2.7.24

02.07.2013 – Paulo Portas, «O Irrevogável»

 


O tempo passa depressa ou talvez nem por isso. Foi há 11 anos que Portas introduziu um novo termo no léxico político da PàF.



Mas três dias depois: Paulo Portas fica no Governo como vice primeiro-ministro e Pires de Lima será o ministro da Economia

O suicídio assistido da França

 

@Miguel Medina

«Emmanuel Macron dramatizou a derrota nas eleições europeias e exigiu aos franceses uma clarificação: ou ele ou Marine Le Pen. O que os franceses lhe responderam neste domingo, na primeira volta das eleições legislativas antecipadas, foi a repetição do que tinham dito a 9 de Maio. O mais jovem presidente do país vai deixar o Eliseu sem a pompa e a circunstância com que entrou. O seu tempo está a chegar ao fim.

Ironicamente, o homem que queria acabar com o obsoletismo das categorias ideológicas assiste ao funeral do centro político onde se situou. Macron queria acabar com a esquerda e a direita, mas serão a esquerda e a direita a acabar com o que restar do macronismo. O presidente que queria sobrepor à dicotomia ideológica a dicotomia entre europeístas e soberanistas, entre um modelo de sociedade economicamente aberta e o proteccionismo, foi rejeitado por uma população que deixou de se rever em alguém como ele.

O presidente entrou no Eliseu com uma aura de vitória, sem ter percorrido o trajecto habitual dos políticos, não tinha concorrido sequer a nenhuma eleição anteriormente. Os franceses rejeitam-no porque ele se tornou numa entidade distante, pertencente a uma casta social inatingível, que exibia a sua arrogância sem embaraços: chegou a sugerir que quem não tinha um Rolex depois dos 50 anos era um falhado.

Ao dissolver a Assembleia Nacional na noite das europeias, e ao convocar eleições antecipadas, o presidente francês alienou parte do seu campo político, surpreendido e desgostoso com a decisão. Nenhuma das principais figuras do seu campo político o apoiou numa decisão que pode levar o partido de extrema-direita ao poder. Edouard Philippe, um dos seus ex-primeiros-ministros, disse que o presidente “tinha matado a maioria” e que era “altura de seguir em frente”, para além do macronismo. Candidatos alinhados com Macron evitaram colocar a fotografia do presidente nos seus cartazes de campanha, para não se associarem à sua impopularidade.

Mas houve outro erro de cálculo mais funesto: Macron não estaria a contar com a rapidez com que partidos de uma esquerda sempre quizilenta conseguiriam ultrapassar o que os dividia e constituir em tempo recorde uma Nova Frente Popular (NFP), inspirada na de 1934.

Os dirigentes dos partidos socialista, comunista, ecologista e da França Insubmissa formaram a coligação num dia e dispuseram de pouco tempo de campanha. Definiram os alvos em comum e esqueceram as profundas divisões, particularmente notórias se falarmos de política externa. Os alvos eram dois: o lepenismo e o macronismo. O resultado foi este: a pergunta deixou de ser Macron ou Le Pen para passar a ser Le Pen ou Jean-Luc Mélenchon?

A coligação vai manter-se estável até domingo. Depois disso, tudo é possível. Em caso de vitória da NFP, na ausência de um critério conhecido, não é líquido quem seja o primeiro-ministro. Mélenchon não recusaria sê-lo. O PS de Raphaël Glucksmann tenta encontrar uma figura consensual e François Hollande, o ex-presidente socialista, fará tudo para que não seja o líder da França Insubmissa.

Hollande foi eleito à primeira volta para a Assembleia Nacional e pode ser que o seu regresso à frente de combate político não se fique por aqui. Voltar ao Eliseu em 2027 era a melhor revanche para alguém que ficou na história do país por ter exercido apenas um mandato e que foi substituído por um antigo ministro das Finanças de um governo seu.

