«O Expresso fez duas sondagens que nos dão algumas pistas quanto ao estado da arte da política nacional.
Sobre as legislativas, que ainda virão muito longe, há menos a dizer, a não ser que pouco ou nada mudou. O que até nem é pouco. Depois da chuva de dinheiro, de que não discuto a justiça, para professores, forças de segurança, IRS jovem e menos jovem, reformas e Scuts, tudo dificilmente repetível, o PSD não descola. E, como se sabe, é indiferente quem aprovou. O beneficiado é sempre quem governa.
A economia estava bem e melhorou e houve descida das taxas de juro. Mesmo assim, 41% dos inquiridos fazem uma avaliação positiva do governo, 45% negativa. Isto não deve ser comparado com o primeiro ano de outros governos, mas com o primeiro ano de outros ciclos. Com 2016, quando a “geringonça” era francamente mais popular.
Devemos ter alguns cuidados. Tudo isto foi antes dos casos das malas e das mães despedidas, que não sabemos quanto afetou o Chega e o Bloco. Foi antes da entrevista de Pedro Nuno Santos, que não sabemos se teve efeitos positivos, negativos ou muito provavelmente neutros. Antes da primeira demissão neste governo, que a comunicação social tratou com simpatia. Mas a verdade será mais ou menos esta: está tudo na mesma.
ALMIRANTE E VENTURA: SABEMOS POUCO, SABEMOS DEMAIS
Já a sondagem das presidenciais diz mais. E é relevante, não por nos anunciar quem pode ganhar, mas por condicionar a apresentação de candidatos. Há que dizer, no entanto, que os candidatos não estão todos nas mesmas circunstâncias. Três são óbvios e praticamente anunciados. O do PS é ainda é uma incerteza. A meio do trabalho de campo até Mário Centeno ainda era uma possibilidade. É preciso fazer este desconto.
Duas coisas saltam imediatamente à vista: Gouveia e Melo entra no eleitorado do PS e do PSD (é um candidato transversal) e André Ventura segura de forma assinalável os eleitores do Chega (ao contrário de outros candidatos do seu partido, como seu viu nas europeias). Ainda assim, a taxa de rejeição de Ventura é tão alta que não me parece que haja qualquer risco de vir a vencer. Na realidade, seria o oponente ideal para Gouveia e Melo, numa segunda volta.
Mesmo assim, há, neste momento, um risco de termos uma segunda volta entre um candidato que desconhecemos em quase tudo o que é importante para o cargo – comportamento e pensamento políticos perante quase todos os temas que passam por Belém – e outro que conhecemos demasiado bem.
Apesar do susto que Ventura provoque, não devemos negligenciar os riscos do desconhecido, sobretudo quando 59% dos inquiridos esperam um Presidente mais interventivo. Escolher, num momento de enorme instabilidade interna e externa, um Chefe de Estado sem qualquer experiência política ou cívica (a sua popularidade resulta do sucesso de uma operação logística, irrelevante para um cargo que exige grande conhecimento dos intervenientes institucionais e partidários), seria de uma enorme temeridade. Só que as sociedades ocidentais parecem dominadas pela atração pelo abismo.
Se não há qualquer risco de André Ventura vir a ser Presidente da República e 2026, o risco de ir à segunda volta também é, apesar desta sondagem, baixo. Sem que o PS tenha candidato escolhido, e estando as duas pessoas de que se fala fora do espaço público quotidiano há bastantes anos, ficam a pouca distância de Ventura, que aparece próximo do seu máximo potencial. Não será complicado ultrapassá-lo. Como Ana Gomes fez, sem sequer ter apoio do PS.
PRESSÃO SOBRE O CENTRÃO
Ainda assim, a relevância desta sondagem é a pressão que põe sobre o PSD e o PS. Há uma possibilidade, mesmo que improvável, de ninguém do espaço democrático previsível ir à segunda volta. Como temos aprendido nos últimos anos, este tipo de sustos, celebrados pelos que ainda se dão ao luxo da ingenuidade, abanam a democracia sem nunca a melhorar. Não é porque os agentes políticos sejam burros e não entendam o que se passa que o efeito não é terapêutico. É porque o contexto não é favorável à democracia e estes momentos apenas servem para dar força aos seus inimigos.
O primeiro aviso seria para o PSD, mas já não vai a tempo. Luís Marques Mendes, uma construção mediática artificial (ao contrário do talento natural de Marcelo), não podia ter pior arranque. Está há doze anos, todas as semanas, no horário nobre da SIC generalista. Mesmo assim, aparece atrás de Ventura e de qualquer um dos dois candidatos do PS, que os inquiridos nem sequer sabiam se o seriam e que estão desaparecidos do espaço público há anos. As condições de exposição de Marques Mendes não irão melhorar. Não há nada em que ainda nos possa surpreender. As de qualquer dos candidatos do PS só podem vir a ser melhores. E, sem existirem, já partem à frente dele.
O segundo aviso é para o PS, que tomará a sua decisão no próximo fim-de-semana – ou definirá um perfil que, provavelmente, deixará clara a escolha. Como disse o próprio António José Seguro, tudo parece apontar para António Vitorino.
Apesar de poder animar Seguro, a diferença de um ponto percentual entre ele e Vitorino é estatisticamente irrelevante. Certo é que se ele decidisse avançar, quando o PS já tem um candidato na calha, poderia entrar de novo em desgraça no partido, depois da “oposição” incompetente que fez a Passos Coelho. Apesar da candidatura ser cidadã, não me parece que o PS se possa dar ao luxo de ter dois militantes seus na corrida. Dificilmente o partido perceberia esta opção. Está em causa quem vai à segunda volta com Gouveia e Melo: o candidato da esquerda, da direita ou da extrema-direita.
Devo dizer que, fechadas as candidaturas de Gouveia e Melo, Ventura e Marques Mendes, preferia que a candidatura de esquerda não viesse da militância partidária, para confrontar o almirante numa segunda volta. Nada contra os partidos, muito pelo contrário. Mas acho que deveria haver uma resposta à evidente vontade que se sente de os eleitores terem um Presidente da República fora da órbitra partidária. Pedro Nuno Santos prendeu-se à ideia de ter um candidato do partido.
A IL avança com Mariana Leitão, o PCP pode vir a escolher Paulo Raimundo ou outro quadro do partido e é provável que surjam candidatos independentes à esquerda. Se há coisa que Gouveia e Melo mostra é que os partidos já não condicionam o que condicionavam. E isso também vale para democratas que recusam Ventura, mas não têm vontade de ter, num tempo tão complexo, um militar imprevisível como Presidente da República. O cenário é tão pouco entusiasmante e tão fragmentado, que tudo ainda está em aberto para muitas surpresas.
Para o mal ou para o bem, a conversa já não acaba quando os partidos falam. Pode não ser por culpa das suas lideranças, que trabalham com o material que têm. Mas precisavam de escolhas muito mais fortes para não correrem o risco de tudo lhes sair tudo furado.»