«Caro primeiro-ministro,
Antes de mais, deixe-me congratulá-lo por apresentar um conjunto de propostas destinadas àqueles que estão agora a entrar no mercado de trabalho. Sem ponta de ironia, é muito positivo ver a geração jovem entrar finalmente na agenda do governo. Enfim, estou de acordo com o Presidente Marcelo quando este diz que são medidas eleitoralistas (o segmento jovem é aquele onde o PS parece ter menos penetração), mas não deixa de ser algo positivo.
Os elogios, contudo, terminam por aqui. É que, além de algumas mexidas no IRS jovem e de umas quantas propostas-cartaz inócuas, a única proposta realmente substantiva é a devolução do valor das propinas a um recém-formado caso se fixe em Portugal. São cerca de 700 euros por ano (1500 euros nos mestrados), não chega a 60€ por mês. Coloquemos estes números em perspectiva, comparando a realidade portuguesa e a realidade belga, com base na minha experiência.
Tomemos o cabaz de bens essenciais definido pela DECO para fazer uma comparação entre os preços praticados no Continente e no Colruyt (uma cadeira de supermercados belga muito popular), excluindo da análise alguns produtos que só estão disponíveis no supermercado português.
Enquanto um cliente do Continente gastará aproximadamente 225 euros por mês, um cliente do Colruyt gastará cerca de 280. A principal diferença está no preço da carne e de algum peixe (especialmente salmão e pescada), que pode ser até quatro vezes mais caro no Colruyt. De resto, as diferenças são mínimas, em produtos agrícolas, comprar no Continente pode até mesmo ser mais caro.
No que toca à habitação, as diferenças também não são abismais, e nalguns casos Portugal até fica mal. Por exemplo, de acordo com a plataforma Numbeo, enquanto a renda de um T1 no centro de Lisboa custa em média 1300 euros, no centro de Bruxelas é 300 euros mais barata.
Nos subúrbios, os preços são equivalentes. Dirá o senhor primeiro-ministro que Lisboa tem problemas próprios, e eu concordo. Comparemos então Coimbra e Leuven, as principais cidades universitárias nos seus países.
De acordo com a mesma plataforma, a média do aluguer de um T1 no centro de Coimbra é de 610 euros, enquanto em Leuven cifra-se nos 830. Ainda assim, o extracto mensal deste que lhe escreve atesta que é possível encontrar oferta bem mais barata em Leuven, na faixa dos 600 euros.
Por fim, um morador de Leuven gasta sensivelmente o dobro de um conimbricense nas contas mensais de electricidade, aquecimento, água, etc., embora os números na plataforma Numbeo estejam bem acima dos cerca de 120 euros por mim pagos a cada mês.
Se não for estudante, também gastará um pouco mais em transportes públicos, mas como tem a sorte de morar numa cidade amiga da bicicleta e onde é raro os autocarros se incendiarem (coisa em que a frota dos SMTUC é pródiga), um leuvenaar não precisa de um carro e pode por isso poupar em combustível (que, já agora, é em média ligeiramente mais barato na Bélgica).
Tudo somado, o custo de vida será cerca de 25 a 30% superior na Bélgica do que em Portugal. Isto assumindo, claro, que não se mora no centro de Lisboa, onde não estou certo sequer que o custo de vida seja mais barato do que no país onde estou radicado.
Ora, se nas despesas as diferenças não são assim tão grandes, o mesmo não se pode dizer das receitas. Pois é, senhor primeiro-ministro, sem fazer grandes sacrifícios, ao fim de cada mês, qualquer diplomado na Bélgica consegue pôr de lado um valor dentro dos quatro dígitos.
Vou repetir. Descontados os impostos e pagas todas as despesas essenciais, sobram acima de 1000 euros a qualquer jovem qualificado, até mesmo aos que estão em início de carreira. Poupa mais um jovem belga num mês do que muitos jovens em Portugal recebem em termos brutos. Diga-me, senhor primeiro-ministro, posto isto, acha mesmo que os 60 euros mensais que oferece serão suficientes para fazer um recém-licenciado repensar a decisão de emigrar? Claro que não.
Este exercício foi feito com a Bélgica, mas podia muito bem ter sido com os Países Baixos, a Alemanha, a Dinamarca, qualquer um dos países que tem recebido, com agrado, recursos humanos de excelência sem ter pagado um cêntimo pela sua formação.
A realidade é simples: neste momento, só mesmo factores emocionais podem reter jovens qualificados em Portugal. No entanto, quando até morar sozinho é um luxo para muitos inatingível, não há amor a Portugal que chegue para resistir ao apelo de fazer as malas. Acredite, senhor primeiro-ministro, muitos adorariam ficar, só que as consequências das suas políticas simplesmente não lhes dão outra opção, e oportunidades tentadoras não faltam.
Por isso, senhor primeiro-ministro, deixe-se de medidas superficiais que nada resolvem. Deixe-se de tentar comprar os jovens com tostões e promessas vãs. Foque-se em impulsionar a economia portuguesa e em fazer chegar o seu crescimento aos portugueses, jovens e menos jovens, qualificados e não só, que a sangria não se cinge a quem tem canudo.
Foque-se em incentivar a boa gestão nos serviços públicos e em melhorar o funcionamento das instituições. Se for preciso, ganhe coragem e tome algumas decisões difíceis, talvez muito impopulares para quem o rodeia. Enfim, seja arrojado, pois só assim consegue devolver um horizonte de esperança a quem não o vislumbra dentro de portas.
Garanto-lhe que dessa forma conseguirá convencer muitos jovens licenciados a ficar. É que... Portugal será sempre o nosso Portugal. Se, em vez disso, preferir manter as coisas na mesma e ocasionalmente dar umas migalhas para acalmar as massas, não só não conseguirá estancar a emigração qualificada, como o resultado será inevitavelmente o desastre. Não poderá dizer que foi falta de aviso.
Com os melhores cumprimentos,
Um jovem emigrante»
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