30.10.21

Uma greve em 1910

 


Greve da Caris, 14.11.1910, Lisboa.
Fotografia de Joshua Benoliel, AML.
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A realidade pura e dura

 


Este «boneco» tem anos e já serviu em várias situações. A actual é apenas mais uma.
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Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto

 

«Sim, a geringonça acabou. Mas não foi agora, e muito menos com o voto do Orçamento. A geringonça já não existe há dois anos. Morreu na madrugada de 11 de outubro de 2019 – já com um novo Parlamento eleito – através de um comunicado do Partido Socialista anunciando a recusa de qualquer acordo escrito para a nova legislatura.

Ao fazê-lo, um dia depois de uma reunião com as confederações patronais, e sublinhando que mexer nas leis laborais não era “prioritário”, o PS recusava a proposta do Bloco de um acordo escrito para os 4 anos, que permitiria estabilidade política e enquadrar a aprovação dos 4 orçamentos da legislatura.

A estratégia de António Costa era não ter nenhum compromisso estável com a esquerda, podendo escolher as alianças que entendesse na Assembleia durante o ano, em geometria variável, e obrigar a esquerda a aprovar os seus orçamentos sob a chantagem da “crise política”, sem ter necessariamente de incorporar nenhuma proposta das esquerdas que não encaixasse já no seu programa, limitando-se a negociar “ritmos e modos” do que já era agenda sua.»

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Os tostões e as salsichas

 


«Há uma frase que se atribui ao político prussiano Otto von Bismarck, que nunca perdeu a atualidade: “As leis, como as salsichas, deixam de inspirar confiança à medida que sabes como são feitas”. As salsichas, claro, são normalmente mais saborosas do que as leis orçamentais, mesmo que estas sejam condimentadas com bastante mostarda. Ninguém pede, no seu juízo perfeito, que o OE seja uma salsicha gourmet. Desde o Orçamento do queijo Limiano que todos perdemos essas duvidosas esperanças. Afinal o OE serve sobretudo para dar um ar asseado ao Governo junto dos cidadãos, das corporações e dos investidores estrangeiros. E para dividir diferentes doses de salsicha pelos sedentos ministérios. O OE é um atestado de idoneidade pública. Se é verdadeiro, só se sabe depois de se comer a salsicha. Em Portugal tem sempre o mesmo sabor: é a fonte dos impostos. É um conjunto de intenções de curto prazo, que serão patrioticamente incumpridas nos meses seguintes pelas cativações. Nada nos diz sobe estratégia (por exemplo, qual é o plano para o futuro do SNS, coisa com que ninguém parece estar minimamente preocupado mesmo depois da pandemia), e tudo sobre negócios táticos. O OE é fast-food servido nas barracas de bifanas antes dos jogos de futebol.

Por isso causa tanta discussão: cada partido entende-o como uma patuscada, onde é possível garantir um pouco de feijoada para distribuir com o seu clube. O país rói as unhas: sem OE cai o Governo? Se cair, levanta-se a oposição? A única coisa certa é que estes últimos dias mostraram que cheira a fim de ciclo. O enebriante patchouli do empobrecimento segue dentro de momentos, porque a inflação vai aparecer mais depressa que a próxima temporada do “Dead Man Walking”. A bazuca é uma pistola de bolinhas de sabão. A sociedade portuguesa ameça tornar-se irrespirável a curto prazo.

Um Estado e sociedade que vive de impostos e não tem forma de os aliviar, pela forma como sempre foi estruturada desde há séculos, não tem muito para distribuir pelas diferentes fações. A que é que se assistiu nestas últimas semanas? Dançou-se animadamente no andar superior do prédio, e todos manifestaram um profundo desprezo pelo sossego dos infelizes vizinhos, que são os portugueses, que olham apavorados para o que o aumento dos preços da energia vai trazer. Os inspirados salvadores do país estão, claro, preocupados com outras coisas. Não com a falta de carapau ou de costeletas. Mas sim com a abundância de possíveis ministros, que devem estar a chegar de comboio ao Rossio, se este não atrasar, como é habitual. Por alguns devem poder pagar-se preços exorbitantes, mesmo em segunda mão, para distribuirem justa e equitativamente, para os mesmos de sempre, os fundos da bazuca. Isto se o “rating” da dívida não cair, os juros não subirem e se o BCE não deixar de comprá-la.

Tal como dizia Stevie Van Zandt, o fiel escudeiro de Bruce Springsteen na E Street Band, “o rock é uma espécie em vias de extinção”. Podemos associar o rock à classe média, onde emergiu na década de 1950 fruto do poder de compra dos jovens que compravam guitarras e se juntavam para criar. Hoje, a música é predominantemente eletrónica, hedonista e individual, como a sociedade. Há pouco espaço para núcleos criativos como os de Lennon/McCartney/Harrison nos Beatles. Há cantores e poucos grupos. Stevie Van Zandt sabe do que fala: ele era Silvio Dante, o gerente do club de striptease dos “Sopranos”, que sonhava com o estilo dos anos 50 e pugnava pela economia subterrânea. O rock foi o símbolo da classe média, do estado de Bem-Estar e da mobilidade social. Uma coisa é certa: o rock poderá acabar, a classe média também, mas os impostos sobreviverão em Portugal. Com ou sem este OE.

