23.9.23

Elevadores

 


Porta do elevador do Edifício Pohjola, Helsínquia, 1899-1901.
Arquitectos: Gesellius, Lindgren, Saarinen.

Daqui.
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Pablo Neruda morreu há 50 anos

 


Pablo Neruda morreu em 23 de setembro de 1973, apenas 12 dias após o golpe de Estado no Chile, oficialmente em consequência de um cancro na próstata.

Se houve sempre dúvidas quanto à veracidade desta causa, elas agravaram-se alguns anos mais tarde quando o motorista do poeta afirmou que ele terá recebido uma injecção letal numa clínica de Santa Maria, em Santiago do Chile, para impedir que se exilasse no México como era sua intenção. Com base nestas declarações, o Partido Comunista do Chile apresentou uma denúncia formal à Justiça, foi aberto um processo e, em Abril de 2013, foi iniciada a exumação dos restos mortais do poeta (sepultado juntamente com a sua última mulher no jardim da casa em Ilha Negra), que foram enviados para análises em Espanha e nos Estados Unidos. Na clínica em questão, nunca foi possível encontrar a ficha médica de Neruda, nem a lista dos trabalhadores presentes.


Já este ano, depois de testes forenses, foi descoberta uma bactéria no seu corpo, provavelmente injectada pela equipe médica enquanto estava no hospital.





Mas hoje é dia de o recordar em vida, com a sua voz inconfundível:





Juliette Gréco

 


Três anos sem ela.


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Casa para viver

 

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Treta do civismo

  


«Já não é a primeira vez que falo disso, e se calhar não será a última, mas o grau de agressividade pessoal nas cidades, em particular em Lisboa, está cada vez maior. O incremento é significativo, tanto mais que está em aparente relação inversa com a agressividade colectiva, aquela que se manifesta algumas vezes nos movimentos sociais. As greves e as manifestações são pacíficas, e, mesmo quando os discípulos da Extinction Rebellion se prendem a uma grade ou bloqueiam uma rua, é mais um acto simbólico do que qualquer “resistência séria”.

É uma comparação imperfeita, mas mesmo assim possível. Na verdade, se a primeira forma de agressividade pode ser testemunhada por todos, a segunda existe latente, escondida, difusa, embora como uma mancha cada vez mais vasta. A primeira forma de agressividade está em alta, em pico, a segunda espalha-se mais em mancha, manifesta-se através de comportamentos menos evidentes, mas que estão lá. Talvez o melhor exemplo seja o racismo, cuja mancha se espalha para lá dos alvos tradicionais, para os imigrantes asiáticos e latino-americanos.

Explico-me quanto à agressividade individual em alta. Ela está por todo o lado e não tenho dúvida de que a violência doméstica é o seu melhor exemplo. Mas não é o mais público. A rua, o trânsito, pode parecer pouco relevante como sinal de agressividade, mas não é. O espaço público urbano torna-se muito pouco habitável, resultado de um conjunto de factos que implica ideias erradas, opções urbanas erradas, medo de actuar, muita impotência, e interesses muito poderosos em nome da “mobilidade”. O monstro cresceu à nossa porta e agora parece indomável.

O caos em que se tornaram as ruas da cidade, sem lei, nem ordem, com milhares de pessoas que não cumprem qualquer regra, trotinetas, bicicletas que circulam em sentido contrário, que passam sinais vermelhos, tuk-tuks que entopem o trânsito, motos que aparecem por todo o lado e passam entre os carros, TVDE que param em qualquer sítio com desprezo pelas filas que provocam, os milhares de transportes de comida, os passeios ocupados com carros, motos, bicicletas e trotinetas (deve ser cada vez mais difícil ser cego e andar na rua), os veículos comerciais que não cumprem horários, etc., etc. Os automobilistas parecem ser a principal vítima, embora o “carro individual” tenha má imprensa, mas o mesmo se passa com transportes públicos, peões e as vítimas inocentes apanhadas em acidentes.

O número de pessoas que em bicicletas e trotinetas se deslocam sem qualquer protecção, duas em cada trotineta, com crianças dependuradas, à frente e atrás, ao meio, numa completa irresponsabilidade dos pais, que fazem slalom a considerável velocidade, aumenta o risco de acidentes e o número de acidentes em que aparecem sempre como vítimas, porque são mais fracos do que os carros. Basta atravessar a cidade para ver como cada vez mais se buzina ao mais pequeno atraso num semáforo e como cenas de insultos e ameaças são cada vez mais comuns. É igualmente verdade que se conduz a ver o telemóvel ou a mandar mensagens. Tudo junto, alimenta o caos.

É suposto as leis e os regulamentos mitigarem a desordem e imporem regras, mas não me venham com histórias da carochinha. É muito maior a probabilidade de alguém ser multado por mau estacionamento do que uma trotineta a voar pelos passeios e a atravessar vermelhos, ou um TVDE ser posto na ordem por parar em qualquer lado, coisa que pelos vistos podem fazer. Já para não falar nessa multidão explorada por uma miséria com uma caixa de comida às costas que tem de entregar depressa para ir buscar mais e que precisa de violar as regras todas para ganhar… nada.

