8.4.17

Isto promete…




Há alguma vantagem em juntar, numa mesma localidade, milhares de finalistas do secundário, quando o mundo, e mesmo a Espanha, é tão grande? Acabei de ver, num telejornal, Quim Barreiros a animar uma concentração de 7.500…

Os professores das escolas não têm qualquer intervenção na organização destes passeios, as associações de estudantes são assaltadas directamente pelo marketing, mais ou menos selvagem, de agências de viagens. As histórias repetem-se todos os anos e nada acontece, toda a gente lava as mãos.

Daqui a alguns meses, aqui-del-rei porque estas mesmas pessoas estarão a rastejar em praxes nas universidades. Algum espanto? 
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Dica (524)




«It could turn out that Donald Trump's decision to bomb Syria was the right one. But thus far, he has no clear policy and there are several risks to his approach. One of them is the president himself.» 
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08.04.1929 - Brel teria / «tem» hoje 88 anos



É um ritual a que regresso todos os anos: recordar que Jacques Brel seria hoje um velho (de 88 anos) se não tivesse adormecido demasiado cedo: «Les vieux ne meurent pas, ils s’endorment un jour et dorment trop longtemps» – disse ele



Um dos meus monstros mais do que sagrados, com um registo especial: tive a sorte de o ver e ouvir, em pessoa, era ele jovem e eu muito mais ainda... Em Lovaina, na Bélgica, num espectáculo extraordinário a que se seguiu, já na rua, uma cena de pancadaria entre valões e flamengos, com bastonadas da polícia e muitas montras partidas à pedrada. Tudo porque Brel, em terra de flamengos, insistiu em cantar um dos seus êxitos – Les Flamandes – onde uma parte das suas compatriotas não é muito bem tratada. Ele era assim.



Uma das minhas preferidas:



E a inevitável:


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Até ver, é mais ou menos isto

Copos e mulheres




José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Em si, as hoje celebérrimas declarações de Dijsselbloem têm escassa importância. O homem disse aquilo que muitos pensam em parte da Europa sobre a outra parte da Europa, e eu serei a última pessoa a fazer uma cruzada contra o holandês. Aliás, este tipo de generalizações geográficas entre as partes em que se trabalha e aquelas onde se preguiça são típicas de qualquer zona da Europa em que, num país existe uma região industrial e um rural, como acontece na Espanha, na Itália, na antiga Checoslováquia, e no nosso muito pouco alemão Portugal, onde, como se sabe, os alentejanos gostam de viver à sombra de um chaparro sem fazer nada, ou Lisboa a viver à custa do Porto. (…)

Do ponto de vista da gravidade das suas declarações, a história dos copos e das mulheres com que no Sul se esbanja o dinheiro à custa dos trabalhadores do Norte, é menos relevante do que as acções que o Eurogrupo sob sua direcção patrocinou via troika, com bastante aplauso interno. Aí a lição de moral, do trabalhador porfiado do Norte versus o dissipador no Sul, já tem um claro conteúdo político, que me faz terçar em armas contra o holandês, nos mesmos termos em que o fiz contra os seus émulos portugueses. (…)

E senhor Dijsselbloem, quem vive muito para o Norte da Europa, onde faz frio, e onde durante grande parte do ano, já é noite ao meio da tarde, não escapa aos álcoois brancos, da aquavit ao vodca. Aliás, a melhor literatura moderna sobre “copos” que há na Europa não é sulista, nem vem de terras mediterrânicas, mas foi escrita na Rússia, onde se bebe até ao estado de estupor e onde estar bêbedo, como estava muitas vezes Ieltsin, não era socialmente mal visto. Ou foi escrita no Reino Unido, onde os políticos, intelectuais e escritores tem uma relação muito própria, às vezes snobmente criativa, com o copo de whiskey à sua frente e as senhoras, a começar pelas várias rainhas, tem um especial amor por aquilo que, na minha terra, era servido nas confeitarias como “chá branco” e que, em Albion, era o bom e velho gin. A caminho do Sul, passando por França, temos o absinto, de vasta memória impressionista e das margens do Mosela até Bordéus, uma vasta antologia de venenos vinícolas, faz a alegria dos povos que bebem “copos”. Está pois o senhor Dijsselbloem muito equivocado. Comparado com as pesadas bebidas nórdicas, o vinho é bem mais pacífico e seria preciso muito dinheiro do Eurogrupo, em forma de vários resgates, para que os “copos” caracterizassem o Sul em vez do Norte.