A discussão do OE, onde se negoceiam as tristes migalhas de um país pobre, acontece numa época em que Mark Zuckerberg anunciará um novo Facebook com base no metaverso. Isto é: pretende transladar o mundo real para um mundo virtual sem limites e onde haverá de tudo, gerido claro, pelo intelectual Zuckerberg. Escusava de inventar isso. A elite nacional já o inventou, sem tecnologias de Silicon Valley. Criou-se um mundo virtual, onde a todos é prometida a felicidade, no meio da pobreza real. Será possível continuar a conciliar os dois mundos?

Há muitos anos, o grande grupo português A Banda do Casaco gravou um tema ácido: “O Enterro do tostão”. Foi antes do fim do escudo, foi anterior ao nascimento do euro. Cantava-se: “Ai venham todos, ai venham já, que este jardim está ao Deus dará, ai venham todos, ver como isto é, que este jardim anda ao giroflé”. Estávamos em 1978 e caminhávamos para a primeira intervenção do FMI em Portugal. O enterro do tostão era, na realidade, o dobrar dos sinos por todas as esperanças. A pretensa elite nacional não aprendeu nada.»

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29.10.21

As Castanhas



 

Vendedor de castanhas assadas, Praça de Dom Pedro IV, Lisboa, 1907.
Fotografia de Joshua Benoliel, CML.
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Ilusões

 


Daniel Oliveira, Expresso, 29.10.2021
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Paulo Pedroso sobre o estado da arte

 


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Mais vale rir

 

Amadeu Melo no Facebook

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Estava escrito

 


«As duas grandes surpresas de António Costa foram a pandemia e o PCP. Quando, saindo das eleições de 2019, recusou fazer acordos escritos à Esquerda, optando por navegar à vista de BE e PCP, Costa tinha um grande objectivo: preparar o terreno para uma crise política em 2021, obrigando a eleições antecipadas que lhe proporcionassem uma maioria absoluta.

Após aprovar o primeiro Orçamento do Estado (OE) da legislatura, o BE sai da solução governativa desencantado com as negociações do OE21 e com a falta de cumprimento das promessas contidas e inscritas no OE anterior que viabilizara. Sustentado sobretudo na vontade de Jerónimo de Sousa, o PCP resiste, dividido e a custo, ao lado da governação socialista. Entretanto, a pandemia instalara-se e o hiato social a que a covid-19 obrigou suspendeu a política e a premeditação táctica de António Costa.

No choque frontal com a realidade, o Governo voltou a encarar as negociações do OE como um simulacro, certo de que os comunistas não teriam a coragem de romper com a aprovação do OE22 numa altura em que, com um momento pandémico ainda suspenso, haveria que preparar a retoma económica. Nessa expectativa, era acompanhado pelo presidente da República (PR) que, há meses, garantia que o novo Orçamento não iria chumbar e antevia até a possibilidade do BE se juntar à viabilização. Perante a falta de vontade negocial do Governo, BE e PCP rejeitam o OE22. E se o primeiro-ministro queria eleições em 2021, aqui estamos por caminhos ínvios. A crise política que António Costa ambicionava chegou.

A reunião entre BE e a CGTP minutos antes do PCP anunciar a sua posição, retirou qualquer suspense ao anúncio da rejeição. Chegava o momento de saber, em 48 horas, se António Costa alguma vez quis negociar ou se, perante a proclamação antecipada de eleições antecipadas por parte de Marcelo, seguia a narrativa à risca, apostando tudo numa crise política-orçamental que a elas conduzisse. E a narrativa é bem clara quando acompanhada de factos. No último ano parlamentar, o PS votou mais vezes ao lado do PSD, CDS, PAN e IL do que com os seus "aliados" parlamentares. No penúltimo ano parlamentar, PCP e BE aprovaram a grande maioria das propostas do PS, tendo os socialistas votado contra quase todas as iniciativas desses partidos. Estava escrito. Depois de 2019, o PS encarava comunistas e bloquistas como muletas de poder. Tentava alianças à Esquerda para votar com a Direita.

Acusar PCP e BE de tacticismo e de falta de responsabilidade política e, simultaneamente, de terem sido reféns do PS durante anos é uma contradição insanável. Perante o PR que elogiou as "cedências" do Governo e antecipadamente-se-apressou-a-antecipar eleições, exportou o sabor do "queijo limiano" para a Madeira e recebeu Paulo Rangel horas antes do voto do Orçamento (dele recebendo a sugestão de duas datas "faz de conta que discordo" para eleições), sobra a certeza de que a narrativa de António Costa, a dado momento, teve um cúmplice.»

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28.10.21

O Rossio

 


Série “De volta à Cidade”. Praça do Rossio, Lisboa, décadas de 50/60.
Fotografia de Artur Pastor
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Marcelo, o árbitro

 

«Esta semana, ficou claro que Marcelo Rebelo de Sousa quer ser um jogador no que vai acontecer nos próximos meses. No PSD e fora dele. Será mais um momento de reflexão para António Costa, que lhe deu um apoio informal nas últimas eleições, confirmando que a ideia do bloco político à esquerda começa e acaba no dever de aprovar Orçamentos do Estado. Mais um caso em que o primeiro-ministro tropeçará na sua própria habilidade tática. Marcelo, nesse ofício, é o mestre e não o aluno.» 