A verdade é que, de uma ponta à outra da nebulosa do trânsito, que é o modo como centenas de milhares de pessoas vivem o seu dia-a-dia, nem que seja de casa para o emprego, para deixar os filhos na escola, para irem ao supermercado, para trabalharem, não há lei nem ordem. Colocados perante a realidade de defrontarem a todos os momentos a lei do mais forte, do mais esperto, do mais hábil, do mais jovem, do mais violento, a resposta é agressiva, ou para fora ou engolindo para dentro. Numa altura em que muito pouca gente tem razões para estar feliz, com tudo mais caro, com pouco dinheiro, com a casa precária, com os filhos a fazerem asneiras, com os pais a fazerem asneiras, sem terem o que querem e gostam, dependentes da “raspadinha”, demasiado presos à “alegria” dos pobres, a telenovela, o futebol e o Big Brother, o que é que se espera? Civismo, boa educação, tretas!

Além disso, vem aí a chuva e o Inverno.»

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22.9.23

Chuva

 


Coluna para drenagem da água da chuva, Villa Majorelle, Nancy, França, 1901-1902.
Arquitecto: Henri Sauvage.

[Dar beleza ao indispensável.]

Daqui.
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Não, «Clara, Não»

 


Tenho resistido e confesso que só hoje abri um texto desta «colaboradora» do Expresso. Fiquei esclarecida: ela vive numa cidade onde não há insectos e eu, talvez na mesma, onde me falta pachorra.

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Sejam justos, ele também nos divertia

 


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Também somos raspadinhas. E pobres

 


«Provavelmente já leu a notícia. Provavelmente já esteve a beber café, de manhã bem cedo, ao lado de alguém curvado num balcão a raspar um bocado de cartão à procura do sonho, ou de metade dele, ou de um quarto, ou de qualquer coisa, nem que seja apenas recuperar o valor apostado. Quando a sorte não sai, segue-se outro shot de dopamina. Os movimentos repetem-se, tal como um hamster a correr numa roda satisfazendo o seu instinto de sobrevivência. “Dê-me outra, desde que tenha prémio”.

Mas o que diz a notícia que resulta de um estudo elaborado pela Universidade do Minho para o Conselho Económico e Social? São 100 mil os adultos portugueses que têm problemas de jogo com as raspadinhas. Destes, 30 mil apresentam perturbação de jogo patológico. São os mais pobres - aqueles que auferem rendimentos mensais entre os 400 euros e 664 euros - que jogam mais. E também os mais velhos. Frequentemente têm mais de 66 anos.

Podemos fazer as leituras que quisermos. Mas, na verdade, o que o estudo “Quem paga a Raspadinha?” nos oferece é também um bom retrato do país. Não somos só fado, nem bacalhau, nem caldo-verde, nem Cristiano Ronaldo. Também somos raspadinhas, mesmo que não fique bem na fotografia.

Em março, um psicólogo foi ao cerne da questão. “Para perceber o desespero dos que jogam, temos de perceber o desespero com que vivem no dia a dia”, frisou Rui Alves, a um jornal universitário.

Este desespero não pode ser confundido com vício. Nem com as receitas da Santa Casa ou com os impostos arrecadados pela Segurança Social para fins de ação social. Em 2021, os portugueses gastaram 4,1 milhões de euros por dia em raspadinhas.

É um retrato de um país pobre e desesperado. Adornado com migalhas para adiar o pagamento da casa, como as que o Governo atirou ontem aos portugueses que têm crédito à habitação. Portugal é um país de trabalhadores. É o sexto na Europa onde a semana de trabalho é mais longa. E de sonhos eternos, nem que seja a raspar.»

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Medidas do governo pioraram a crise da habitação

 


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21.9.23

Mais uma casa

 


Casa Antònia Burés, Barcelona, 1903-1906.
Arquitecto: Juli Batllevell.


Daqui.
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21.09.2012 – Quando o aumento da TSU foi enterrado

 


Seis dias depois da manifestação «Que se lixe a troika», em 15 de Setembro, fomos milhares os que estivemos em frente ao Palácio de Belém, à espera das conclusões de uma reunião do Conselho de Estado.

Durante muitas horas, milhares de pessoas em Lisboa, e muitas outras espalhadas pelo país, deram ao conclave e aos seus membros a importância suficiente para esperarem, de pé, e lançarem gritos de protesto, de apelo e de raiva. Continuaram o que várias centenas de milhares de portugueses tinham começado alguns dias antes.