Isto quanto ao vinho, porque quanto às mulheres, estamos conversados. Aí o ecumenismo europeu é total, e presumo que uma parte significativa dos homens gosta de mulheres desde a Lapónia a Malta, e gasta com elas muito dinheiro e muitos copos para terror do nosso holandês. O melhor exemplo desse desvario feminino vem de um alemão, Fausto, que não se limitou a gastar o dinheiro mas vendeu a alma pela bela Gretchen, coisa que no Sul não é muito habitual.» 
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7.4.17

20 países, 20 imagens



Foram estas, série encerrada.
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Dica (523)




«It is time to tell Europe’s elites that they have only themselves to blame. And it is time for progressives to join forces and reclaim European democracy from an establishment that has lost its way and endangered European unity.» 
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E quanto à Síria…




Santos Silva compreende, tem fama de ser muito inteligente e eu não me importo nada de me sentir estúpida.
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Um ministério pouco púdico



«O Ministério Público arquivou a investigação contra Dias Loureiro e Oliveira Costa num processo de burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais relacionado com o BPN. O caso estava relacionado com a compra de uma empresa em Porto Rico. (…)

O mais impressionante nesta decisão do Ministério Público é a conclusão final, ao fim de oito anos de investigação: O MP afirma não ter sido possível identificar, "de forma conclusiva, todos os factos susceptíveis de integrar os crimes imputados aos arguidos". Mais oito anos e eles iam lá. Ou pediam ajuda à Comissão de Camarate. Resumindo, não conseguiram imputar todos os factos e, portanto, arredondaram para zero. (…)

O que o MP diz, por linhas tortas, é que eles são mesmo aldrabões, mas não deu para apanhá-los. Ora, mesmo não apreciando Dias Loureiro e Oliveira e Costa, por razões de ter andado a pagar o que eles andaram a fazer e por terem mau gosto para óculos, causa-me alguma estranheza que o Ministério ilibe as pessoas mas que, ao mesmo tempo, lhes atire lama para cima. Tenho o palpite que se o Doutor Dias Loureiro resolver processar o Ministério Público tem a oportunidade de, uma vez na vida, fazer dinheiro de uma forma honesta. (…)

Eu já tinha a certeza de que o Dias Loureiro estava metido em negócios sujos, mas agora passo a desconfiar que o MP não é flor que se cheire. Porque a verdade é que se "quem não tem cabras e cabritos vende, é suspeito", quem não tem provas não nos pode vender o não acusado como suspeito.

Para terminar, também tenho vontade de me queixar do MP ao Tribunal dos Direitos do Homem por me ter obrigado a escrever uma crónica a defender Dias Loureiro. O mais próximo que já tinha estado disto foi quando tive de reconhecer que o esconderijo que o ex-ministro de Aníbal Cavaco Silva tinha feito lá em casa era excelente. Bem decorado, com uma colecção de arte notável e que até merecia ser capa da Esconderijo e Jardim.»

João Quadros

6.4.17

Um país, uma imagem (20)



Nova Zelândia, 2017. Fiorde Milford Sound.
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Não, não é a solução menos má

06.04.2011 – Triste efeméride



«Passava já das oito e meia da noite quando o então primeiro-ministro, José Sócrates, falou ao País e confirmou o pedido de ajuda.» 

Se quiser recordar o que foi esse dia, tem aqui um bom elenco dos acontecimentos. 
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Toxicodependência bancária



Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:

«Tal como sucede com o Lone Ranger, a identidade da Lone Star também é mais ou menos misteriosa. Sabemos apenas que vai tomar conta do banco coadjuvado pelo Estado – que, não tendo direito de voto, será obrigado a pagar todas as recaídas do filho, todas as novas incursões na toxicodependência, e ainda saldar dívidas antigas a traficantes do passado. O que significa que, como já desconfiávamos, nesta história, o Estado português é, obviamente, o Tonto.»

Na íntegra AQUI
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Dica (522)




«Across the US, companies of all sizes are turning to robots to mechanize tasks once done by humans. But not even those robots are American-made — the majority of them come from Japan and Europe, the Wall Street Journal recently reported.»
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Entre as brumas da minha memória



Texto publicado hoje no esquerda.net, integrado no ciclo «Mulheres de Abril».