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«Eu é que sou o Presidente da Junta» e está tudo normal

 

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O Presidente de Alguns Portugueses

 


«Com espanto, os portugueses (e, em especial, os que o elegeram) viram Marcelo a urdir a trama de uma crise provocada por si próprio. Em 2015, quando se candidatou pela primeira vez, esforçou-se para desmentir as acusações de gerador de mal-entendidos e de intrigas, jurando que iria ser um promotor de estabilidade. Em 2016, foi reiterando esse compromisso, ao ponto de até elogiar, em 2017, a estabilidade governativa gerada pela “geringonça”. Ao recandidatar-se, reforçou essa promessa. Há bem pouco tempo, jurava que a reconstrução económica e a recuperação da pandemia exigia a manutenção dessa estabilidade governativa.

Sucede que Marcelo revela ser igual a todos os outros. Ou melhor, igual a si próprio.

O início do seu novo mandato presidencial revela o óbvio: que os Presidentes tendem a revelar uma partidarite aguda no segundo mandato, mal se veem reeleitos e percebem que estão livres para impor a sua visão do mundo e promover os que lhe estão (ideologicamente) próximos.

Em 13 de outubro de 2021 – ou seja, apenas 2 dias após a entrega da proposta de orçamento –, profere declarações públicas através das quais ameaça dois partidos políticos que não o apoiaram na reeleição presidencial com a dissolução do parlamento. Tentaram dizer alguns (e insinuou o próprio) que só o fez ao abrigo da sua magistratura de influência, alegadamente para contribuir para o desenlace bem-sucedido do processo orçamental.

Mas, afinal, que capacidade de influência teria Marcelo sobre partidos como o PCP e o Bloco de Esquerda?!? Que influência tem um Presidente que foi eleito contra os programas ideológicos e os candidatos apoiados por aqueles partidos? Que influência tem um Presidente que prefere receber, em surdina, o opositor do líder do principal partido de oposição e o recém empossado Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, enquanto o parlamento debate o Orçamento?

Dúvidas não restam: Marcelo tornou-se num Presidente de fação. Um Presidente que promove e despromove atores políticos. Um Presidente que se imiscui na luta partidária do próprio partido. Um Presidente que quer fazer e desfazer maiorias.

Sejamos, claros: não há uma única norma (ou sequer precedente) constitucional que legitime um Presidente da República que prometeu velar pela estabilidade política a dissolver uma Assembleia da República que não conseguiu aprovar uma primeira versão de Orçamento do Estado.

Pior do que isso, a nova Lei de Enquadramento Orçamental – que, aliás, foi promulgada pelo próprio Marcelo, em 12 de agosto de 2020 (e que, portanto, o mesmo não pode desconhecer) – estabelece que, em caso de não aprovação, continua a vigorar o Orçamento anterior até que o Governo apresente nova proposta [cfr. artigo 58.º, n.º 1, alínea d)].

A dissolução do Parlamento deve ocorrer em duas circunstâncias: em caso de ingovernabilidade e em caso de contestação social generalizada.

Ora, o próprio Governo já garantiu que, ainda que o Orçamento seja chumbado, mantém condições (e vontade) para governar. Mais do que isso, nenhum dos partidos que têm apoiado medidas legislativas e governativas concretas apresentou qualquer moção de censura ou reclamou a convocação de novas eleições. Por fim, não há qualquer movimento social significativo que as reclame, tendo a esmagadora maioria da população sido apanhada desprevenida pelas declarações insensatas do Presidente da República.

A Lei de Enquadramento Orçamental é claríssima, garantindo que a não aprovação, à primeira tentativa, de um Orçamento não provoca uma crise política. Por exemplo, aquela lei permite ao Governo:


27.10.21

Geringonça – Ninguém pode ser o que não é



 

Eu criei e divulguei esta imagem em 2019, logo a seguir às eleições.

Na minha opinião, o erro foi não se reconhecer e assumir, na teoria e na prática, que a Gerigonça acabou nesse momento e ter-se corrido atrás de prejuízos nestes dois últimos anos. Aquilo a que assistimos hoje foi o péssimo desfecho dessa realidade.

Ninguém pode ser o que não é.
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Quem matou a geringonça?

 

«Quando em todos estes seis anos o ministério das Finanças usou, de forma sistemática, excessiva e arbitrária, a cativações de verbas e eliminou na prática o financiamento atempado de muitas medidas que tinham sido acordadas com os partidos que viabilizavam o governo de minoria, deu rajadas de metralhadora na geringonça. (…)

Quando na discussão deste Orçamento do Estado o governo apresenta um documento que nem PCP nem Bloco de Esquerda têm condições de aceitar, por não garantir a aplicação imediata de inúmeras propostas em discussão, como as creches gratuitas para todas as crianças, o aumento extraordinário e abrangente de pensões, o baixar o IVA da electricidade, entre muitas outras, liquidou a negociação. Este foi o tiro de bazuca que matou, de vez, a geringonça. (…)

A geringonça morreu porque António Costa fez por isso, desde há bastante tempo, provavelmente porque acha que vai ganhar com eleições antecipadas.»

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Um debate de Orçamento musicado

 


Ontem, António Costa citou uma canção de Jorge Palma, esta manhã Marta Temido já recorreu a José Mário Branco, aceitam-se apostas para saber quem, esta tarde, chegará a «Os Vampiros».
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Entregar o país às mãos da direita?



