16.2.19

Pois...


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João Miguel Tavares, essa sumidade



Esta sumidade, escolhida por Marcelo para presidir às festas do 10 de Junho, quer fazer de nós parvos. Dizer que um dos filhos descobriu a expressão «Berloque de Esquerda» para falar do BE, quando ela tem barbas brancas, é o mesmo que eu afirmar que tenho um neto genial que inventou ontem «Geringonça» para caracterizar a actual maioria parlamentar. Haja pachorra!
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16.02.1925 – Carlos Paredes



Faria hoje 94 portanto. Mas não está esquecido.


Para melhor conhecer:



Mais aqui e aqui.

Para recordar:




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Chamar à democracia "sistema" e depois ser contra o "sistema"



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Um dos mecanismos do discurso do crescente populismo português é apresentar-se como “anti-sistema”. É um discurso que começa na direita mais radical, passa pela extrema-direita e pela extrema-esquerda, e mergulha profundamente nas cloacas das redes sociais e dos comentários. Funciona como atestado de honestidade própria versus a ladroagem alheia, e mete no mesmo saco da cupidez toda a gente que está na mesa do café virtual ao lado, até aos confins do mundo. Apenas fica como pilar de honestidade a mesa própria em que o autor de comentários zangados com o “sistema” está sentado e, mesmo assim, quando sai alguém, fica logo fora do halo de santidade, a dois metros do epicentro da virtude.

É um discurso cada vez mais comum na comunicação social, que molda a sua actuação pelo populismo, pelas audiências e as vendas, pelo sensacionalismo e pelo justicialismo, com “procuradores”, justiceiros e denunciadores todos no prime-time televisivo, que funciona como uma espécie de tribunal popular sem regras, sem rigor, misturando casos sérios com casos venais, sempre numa linguagem insultuosa. E é um discurso que tem os seus jornalistas, políticos e intelectuais e não estou a falar dos próceres do Chega!, todos na indústria da culpa. Um dia que virem o retorno, alguns, os mais sérios, vão-se assustar, mas já é tarde.

Quando se vai ver o que é isso do “sistema”, verifica-se que é da democracia que estão a falar. Alguns nostálgicos do salazarismo dizem-no claramente, mas a maioria acha que existe algures “fora do sistema” uma forma de democracia qualquer ideal, e não percebe que aquilo que estão a propor pela negativa está longe de ser democrático. Os temas comuns do “anti-sistema” são a corrupção dos políticos, sempre apresentada de forma genérica, como se ser “político” fosse ser ladrão. O discurso diferenciador – há políticos honestos e há corruptos, e não os misturar – não é aceitável pelo populismo, e isso é um dos aspectos que o tornam antidemocrático. Em democracia, há políticos eleitos, nas autarquias e na Assembleia, pagos pelo erário público, que representam, uns melhor e outros pior, diferentes interesses, terras, partidos e ideologias. As democracias que se conhecem e funcionam são democracias representativas, outro dos alvos dos “anti-sistema”, que defendem formas de democracia directa, sejam as “assembleias populares” militantes à esquerda, seja a chamada “democracia electrónica”, ou o poder da rua, como hoje a direita dos “coletes amarelos” e aqueles que confundem poder emitir livremente a sua opinião ao Governo pela “multidão” nas “redes sociais” ou nas audiências televisivas. Em todos os casos, menos pessoas participam no processo de decisão política e nenhum controlo eficaz é possível nestas formas “directas” de democracia “anti-sistémicas”. Ser “anti-sistema” significa ser contra as diferenças institucionalizadas nos partidos políticos, e contra os mecanismos de representação e mediação, sejam os parlamentos, os partidos ou os sindicatos.



15.2.19

Alguma dúvida?


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Dica (847)




«Europe is sleepwalking into oblivion and its people need to wake up before it is too late. If they don’t, the European Union will go the way of the Soviet Union in 1991. Neither our leaders nor ordinary citizens seem to understand that we are experiencing a revolutionary moment, that the range of possibilities is very broad, and that the eventual outcome is thus highly uncertain.»
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Racismo em Portugal? Mas que ideia…


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No novo Brasil, cumpre-se o prometido




«Uma acção da Polícia Militar num complexo de favelas no centro do Rio de Janeiro que resultou em 13 mortes tem sérios indícios de fuzilamento, com disparos feitos à queima-roupa e utilização de facas pelos agentes nos corpos das vítimas no morro Fallet, afirma a Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

O governador Wilson Witzel, que foi eleito com a promessa de uma acção policial dura roçando a ilegalidade – “A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”, afirmou, prometeu ter atiradores furtivos prontos a disparar contra os autores de actos criminais – viu-se obrigado a vir defender a acção de sexta-feira passada no morro Fallet-Fogueteiro, depois de a Defensoria Pública divulgar a sua investigação. “O que aconteceu foi uma acção legítima da Polícia Militar”, afirmou.

“A nossa polícia existe para defender o cidadão de bem. Não vamos admitir mais qualquer bandido usando armas de fogo de grosso calibre”, afirmou Witzel, citado pelo site UOL. A Polícia Militar afirma que agiu para intervir na guerra entre facções criminosas, “tendo como principal preocupação a preservação de vidas”.