A reunião do dito Conselho durou oito horas e emitiu um comunicado, inócuo, incolor e inodoro, mas que incluía o único parágrafo que interessava: «O Conselho de Estado foi informado da disponibilidade do Governo para, no quadro da concertação social, estudar alternativas à alteração da Taxa Social Única». Era de esperar outra coisa? Não, de modo algum. A batalha tinha sido ganha antes disso. Na rua.
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Leonard Cohen

 


Seriam 89, hoje.


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Glossário da Saúde para o cidadão comum

 


«Num momento em que se discute a sobrevivência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a discussão é encriptada com termos que a tornam fechada para o cidadão comum. Esta forma de linguagem é também uma maneira de não falar dos problemas de uma forma concreta. Lembra-nos o tempo em que a missa católica era toda em latim e e em que, depois da “missa nova”, de estreia, de um padre, diziam-lhe: "Falou muito bem".

Missa nova sem nada de novo. Só os acrónimos podem sugerir mudanças verdadeiras. Há duas realidades: centro de saúde e hospital. O resto é tudo linguagem técnica, tal como o “informatês” e o “economicês” e os termos de Medicina. Aposto que tudo isto pode ser "trocado por miúdos" e isso também faz parte da democracia.

Hospitais há-os de várias categorias. Os de topo caracterizam-se por terem todas as especialidades e estas estarem disponíveis durante as 24 horas do dia, com serviço de urgência permanente. São conhecidos quatro em Lisboa, repartindo a região metropolitana, incluindo os centros de saúde; um em Coimbra; e dois no Porto, com idênticas funções. Cabe perguntar se estão todos e preencher todos os requisitos e como. Atravessando os rios Tejo e Douro para a outra margem, idênticos hospitais cobrem o resto das respectivas regiões administrativas. Cobrem? E na periferia temos Castelo Branco, Évora e Faro com necessidades preenchidas?

Que unidades?

Quanto aos centros de saúde, os mais simples chamam-se Unidade de Centro de Saúde Personalizado (CS). Em 2005 iniciou-se o projecto de criação de Unidades de Saúde Familiar (USF) com os modelos A, B e C. O médico do CS, com a sua carteira de doentes, candidata-se ao modelo A, que é experimental, e continua a ganhar o mesmo. Aguardam-se mais do modelo B, com administração autónoma e remunerações do pessoal avaliadas pelo estado de saúde dos utentes. Cobrem 68% da população, que está muito satisfeita e os médicos têm remunerações decentes. O problema é dos outros 32%, dos quais 1600 nem sequer têm médico de família. Enorme desigualdade, que decorre há vários anos.

E quanto aos médicos, os últimos remunerados com dedicação plena são de 2011 (decreto-lei). O modelo C seria empresarial. Tanto os CS como as USF estão organizados, com direcção centralizada, em agrupamentos, que respondem perante as Administrações Regionais de Saúde. Até agora. De acordo com o novo estatuto, estas desaparecem ou quase e vão responder perante a Direcção Executiva do SNS e o CEO. Tudo percebido até aqui? Talvez. No entanto tudo mudará ou não de acordo com as promessas do Governo. A proposta é que todos os Cuidados Primários passem a USF modelo B. A felicidade para todos. Mas… Os critérios de remuneração não seriam os actuais. Discutem-se novos critérios. Aqui é que está o ponto. E o empate.

As propostas não param por aqui. Propõem novas Unidades Locais de Saúde (ULS). Implementadas em 1999, a primeira foi em Matosinhos, a última no Litoral Alentejano, em 2012. Proposta: juntar mais 31 às oito existentes. O modelo: organizar em conjunto um hospital e os CS da região. Começarão os dois hospitais centrais do Porto. Como exemplo, a ULS de Lisboa Norte seria constituída pelo Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria e Hospital Pulido Valente), mais o Agrupamento Sete Rios que inclui CS e USF e ainda os CS de Mafra.

De acordo com os clínicos conhecedores dos Cuidados Primários, isto seria de decisão "hospitalocêntrica", sem direcção rotativa e sem disponibilidade técnica de meios auxiliares de diagnóstico, interna à unidade e que responda às urgências dos CS. Ao contrário, se os CS e USF actuais forem equipados com laboratórios, ecografias e outros exames, aliviarão muito as urgências hospitalares, porque há vários tipos de doentes agudos, muitos poderiam ser vistos nos centros. E os especialistas de Saúde Publica, perguntam, onde ficam? Deveria ser o princípio de tudo. Ocupar-se da prevenção das doenças sem declaração obrigatória, que são as mais prevalentes, vigilância dos factores que influenciam as doenças crónicas que vão dos 65 anos para cima, da eco-saúde, da relação com as autarquias.

Enfim, olhou-se para o mapa, fizeram-se geometrias variáveis, não se fez levantamento das características das populações respectivas (idades, situação social, habitação, transportes, patologias mais prevalentes), não se fez levantamento dos equipamentos e dos especialistas. É o tipo de projecto que qualquer empresa com ambições de rentabilidade rejeitaria, para entrar na linguagem da “Economia”.