 

«Ao ouvir a líder parlamentar do PS, repetida pelo ministro das Finanças e outros, anunciar que a falta de acordo sobre o Orçamento entrega o país “às mãos da direita”, lembrei-me de um filme de Woody Allen, Match Point, em que o criminoso não sabe se o seu ato vai ser descoberto ou ficará ocultado, como se fosse uma bola de ténis que, por um fugaz instante, se sustenta em cima da rede, não se adivinha para que lado cairá. Um passe de mágica desse tipo foi ontem evocado, embora num caso conclusivamente (por Jerónimo de Sousa) e noutro soturnamente (o inevitável Carlos César com a sua magia negra). Ora, a incerteza da bola de ténis vem de algum lado e vale a pena perceber como se instalou, ou como leva a dirigente do PS a proclamar a sua derrota antecipada.

Talvez não seja difícil encontrar a resposta. Se estamos nesta confusão no último dia antes da votação na generalidade, que decide o Orçamento, é simplesmente porque, ao não cumprir muitos dos acordos anteriores, o Governo criou uma desconfiança enraizada, mas também porque discutir um Orçamento em corrida num par de semanas é garotice, tanto mais quanto permanecem tabus irrevogáveis para o Governo (a alegação de que a Comissão Europeia não deixa mexer nas regras do despedimento é o mais curioso desses tabus).

Esta espécie de processo acirrou os conflitos, deu pouco espaço a negociações, incentivou os participantes a marcarem as suas posições em público e levou mesmo o Presidente a precipitar o anúncio de um cenário de eleições quando ainda a conversa ia no adro. E, no essencial, bateu num muro, que foi a recusa do Governo em aceitar mais do que ajustamentos pontuais na Saúde e no Trabalho.

É certo que a discussão do Orçamento se deslocou para terrenos diferentes dos anteriores, o que aliás sugere que melhor teria sido que a esquerda tivesse convergido há um ano para o pressionar, com mais tempo e até melhor relação de forças. Assim, não sendo surpresa que o Bloco propusesse medidas estruturantes na Saúde, Segurança Social e Trabalho, pois já o tinha feito tanto ao sugerir um acordo escrito de legislatura que incluísse essas questões, como no ano anterior no debate orçamental, o que o Governo rejeitou de uma penada, a novidade passou a ser o PCP propor neste contexto orçamental medidas que incluem as leis laborais, o que até hoje se recusara a fazer e até condenara como inconveniente.

O tabu das leis laborais ruiu com fragor e o Governo foi forçado a desdizer o seu interdito anterior, embora se limite, em alguns casos, a sugerir soluções estranhas, como a do prolongamento da suspensão da caducidade automática dos contratos coletivos, como forma de evitar o fim dessa regra. É como uma anedota antiga, a de um politico que diz que a caducidade não se aplica, mas a norma que a aplica tem de continuar e é fundamental que continue, pois a lei é para se aplicar ou não.

De todas estas questões, será na Saúde que melhor se verifica a dimensão da incapacidade do Governo em resolver problemas: 17 milhões de horas de trabalho suplementares até setembro, resolvidas com a promessa de pagar melhor a quem faça mais de três meses de horas extraordinárias, 130 milhões pagos a tarefeiros nas urgências hospitalares, blocos operatórios fechados, demissões em catadupa, enfermeiros e outros profissionais em contratos a prazo e mal pagos, a promessa de um regime de “dedicação plena” num futuro indefinido e que aceita o pluriemprego nos hospitais privados.

Acrescentando-se que as promessas anteriores, e foram muitas, não são cumpridas: tínhamos em setembro, para os cem hospitais e centenas de centros de saúde do SNS, só mais 179 médicos do que quando a pandemia se iniciou, com o número de utentes sem médico de família a ultrapassar o milhão. O SNS tem sido meticulosamente triturado pelo ministério das Finanças. Não sei se o Governo imaginava que a Saúde não seria um tema essencial da negociação dos partidos de esquerda, ou que estes se contentariam com algumas vagas promessas de um futuro risonho sem exigirem medidas imediatas que recuperem o SNS e o protejam no futuro. Ora, se Costa pensava que bastava repetir as manobras do passado, enganou-se. O incumprimento dos acordos anteriores deixou marcas irrevogáveis.

Há uma narrativa para justificar esta negociação apressada, é que o Governo tinha um parceiro com quem fazia negócios de cavalheiros e não era preciso contratos escritos. A repetição dessa condescendência, que é uma forma de cinismo destrutivo, como aqui escrevi, só podia conduzir a este resultado, um confronto amargo. Chega sempre um dia em que o que conta são mesmo as soluções e nenhum governo, ou partido, pode resistir ao desgaste de acordos incumpridos, ou da evidência da fragilidade das respostas sociais ou da inconsistência das políticas de longo prazo, no emprego ou na transição energética.

Aqui está então a bola de ténis em cima da rede: se a líder parlamentar do PS antecipava que o fracasso da negociação “abriria a porta à direita”, ou provocaria uma crise política de resultados incertos, porque se colocou nesta situação em que perde sempre, quer perca as eleições (e o fracasso do Governo teria então aberto mesmo o caminho à direita), quer ganhe (o Governo voltaria à estaca zero e seria preciso encontrar novos protagonistas para uma nova negociação no mesmo triângulo)? A surpresa será ainda maior, a verificar pelas conferências de imprensa do Governo para castigar primeiro o Bloco e depois o PCP, mergulhando num passa culpas que é fatal para António Costa, por corroer a sua própria credibilidade e mostrar que não quer o que pode ou não pode o que quer, o que hoje se repetirá no debate parlamentar.

