4.7.20

Vidas antes desta Covida (1)



Que será feito deste pequeno herdeiro da Civilização Maia, que vi em Iximché, Guatemala, 2014?
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Those were the days...



David Buchanan, no grupo IBM Retirees do Facebook.
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Esse drama da falta de ingleses...



Aqui a tentar imaginar que tipo de ajuda poderemos dar, segundo o nosso presidente. Mais reuniões nas Lajes? Vinho do Porto?

Entretanto, Santos Silva continua frenético e «quer ingleses a visitarem Portugal sem passarem por Lisboa».
O que se segue? Prometer que os lisboetas serão impedidos de ir ao Algarve? Mas ninguém trava esta avalanche de disparates?
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Movimento em falso



«Ela entra devagar no azul excessivo da água da piscina, quer libertar-se daquela sensação de absurdo nascida desde o início da pandemia, um pouco como as personagens no filme de Wim Wenders “Movimento em Falso”, em que o desejo de libertação do desânimo persegue as deambulações de Wilhelm e do seu grupo. Wilhelm, um escritor falhado que não gosta de pessoas, com um velho atleta dos jogos olímpicos de 1936 atormentado pelo seu passado nazi, uma acrobata de circo muda, um poeta desajeitado, uma atriz, um grupo perdido em deambulações sem rumo, onde o sonho e a realidade se misturam, a paixão, o suicídio, a perda do passado, viajando através de lugares enigmáticos de uma Alemanha traumatizada no pós-guerra.

O azul da água, a ortodoxia da purificação, o incómodo do corpo, fecha os olhos para ver melhor a realidade como dizia Wilhelm no filme, há peste nas periferias de Lisboa. A parábola da cidade esgotada pela especulação imobiliária, pelo turismo massificado, pela corrupção urbanística, que expulsou para a periferia os pobres, os trabalhadores precários e a recibo verde, os migrantes, a classe média falida na crise de 2008. Os bairros problemáticos, uma realidade bem conhecida dela do tempo em que estava no DIAP de Lisboa e na Distrital de Lisboa, bem conhecida da polícia.

A contraditória criminalização do combate à epidemia, as multas, a ameaça de punição com os crimes de desobediência e de propagação de doença contagiosa, são apenas o sintoma de um velho aparelho de Estado paralisado pelo nepotismo e burocracia, incapaz de funcionar e de se ligar à comunidade. Afinal o mesmo fenómeno revelado durante os incêndios de 2017, refugiando-se nos bodes expiatórios dos incendiários, que são agora os superinfetadores, os mal-comportados.

O cenário dos transportes públicos em hora de ponta é a imagem gritante da impotência. Mandam as pessoas para casa em bairros problemáticos de casas degradadas e inabitáveis, com multidões que têm que sair para sobreviver em trabalhos clandestinos. Multar e perseguir os desempregados, vagabundos da crise, deixar os alunos na rua porque as escolas não têm condições, espalhar o pânico doentio. Ignora-se o resultado de três meses de paragem dos tribunais, a desigualdade social é uma chaga, e um SNS desprezado pelos sucessivos governos é agora a medida de todas as liberdades. Agora como dantes, as ARS (administrações regionais de saúde), a DGS, o Ministério da Saúde compõem estruturas burocráticas sobrepostas e insensíveis, juntamente com a proteção civil e a segurança social, incapazes de ligação ao terreno, aos diretores dos hospitais como ponto de partida para uma ação eficaz. Criminalizar o combate à epidemia é querer parar o vento com as mãos.

O absurdo não se dissolve no azul da água, há uma culpa difusa neste clima de delação, até na inexplicável dificuldade em ter um corpo. Os efeitos do buraco negro criado com a economia parada, com a incompetência institucional, vão obrigar-nos ao maior combate das nossas vidas. Em cada facto novo há um movimento em falso.»

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3.7.20

Ingleses no Algarve?


Não haverá alguma agência de viagens imaginativa que organize vindas de ingleses reformados para férias no Algarve, associadas a quarentenas simpáticas no regresso a Inglaterra?
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A rir é que a gente se safa



(Insónias de Carvão no Instagram)
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Lisboa, mas em território americano




«Centenas de pessoas estão, esta quinta-feira, reunidas na Embaixada dos Estados Unidos, em Lisboa, para comemorar o Dia da Independência dos Estados Unidos, um dos feriados nacionais mais importantes.
Ao que a TVI conseguiu apurar, ainda que não oficialmente, terão sido alegadamente enviados cerca de 1.000 convites e neles estaria a indicação de que o uso de máscara não era obrigatório. (…)
Assim que se aperceberam da presença da comunicação social, a Polícia de Segurança Pública tentou encaminhar todos os convidados o mais rápido possível para o interior da embaixada.»
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Correr atrás do prejuízo



«A comunicação em saúde e, mais especificamente, a comunicação de risco, é um dos aspectos fundamentais na saúde pública. Uma comunicação em saúde eficaz deve envolver, influenciar, e dar poder aos indivíduos e comunidades. É, portanto, fácil de perceber que a evolução de um cenário de pandemia depende largamente da eficácia de um plano de comunicação de risco, que aumenta as probabilidades de as comunidades se comportarem como parceiras das autoridades de saúde, promove a contenção do risco, e diminui uma eventual oposição às medidas de saúde pública.