Só que aquilo que os investigadores da Defensoria – um órgão mais ou menos equivalente ao Provedor de Justiça em Portugal – encontraram quando foram ao morro Fallet-Fogueteiro é um retrato de extrema violência policial. Ali concentram-se as atenções, porque num só local morreram nove pessoas.»
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Porque incomoda tanto a luta antirracista?



«Sempre que o SOS Racismo assume uma qualquer intervenção pública, mil vozes se levantam para criticar a associação, seja para afirmar que a mesma apenas mimetiza investidas de D. Quixote sobre moinhos de vento, seja para lhe atribuir a promoção da ditadura do politicamente correto (sic) ou, pasme-se, classificando-a como um organismo “racista”. O rol de injúrias é extenso e provém dos mesmos quadrantes que acham que o racismo em Portugal é um fenómeno paranormal. Há poucos dias, movimentos de extrema-direita criaram um novo termo para classificar o SOS Racismo de “braço armado” do Bloco de Esquerda. Este facto seria remetido para o extenso anedotário dos alérgicos à luta antirracista, não fosse o eco que ganhou em alguns órgãos de comunicação social, que identificaram a associação como uma mera fachada, sem trabalho efetivo e de funcionamento obscuro. E é precisamente este último facto que nos deve preocupar.

As fake news sobrevivem e ganham espaço mediático por diferentes motivos, mas particularmente quando não são alvo de contraditório e os seus propósitos não são desmascarados, ou quando são veiculadas por meios de comunicação tradicionais, com alguma credibilidade perante o público em geral. Urge, assim, contraditar o que tem vindo a público sobre o SOS Racismo e deixar o alerta para a responsabilidade social dos media na construção e defesa da democracia e para não se deixarem aprisionar pela retórica populista.

O SOS Racismo celebrou 28 anos de existência e é reconhecido pelo seu empenho efetivo na luta contra o racismo e xenofobia. É uma associação privada sem fins lucrativos, cujo trabalho é efetuado voluntariamente por ativistas, não tendo, atualmente, nenhum/a funcionário/a a seu cargo. O SOS Racismo congrega centenas de sócios/as e ativistas que, para além do acompanhamento, trabalho e cargos que assumem nos órgãos sociais, não deixam de ser cidadãos e cidadãs – várias destas pessoas são também militantes de partidos, com e sem representação na Assembleia da República, e outras não têm qualquer filiação partidária. E assim é porque a categoria de ativista, associado/a ou dirigente do SOS Racismo, não implica qualquer limitação de direitos políticos e sociais.

O SOS Racismo dispõe apenas de uma sede em Lisboa, tendo encerrado a do Porto em 2014, por não ter capacidade económica para suportar a renda. A sede é utilizada para atendimento ao público e realização de reuniões, formações e tertúlias, e é aí que se encontra um dos maiores acervos documentais em Portugal sobre racismo, consultado por estudantes, investigadores/as ou jornalistas, nacionais e internacionais, dos quatro cantos do mundo.

As dificuldades de uma associação que sobrevive com trabalho voluntário e com o valor de quotas, donativos e publicações que edita são imensas. Mas nunca impediram a concretização transparente dos seus objetivos. O SOS Racismo dinamiza anualmente uma formação, que faz coincidir com a sua Assembleia Geral e eleição dos órgãos sociais, para a qual são convidados todos os meios de comunicação social. Aliás, esta é uma característica de qualquer evento do SOS Racismo – são públicos e abertos à comunicação social. E, destes, destacam-se os seguintes: Debates em escolas, faculdades, associações e bairros (já foram realizados mais de 2200 debates em todo o país); MICAR – Mostra Internacional de Cinema Anti-Racista, desde 2014, no Porto (com o apoio da Câmara Municipal do Porto), que congrega o esforço de dezenas de ativistas, escolas, alunos/as e professores/as, num evento publicamente reconhecido pela sua qualidade e interesse público e que já foi visitado por milhares de pessoas; Festa da Diversidade em Lisboa (com o apoio do Pelouro dos Direitos Sociais da Câmara Municipal de Lisboa), que junta várias associações de direitos humanos e artistas e é participada por milhares de pessoas.

Nestes anos, o SOS Racismo integrou muitas iniciativas e entidades, nacionais e internacionais, destacando-se as seguintes: Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial; Comissão Nacional de Direitos Humanos; Grupo de Trabalho Censos 2021; Observatório dos Direitos Humanos; Instituto de Reinserção Social; Aliança Internacional de Afrodescendentes; Rede Europeia de Org. Anti-Racistas; Rede Anti-Racista para a Igualdade na Europa; European Network Agaist Racism (de que é fundador); ECRI – Conselho da Europa; ONU (Comité para a eliminação de todas as formas de Discriminação Racial e Década Internacional dos Afrodescendentes). Ao longo deste período, o SOS participou nas Conferências Mundiais da ONU sobre o Racismo e envolveu-se na dinamização de várias lutas, como a de regularização de imigrantes, contra os despejos e demolições que as comunidades ciganas, afrodescendentes, imigrantes têm sofrido, pelo estatuto do mediador sociocultural, por novas leis da nacionalidade e contra a discriminação racial, pela recolha de dados étnico-raciais, por uma revisão curricular para uma educação antirracista; elaborou a Carta dos Residentes na Europa e participou na elaboração da Carta de Lampedusa e da Carta Mundial de Migrantes. E tem ainda dinamizado vários projetos de intervenção social, no Porto (Projeto Catapulta), em Lisboa (Projeto Interligar) e em várias localidades do país (“Não engulas sapos” ou “VALEUR”).