O anúncio da sua própria condenação pela líder parlamentar do PS e vários ministros, porventura aditivados hoje por fogo de barragem, revela simplesmente esta realidade: a direita nunca ganhará as eleições que o Presidente convocará, mas não é certo que o Governo não faça tudo para as perder.»

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26.10.21

Debate OE2022

 

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26.10.1969 – As primeiras eleições do marcelismo



 

Há 52 anos realizaram-se as primeiras eleições legislativas do marcelismo e muitos acreditaram que a tal «primavera» anunciada iria permitir que o processo eleitoral se passasse mais normalmente do que no passado, ou seja, com um mínimo de liberdade e de decência. Não foi o caso, como é sabido.

Apesar da velha querela de ir ou não às urnas, a oposição foi a votos – com resultados bastante modestos porque todo o processo foi marcado, uma vez mais, pela manipulação e pela arbitrariedade do governo. Concorreu-se em duas frentes – CDE e CEUD –, depois de um longo processo de alianças e dissidências. As divergências giravam, não só mas fundamentalmente, à volta do processo para escolha de nomes para candidatos. A CEUD propunha uma escolha em «perfeita paridade», feita a nível das duas Comissões, a CDE, mais «basista», defendia «uma concepção de representatividade construída a partir “de baixo”, devendo por isso os candidatos a deputados ser apenas a resultante da aplicação sistemática do princípio electivo em todos os escalões, a partir da base» (Comunicado da CDE, publicado em alguns jornais de 11 de Setembro de 1969.)

A cisão acabou por acontecer, apesar de muitas tentativas para a evitar, mais ou menos convictas conforme os intervenientes, e consubstanciadas em múltiplas e longuíssimas sessões. No que se refere a Lisboa, lembro-me de uma delas (terá sido a última?), relativamente restrita, que se realizou em casa de Salgado Zenha. José Tengarrinha e Mário Sottomayor Cardia (que, tacitamente, representavam o PCP) foram os mais empenhados em manter a unidade, desdobrando-se em sucessivas propostas de conciliação. Sem sucesso.

P.S. – Alguns podem estar interessados em conhecer, ou relembrar, o «Resumo do programa político da Comissão Democrática Eleitoral do Distrito de Lisboa».
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Paulina Chiziane - «Eu vim do chão»

 

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E se agora o problema do PS for António Costa?

 


«Coisas extraordinárias acontecem por razões circunstanciais. A “geringonça” aconteceu porque António Costa precisava do apoio do PCP e do BE não apenas para governar, mas para ter legitimidade política para o desejar. Como acontece nestes momentos, as oportunidades de alguns juntam-se às convicções de outros.

Fui dos que, muito antes da “geringonça”, defenderam que era tempo de, tantos anos passados do PREC, romper com a incomunicabilidade à esquerda. Como acontecera há tanto tempo em França e noutras paragens. A vantagem daquele momento era óbvia: o PS estava frágil e obrigado a desistir da sua arrogância hegemónica, os partidos à sua esquerda sentiam a pressão do trauma com a troika e o programa estava feito à partida: reverter a austeridade (com a resistência, sintomática num dos poucos partidos socialistas europeus sem implantação sindical significativa, de voltar atrás nas leis laborais).

Como as circunstâncias podem operar mudanças estruturais, aqueles quatro anos podiam ter feito mais do que quebrar um tabu, o que já não era pouco: podiam ter criado um novo ciclo na história política portuguesa. Era necessário que fosse essa a vontade de todos, a começar pelo partido dominante à esquerda.

Em 2019, com responsabilidades do PCP, António Costa recusou qualquer acordo escrito. A partir daí, acabou o diálogo sistemático entre os partidos de esquerda. Estando em primeiro lugar, Costa sentia que já não precisava de tanto. Bastava a gestão tática de cada momento, para eternizar um governo minoritário com as vantagens de quem tem maioria. E preparou a cama para isso. Recusou a proposta do BE para um acordo de legislatura, com o argumento de que isso não podia acontecer sem o PCP (sem sentido, porque o BE chegava para garantir a maioria).

Depois do primeiro Orçamento, deixou claro que não aceitava qualquer diálogo com o PSD. Votaria, como votou, ao seu lado grande parte das escolhas estruturais para o país. Mas exigia apenas e só o voto do PCP, do BE e do PAN, a quem continuou a chamar “parceiros”, para se segurar no poder. Os ingredientes para uma relação tóxica estavam criados. Extraordinário é que este pântano, que foi desejado e mantido muito para lá do que é saudável em relações entre partidos políticos, tenha durado até agora.