O poder que Marcelo Caetano não quis deixar cair na rua antes de sair do quartel do Carmo, os gritos sem fim de vitória, que ainda hoje fazem arrepiar. A liberdade que nunca se imaginara poder ser tão grande, as esperanças quase sem limites dos tempos que se seguiram. Sim, tudo isso, mas foi longo o caminho de muitos para lá chegarem – e o meu também foi.

Nasci em Lourenço Marques, fui colona ingénua e inconsciente durante a infância, vim para uma Lisboa salazarista e cinzenta (que detestei) a tempo de fazer o antigo liceu, ainda frequentei um ano na universidade, mas optei por partir para a Bélgica, antes de completar 19 anos, para estudar Filosofia em Lovaina. Aí me licenciei e doutorei.

E foi em Lovaina que «acordei para a política», não só mas sobretudo na sequência do processo de independência do Congo Belga, que acompanhei de muito perto, e no contacto pessoal com dirigentes do MPLA, então residentes em Paris, antes e quando rebentou a guerra em Angola.

Regressada a Portugal em fins de 1962, mergulhei imediatamente no mundo dos chamados «católicos progressistas», a vários níveis: colaborei em publicações clandestinas contra a guerra colonial, noutras semilegais, em revistas como «O Tempo e o Modo», na cooperativa Pragma, em organizações como a Acção Católica ou o Centro Nacional de Cultura, em grupos fechados de padres e leigos onde tudo se debatia e era posto em causa, etc. etc. – uma grande teia que se estendia em múltiplas arenas, na qual se movia um significativo número de pessoas, que exerciam a oposição possível tanto a nível clandestino como legal. Sempre num jogo de gato e rato com a censura, sempre a fazer telefonemas em linguagem cifrada, sempre a olhar por cima do ombro para ver quantos agentes da PIDE estariam nas salas, sempre com medo de que a campainha tocasse ao nascer do dia. Éramos muitos, mais do que se pensa porque nada foi contabilizado, uns que hoje se consideram ateus (como é o meu caso), outros agnósticos, vagamente cristãos ou ainda activos no catolicismo. Mas algo nos unia até ao 25 de Abril: éramos, convictamente, antifascistas e anticolonialistas, sem qualquer enquadramento partidário, mas com uma extraordinária e habilidosa agilidade activista e uma forte e genuína generosidade.

De todas as tarefas a que me fui dedicando, escolho uma. Entre 1966 e 1968, integrei a Junta Central da Acção Católica, uma poderosa instituição que contava então com mais de 100.000 afiliados, pela primeira vez presidida por um leigo (Sidónio Paes). Convidada para dela fazer parte, hesitei. Mas fiel ao princípio que então nos guiava – «ir a todas» –, acabei por aceitar, em acção concertada com alguns dos outros novos membros, na convicção de se tratar de uma oportunidade a não ser desperdiçada como veículo privilegiado para mudança de mentalidades e de atitudes, não só mas também no campo político. Julgo que esse objectivo foi modesta mas parcialmente atingido, embora com muitas dificuldades quase desde a primeira hora. Os conflitos com o cardeal Cerejeira foram-se agravando e a experiência não durou mais de dois anos.

E como há episódios que podem ajudar a perceber o que pretendo transmitir, recordo um que tenho tido bem presente nos dias que correm, a propósito de um acontecimento que se avizinha meio século mais tarde.

Quando se confirmou que Paulo VI viria a Fátima por ocasião do cinquentenário das aparições, em Maio de 1967, instalou-se uma consternação nos meios da oposição, sobretudo católica, pelo que seria visto, no mínimo, como uma quebra do isolamento em que Portugal se encontrava na cena internacional por causa da guerra em África – isolamento que aprovávamos e no qual depositávamos grandes esperanças, não só para a resolução do problema da guerra em si mas para a própria queda do fascismo.

Tentámos algumas formas de pressão para evitar a vinda do papa, que se revelaram infrutíferas, mas porque contra factos poucos argumentos nos restavam, passámos ao ataque. Entre várias iniciativas, foi preparada uma a que se deu grande importância: a elaboração de um documento altamente sigiloso, a fazer chegar directamente a Paulo VI (e nunca através da Nunciatura...), no qual um numeroso grupo de antigos e então actuais dirigentes da Acção Católica e de outras organizações, alguns com grandes responsabilidades na sociedade, informavam detalhadamente o Papa sobre a situação política e social existente em Portugal, por eles considerada inaceitável e mesmo contrária aos ensinamentos da própria Igreja. Havia que garantir que o documento fosse entregue em boas mãos e alguém nos indicou a pessoa certa: um antigo secretário particular do papa João XXIII, que integraria a comitiva de Paulo VI.