Fique claro que o SOS Racismo não pretende furtar-se ao escrutínio público, uma vez que sua intervenção se pauta pela defesa de valores de interesse público e saúde democrática do nosso regime político. Mas isso não pode, de forma alguma, servir de pretexto para caluniar a organização ou para a descredibilizar. Os ataques caluniosos querem desacreditar a luta contra o racismo, colando-a a uma pretensa agenda partidária para lhe retirar legitimidade política e espaço de afirmação na sociedade portuguesa.

O contributo do SOS Racismo assenta num património efetivo de propostas e participação nas instituições de combate ao racismo. E, não obstante a campanha difamatória e as constantes ameaças à liberdade, vida e integridade física dos seus ativistas, o SOS Racismo mantém-se firme nos seus propósitos e não deixará de fazer o seu trabalho, lutando por uma sociedade mais justa, igualitária e antirracista, onde todos e todas, nacionais e estrangeiros/as, com qualquer tom de pele, ascendência, língua, território de origem ou religião, possam usufruir dos mesmos direitos de cidadania.»

José Falcão, Mamadou Ba, Nuno Silva – Dirigentes do SOS Racismo
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14.2.19

Dia dos Namorados?


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Dia da Rádio – Argel, «esta é a Voz da Liberdade»



Com 24h de atraso, recordo uma outra rádio, a que ouvíamos, em tempos negros, com a gravação da voz de Manuel Alegre, mais do que provavelmente na emissão do dia em que Salazar morreu: era segunda-feira, nesse 27 de Julho de 1970, um dos dias da semana em que a Rádio emitia.

Dá-se conta também, entre outras notícias, do acidente aéreo em que tinham morrido quatro deputados da ala liberal, dois dias antes.


(Todos os créditos para o meu amigo Alexandre Romeiras que me enviou esta gravação já há alguns anos.)
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A direita cheia de oportunidades


«Olhando para as novidades mais à direita, temos o CHEGA, o D 21, o Partido IL e a ALIANÇA. Em caso de coligação entre PIL e ALIANÇA, teríamos o PILA. Se André Ventura se juntasse, teríamos o CHEGA PILA. E com o contributo do movimento de Sofia Afonso Ferreira formar-se-ia o CHEGA D PILA. O que não falta são oportunidades.»

Rui Rocha no Facebook.
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Populismo de izquierdas o caudillismo amable?



«La hipótesis populista comparte un objetivo con cualquier formación política: alcanzar el poder. Pero tiene un método peculiar. El método es trazar una línea entre un ellos y un nosotros. Allí los malos, y nosotros, el buen pueblo, aquí. No hay que matizar mucho. Lo importante es trazar la línea de separación. El populismo sólo funciona con enemigos. Cuanto más sencillos sean esos enemigos, mejor. Como el populismo no tiene detrás ideología, enemigo puede ser cualquiera: los banqueros, pero también los inmigrantes, los sindicatos, el Estado social, la izquierda, los ignorantes. Para el populismo es mejor que el enemigo sea la izquierda a que sean los banqueros. Porque les genera menos problemas y en ese viaje les van a ayudar los medios. Si odias a los poderosos te la pueden devolver, pero si odias a la izquierda, te terminas aliando con la derecha en ese objetivo.

La metodología en el populismo se basa en una idea: hay unas pocas personas elegidas que son las únicas que pueden cambiar las cosas.Quienes defienden el populismo piensan, claro, que ellos forman parte de esas personas elegidas. Por eso les sobran los partidos y cualquier grupo democrático que les pida cuentas. Ellos, los elegidos, deciden. Y que nadie les moleste. Los elegidos identifican a los elegidos, de manera que sus equipos siempre están formados por los que han recibido la luz. Y los elegidos, como parte de la cofradía de los que saben, no pueden ser sustituidos por nadie elegidos por partidos o por la gente. Porque el conocimiento, la experticia, la experiencia, dicen, no se vota. Aunque los elegidos, no nacieran sabiendo y, con mucha probabilidad, fueran elegidos en sus primer cargo público por los partidos. Al final, los que saben toman decisiones sobre Venezuela, sobre urbanismo, sobre la libertad de expresión sin consultar a nadie.