Sem nenhum acordo escrito e nenhum diálogo permanente em outras matérias, que permitam falar de uma maioria parlamentar minimamente coerente, restam os programas de cada partido. Todos legítimos, com o peso relativo de cada um. O PCP tem o seu e é por ele que responde aos seus eleitores. O BE igualmente. O PS, que também tem o seu, governa sozinho sem ter maioria para isso. Não é obra do acaso, mas do voto dos portugueses. Por isso, é ele que tem de negociar. Podia ter escolhido uma situação estável. Recusou-a expressamente, porque achava que vinham aí quatro anos de vacas gordas e tudo ia ser fácil. E porque Costa não gosta do Bloco de Esquerda e achou que o ia entalar, com a ajuda do PCP. Só de si mesmo se pode queixar. E, no entanto, é bom recordar o sectarismo que vai ser acicatado por estes dias em nome de um homem que foi determinando as escolhas do seu partido conforme os seus interesses políticos próprios, que Costa é primeiro-ministro há seis anos porque PCP e BE quiseram. Nos primeiros quatro anos, nem sequer teria sido nomeado para o cargo se não fosse essa a vontade de comunistas e bloquistas. Nos últimos dois, já teria caído.

PCP e BE não tinham, desde 2019, qualquer dever político ou moral de aprovar Orçamentos do Estado. Não mais do que qualquer outro partido. Não fazem, por vontade de Costa, parte de um bloco político comum – basta rever as últimas eleições presidenciais para que isso seja evidente. O critério do seu voto é, portanto, o de qualquer outro partido político: terem ganhos para aqueles que acham que representam. Não é o de se anularem para sustentar um governo que não apoiam, de que não fazem parte e que, fora destes momentos, não influenciam de qualquer forma.

A NEGOCIAÇÃO QUE O GOVERNO NÃO PODIA FALHAR

Durante seis anos, PCP e BE permitiram que o PS governasse sem ter de ceder em nada de fundamental da sua agenda. O PCP tem pago a sua “moleza”, que não lhe era habitual, com fortes perdas eleitorais. Que, para além de razões estruturais, resultam de uma sensação de redundância de um partido que perde capacidade reivindicativa. Paulo Pedroso, conhecedor do que mais relevante estava em causa nesta negociação, deu a saída, ainda antes do anúncio do voto contra: “A escolha está nas mãos de António Costa e é tão importante como aquela inicial, que fez dele primeiro-ministro, de acabar com o ‘arco da governabilidade’. Estarão António Costa e o PS prontos para verdadeiramente deixar o PCP avançar uma das suas causas que não partilhem, depois de seis anos em que o PCP quase nada pediu?”

Foi isso que Jerónimo de Sousa explicou na tarde de ontem: que estava na altura de ser o PS a ceder em coisas que não defende previamente. Não se trata de cedências que levam a um Orçamento do Estado despesista, mas que não podem deixar de ser exigidas por um partido que quer representar a luta organizada dos trabalhadores: voltarmos à lei laboral do tempo do PS, antes de Passos Coelho; e permitir que as convenções coletivas voltem a existir, para que a ideia de negociação entre sindicatos e patrões não seja uma mera concessão dos segundos.

A birra pública das associações patronais, que abandonaram unilateralmente a Concertação Social, e o subsequente pedido de desculpas do primeiro-ministro (que quase não conversa com sindicatos, como até a UGT se queixa), também público, não foi por causa de uma questão processual. Isso resolvia-se num telefonema. Foi um aviso público e uma resposta pública. Nesse momento, não tive dúvidas que não ia ceder ao PCP num tema que só na campanha da direita poderia levar a qualquer crise com a Comissão Europeia, neste momento. E que apostaria todas as fichas na multiplicação de títulos de jornais. De compromissos para 2024, numa futura legislatura, à suspensão da caducidade das convenções coletivas apenas enquanto o Governo precisa do voto do PCP, tudo valeu para o foguetório. A negociação tinha acabado. A fase do bullying e da propaganda tomava o seu lugar.

Depois de anos em que se esvaziou de influência, seja junto do Governo, seja fazendo-lhe oposição, foi o fim da linha para o PCP. Não é por cálculo eleitoral que BE e o PCP chumbam este Orçamento do Estado. Eles sabem bem que são os que mais votos perderão com isto. Nem é um suicídio. Um e outro debateram internamente o dilema que tinham pela frente. Será, quanto muito, cálculo político. Dois partidos não podem desistir da sua identidade e do programa em troca de um jogo anual de sobras e ilusões, chantagens e ultimatos, mantendo no poder uma solução de governo onde, apesar de serem indispensáveis, a sua capacidade de influência é mínima. Sabem que isso será pago não apenas pela sua inutilidade, a prazo, mas pela fuga de franjas de cidadãos esquecidos para outras paragens bem perigosas.

As pessoas mais distantes dos confrontos partidários, longe da campanha que se avizinha, tendem a ter um olhar mais lúcido. Como Paulo Pedroso, a antiga ministra Maria de Lurdes Rodrigues foi mais firme com os seus, que governam, do que com aqueles com quem o Governo tinha de negociar para continuar a governar. Explicando que esta negociação não podia falhar, escreve que “ou o PS e o Governo estão convencidos de que não há qualquer possibilidade de perderem eleições antecipadas (e a isso chama-se, para não dizer mais, excesso de confiança); ou desistiram de liderar os destinos políticos país.”

E mostra compreender o que estava em causa entre o PS e o PCP: “A minha desilusão não é com o BE ou com o PCP. A minha desilusão é com o PS e o facto de não se ter percebido que esta não é uma negociação qualquer. É uma negociação de tudo ou nada para o PS e para o PCP (e também para o sindicalismo que mais importa).” A principal exigência do PCP, que não se resolvia com uma suspensão que Costa prometia ser prolongada para além deste governo (mais excesso de confiança) e não com a evidente mudança da lei, era o recuo na lei laboral e o fim da caducidade das convenções coletivas. Chinês para a maioria das pessoas, absolutamente central para travar a degradação dos direitos de quem trabalha neste país, obrigando os patrões a negociar.