Mas aqui o objectivo é a saúde dos cidadãos. E urgentes mesmo existem dois pontos, que não precisam de ser encriptados: salários decentes para os médicos, se os querem reter; e desenvolvimento de um Registo Clínico Único Electrónico na mão do cidadão, que vai sendo adiado, enquanto escorre o dinheiro do PRR em equipamentos e aplicações desemparelhados de um projecto racional.»

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20.9.23

Mais um belo vaso

 


Vaso de vidro decorado com ramos de aveleira em gravação feita com ácido. Museu de Belas Artes de Nancy, França, 1925.
Irmãos Daum.

Daqui.
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"Não tenho poder nenhum", diz António Guterres



 

«Quando Amanpour lhe perguntou de que poder dispõe para fazer o que tem de ser feito, respondeu simplesmente: "Não tenho poder nenhum". "Nem sobre as decisões, nem sobre o financiamento. Tenho apenas o poder da palavra." (…)

Hoje, as divisões entre as grandes potências atingem um grau "a que nunca assistimos antes". As potências a que se refere Guterres são, em primeiro lugar, os membros permanentes do Conselho de Segurança, os únicos que têm o direito de veto. Estas "profundas divisões geopolíticas" paralisam quase todas as iniciativas da ONU para tentar minorar os males do mundo, apontados nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, mas também para poder intermediar a favor da paz. "Nem no tempo da Guerra Fria?", perguntou Amanpour. Nessa altura, respondeu-lhe o seu interlocutor, quando imperava o confronto planetário entre os EUA e a União Soviética, "era difícil, mas sabia-se com que contar. A previsibilidade era maior, hoje há muito maior incerteza".»

Teresa de Sousa
Newsletter do Público, 19.09.2023
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O Banksy é que sabe

 

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E o sorriso de Costa disse tudo

 


«Para alem dos casos políticos, habituais em fim de longos mandatos, o governo, ou o País, para ser mais preciso, lida com dois tipos de problemas: os que resultam de uma conjuntura que não controla e os que são estruturais e ao qual não prestou atenção nestes oito anos (a direita também não, quando governou). Os primeiros são a inflação, o aumento das taxas de juro e tudo o que resulta da guerra da Ucrânia. Os segundos são a incapacidade do SNS segurar os seus profissionais, a falta de professores e a brutal crise na habitação, com efeitos estruturais na sociedade e na economia portuguesas. Todos há muito anunciados.

O problema do governo é que quer dar aos segundos o mesmo tipo de respostas que tenta dar aos primeiros: soluções de emergência. E essa é a marca deste primeiro-ministro, que depois da urgência em devolver direitos e rendimentos roubados às pessoas pela troika, no governo da “geringonça”, e da resposta à emergência pandémica que se lhe seguiu, já não sabe governar de outra forma. É um governo com quase uma década que deixa pouco lastro e olha pouco para a frente.

Isto exige uma oposição que não repita contra o governo os vícios do próprio governo: surfar a atualidade. Mas repete-o porque não tem qualquer perspetiva de ocupar o poder. Até por não ter uma maioria provável para o fazer. O Chega pode ser um problema para a democracia, mas é, antes de tudo, um problema para a direita. A grande maioria dos seus eleitores não quer um governo dependente de André Ventura, o líder com mais altas taxas de rejeição no país. E todos os cuidados que o PSD possa ter – e esteve bem ao não embarcar nesta moção de censura – não resolvem o problema da aritmética: não há direita que chegue sem o Chega.

Uma coisa é a competição entre os partidos de oposição. Outra é a sabotagem da oposição, a que o Chega se dedica. Não é apenas por ser um embaraço que é um problema para o resto da direita. É por ter o resto da direita como sua principal inimiga. Quer desgastá-la para crescer sobre as suas ruínas. Como aconteceu em vários países europeus.

Não é absurdo apresentar uma moção de censura que não tenha possibilidade de aprovação. Já foi feito por vários partidos para forçar o debate político num momento difícil para o governo. Mas faz-se isso em momentos especialmente sensíveis. Não é a tática do Chega porque o seu alvo não é o governo. Limita-se a picar o ponto no início da sessão legislativa, prejudicando até o regresso dos debates quinzenais (que, de qualquer das formas, tendem a ser favoráveis ao primeiro-ministro), quando nenhum acontecimento agudo torna este momento especialmente dificil para o governo. E se houvesse dúvidas disso, bastaria ver o passeio que António Costa foi fazer ao parlamento. Nem se esforçou.

Se tivesse que escolher os dois momentos no debate de ontem, viriam da primeira ronda de perguntas, nas intervenções do Chega e da IL. O primeiro foi quando André Ventura se virou para a bancada do PSD e foi a ela que dirigiu quase toda a sua intervenção, acusando-a, qual amante ciumento, de querer ir para a cama com o PS em vez de pernoitar com ele. E gritando que não há “pactos” com este governo, há “coças”. O fim da intervenção, falando para os eleitores madeirenses, teve a clareza de um tempo de antena e a exibição da única função desta moção de censura: desgastar o PSD.