Como el corazón del populismo es tener mando, deben allanar cualquier obstáculo para llegar. No hay un plan de país, sino de acceso al poder. Sobran los programas, las ideas y, por supuesto, los militantes. Sólo necesitan soldados. Es mera táctica constantemente. Por eso el populismo fascina a todos los periodistas. A los inteligentes los primeros cinco minutos. Al resto les dura algo más el encandilamiento. Si se quiere entender a los populistas hay que entender que lo que buscan por encima de cualquier otra cosa es colocarse en algún puesto de poder. Con eso dan por amortizado todo, en primer lugar el compromiso ideológico. Esa antigualla. Por eso los populistas dan esos saltos mortales. Ayer podían estar con grupos anarquistas, trotskistas, con el 15M y hoy estar dispuestos a pactar con Ciudadanos, esos que gobiernan con VOX.

Los populistas dicen que necesitan significantes vacíos. Hablar de nada. Defender solo “marcos ganadores”. A los significantes vacíos, ellos, con su genio, luego los rellenan con lo que quieran. Pero no dicen la verdad. Tienen como blasón estar en posiciones de poder a cualquier precio y por eso, para ellos, siempre pesa más gestionar lo existente que cambiar lo existente. Y por eso siempre son amables con lo que hay. No molestar al poder. En nombre de esa gestión de lo existente, la “competencia virtuosa” lleva a mirar siempre, invariablemente, a la derecha. En Madrid y en España. Mirar al PSOE y luego a Ciudadanos. A esa unión de un PSOE derechizado y de un Ciudadanos que puede gobernar con VOX, el populismo “de izquierdas” les ofrece votos que antes estaban en el margen izquierdo del tablero. ¿Cuántos? Me temo que pocos para la coalición pero suficientes para golpear a la izquierda ¿Para qué? Pues para mandar.

¿Hasta dónde está dispuesto ese viaje populista a ceder con tal de acceder al poder? Pues, como diría una lectura correcta de Laclau, hasta cualquier parte. El populismo, como una manera de hacer política, solo debe ser un momento de impugnación, un momento de tumbar el viejo régimen aprovechando la ventana de oportunidad destituyente. Pero, si no deja paso a un momento constituyente, a un momento donde mande el programa, se convierte en una excusa para sustituir a las élites por otras que dicen que son mejores que los partidos pero que, al final, terminan haciendo todo lo malo de los partidos pero sin ninguno de los controles. Entregar toda la confianza a personas que no responden ante nadie no parece muy sensato. Y el populismo termina siendo otro camino por donde se cuela la derecha en la política democrática.»

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13.2.19

Como a direita olha para a reeleição de Marcelo



«Tendo o voto da direita no bolso e sendo o garante de ‘status quo’ que a esquerda precisa, Marcelo limita-se a andar pelo pelo país a distribuir palmadinhas nas costas, abraços e… selfies (o que é muito mais higiénico que os beijinhos). Ora, sendo isto tudo de que é dono e senhor, Marcelo já não é de direita. Ou dito de outra forma: já não é da direita em que os cidadãos com 20 e 30 anos se revêem. Nem sequer é da direita das pessoas mais velhas que viraram as costas ao que o Estado Novo representava.

Sendo a direita actualmente anti-sistema não há muitos motivos para que esta apoie a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República. Marcelo não só representa o atavismo da sociedade portuguesa, com a leviandade e a futilidade que caracteriza a forma como exerce o cargo (e que tanto jeito dá à esquerda), como entra em contradição com a necessidade de abertura do país a uma alteração comportamental e a um corte profundo com a protecção injusta atribuída a certos sectores. Não que Marcelo esteja envolvido nesse género de injustiças, mas o que personifica representa uma realidade que a direita não deve querer para o futuro. E se assim é, por que motivo deve a direita apoiá-lo? Não vejo outro que não seja o do mero calculismo eleitoral do PSD, CDS e da Aliança.»
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Eleições



Nunca mais começa a campanha para as Legislativas 2019! Eu não quero perder um eventual frente e frente entre Santana Lopes e Tino de Rans.
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I'm a New European


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Quando a direita tira as luvas



«Um novo partido da direita portuguesa estreia-se em Évora e, no mesmo fim de semana, os três partidos da direita espanhola manifestam-se em Madrid, juntos pela primeira vez. Mera coincidência, a não ser que há temas em comum e, sobretudo, uma atitude que os irmana: empolgada pelos ventos norte-americanos, há uma direita orgulhosa que se assume. A direita está a tirar as luvas e, como em tempo de guerra não se limpam espingardas, saltou qualquer fronteira com a extrema-direita. Mais, ao contrário dos tradicionais discursos do passado recente, agora orgulha-se dos seus pergaminhos e está a exibir uma radicalidade que só se conhecia de memória distante.