COSTA E MAIORIA PARA GOVERNAR

Volto a citar Paulo Pedroso, perante a opção do Governo não ceder a nenhuma das propostas fundamentais do PCP (e o PS bem sabia quais eram), ao fim de seis anos em que todas as conquistas que teve são atribuíveis ao PS, por em nada contrariarem as suas posições: “Se escolher não o fazer, António Costa contrai a obrigação de tentar ganhar as eleições antecipadas com maioria absoluta ou dar lugar a alguém que no PS se queira entender com a esquerda parlamentar.”

A grande dificuldade de Costa, nas eleições que aí vêm, é ter criado as condições para que o entendimento com os partidos à sua esquerda chegasse a um beco sem saída. Para o que foi avisado vezes sem conta, enquanto se entretinha com jogadas táticas de mestre. Os que acreditam na fantasia de maiorias absolutas têm a resposta do passado para isto: até ao PCP, a quem passaram seis anos a elogiar a responsabilidade e sentido de Estado, terão de chamar irresponsável, para tentarem ficar sozinhos à esquerda. Os que sabem que esse é um caminho sem caminho, têm consciência que Costa não terá grande coisa a dizer sobre a forma como vai ter maioria e, com isso, oferece-a à direita.

Podem tentar responsabilizar todos por este pântano menos quem, estando num governo em minoria, o deveria ter evitado e não quis, por achar que navegaria melhor à solta. Não podem negar o óbvio: que para reconstruir a única forma de a esquerda ter maioria em tempos em que as maiores absolutas acabaram, Costa não é, em 2021, a resposta. Podem os socialistas achar que todos os partidos estão em reflexão interna, menos o PS. Mas este é um debate para o PS. E uma reflexão para o próprio António Costa.»

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25.10.21

Quando a rainha chegou a Lisboa

 


Recepção à rainha Isabel II, Lisboa, Fevereiro de 1957.
Fotografia de Artur Pastor, Série “De volta à Cidade”.
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OE2022 – RIP?

 

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Malditos pobres que teimam em ser pobres

 


«Um governo que se diz de esquerda e existe há seis anos apoiado por socialistas e comunistas está no seu estertor preso à dura realidade de não ter sido capaz de mudar estruturalmente a vida dos pobres para que os seus descendentes não tenham de continuar a ser pobres. Reduziu-se a taxa de abandono escolar, o que é um ótimo sinal, mas falta conseguir o passo seguinte que é melhorar a qualidade do emprego para pessoas que chegam ao mercado de trabalho com melhores qualificações.

Dez por cento da população trabalhadora vive na pobreza (dados da Pordata referentes a 2019), confirmando ao mesmo tempo uma esquerda incompetente e uma direita intolerante que estigmatiza os pobres, acusando-os de serem responsáveis pela sua própria pobreza, por não quererem trabalhar. Como se vê!!!

Por mais que, ocasionalmente ou acidentalmente, o número de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza baixe, há décadas que, uns pontinhos para baixo ou uns pontinhos para cima, um quinto dos portugueses vivem na pobreza. E não, não insistam na tese liberal de que é preciso primeiro aumentar a riqueza, porque o mesmo estudo da Pordata serve para nos lembrar que fechámos a década anterior aumentando outra vez a desigualdade, sendo que os 20% mais ricos ganharam cinco vezes mais do que os 20% mais pobres.

Os pobres e uma parte da classe média-baixa vive em habitações sem qualidade, casas onde acontece pelo menos uma de três coisas: um telhado que deixa entrar água, paredes/soalhos/fundações húmidos ou apodrecimento dos caixilhos das janelas ou do soalho. O que mais deveria envergonhar esquerda e direita é o facto de nestas casas viverem milhares de crianças que nunca saberão o que é a igualdade de oportunidades. Estão condenadas pela casa onde vivem, pelo apoio familiar que lhes falta, pela impossibilidade de acesso às novas tecnologias, pela falta de uma alimentação saudável e equilibrada.

Se somos incapazes de apontar o dedo a estas crianças, não aceitando imputar-lhes culpa pela sua condição de pobreza, é importante que quando somos confrontados com a pobreza em idade adulta procuremos perceber a sua condição à luz do seu percurso de vida. A discriminação pela pobreza é a mais comum das discriminações. Os que recebem abono para os filhos, RSI, ajuda alimentar de instituições de solidariedade, não ficam ricos com tantas "benesses", continuam pobres e sem condições de garantir que os seus filhos vão conseguir sair da espiral de pobreza onde também eles foram criados. Não, pobre não é quem não quer trabalhar. Pobre não é quem quer, mas quem não consegue deixar de ser.

A direita que estigmatiza a pobreza, ancorada num discurso extremista e de ódio contra os que necessitam de apoios sociais, ou a esquerda que sequestra os pobres para alimentar a sua agenda política beneficiam da perpetuação da pobreza que alimenta a sua clientela política, parte dos seus eleitores. Não se atrevam a dizer que a culpa é das vítimas. Nada devia envergonhar mais um país que se prepara para celebrar 50 anos de democracia do que este chip que se coloca nos pobres quando nascem e os acompanha ao longo da vida, como quem procura ter a certeza de que a pesada herança vai passar de geração em geração.»