A União Nacional (UN) teve mais tempo para se preparar para chegar até aqui. O objectivo é o Palácio de Matignon daqui a uma semana e o Eliseu em 2027. Jordan Bardella no primeiro, Marine de Le Pen no segundo. Os Republicanos, divididos numa luta fratricida, serão um apoio importante para uma maioria absoluta da UN. Os Republicanos de Charles de Gaulle vão entregar-se à agenda de um partido racista, xenófobo, que substituiu o anti-semitismo pela islamofobia por oportunismo político, assim como colocou em suspenso a sua eurofobia. É a vez de Éric Ciotti demonstrar o seu oportunismo.

A estratégia resultou. Bardella, aos 28 anos, parece um jovem Jacques Chirac, no corte dos fatos e no penteado curto e rente. A UN é um partido de todos, de quem perdeu poder de compra, de quem aplaude as reportagens que o Canal 8 faz quando acompanha a polícia na caça deplorável a imigrantes indocumentados. Como se viu na noite eleitoral, tenta agora diabolizar a Nova Frente Popular, sobretudo Mélenchon, e assustar o eleitorado.

Macron percebeu tarde de mais o erro da sua decisão prematura. Chegou a publicar na imprensa regional uma carta na qual reconhecia que era necessário governar de outra forma. Tarde de mais. Ninguém quis saber do seu arrependimento. O princípio é simples: tudo menos Macron.»


Pauvre France...

 


1.7.24

Janelas, muitas janelas (11)

 


The Cross, Chester, Inglaterra, 2013.

Ventura e as polícias

 


Portugal vai sempre um pouco «atrasado» quando comparado com França, mas creio que há quem esteja a acelerar para chegarmos rapidamente a um caos semelhante.


Fausto Bordalo Dias

 


O barco «foi» de saída (1946-2024).
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E agora, o voto une-se contra a maioria absoluta dos herdeiros de Vichy?

 


«Os franceses mobilizaram-se. E, desta vez, não se mobilizaram pelo mal menor. Emmanuel Macron decidiu, para impedir a construção de qualquer alternativa à extrema-direita que não passasse por ele, atirar a França para o caos político. O oportunismo que marcou toda sua carreira tem sido visível para todos os europeus, quando passou da defesa da negociação com Putin para a defesa de tropas francesas na Ucrânia, sempre ao sabor de necessidades políticas internas. Repetiu-se, neste caso. E correu mal, como muitos avisaram.

Neoliberal autoritário, Macron trabalhou para destruir todo o sistema partidário, criou uma força política em torno sua pessoa e impôs mudanças económicas e sociais radicais por decreto, passando sobre o parlamento. Mesmo a marcação destas eleições para três semanas depois para impedir a oposição de se preparar é democraticidade discutível. Macron não foi, durante estes anos, defensor da democracia francesa. Degradou-a e encaminhou-a para uma tragédia há muito anunciada. Agigantou a extrema-direita para ele ser o voto inevitável. Um dia aconteceria a extrema-direita chegar a esta votação e a alternativa deixar de ser ele. Foi ontem.

O sistema eleitoral francês, construído para favorecer o centro, tem duas voltas. Passa à segunda quem tiver mais de 12,5%. Os confrontos triangulares, envolvendo três partidos, levaram, noutras eleições, o centro-direita neoliberal a pedir concentração de votos contra a extrema-direita, através da desistência de candidatos de esquerda que ficassem em terceiro. No passado, a esquerda garantiu esta união de forças e voltou a fazê-lo agora, anunciando a desistência para candidatos democráticos sempre que não esteja em primeiro ou segundo lugar. Objetivo: vencer a extrema-direita.

Haverá reciprocidade? Da velha direita conservadora, sabe-se a quem darão a mão. E do chamado “centro” macronista?