Não é que tenha novas bandeiras. Um curioso filme recente, “Vice”, de Adam McKay, lembra o ascenso dos neoconservadores no tempo do segundo Bush, tutelados pelo vice-presidente Dick Cheney, documentando o seu esforço em recuperar a ambição imperial, em disfarçar a redução dos impostos sobre as fortunas (é encantador saber como decidiram atacar o imposto sobre as heranças de mais de dois milhões de dólares como a “taxa sobre os mortos”, o que teve eco em Portugal na linguagem do CDS), em usar a religiosidade e em promover a desigualdade social. Depois disto, e agora com Trump, há pouco de novo à face da Terra. São os mesmos financiadores, alguns personagens continuam na nova temporada, o discurso é refrão. Mas a recapitulação dos tons conservadores ocorre com outra potencialidade tecnológica e com mais incertezas vividas depois de uma década de destruição pela austeridade, portanto com mais possibilidades hegemonizantes, e é por isso que se expande na Europa e no quintal latino-americano. Nesse mundo, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

O problema é que se transforma mesmo. A ascensão da extrema-direita espanhola, no caldo de cultura do franquismo, do ódio aos direitos das mulheres e dos discursos anticatalão e anti-imigrantes, pode fazer dela o fiel da balança para o próximo governo. Como nas eleições europeias de maio essa extrema-direita poderá formar um dos maiores grupos, se se aliar a Orban e quejandos, ela está a arrastar toda a direita tradicional atrás de si. É o que já se nota, mesmo que mais no alarde do que no conteúdo: sem grande esforço, o CDS sofre agora um episódio de ressentimento anti-Comissão Europeia, sempre hiperbólico, como a casa gasta; ao mesmo tempo, Sande Lemos descobre-se um crítico zangado e que quer direito de veto dos parlamentos nacionais, tutti quanti, tema que em dias normais faria corar o seu europeísmo translúcido; e Rangel dispara em todas as direções, este mais atento ao nacional do que à coisa europeia, em que nada tem a acrescentar. Em qualquer caso, uns e outros vão atrás dos flautistas de Hamelin, mesmo que alguns esperem voltar ao seu pacato institucionalismo assim que terminarem as eleições e esta maçada de se fazerem aos votos. Logo veremos se encontram o caminho. A nova cultura da direita é portanto sem papas na língua.

O congresso da Aliança não surpreende, pois navega nessa brisa. Parece muito, é só alguma coisa. E, se alguém anteviu uma direitização no aplauso embargado daquela gente ao senhor que lhes propôs a ideia venturiana do castigo bíblico pela castração de uns certos sujeitos, convém olhar também noutro sentido. Seria mero engano tomar esse enlevo por programa, pois o facto é mais revelador de um curioso episódio psicanalítico do que de uma agenda política. O que importa naquele programa é muito mais, é a crueza da agenda liberal: acabar com o Estado social, ou as prestações de serviços universais, cobrar pela saúde e pela educação públicas, levar desse modo os remediados e ricos para o privado, deixar aos pobres uma misericórdia à Daniel Blake. O sinal dos tempos é este, a liberalização não se disfarça de justiça, orgulha-se de ser injustiça social e até quer que os descamisados aprovem a sua miséria.

Como em Madrid, em Évora a direita imita os seus antepassados, já tirou as luvas e espera fazer mais seguidores. A questão não é, portanto, se este novo partido vai ter sucesso. Não vai. É demasiado Santana. No estilo, na ação, na representação. É demasiada memória e não há duas oportunidades para causar a primeira boa impressão. A questão é se vai conseguir pressionar o resto da direita a sintonizar-se na mesma onda. É para isso que serve e está desejoso de servir. Bem vindos a 2019.»

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12.2.19

Essa é que é essa


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12.02.1929 - Nos 90 anos de Nuno Bragança



Eu já divulguei, mais de uma vez, quase tudo o que digo neste texto. Mas faz-me alguma impressão pensar que o Nuno chegaria hoje aos 90, quando o revejo sempre, ainda, com 30 e tal ou 40.

Morreu com 56 e vale a pena voltar a ouvir um notável documentário que a RTP tem online, com curtos extractos de uma entrevista e, sobretudo, com depoimentos de um conjunto de pessoas, que o conheceu bem: Pedro Tamen, Maria Velho da Costa (depoimento interessantíssimo do ponto de vista literário), António Alçada Baptista, Nuno Teotónio Pereira, Carlos Antunes, Maria Belo e Fernando Lopes – mais de metade já desaparecidos.

Mas retomo também as minhas recordações pessoais, ainda bem vivas. De uma colheita anterior à minha, foi sempre reconhecido por todos como absolutamente excepcional, mesmo antes, bem antes, de A Noite e o Riso por aí aparecer com estrondo.

Errando pelos mesmos meios oposicionistas, os destinos juntaram-nos também em casa de amigos comuns, onde passámos longas semanas de férias – nos tais anos sessenta que por cá também foram loucos embora só para minorias, em plena Serra da Arrábida, sem electricidade e quando um gira-discos a pilhas, vindo da América, fez figura do mais sofisticado robô. Um pouco mais tarde, viria a acampar, no sentido estrito da palavra, no minúsculo apartamento em que o Nuno viveu vários anos em Paris. E confirmo o que a lenda conta: saía de casa por volta das cinco da manhã para escrever durante algumas horas antes de iniciar mais um dia de trabalho.

Para a História ficou sobretudo o escritor e o excelente documentário U Omãi Qe Dava Pulus, de João Pinto Nogueira. Eu registo também o católico resistente, boémio e espartano, fundador de O Tempo e o Modo, membro do MAR (Movimento de Acção Revolucionária), colaborador das Brigadas Revolucionárias, o conspirador por feitio e por excelência – neste caso, não tanto A Noite e o Riso, antes Directa e Square Tolstoi.