Como membros da Junta Central da Acção Católica fomos convidados de honra, juntamente com as autoridades civis e eclesiásticas, e estivemos por isso presentes, como alguns de nós tínhamos aliás exigido (em parte para que esta acção planeada pudesse ser levada a bom termo), na tribuna, em Fátima, a poucos metros de Salazar e da irmã Lúcia... Com o nosso livre¬ trânsito, circulámos por toda a parte e encontrámos facilmente o tal mensageiro seguro, a quem um outro membro da Junta Central e eu própria entregámos a preciosa missiva, sem que os outros elementos da dita Junta se tivessem apercebido da manobra, já que apenas nós dois estávamos implicados nessa acção. De Roma viria mais tarde um cartão com a indicação de «Missão cumprida». Tudo isto parecerá hoje inócuo, sobretudo para quem já nasceu ou cresceu em democracia, mas não o era então. E saímos de Fátima com a consolação de termos feito uma finta durante um desafio em terreno mais ou menos adverso, num tipo de jogada em que as circunstâncias nos tinham tornado quase especialistas. Só fui a Fátima por este motivo e nunca mais lá voltei.

Aliás, vivia-se já o início de uma crise de descrença nas expectativas criadas pelo Concílio Vaticano II e de desânimo na luta inglória contra o compromisso dos bispos portugueses com a ditadura. Nesse fim da década de 60, assistiu-se a uma verdadeira debandada da Igreja de muitas pessoas, padres e leigos progressistas e activíssimos – e eu fui uma dessas pessoas.

Entretanto, mantivera contactos com exilados políticos portugueses na Bélgica, regressei várias vezes a Lovaina e acabei por colaborar com a LUAR e por escrever, episodicamente e sob pseudónimo, em duas revistas publicadas no estrangeiro – «Cadernos Socialistas» e «Perpectivas».

Já no início da década de 70, integrei um grupo semiclandestino a que pertenceram alguns advogados, que vieram mais tarde a fundar o MES, e futuros militantes e dirigentes do PRP/BR. Fui recrutada para este partido e nele executei várias tarefas, até 1974, não só mas também na função de «correio» de recados e materiais, entre Portugal e o estrangeiro, já que, por motivos profissionais, saía muitas vezes do país. Pertencia ao PRP quando se deu o 25 de Abril (mas só lá permaneci mais alguns meses).

Como passei esse primeiro dia do resto da minha vida? Na rua, depois de um telefonema recebido às quatro da manhã. No primeiro acto de desobediência a novas autoridades, que ainda nem o eram, saí imediatamente e só regressei a casa na madrugada do dia seguinte. Fui ter com amigos, deambulámos de carro e a pé pela cidade – horas e horas, primeiro pelas ruas da baixa, depois no Largo do Carmo até à rendição de Marcelo. A espera, as dúvidas, os boatos, o megafone de Francisco Sousa Tavares – e também os cravos, a Grândola. Pelo meio algumas corridas, evacuação obrigatória do local quando se pensou que o quartel não se renderia a bem, almoço tardio com últimos feijões pescados do fundo de uma panela, numa tasca do Largo da Misericórdia, pelo mais total dos acasos na companhia de José Cardoso Pires. Regresso ao Carmo, o desenrolar de tudo o que se sabe, o chaimite que levou Marcelo Caetano, os tais gritos sem fim de vitória. A liberdade, sim. (i)

Joana Lopes - Doutorou-se em Filosofia no Instituto Superior de Filosofia da Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, e deu aulas na Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1970, entrou na IBM, onde esteve 25 anos. Começou por ser engenheira de sistemas, depois directora em vários níveis e, finalmente, foi a primeira mulher a fazer parte da Comissão Executiva da Administração da empresa. Quase no fim desse percurso, esteve três anos num Centro Internacional de Educação da IBM, em La Hulpe (Bélgica), como directora de um departamento. Posteriormente, leccionou, durante alguns anos, em mestrados da Universidade Aberta e trabalhou como consultora «free lancer» no domínio das Tecnologias da Informação. Em 1997, publicou «Sistemas de Informação para a Gestão – Conceitos e Evolução», Universidade Aberta, e, em 2007, «Entre as Brumas da Memória - Os Católicos Portugueses e a Ditadura» (Âmbar). (1)

(1) Informações retiradas da biografia publicada na página de facebook “Antifascistas da Resistência” 
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5.4.17

Um país, uma imagem (19)



Grécia, 2016. Metéora, Mosteiro Ágios Stéphanos.
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Garrafa meia cheia


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Em França, est-ce que ça bouge?