Antes das eleições, Emmanuel Macron deixou de falar da frente contra a extrema-direita, passando a falar de uma frente contra dois extremos, que foi equiparando. Sendo que na Nova Frente Popular (NFP) estão os socialistas e os verdes e tem como um dos candidatos “radicais” François Hollande. A equiparação é insultuosa, mas, para os neoliberais, a democracia esgota-se nas suas propostas económicas. As que estenderam a passadeira vermelha a Marine Le Pen.

Sabendo que só entendimentos com a esquerda podem impedir que o centrão presidencial seja esmagado, o partido de Macron anunciou que desistirá para os candidatos na NFP onde estes tenham ficado nos dois primeiros lugares, contra a RN. Já o tinha feito ao votar em Macron e Chirac, que representavam quase tudo o que a esquerda combate. E fizeram-no nas sucessivas legislativas. Porque havia um valor superior a defender. Não fiquei seguro que assim será para boa parte dos macronistas.

Dentro do bloco presidencial, não é claro se essa desistência também aconteçará quando os candidatos da NFP sejam da França Insubmissa – e eles são a maioria dos candidatos de esquerda que passou à segunda volta. Dentro desse bloco, o Horizons, do ex-primeiro-ministro Édouard Philippe, teve esta posição irresponsável. A do Renaissance, principal força da coligação “Ensemble pour la République”, não ficou clara. Pelo contrário, ao ver a televisão francesa, fui ficando crescentemente preocupado.

O primeiro-ministro Gabriel Attal disse que era preciso fazer tudo para travar a maioria absoluta da União Nacional (RN). Não ficou claro se era mesmo tudo. E, no entanto, só a reciprocidade total pode impedir uma maioria absoluta da extrema-direita, de que ela está muito próxima. Se o empenho não for total, será a primeira vez que a extrema-direita chega ao poder pelo voto, em França. Um terramoto para a Europa.

Do lado da esquerda, espera-se a noção do momento histórico que a França e a Europa estão a viver. Valerá tudo e a acusação de antissemitismo, quando a NFP tem forte apoio entre muçulmanos e a Palestina está em debate, será a arma que os herdeiros de Vichy usarão. Contra isso, pouco se pode fazer contra os apoiantes do genocídio em Gaza – colaborar com genocídios faz parte da tradição da extrema-direita francesa.

Outra coisa é a candidatura para primeiro-ministro. Jean-Luc Mélenchon é o responsável pela recuperação da esquerda francesa, quando os socialistas estavam próximos da morte. Mas também tem dificuldade em ultrapassar os limites da votação da NFP na primeira volta. Durante a campanha, deixou que se especulasse a possibilidade de ser ele o nome da esquerda para liderar o governo. Seria bom esclarecê-lo durante esta semana.

Este é o tempo para a frente de esquerda ajudar a desequilibrar a balança e tentar vencer os herdeiros do pior da história francesa e europeia, agora liderada por um jovem que em nada acredita. E que tentará, com a ajuda de alguns falsos moderados e de muitos poderes fácticos, fazer o que Meloni fez: normalizar-se. Porque mais vale um racista e xenófobo do que travar a caminhada neoliberal.»


Dormiram bem?

 


30.6.24

Janelas, muitas janelas (10)

 


Casa Batlló, Barcelona, Espanha, 2013.

França, primeiras projeções

 




France; allez!

 


Salgueiro Maia, 80

 


No 25 de Abril, ainda lhe faltavam uns meses para chegar aos 30. Faria hoje 80.

“Padrinho” Cavaco dá a táctica: eleições ou bloco central

 


«Já não é segredo para ninguém que Cavaco Silva é o verdadeiro mentor de Luís Montenegro. É normal que o novo líder se aconselhe com o mais bem-sucedido dos dirigentes do seu partido nos últimos 40 anos. Pedro Passos Coelho ficou triste porque, ao fim de contas, foi ele que “criou” Montenegro. Mas é a vida: estrategicamente, a colagem a Passos era penalizadora junto do eleitorado pensionista. E apesar de tanto Cavaco como Passos serem os dois dirigentes de direita mais odiados pela esquerda, Cavaco esteve 20 anos no poder e deu o 13.º mês aos reformados. Passos cortou e aplicou o programa “ir além da troika” – que Luís Montenegro defendia no Parlamento enquanto chefe da bancada –, mas cuja herança agora não lhe dá jeito nenhum.