Reencontrei há algum tempo uma velha fotografia, de um jantar colectivo, onde fiquei sentada em frente do Nuno. Bem mais de metade dos que lá estavam já se foram embora e não me apetece mostrá-los. Mas devo-lhes muito do que hoje sou. Muito, mesmo.
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Como a “primavera europeia” de extrema-direita está a ser preparada à vista de todos



«Uma “primavera europeia” contra “o eixo franco-alemão” dominante. Um “renascimento dos valores europeus” contra os burocratas. Uma rede pan-europeia de partidos nacionalistas. Estas não são ideias novas, são enunciadas pelo menos desde que o Governo italiano de coligação entre a Liga, partido de extrema-direita, e o Movimento Cinco Estrelas (M5E), populista, foi formado, em junho do ano passado. Mas o ministro do Interior, Matteo Salvini, repete-as com cada vez maior ênfase à medida que se aproximam as eleições de 26 de maio para o Parlamento Europeu.

Recentemente, a agência France-Presse noticiou que Salvini, que também comanda a Liga, está a tentar organizar uma frente europeia de extrema-direita. Em janeiro, num encontro com o seu homólogo polaco, falava da convergência de agendas com o partido Lei e Justiça (PiS), no poder em Varsóvia, em temas como a anti-imigração, o anti-islamismo e o euroceticismo. Foi então que falou numa “primavera”, que poderia ser desencadeada por Itália e Polónia, para libertar o continente dos burocratas. Em outubro, ao lado da líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, Salvini disse que as eleições europeias inaugurariam uma nova era, caracterizada pela restauração de valores como o orgulho e a dignidade dos trabalhadores comuns.

Mas será mesmo possível criar uma frente europeia de partidos nacionalistas e extremistas para as eleições de maio? O investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) Marco Lisi relativiza: “Salvini tenta ocupar o espaço da direita tradicional, que está em crise em vários países da Europa. Os partidos mais à direita, que já atraem um certo tipo de eleitorado, tentam agora expandir-se e atrair um eleitorado mais moderado, polarizando várias questões, nomeadamente a imigração e a identidade.”

As eleições “abrem uma janela de oportunidade para coordenar essa vontade a nível europeu, com os partidos extremistas a fazerem parceiros e a conquistarem uma maior legitimidade”, comenta o investigador do IPRI ao Expresso. Também isso não é exatamente novo. “As eleições europeias são sempre uma oportunidade para as forças antissistema e extremistas. São eleições em que as forças de protesto conseguem melhores resultados e que normalmente penalizam as mais moderadas”, recorda.

“Os partidos extremistas têm um discurso comum sobre imigração e soberania contra os poderes europeus mas têm opiniões radicalmente diferentes sobre tudo o resto”, sublinha, por sua vez, Simone Tulumello, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. Sendo Itália um país com uma grande dívida, sempre explorou uma maior flexibilidade nos Orçamentos do Estado e a possibilidade de ter défices maiores. Ora, “os maiores inimigos dessa possibilidade são os países do Grupo de Visegrado”, com destaque para a Polónia e para a Hungria, diz ao Expresso.

A própria questão dos imigrantes e a sua distribuição pelos países europeus também abre profundas brechas na hipótese de um entendimento alargado. “Os países do leste são aqueles que nem sequer aceitam um número mínimo dos refugiados que chegam às costas italianas”, junta Tulumello. Por outro lado, continua, a Polónia e a Hungria estão entre os países que mais beneficiaram, nos últimos anos, dos fundos europeus, pelo que até “podem ter um discurso absolutamente contra a Europa mas querem continuar a receber os benefícios”.


11.2.19

Proibido o Carnaval




«O resultado negativo é fruto de uma campanha promovida por vários internautas ao longo da última semana, motivados pelas indiretas feitas na música ao governo de Jair Bolsonaro (PSL). No Twitter, multiplicaram-se críticas e posts pedindo que o clipe fosse recebesse dislikes em massa.
Na música, Daniela e Caetano fazem alusão à "censura" praticada pelo novo governo de direita, orientado por valores conservadores.»


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Ha 12 anos, uma grande vitória do referndo pela IVG



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Portugal a calçar chineses




Quando Portugal conseguir vender um par de sapatos por ano a cada chinês, poderemos esquecer todas as outras indústrias, o dr. Centeno não precisará de cativar mais nada, o SNS será salvo e nós ficaremos estendidos e felizes ao Sol…
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O assassinato de companheiras obedece a um padrão cultural que importa combater frontalmente



«Qualquer observador neutro, mulher ou homem, sofre com o permanente assassínio de dezenas de mulheres por ano e espanta-se com a impotência dos aparelhos sociais, nomeadamente de educação e de justiça. Parte dessa impotência parece vir de duas tendências históricas – a do individualismo metodológico, que torna cada incidente num “caso” jurídico (e é assim que habitualmente é explorado dramaticamente, pelos media); e a das políticas da identidade, que promove a guerra dos sexos e entrega às feministas a liderança da luta contra o feminicídio, como se não se tratasse de uma questão social que escandaliza a grande maioria dos cidadãos de ambos os sexos.