O segundo momento foi mais “hilário”, utilizando uma expressão de João Cotrim Figueiredo. A moção de censura é “infantil”, disse o ex-líder da IL (ainda poucos deram pelo atual). E como é “infantil”, os liberais decidiram ir brincar para o parque com Ventura, envolvendo-se numa rixa para saber quem subia ao baloiço. Depois, Cotrim Figueiredo embrulhou-se com Ventura para saber qual dos seus candidatos madeirenses estava a namorar o PS local, num momento que resumiu uma tarde perdida. O sorriso do primeiro-ministro, refastelado em oito anos de mandato, disse tudo. Com inimigos destes, não precisa de amigos.»

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19.9.23

Duas portas

 


Portas Arte Nova da Casa Calise, Buenos Aires, 1911-1913.
Arquitecto: Virginio Colombo.

Daqui.
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Entretanto en Derna, na Líbia

 


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Simon & Garfunkel no Central Park – Há 42 anos

 


Em 19.09.1981, teve lugar o memorável concerto que Simon & Garfunkel deram no Central Park de Nova Iorque. Reza a história que assistiram 500.000 pessoas e foi gravado ao vivo, dando origem a um álbum lançado no ano seguinte. Os lucros obtidos reverteram para a reforma e manutenção do parque e nós herdámos um espectáculo inesquecível.

Vídeos com quatro das grandes canções e outro com o concerto na íntegra AQUI.
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Carta aberta de um jovem emigrante a António Costa

 


«Caro primeiro-ministro,

Antes de mais, deixe-me congratulá-lo por apresentar um conjunto de propostas destinadas àqueles que estão agora a entrar no mercado de trabalho. Sem ponta de ironia, é muito positivo ver a geração jovem entrar finalmente na agenda do governo. Enfim, estou de acordo com o Presidente Marcelo quando este diz que são medidas eleitoralistas (o segmento jovem é aquele onde o PS parece ter menos penetração), mas não deixa de ser algo positivo.

Os elogios, contudo, terminam por aqui. É que, além de algumas mexidas no IRS jovem e de umas quantas propostas-cartaz inócuas, a única proposta realmente substantiva é a devolução do valor das propinas a um recém-formado caso se fixe em Portugal. São cerca de 700 euros por ano (1500 euros nos mestrados), não chega a 60€ por mês. Coloquemos estes números em perspectiva, comparando a realidade portuguesa e a realidade belga, com base na minha experiência.

Tomemos o cabaz de bens essenciais definido pela DECO para fazer uma comparação entre os preços praticados no Continente e no Colruyt (uma cadeira de supermercados belga muito popular), excluindo da análise alguns produtos que só estão disponíveis no supermercado português.

Enquanto um cliente do Continente gastará aproximadamente 225 euros por mês, um cliente do Colruyt gastará cerca de 280. A principal diferença está no preço da carne e de algum peixe (especialmente salmão e pescada), que pode ser até quatro vezes mais caro no Colruyt. De resto, as diferenças são mínimas, em produtos agrícolas, comprar no Continente pode até mesmo ser mais caro.

No que toca à habitação, as diferenças também não são abismais, e nalguns casos Portugal até fica mal. Por exemplo, de acordo com a plataforma Numbeo, enquanto a renda de um T1 no centro de Lisboa custa em média 1300 euros, no centro de Bruxelas é 300 euros mais barata.

Nos subúrbios, os preços são equivalentes. Dirá o senhor primeiro-ministro que Lisboa tem problemas próprios, e eu concordo. Comparemos então Coimbra e Leuven, as principais cidades universitárias nos seus países.

De acordo com a mesma plataforma, a média do aluguer de um T1 no centro de Coimbra é de 610 euros, enquanto em Leuven cifra-se nos 830. Ainda assim, o extracto mensal deste que lhe escreve atesta que é possível encontrar oferta bem mais barata em Leuven, na faixa dos 600 euros.

Por fim, um morador de Leuven gasta sensivelmente o dobro de um conimbricense nas contas mensais de electricidade, aquecimento, água, etc., embora os números na plataforma Numbeo estejam bem acima dos cerca de 120 euros por mim pagos a cada mês.

Se não for estudante, também gastará um pouco mais em transportes públicos, mas como tem a sorte de morar numa cidade amiga da bicicleta e onde é raro os autocarros se incendiarem (coisa em que a frota dos SMTUC é pródiga), um leuvenaar não precisa de um carro e pode por isso poupar em combustível (que, já agora, é em média ligeiramente mais barato na Bélgica).

Tudo somado, o custo de vida será cerca de 25 a 30% superior na Bélgica do que em Portugal. Isto assumindo, claro, que não se mora no centro de Lisboa, onde não estou certo sequer que o custo de vida seja mais barato do que no país onde estou radicado.