Seria uma bela surpresa!

«Vraisemblablement, si Benoît Hamon se désiste, Jean-Luc Mélenchon est au second tour. Cela étant, le scénario le plus probable reste un arbitrage par les électeurs de gauche eux-mêmes, en portant massivement leurs voix sur l'un des deux candidats de gauche au détriment de l'autre. Ce serait en quelque sorte une candidature d'«union de la gauche de facto», imposée par le peuple de gauche lui-même dans les urnes.» 
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Dica (521)




«Foreigners who want to visit the U.S., even for a short trip, could be forced to disclose contacts on their mobile phones, social-media passwords and financial records, and to answer probing questions about their ideology, according to Trump administration officials conducting a review of vetting procedures.» 
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Os deuses e o Novo Banco



«Quando, em 409 a.C., Atenas e Esparta se guerreavam, esta ocupava posições militares que impediam a exploração das minas de Laurion, de onde a cidade ia buscar o metal para fazer as suas moedas.

Para poder continuar os combates contra Esparta, Péricles só vê uma hipótese: tocar no tesouro dos deuses (as oferendas e os objectos sagrados, incluindo o ouro que revestia a estátua da deusa Atena). Para a guerra, os gregos pediam um empréstimo aos deuses. Até há muito pouco tempo pouco mudou: a principal causa de dívida pública eram as guerras. Hoje, tudo mudou. A dívida pública portuguesa faz-se de muitos delírios e de algumas necessidades. E como já não há deuses a quem pedir emprestado, restam entidades mortais que, às vezes, se julgam imortais. A incompetência da troika no que se refere ao sector financeiro teve aliados nacionais: o anterior Governo e o BdP. Todos juntos assobiaram para o ar quando se depararam com o Banif e, depois, quiseram fazer do BES um exemplo. (…)

O caso do BES foi uma sucessão de ligeirezas e casmurrices ideológicas. Bruxelas usou o BES como um laboratório de armas de destruição maciça, para ver o que acontecia a cobaias periféricas. Depois, Passos Coelho fez finca-pé em guilhotinar o banco. E o BdP veio, com a resolução, prometer o paraíso, porque o banco seria vendido rapidamente e sem custos para os contribuintes. Viu-se o que resultou da actividade destes deuses descalços.»

Fernando Sobral

4.4.17

Um país, uma imagem (18)



Peru, 2004. Machu Picchu.
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De França, bons ventos



… que dificilmente chegarão a bons casamentos.


«Embora Emmanuel Macron (26%) e Marine Le Pen (25%) permaneçam destacados nas sondagens – com o independente e centrista a vencer por margem confortável (59% - 41%) a candidata da Frente Nacional na segunda volta –, a ascensão rápida e consistente de Mélenchon a três semanas da ida às urnas volta a agitar a campanha eleitoral num país em que já é encarado como certo o fim da alternância no poder entre os dois maiores partidos. (…)

Um inquérito realizado pela Harris Interactive aponta que 53% dos eleitores querem que o socialista Hamon desista da corrida e apoie Mélenchon.» 
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Défice no discurso de Passos Coelho



Daniel Oliveira no Expresso diário de hoje:

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Se o Novo Banco fosse um telemóvel

O país do futebol



«Em 1952, pouco antes de morrer, Teixeira de Pascoaes, que passou décadas a tentar descortinar a redenção de Portugal, disse: "Creio bem que o chamado futurismo, o ateísmo, o tiro aos pombos, a reforma ortográfica, o futebol, etc., todas as forças dissolventes da nossa Alma, são de carácter transitório." Mais de meio século depois a nossa alma continua demasiado anémica para se redimir, e tudo continua a ser transitório excepto, claro, o futebol. Este transformou-se na política oficial do país. É ele que move multidões. Basta olhar para o que se passou nos últimos dias, do baptismo do aeroporto do Funchal à joelhada no nariz de um árbitro, para se entender a hegemonia cultural do futebol em Portugal. Como se ele fosse aquilo que nos redime de todos os falhanços. Uma coisa é a paixão pelo futebol, que quase todos comungamos. Outra é a obsessão doentia por um desporto onde se ganha, mas também se perde. O certo é que o futebol se tornou um território de guerra civil como nenhum outro: as paixões têm-se transformado em radicalismo pouco sensato. Não se conversa sobre futebol. Grita-se. E aí todos perdem a razão.