Falei de observador neutro para indiciar que existem populações que racionalizam e aprovam o espancamento e até mesmo o assassinato de mulheres, promovido por religiões, e que indivíduos desse jaez, mais regularmente associados a homens de aldeias ou de zonas suburbanas, quase iletrados e sobrevivendo a custo em trabalhos duros e precários, também existem espalhados pela burguesia e integram os mais altos escalões das principais aparelhos, dos Tribunais ao Exército e às Polícias.

Nesta argumentário, é a liberdade sexual e a honra das mulheres que é posta em xeque, através do discurso que, desde a família e desde a escola, as intimida e agride, identitária ou fisicamente, ao menor desvio da ‘decência’ que os familiares lhes exigem, ao mesmo tempo que se glorificam as proezas sexuais dos homens.

Como antropólogo, noto que tem sido dado pouco relevo ao facto de, regularmente, o assassinato de uma mulher ser acompanhado do suicídio do assassino. Trata-se de um padrão cultural com longa tradição. Há uns anos, no Alentejo, um vizinho meu, a caminhar para uma invalidez precoce, tentou matar a mulher, disparando sobre ela a caçadeira e suicidando-se de imediato. A mulher sobreviveu. Outro vizinho fez questão de me informar depois que, no velório, o pai do assassino levantou a voz e afirmou com frontalidade desafiante: “O meu filho tinha a obrigação de verificar que tinha morto a mulher antes de pôr fim à vida.”

Este padrão da honra fálica escapa ao individualismo metodológico. O assassino obedece a um padrão que lhe foi incutido desde a infância e que é partilhado por uma população que espera dele o acto final de se suicidar depois de matar a companheira, se esta o “humilhar”, humilhando a população que espera que ele mantenha o padrão da dominação fálica radical. Neste contexto (existem outros), a honra manda matar a mulher, para apagar a vergonha da incapacidade de manter a dominação fálica, e manda o homem suicidar-se, para recuperar na morte a honra perdida.

O homem de honra não aguenta a perda da face, a humilhação pública, a desonra, que o obriga a reagir de acordo com as expectativas da comunidade que partilha estes valores. Não se trata de ciúme, nem de amor frustrado. O que está em causa é a honra viril, o orgulho fálico. Nestes casos, a relação entre homens, real ou imaginária, é muito mais importante do que a relação com as mulheres supostamente amadas. De facto, as mulheres, neste padrão fálico, não contam. A heterossexualidade, sendo uma ‘obrigação social’, promovida desde cedo pelo bullying sistemático dos ‘maricas’, tornados bodes expiatórios, fragiliza este tipo cultural de homem (existem outros) e o desemprego, a perda de poder económico ou a intenção da companheira recomeçar a vida, procurando outro companheiro, colocam-no numa zona de humilhação pública que o leva a recorrer à solução final – a morte de ambos, devolvendo a honra social ao assassino.

Quando se fala de prevenção a longo prazo, há que tomar em conta, na escola e desde cedo, a prevenção e correcção da educação cultural para a dominação fálica, actuada na escola pelo bullying infantil e adolescente e agir para instaurar a Educação para a Amizade. A meu ver, há que atacar frontalmente este padrão cultural entre adultos, através dos media, humilhando sistematicamente o assassino, com slogans como “UM HOMEM QUE ESPANCA UMA MULHER É UM COBARDE QUE ENVERGONHA TODOS OS HOMENS”.

Falta muita investigação, directamente dirigida a este padrão cultural, a este tipo de comunidade promotora do assassínio conjugal e a este tipo de homem, executor final de um projecto fálico de organização social, que continua activo e poderoso, apesar de actualmente recessivo. A investigação que falta não é certamente a prevista. Projectos que visam “prevenir estereótipos de género” ou “desconstruir noções de ‘masculinidade’ violenta” são projectos académicos, muito desviados do estudo das comunidades assassinas e do ataque directo, preventivo, à figura do assassino conjugal, desonrando-o antecipadamente.

Trata-se de trabalho para uma geração, cientificamente planeado por antropólogos e actuado por especialistas em comunicação social, que não dispensa a educação sistemática para a igualdade, para o respeito e para a amizade, desde a infância, nas escolas. O mal tem que ser prevenido desde cedo. E também passa pela reeducação dos pais violentos que tanto espancam os filhos como as mulheres, bem como de militares e polícias, instituições onde estes valores se ocultam.

O mal tem que ser cortado pela raiz. Sem um ataque directo, frontal e persistente ao futuro assassino (e indirectamente às comunidades que transmitem de geração em geração, como uma epidemia cultural, estes valores violentos da ‘honra’ e ‘vergonha’), os media continuarão a relatar regularmente, nas próximas décadas, novos casos, a Academia promoverá novos congressos sobre a violência conjugal e os aparelhos judiciais continuarão a mostrar-se ineficientes.»