Ora, se nas despesas as diferenças não são assim tão grandes, o mesmo não se pode dizer das receitas. Pois é, senhor primeiro-ministro, sem fazer grandes sacrifícios, ao fim de cada mês, qualquer diplomado na Bélgica consegue pôr de lado um valor dentro dos quatro dígitos.

Vou repetir. Descontados os impostos e pagas todas as despesas essenciais, sobram acima de 1000 euros a qualquer jovem qualificado, até mesmo aos que estão em início de carreira. Poupa mais um jovem belga num mês do que muitos jovens em Portugal recebem em termos brutos. Diga-me, senhor primeiro-ministro, posto isto, acha mesmo que os 60 euros mensais que oferece serão suficientes para fazer um recém-licenciado repensar a decisão de emigrar? Claro que não.

Este exercício foi feito com a Bélgica, mas podia muito bem ter sido com os Países Baixos, a Alemanha, a Dinamarca, qualquer um dos países que tem recebido, com agrado, recursos humanos de excelência sem ter pagado um cêntimo pela sua formação.

A realidade é simples: neste momento, só mesmo factores emocionais podem reter jovens qualificados em Portugal. No entanto, quando até morar sozinho é um luxo para muitos inatingível, não há amor a Portugal que chegue para resistir ao apelo de fazer as malas. Acredite, senhor primeiro-ministro, muitos adorariam ficar, só que as consequências das suas políticas simplesmente não lhes dão outra opção, e oportunidades tentadoras não faltam.

Por isso, senhor primeiro-ministro, deixe-se de medidas superficiais que nada resolvem. Deixe-se de tentar comprar os jovens com tostões e promessas vãs. Foque-se em impulsionar a economia portuguesa e em fazer chegar o seu crescimento aos portugueses, jovens e menos jovens, qualificados e não só, que a sangria não se cinge a quem tem canudo.

Foque-se em incentivar a boa gestão nos serviços públicos e em melhorar o funcionamento das instituições. Se for preciso, ganhe coragem e tome algumas decisões difíceis, talvez muito impopulares para quem o rodeia. Enfim, seja arrojado, pois só assim consegue devolver um horizonte de esperança a quem não o vislumbra dentro de portas.

Garanto-lhe que dessa forma conseguirá convencer muitos jovens licenciados a ficar. É que... Portugal será sempre o nosso Portugal. Se, em vez disso, preferir manter as coisas na mesma e ocasionalmente dar umas migalhas para acalmar as massas, não só não conseguirá estancar a emigração qualificada, como o resultado será inevitavelmente o desastre. Não poderá dizer que foi falta de aviso.

Com os melhores cumprimentos,

Um jovem emigrante»

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18.9.23

Regressam as portas

 


Porta da Casa Tallberg, Helsínquia, 1898.
Arquitectos: Herman Gesellius, Armas Lindgren e Eliel Saarinen.

Daqui.
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Greve na TSF

 


COMUNICADO:

Esta 4a feira, dia 20 de Setembro, a TSF - Rádio Notícias vai viver a primeira greve, só da rádio, em 35 anos de existência. Pelas 10h30, haverá uma concentração junto à sede, nas Torres de Lisboa.

Lutamos pelo desbloqueio de um processo negocial que começou em Fevereiro e que está parado desde Junho e cujo objectivo final é uma subida generalizada dos salários, que não acontece há praticamente duas décadas.

Em Junho, os trabalhadores decidiram “não rejeitar” uma proposta da Administração para esses ajustes salariais, mas, até hoje, essa proposta não foi aplicada. A administração também continua sem explicar porque não aplica uma proposta que foi por si apresentada!

Acrescem atrasos no pagamento dos salários de Julho e Agosto. No primeiro caso, os trabalhadores receberam um e-mail que justificava o atraso com um “problema operacional”; no segundo, não foi dada qualquer explicação.

Por fim, há cerca de uma semana, o director Domingos de Andrade foi afastado e substituído sem que o Conselho de Redacção se tenha pronunciado, conforme sua competência definida na lei. Reiteramos a confiança em Domingos de Andrade, provado que está o seu total e permanente respeito pelos valores da autonomia editorial da TSF e pela luta que sempre travou por uma rádio independente.

Foi este o episódio que levou o plenário a reunir-se na passada 2a feira, 11 de setembro, e, tendo em conta esta acumulação de situações, que consideramos desrespeitosas dos trabalhadores da TSF, aprovámos por unanimidade a realização de uma greve de 24 horas na próxima 4a feira, 20 de setembro, e uma concentração pelas 10h30 desde mesmo dia junto à sede da rádio, nas Torres de Lisboa.

Estão todos convidados a participar!

Obrigada!
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Jorge Sampaio

 


Seriam 84, hoje. Já não foram.

