Nacional (RN). Não ficou claro se era mesmo tudo. E, no entanto, só a reciprocidade total pode impedir uma maioria absoluta da extrema-direita, de que ela está muito próxima. Se o empenho não for total, será a primeira vez que a extrema-direita chega ao poder pelo voto, em França. Um terramoto para a Europa.

Do lado da esquerda, espera-se a noção do momento histórico que a França e a Europa estão a viver. Valerá tudo e a acusação de antissemitismo, quando a NFP tem forte apoio entre muçulmanos e a Palestina está em debate, será a arma que os herdeiros de Vichy usarão. Contra isso, pouco se pode fazer contra os apoiantes do genocídio em Gaza – colaborar com genocídios faz parte da tradição da extrema-direita francesa.

Outra coisa é a candidatura para primeiro-ministro. Jean-Luc Mélenchon é o responsável pela recuperação da esquerda francesa, quando os socialistas estavam próximos da morte. Mas também tem dificuldade em ultrapassar os limites da votação da NFP na primeira volta. Durante a campanha, deixou que se especulasse a possibilidade de ser ele o nome da esquerda para liderar o governo. Seria bom esclarecê-lo durante esta semana.

Este é o tempo para a frente de esquerda ajudar a desequilibrar a balança e tentar vencer os herdeiros do pior da história francesa e europeia, agora liderada por um jovem que em nada acredita. E que tentará, com a ajuda de alguns falsos moderados e de muitos poderes fácticos, fazer o que Meloni fez: normalizar-se. Porque mais vale um racista e xenófobo do que travar a caminhada neoliberal.»


Dormiram bem?

 


30.6.24

Janelas, muitas janelas (10)

 


Casa Batlló, Barcelona, Espanha, 2013.

França, primeiras projeções

 




France; allez!

 


Salgueiro Maia, 80

 


No 25 de Abril, ainda lhe faltavam uns meses para chegar aos 30. Faria hoje 80.

“Padrinho” Cavaco dá a táctica: eleições ou bloco central

 


«Já não é segredo para ninguém que Cavaco Silva é o verdadeiro mentor de Luís Montenegro. É normal que o novo líder se aconselhe com o mais bem-sucedido dos dirigentes do seu partido nos últimos 40 anos. Pedro Passos Coelho ficou triste porque, ao fim de contas, foi ele que “criou” Montenegro. Mas é a vida: estrategicamente, a colagem a Passos era penalizadora junto do eleitorado pensionista. E apesar de tanto Cavaco como Passos serem os dois dirigentes de direita mais odiados pela esquerda, Cavaco esteve 20 anos no poder e deu o 13.º mês aos reformados. Passos cortou e aplicou o programa “ir além da troika” – que Luís Montenegro defendia no Parlamento enquanto chefe da bancada –, mas cuja herança agora não lhe dá jeito nenhum.

Tendo em conta esta dinâmica da relação entre Cavaco e Montenegro, é normal que se tente compreender até que ponto é que Luís Montenegro é influenciado pelos textos de Cavaco Silva e se o novo “melhor amigo” está a ajudar ou a desajudar o primeiro-ministro.

Às vezes, é possível defender duas coisas ao mesmo tempo. É raro: mas uma tentativa de ajuda pode transformar-se em desajuda e uma “desajuda” acaba surpreendentemente por resultar em benefícios para o “desajudado”.

O que disse Cavaco, no texto do Expresso, sumariamente? Que o país não se salva sem uma maioria absoluta (obtida eventualmente através de eleições antecipadas) ou com uma aliança PSD-PS, vulgo bloco central.

A segunda hipótese é uma impossibilidade total. A vacina 1983-1985 – quando o PS, que pedia uma maioria absoluta, acabou com 20% nas legislativas – transformou uma qualquer aliança PS/PSD numa espécie de “solução abominável”. Depois da cena da demissão “irrevogável” de Paulo Portas, Passos Coelho (sob a influência de Cavaco Silva) convidou o PS, então liderado por António José Seguro, para uma aliança. Foi impossível.

Independentemente de pactos esporádicos (como este pacto sobre a justiça que vem aí), em nenhuma situação o PS algum dia vai partilhar um governo com o PSD. Nem com um secretário-geral como Pedro Nuno Santos, nem sem um secretário-geral como Pedro Nuno Santos: é uma hipótese enterrada. Foi a partir da denúncia do bloco central que Cavaco construiu o seu sucesso: o PS nunca perdoará. A sua sobrevivência pode estar mesmo em causa.

Excluída a sugestão da aliança PSD/PS, restam as eleições antecipadas com maioria absoluta. É provável que Cavaco Silva esteja a preparar os portugueses para umas eleições antecipadas em 2026, na mesma linha com que Luís Montenegro esporadicamente o faz. O Governo, no fundo, não quer eleições a curto prazo porque, tal como o PS, sabe que o resultado das europeias mostrou que nenhum dos partidos centrais tem grande supremacia sobre o outro.

O Chega também não pode desejar eleições, sob o risco de perder metade da bancada, coisa que os seus 50 deputados têm bastantes razões para temer: Ventura vai revolver as entranhas e aprovar o Orçamento Montenegro dizendo que não é de Montenegro, mas do Chega, ou coisa que o valha.

O PS vai passar uns tempos a bater com a cabeça nas paredes para escolher a solução que não o cole ao Governo, mas também não permita abrir a porta a eleições antecipadas, que os seus autarcas e muita gente mais querem evitar a todo o custo. Nenhuma das decisões é fácil.

Um voto contra do PS será fácil se convencer o Chega a votar a favor do Orçamento. Mas se isso não acontecer e Ventura desatar aos tiros, recusando viabilizar o Orçamento, mesmo correndo o risco de perder metade da bancada?

Se Ventura entrar em autofagia, as eleições podem ser nefastas para os socialistas, com uma parte do eleitorado do Chega a reforçar a AD, ainda que sem a maioria absoluta pretendida por Cavaco Silva. Mas para Montenegro a saída do empate técnico daria maior legitimidade. Vai o PS contribuir para isso?

Cavaco Silva está a dar a “táctica” para 2026. E, tal como o Governo, a mostrar que a AD não tem medo de eleições. A outra conclusão do texto de Cavaco é que Montenegro será um primeiro-ministro inútil (não fará uma grande mudança no país) enquanto não tiver uma maioria absoluta ou um bloco central. A conclusão é uma evidente desajuda ao Governo que está em funções.»