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10.2.19

Aliança? O que eles cantam



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Perdoai-lhes porque não sabem o que dizem



Esta estrela, que alguns identificam como uma das grandes esperanças da República, refere-se ao Bloco e ao PCP como «partidos populistas da esquerda portuguesa». Que os céus nos protejam destas abéculas e de populismos extremistas a sério – mais provavelmente de direita, pelo andar da carruagem. 

São fascista e andam por aí




«Nos últimos três anos, cinco novas organizações surgiram ou ressurgiram nos radares das autoridades: Misanthropic Division - Portugal; Portugueses Primeiro; Trebaruna (esta replicada noutra, a Lisboa Nossa); Escudo Identitário e o Movimento Social Nacionalista.

O "que mais preocupa é que existe um novo perfil nos seus militantes, com potencial para atrair mais gente, principalmente jovens nas escolas secundárias e universidades, através das redes sociais. Já não são os boneheads (cabeças-ocas) dos skinheads, estamos perante jovens universitários, licenciados com capacidade de retórica capaz de grande influência em determinados contextos socioeconómicos", explica uma outra fonte policial.» 
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SNS: Crónica da retirada



 «“... O sol baixa definitivamente sobre o povoado/ a praça vai-se esvaziando lentamente./ Mas porque é que se retira este povo, assim cabisbaixo, triste, quase deprimido?/ É que os bárbaros não vieram, não chegaram ainda desta vez./ E afinal, eles poderiam ter sido a solução.”
Konstantinos Kavafis (1863-1933)

A grande ideia bate em retirada. Há ainda focos de resistência, trincheiras por abandonar e até, aqui e acolá, avanços inconformados.

Aquela consulta são dois mundos: do lado de fora, um sem-número de pessoas, de idade avançada, esperam num espaço exíguo, sem lugar para se sentar, à chuva, quando a pequena sala transborda. Este é o lugar ignorado por todas as reformas. Do lado de dentro, médicos e enfermeiros, trabalham, sob pressão, horas a fio, já desgastados para conseguirem o material de que precisam. Apesar disso dizem-me, com indisfarçável orgulho, “o ano passado conseguimos operar mais do que no anterior”. Mas há os que decidem sair, e não são poucos: “começam por manifestar desconforto, depois pedem redução do tempo e depois vão-se embora”. E ninguém parece incomodar-se. Mostrar apreço, perguntar se é possível fazer alguma coisa. É difícil imaginar qualquer outra grande organização tão insensível à perda dos seus principais ativos. Vem para as notícias, de vez em quando, o que acontece quase continuamente, por todo o lado: aquele hospital que no ano transato perdeu seis dos seus pediatras!

Procurou-me mais um jovem talentoso e bem preparado. Estava a pensar emigrar para um país onde dão importância primeira ao mérito, em vez de ficar aqui injustiçado pelas tribos. O que lhe digo? Confirmar-lhe que é destes intangíveis que se faz a riqueza das nações?

Enquanto isso, outros ganham notoriedade. Mas perdem a razão quando se esquecem das pessoas que precisam e ajudam à retirada. A eterna ditadura do curto prazo, sem outros horizontes, desvia para outrem recursos avultados, essências para o desenvolvimento do SNS, acelerando o abandono. Os que pressionam para que a retirada seja mais rápida, ocupam o espaço “libertado”.

A gestão da crise económica-financeira, a partir do início desta década, fez-se muito à custa da saúde: reduziram-se substancialmente remunerações, degradaram-se condições de trabalho e deixou-se de investir em equipamentos e infraestruturas.

Veio o pós-crise e o previsível não foi previsto: não se fez o balanço dos prejuízos (a seguir interiorizam-se e depois negam-se); haveria que prever que os efeitos acumulativos de anos de desinvestimento se manifestariam mais tarde; e também está escrito que quando o sol renasce, todos querem recuperar as perdas ao mesmo tempo.

É óbvio que a Lei de Bases da Saúde de 1990 favorece objetivamente a retirada.

Um apoiante exemplar do abandono, com elevadas responsabilidades políticas passadas e atuais, entrevistado no princípio do ano passado, explicou que o Estado não serve para gerir serviços de saúde: “... pela organização do Estado, não há uma gestão de recursos humanos que incentive as pessoas a fazerem melhor. A gestão da função pública não admite este tipo de coisas, e portanto a eficiência nunca é aquela que outras iniciativas podem dar...” É o “sistema nacional de saúde”, orçamento público a financiar prestação privada. Estamos nos antípodas do SNS. Simplesmente, não o querem. Aqui chegados, o Presidente e o ex-ministro chamam por um “acordo de regime”. Neste contexto, o que é que isso quer dizer?

É o Estado português incapaz de sustentar um SNS de qualidade? O Estado que resiste à gestão, financiamento e remuneração pelo desempenho efetivo (não pela antiguidade ou “estatuto”), que constrange continuamente a reforma dos cuidados de saúde primários, que abre concursos para captar profissionais indispensáveis fora do tempo e fora do senso (30% de vagas por preencher?!), será de facto uma fatalidade? Para uns, o Estado-marreta é uma conveniência. Para mim, é a causa principal desta retirada.