O gozo que dá recordar isto:

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O eterno retorno de Cavaco

 


«Quando o ainda relativamente jovem Paulo Portas garantia, como coisa definitiva, que nunca faria política na vida, declarou: “Acho injusto comparar o Dr. Cavaco ao Dr. Salazar. Injusto para o Dr. Salazar em muitas coisas. O Dr. Cavaco não é democrata nem deixa de ser. O Dr. Salazar era voluntariamente antidemocrático. Ou seja, tinha preocupações e pensamento político, o Dr. Cavaco não tem. O Dr. Salazar escrevia admiravelmente e era um cínico como não se repete na vida política portuguesa. E o Dr. Cavaco não escreve nem fala nada de especial, é mesmo muito maçador, e também não é tão cínico. Está longe desse ‘refinement’ no exercício do poder.” Perante a pergunta “então porque ganha eleições?”, o jornalista conservador respondeu: “pensões e autoestradas”.

É uso dizer-se que a esquerda nunca suportou Cavaco Silva por elitismo. A citação recorda de onde vinha esse tipo de desprezo. Justiça seja feita, foi esta direita elitista que exibiu com eficácia o lodaçal em que vivia um primeiro-ministro que se tentava apresentar com as vestes austeras do velho ditador: Dias Loureiro, Duarte Lima, Arlindo Carvalho, Costa Freire, Oliveira Costa... As capacidades de avaliação ética de quem o deveria rodear, uma das qualidades fundamentais para um líder, são mais uma vez evidentes na pessoa que escolheu para apresentar o seu livro, que até em Bruxelas conseguiu ficar mal visto por não ter cumprindo o período de nojo politicamente recomendável para se apresentar ao serviço na Goldman Sachs.

A imagem que Cavaco Silva passava de si nunca bateu certo com as suas companhias. Mas era mais do que isso. A forma como lidou com o escrutínio ao seu próprio comportamento nunca mudou. Em 2011, perante o regresso da acusação de que Oliveira Costa lhe teria vendido, fora de bolsa, ações da SLN a um euro (um mês depois eram vendidas aos clientes do BPN por 2,1) para dois anos depois lhe recomprar a 2,4 euros, garantindo, a si e à sua filha, um lucro de 147,5 mil euros e de 209,4 mil euros, respetivamente, disse: “façam as investigações que quiserem, publiquem tudo, que talvez depois de dia 23 (data das eleições) eu possa ler.” O homem que dizia que uma pensão de nove mil euros mal dava para as despesas estava-se nas tintas.

Quem diz que nunca se viveram tantos “casos e casinhos” como no governo de António Costa, ao ponto disso ser motivo para dissolução do parlamento, deveria ir aos arquivos de “O Independente”. Dará alguma vontade de rir ouvi-lo dar lições de como fazer remodelações, aliás.

Só a meio da sua segunda maioria absoluta é que Cavaco teve de lidar com uma comunicação social mais agressiva. A primeira vez que foi a votos sem que a RTP (que o governo controlava com empenho) estivesse sozinha no terreiro, nas presidenciais de 1996, perdeu. Perante as contrariedades, ou ignorava (orgulhava-se de não ler jornais), ou se enfurecia (ao Tribunal de Contas chamou “força de bloqueio”) ou, quando não havia mais a fazer, recorria à força da bastonada (estudantes, camionistas, trabalhadores, agricultores ou mesmo polícias). Para "arte de governar", já se viram métodos mais sofisticados.

A sobranceria moral de Cavaco, para quem é preciso nascer duas vezes para ser mais honesto do que ele, é tão inexplicável como a sua arrogância intelectual ou, cima de tudo isto, a convicção que pode dar lições de governação a quem o sucedeu. Não vale a pena desenvolver muito. Já me dediquei a isso quando escrevi sobre as suas políticas agrícolas ou de habitação. Ou quando, perante mais um panegírico a si mesmo, disfarçado de critica ao governo, tentei mostrar como Cavaco tortura a realidade e os números para esconder as suas próprias responsabilidades no rumo que o país seguiu.

O impacto negativo que a adesão ao euro teve na nossa economia pode dizer muito sobre o próprio euro. Mas quem acha que esta escolha foi a acertada só pode concluir que Cavaco Silva, que ocupou o poder nos primeiros dez anos de integração europeia e em boa parte da caminhada para a moeda única, não aproveitou os enormes recursos que teve para precaver o que aí vinha. Quem se lembra desse tempo sabe bem que não o fez, aliás.

A sua sorte foi, depois de ter ido fazer a rodagem do carro até à Figueira da Foz (outro mito que o mais profissional dos “não políticos” inventou sobre si mesmo), ter caído no poder quando o país foi inundado de dinheiro europeu, que gastou sem os constrangimentos atuais. Cavaco Silva não faz a mais pálida ideia do que seja governar com os limites hoje impostos e, por isso, nunca olhou a gastos quando era preciso vencer eleições. Usando, com muito mais margem, os mesmíssimos artifícios eleitoralistas que são apontados a Costa. Cavaco nunca foi o governante rigoroso e austero que se apresenta. Foi o oposto.