Antes da época vitoriana, quando se definiram as leis do futebol, este era um desporto bárbaro. Chutava-se tudo, até a bola. Morriam jogadores quando tentavam marcar golos e eram selvaticamente agredidos pelos adversários. Por isso surgiram as regras e os árbitros. Olhando para o que se está a passar em Portugal fica-se com a sensação de que há nostálgicos desse tempo. O que choca frontalmente contra o ideal de o futebol ser uma indústria atractiva: para investidores, para as televisões e para as famílias. Mas quando se olha para o ambiente de pretenso debate sobre futebol, substituído nas televisões pela gritaria de adeptos radicais e nos púlpitos por dirigentes que fazem dos árbitros os culpados dos seus próprios erros de gestão e da sorte e do azar do jogo, sabia-se que este ambiente apocalíptico chegaria. Se querem fazer do futebol uma indústria, é tempo de decretar um intervalo. Para todos pensarem.»

Fernando Sobral
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3.4.17

Um país, uma imagem (17)



Rússia, 2012. São Petersburgo, Catedral de S. Pedro e S. Paulo.
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Dica (520)

Rebenta Canelas?



Desde ontem, muito se fala do Canelas pelas piores razões, mas já em 1973 Luís Sttau Monteiro escrevia sobre o Rebenta Canelas – numa «Redacção da Guidinha», evidentemente.

«Ena pai o que para aqui vai por causa das eleições! ena pai! quem não conhecesse o Rebenta Canelas cá da Graça e visse o que está a acontecer até era capaz de pensar que valia a pena tomar conta dele e que os vencedores iam ganhar muito com a vitória! é claro que as pessoas que sabem como as contas andam o que querem é estar de fora ai não! enfim o melhor é eu começar do princípio senão ninguém me entende pois os sócios do Rebenta Canelas da Graça Futebol Clube vão votar uma gerência nova e há os que são do pró e os que são do contra os que são do pró votam na gerência que está à frente do clube e os que são do contra votam contra ela está-se mesmo a ver que não podia deixar de ser assim os que são do pró findam a colar cartazes a dizer que está tudo bem e como têm muito pilim andam a colar cartazes nas paredes nas árvores em toda a parte só ainda não colaram cartazes nas costas da gente porque os distribuidores não têm comissão nisso senão já estávamos cartizados que era uma limpeza os que são do contra coitados não podem colar cartazes porque se os colarem vão parar à chana por andarem a fazer propaganda contra a moral da Graça que toda a gente sabe que é muito boa mas isto ainda não é tudo não senhor o grande problema que há cá no clube é o do bufete que custa os olhos da cara aos sócios de maneira que há uns que querem o bufete e há outros que querem largá-lo esse é que é o grande problema mas não se pode falar nele não senhor porque a direcção não deixa os do contra podem falar disto e daquilo mas quem falar do bufete já sabe o que lhe acontece de maneira que as eleições do nosso Rebenta Canelas Futebol Clube da Graça são assim como um jogo de futebol em que seja proibido tocar com os pés na bola não sei se me percebem se não perceberam venham até cá ver o que se está a passar que eu prometo gargalhadas a todos mas de qualquer forma a Graça está a ser um bom exemplo para todos nisso de correcção somos todos tão correctos que nem sequer falamos das coisas que nos interessa não vá alguém ficar magoado em matéria de correcção ninguém nos leva a palma não senhor e os outros clubes podem pôr os olhos no que se está a passar na Graça porque se seguirem o nosso exemplo ficam como nós e se todos ficarem como nós deixamos de ser subdesenvolvidos porque como os outros começam a subdesenvolver-se ficamos todos iguais e ninguém nota que a gente é diferente o que é preciso é que os outros sigam o nosso exemplo palavra que o mundo vai ser bestial quando os Rebenta Canelas Futebol Clube de Londres de Paris de Nova Iorque e de Moscovo ficarem como o da Graça o que não se percebe é que eles não nos imitem sim não se percebe como é que eles vendo como a gente é bestial e sabe tudo não nos imitem às vezes penso que eles são parvos mas o meu pai diz que há uma data de anos que lê nos jornais artigos escritos por senhores bestialmente importantes a dizer que o mundo vai acabar por nos dar razão diz ele que anda a ler artigos há mais de quarenta anos e que o mudo não há meio de nos seguir o exemplo o que eu digo é que ou anda malandrice no caso ou que os directores do Rebenta Canelas estrangeiros não lêem o nosso diário de notícias da Graça quem sabe se eles falarão a nossa língua eu cá se fosse importante traduzia os artigos cá do nosso diário de notícias e mandava-lhes as traduções para ver se eles conseguem entender-nos é que se eles não seguirem o nosso exemplo vão continuar a minguar a minguar enquanto a gente cresce com as nossas boas ideias e daqui a uns anos somos uma grande potência e eles coitaditos estão todos subdesenvolviditos e lá se vai o equilíbrio do mundo sim porque quem sabe tudo somos nós e basta olhar para o diário de notícias cá da Graça para se ficar espantado com o nosso saber e com a ignorância dos outros mas além disso há outra razão para os outros seguirem o nosso exemplo que tão bons resultados está a dar e esse motivo é que é uma pena que este nosso exemplo que é tão bom e tão útil fique desperdiçado sem ninguém o aproveitar quando penso nisto que se está a passar de termos tão bons exemplos já que não podemos exportar mais nada pronto sempre exportávamos qualquer coisa cá por mim estou convencida de que a direcção ganha as eleições e que mais tarde ou mais cedo o mundo vai seguir o seu exemplo para bem da humanidade sim porque a Graça é um modelo.»