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24.10.21

É isto que o governo não aceita?

 

Rosa Parks

 


Rosa Parks morreu em 24 de Outubro de 2005, com 92 anos. Era costureira, vivia em Montgomery e apanhava todos os dias o mesmo autocarro. A história é conhecida: no dia 1 de Dezembro de 1955, a parte da frente do mesmo, reservada a passageiros brancos, já não tinha nenhum lugar vago e o condutor ordenou que Rosa se levantasse e cedesse o seu. Recusou e foi presa, facto que desencadeou uma reacção em cadeia, nomeadamente o boicote dos autocarros de Montgomery durante um ano.

Mais informação e vídeos AQUI.
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Metaverso?

 


Vão-se habituando à ideia.

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O esgotamento do “espírito de 2015” e de António Costa



 

«Há um documentário excepcional de Ken Loach (o cineasta que foi recentemente expulso do Partido Trabalhista, agora liderado pelo inepto Keir Starmer) chamado “O Espírito de 45”, que explica as razões profundas da vitória esmagadora dos trabalhistas nas eleições 1945, derrotando Churchill e o Partido Conservador. Vários historiadores já se debruçaram sobre o fenómeno: não foi o povo britânico a revelar a sua “ingratidão” a Churchill depois da vitória na II Guerra. Foi Churchill que não percebeu que o povo britânico, depois do esforço hercúleo da guerra, precisava que as suas miseráveis condições de vida mudassem. Havia um movimento em crescendo em defesa de um estado social, ancorado no famoso “Relatório Beveridge” – um alto quadro do “civil service” que nem sequer era trabalhista, mas do Partido Liberal – que vendeu milhares de exemplares. Churchill não o leu, nem percebeu o ar do tempo.

O fantasma do comunismo que Churchill agitou na campanha (chegou a dizer que se o seu ex-vice primeiro-ministro Clement Attlee ganhasse as eleições de 45 seria criada na Grã-Bretanha uma espécie de Gestapo) não assustava ninguém. Afinal, na época, a União Soviética era um país aliado de guerra, o Exército Vermelho tinha sido fundamental na vitória sobre os nazis e Estaline até era ternamente conhecido na ilha por “Uncle Joe”, o petit-nom que também Churchill usava em cartas privadas. De qualquer forma, o futuro primeiro-ministro trabalhista Clement Attlee e o seu número 2, o sindicalista e depois ministro dos Negócios Estrangeiros Ernest Bevin, eram pelo menos tão antiestalinistas como Churchill. Attlee lideraria uma “revolução socialista” na Inglaterra, fundando o Serviço Nacional de Saúde e estatizando indústrias essenciais, ainda que a austeridade e o racionamento se tenham mantido. Havia que pagar as contas da guerra e Keynes foi enviado para negociar um novo empréstimo com os americanos. A vida dos trabalhadores britânicos não mudou de um dia para o outro, mas o espírito de 1945 impulsionou o nascimento do Estado Social. Até Churchill, quando volta ao poder em 1951, não toca no NHS nem desata a privatizar tudo outra vez.

Mas porque é que o “espírito de 45” se esgotou e levou à derrota dos trabalhistas seis anos depois? Clement Attlee está cansado e doente, o seu braço-direito Ernest Bevin morre, e o Labour está muito dividido entre uma ala direita que tinha o apoio de Attlee e uma ala esquerda forte liderada por Aneurin Bevan (o ministro da Saúde que fundou o NHS) que acaba por abandonar o Governo em protesto com o corte da despesa pública e a introdução de taxas moderadoras em alguns serviços de saúde.

A esperança que “o espírito de 2015” trouxe a Portugal tem muitas similitudes com “o espírito de 45”, obviamente sem uma guerra. É um facto que a coligação PSD/CDS conseguiu o feito excepcional de ter mais votos do que o PS, mas a formação de um governo a partir da maioria parlamentar correspondeu a um desejo de cortar com o passado da troika. Os líderes dos três partidos perceberam o “espírito de 2015” e conseguiram estabelecer entre si uma relação de confiança. Mas essa confiança esgotou-se há muito, mais ou menos pela altura em que o PS achou que podia conseguir a maioria absoluta e dispensar aqueles que tinham (percebia-se agora) sido apenas instrumentais para chegar ao poder. Se as relações entre Governo e Bloco de Esquerda atingiram o ponto de não retorno no ano passado (e bastava assistir ao último congresso do BE para perceber que era um caminho sem regresso) é muito difícil o PCP ficar colado a um Governo de um país em que um terço das pessoas que estão na pobreza têm contratos de trabalho estáveis. Como disse o deputado António Filipe na SIC-Notícias, um país com uma grande percentagem de descontentes, “é susceptível de levar as pessoas a serem atraídas por populismos”, “como vários países têm demonstrado”. Costa pode pedir muito ao PCP, menos que morra de vez.

É possível que um milagre evite eleições. Mas, a menos que aconteça um segundo milagre – a maioria absoluta que agora parece uma miragem - o esgotamento do “espírito de 2015” é também o esgotamento da liderança de António Costa. E esse é o elefante no meio da sala. Quando Costa criou o tabu dos dois anos, talvez já tivesse consciência disto.»

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