É por isso que não li ou vou ler as lições do professor. Já chega. Uma coisa é ler um artigo, outra é o investimento de tempo para ler um livro de Cavaco. Nisto, concordo com Portas: Cavaco é muito maçador. E não lhe reconheço, na sua experiência governativa, autoridade política e moral para ensinar outros a governar com rigor estratégico para preparar o país para o futuro.

Interessam-me, neste momento, apenas as consequências destas recorrentes investidas cavaquistas.

Dois homens verdadeiramente sérios nunca se entregaram a este eterno regresso: Ramalho Eanes e Jorge Sampaio. Mário Soares sim. Uns dirão que é o mesmo ímpeto de cidadania, outros que é a mesma tola vaidade. Mas há uma grande diferença entre os dois: como nunca antes fingira que não era político, Soares nunca se colocou no lugar intocável de oráculo da Nação. Arriscou, já com proveta idade e quando tinha um lugar no pedestal reservado ao “fundador da democracia”, uma derrota eleitoral em Presidenciais.

A prolixa produção autoelogiosa de Cavaco Silva nem sequer tem como objetivo criar problemas ao governo. Não há figura que una mais a esquerda de forma quase pavloviana. Estes episódios são balões de oxigénio para António Costa. A motivação é sempre a mesma e tem menos “refinement” político (permitam-me continuar a usar Portas como bengala) do que se pensa. Cavaco só tem um desígnio político: alimentar o seu insaciável ego. Sempre foi isto. Falar de si, elogiar-se e dar a si próprio um determinado lugar na história.

Estas aparições recorrentes, que se transformam em factos políticos graças ao vazio da oposição, são um problema para a direita. Fragmentada, longe do poder há demasiado tempo e condicionada por um racista ambicioso, está encalhada em personagens do passado – Pedro Passos Coelho e Cavaco Silva. Mas Passos ainda pode fazer alguma coisa por ela, regressando para a desforra. Uniria a direita e dividiria profundamente o país. Já Cavaco Silva faz o que sempre fez: esmagar, com a sua douta banalidade, quem à sua volta queira brilhar. E sublinhar que o PSD, centrado nas protagonistas do passado, vive numa confrangedora ausência de futuro.»

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17.9.23

Museu em Aveiro

 


Museu de Arte Nova (Casa Major Pessoa), Aveiro, 1907-1908.
Arquitectos: Augusto da Silva Rocha e Ernesto Korrodi.

Daqui.
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Exactamente, senhor Presidente

 


(Marcelo no Canadá)
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Segredos e desigualdades

 

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Cuidado com os velhos punks

 


«A terceira idade é a idade da libertação. Como não vai haver quarta, a ambição é urgente: é morrer livre. E passar os últimos anos a aprender e a praticar essa liberdade, para vingar os anos todos em que se viveu preso, preso às regras e expectativas dos outros, a começar por aquelas a que nos prenderam os nossos pais.

Um velho livre, a votar e a fazer merda, a bater com o pé e a dominar invejavelmente as redes sociais e a Internet é um perigo. É o pesadelo de quem trabalha: velhos anarcas a esbanjar a fortuna de que dispõem, o tempo.

Na nossa sociedade, são tão mal tratados os velhos, que é inexplicável que não sejam punks, velhos anarcas a bater com os cajados nos tejadilhos dos carros que lhes barram o caminho, a exigir regalias que ninguém lhes possa dar.

O mal dos velhos é o mal de toda a malta: não se organizam. Sendo punks anarcas, cada um puxa para si próprio: os outros que se organizem, mas deixem-me em paz!

A terceira idade é a idade das urtigas. É o tempo de mandar tudo e toda a gente para as urtigas. Já se sabe que não irão mas tivemos, pelo menos, a satisfação de os mandar para lá. Esta semana libertei uma velha Lacoste cheia de buracos. Em vez de ir para o lixo, ficou como bata de pintor.

Sabe muito bem não me preocupar com as manchas de tinta. A verdade é que vai ficando cada vez mais gira, parecendo um Jackson Pollock. Mas um Jackson Pollock feito por Cecilia Jimenez, a punk de 82 anos que restaurou-destruiu aquele fresco de Jesus.

O pior é quando me esqueço que a tenho vestida: é tão confortável, como toda a roupa muito velha (velhos são os trapos e ainda bem), que saio para a rua como se estivesse apresentável.

Quanto mais digo aos vizinhos que “estou a pintar!”, mais eles acham que eu pirei. Já reconheço à distância todas as sílabas galegas da frase “coitadinho, já não sabe o que faz”.

Também devo marimbar-me para o que pensam os outros? Ou terei de fingir que me envergonho do meu pólo de pintura?»

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