Tendo em conta esta dinâmica da relação entre Cavaco e Montenegro, é normal que se tente compreender até que ponto é que Luís Montenegro é influenciado pelos textos de Cavaco Silva e se o novo “melhor amigo” está a ajudar ou a desajudar o primeiro-ministro.

Às vezes, é possível defender duas coisas ao mesmo tempo. É raro: mas uma tentativa de ajuda pode transformar-se em desajuda e uma “desajuda” acaba surpreendentemente por resultar em benefícios para o “desajudado”.

O que disse Cavaco, no texto do Expresso, sumariamente? Que o país não se salva sem uma maioria absoluta (obtida eventualmente através de eleições antecipadas) ou com uma aliança PSD-PS, vulgo bloco central.

A segunda hipótese é uma impossibilidade total. A vacina 1983-1985 – quando o PS, que pedia uma maioria absoluta, acabou com 20% nas legislativas – transformou uma qualquer aliança PS/PSD numa espécie de “solução abominável”. Depois da cena da demissão “irrevogável” de Paulo Portas, Passos Coelho (sob a influência de Cavaco Silva) convidou o PS, então liderado por António José Seguro, para uma aliança. Foi impossível.

Independentemente de pactos esporádicos (como este pacto sobre a justiça que vem aí), em nenhuma situação o PS algum dia vai partilhar um governo com o PSD. Nem com um secretário-geral como Pedro Nuno Santos, nem sem um secretário-geral como Pedro Nuno Santos: é uma hipótese enterrada. Foi a partir da denúncia do bloco central que Cavaco construiu o seu sucesso: o PS nunca perdoará. A sua sobrevivência pode estar mesmo em causa.

Excluída a sugestão da aliança PSD/PS, restam as eleições antecipadas com maioria absoluta. É provável que Cavaco Silva esteja a preparar os portugueses para umas eleições antecipadas em 2026, na mesma linha com que Luís Montenegro esporadicamente o faz. O Governo, no fundo, não quer eleições a curto prazo porque, tal como o PS, sabe que o resultado das europeias mostrou que nenhum dos partidos centrais tem grande supremacia sobre o outro.

O Chega também não pode desejar eleições, sob o risco de perder metade da bancada, coisa que os seus 50 deputados têm bastantes razões para temer: Ventura vai revolver as entranhas e aprovar o Orçamento Montenegro dizendo que não é de Montenegro, mas do Chega, ou coisa que o valha.

O PS vai passar uns tempos a bater com a cabeça nas paredes para escolher a solução que não o cole ao Governo, mas também não permita abrir a porta a eleições antecipadas, que os seus autarcas e muita gente mais querem evitar a todo o custo. Nenhuma das decisões é fácil.

Um voto contra do PS será fácil se convencer o Chega a votar a favor do Orçamento. Mas se isso não acontecer e Ventura desatar aos tiros, recusando viabilizar o Orçamento, mesmo correndo o risco de perder metade da bancada?

Se Ventura entrar em autofagia, as eleições podem ser nefastas para os socialistas, com uma parte do eleitorado do Chega a reforçar a AD, ainda que sem a maioria absoluta pretendida por Cavaco Silva. Mas para Montenegro a saída do empate técnico daria maior legitimidade. Vai o PS contribuir para isso?

Cavaco Silva está a dar a “táctica” para 2026. E, tal como o Governo, a mostrar que a AD não tem medo de eleições. A outra conclusão do texto de Cavaco é que Montenegro será um primeiro-ministro inútil (não fará uma grande mudança no país) enquanto não tiver uma maioria absoluta ou um bloco central. A conclusão é uma evidente desajuda ao Governo que está em funções.»