Suplemento «A Mosca» do Diário de Lisboa, 6 de Outubro de 1973.
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O escudo só depreciaria 1%?

Que democracia? Que capitalismo?



«O Estado de Bem-Estar nasceu em 1945 depois do "crash" de 1929 e da II Guerra Mundial e faleceu com o dilúvio financeiro do início desta década.

A própria ligação da democracia ao capitalismo está hoje seriamente chamuscada e por isso as reflexões de Paulo Portas, feitas há dias, merecem ser ponderadas. O populismo florescente é o resultado de um enorme falhanço económico que acabou com esse contrato social que foi o sustentáculo das democracias europeias e dos EUA. E o neoliberalismo e a globalização, tal como foi desenhada, estão em retirada. Pior: apesar dos métodos paliativos, a futura robotização (acelerada) vai continuar a destruir a classe média nos Estados ocidentais, contribuindo (a par da crise da emigração e da busca de identidade por parte dos povos) para uma sensação de insegurança latente. (…)

No centro de tudo isto está a relação da democracia com o capitalismo, cada vez mais frágil. A destruição da oposição pelo neoliberalismo capitalista criou um deserto de ideias alternativas. E as sociedades, sem isso, entram em combustão rápida. A exclusão de largos sectores da sociedade da riqueza e da segurança está a criar os focos de instabilidade. Não deixa de ser interessante que tudo isto está a criar uma democracia "low cost", semelhante ao consumo: cada vez se compram produtos piores a um preço mais baixo. (…)

Vivemos tempos de fronteira: que Europa queremos, que mundo desejamos? Basta olhar para a ideologia reinante na Casa Branca para se perceber que a sensatez desapareceu dos neurónios de quem aparentemente manda. São tempos que parecem, na pior das hipóteses, temer o regresso de uma "idade das trevas", onde poderes fortes vão florescer e elites com pouca ligação ao mundo real voltarão a dominar o conhecimento e o sucesso. Tudo na história foi sempre imprevisível. Resta saber se o poderá voltar a ser.»

Fernando Sobral

2.4.17

Um país, uma imagem (16)



Cazaquistão, 2016. Astana, Catedral Ortodoxa da Assunção.
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Mentira de 1 de Abril?



Não sei se isto foi a mentira de 1 de Abril do Expresso de ontem ou se é apenas uma cena bem portuguesa.

(A notícia diz que o Governo é contra a alteração do nome do aeroporto.) 
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Primeiro sabem-se as respostas, as perguntas chegam depois



Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.

Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.

Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e se é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança

se recolhem também sob
lembranças extenuadas?
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas,
e de poços, e de portas entreabertas,
e sonham no escuro
as coisas inacabadas.

Manuel António Pina, in Poesia, saudade da prosa.