Dito isto, não tenhamos dúvidas de que a comunicação de risco é um processo altamente complexo e, ao contrário do que muitos parecem julgar, nem todos os “especialistas” que diariamente vemos no espaço público mediático estarão aptos a praticar este tipo de comunicação. Exemplo disto mesmo é a aparente ausência de estratégia do Governo e, por arrasto, das autoridades sanitárias no que à comunicação diz respeito.

De facto, há muito que se percebeu que, em termos de comunicação, anda-se repetidamente a correr atrás do prejuízo. Não parece existir uma estratégia de comunicação concertada ou sequer profissionais capazes de orientar políticos e técnicos naquelas que são as maiores dificuldades da comunicação de risco.

E se no início desta pandemia poderíamos pensar que todos fomos apanhados desprevenidos, e que as estruturas, incluindo as oficiais, precisavam de se adaptar, a verdade é que, quatro meses volvidos desde o primeiro caso confirmado em Portugal, pouco ou nada mudou em termos de comunicação.

A resposta comunicacional tem ficado muito aquém do que seria desejável, sendo simultaneamente pouco pragmática e pouco tranquilizadora. A comunicação oficial resume-se praticamente às conferências de imprensa, até há bem pouco tempo diárias, protagonizadas por representantes das autoridades sanitárias e por governantes pela hora de almoço, num modelo que claramente não acompanha nem a evolução epidemiológica nem a avalanche de informação com que nos deparamos a toda a hora. O mesmo pode ser dito em relação à documentação que, nos últimos meses, tem sido divulgada pela Direcção-Geral de Saúde (DGS) através do seu site. Um sem fim de comunicados, normas, orientações, informações, que deixam até o especialista mais atento perdido no meio dos documentos.

Não devemos também esquecer que nem só de palavras vive a comunicação e, neste aspecto, a classe política precisa de ser relembrada, uma e outra vez, de que o distanciamento social também se lhes aplica. De pouco adianta dizer à população para cumprir o distanciamento quando os próprios políticos aparecem frequentemente em grupo no espaço público mediático, num claro exercício de “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”.

Os últimos seis meses foram, de facto, particularmente férteis em maus exemplos de comunicação protagonizados por entidades oficiais, precisamente aquelas de quem se esperaria mais contenção, por um lado, e maior assertividade, por outro. A comunicação é frequentemente o “parente pobre” em vários domínios e a actual crise de saúde pública tem posto a nu uma série de fragilidades que começam muitas vezes nos organismos oficiais. É urgente repensar a comunicação em saúde a partir das entidades oficiais, adaptando a resposta comunicacional à situação que vivemos e promovendo a comunicação a um lugar mais central no “combate” a esta pandemia.

A valorização da comunicação em saúde, que implica naturalmente a integração de especialistas em comunicação na resposta às crises sanitárias, é um investimento a vários níveis. Porque uma aposta na comunicação em saúde é o melhor caminho para o aumento da literacia em saúde, que contribuirá para que tenhamos cidadãos mais informados, mais autónomos, e mais capacitados para lidar com o risco em saúde pública.»

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2.7.20

O mundo à janela (1-16)


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Bordéis na Holanda



"Nada de beijos". Holanda reabre bordéis, mas com novas regras.

A distância social terá de ser 2, 1,5, 1 metro…?
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São velhos mas não são parvos


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Salvar o SNS – Estamos do lado da solução


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A normalidade é uma ilusão: a crise não



«A interrupção da vida quotidiana causa pela pandemia de covid-19 na Índia lembrou-me uma chocante decisão de Narendra Modi em Novembro de 2016: descontinuar 86% da moeda indiana (desmonetização); o desaparecimento abrupto de dinheiro prejudicou a cadeia de fornecimento e fez com que o desemprego sistémico piorasse a vida dos indianos mais pobres – interrompendo as suas vidas – do mesmo modo que a pandemia os afecta agora. Devido à covid, o Estado indiano, como outros, enfrentou uma situação anormal – uma suspensão da normalidade. O que significa a normalidade para a população indiana? A quem serve a normalidade?

Para os milhões de trabalhadores informais a “normalidade” pode ser uma ilusão. Durante o lockdown indiano centenas de trabalhadores migrantes morreram e desapareceram da superfície da sociedade, sem deixar rasto. Trabalhadores informais, vendedores de vegetais, fazendeiros pobres, vendedores de rua, pessoas em situação de rua – todos são partes dessa normalidade da excepção. Eles têm vivido, desde sempre, uma situação dura, uma vida anormal sendo a normalidade para eles. Essas pessoas, pessoas de lugar de abjecção como nos diz Julia Kristeva, sobrevivem com escassos salários diários, enfrentam a violência policial e têm a apatia do resto da sociedade – isto, diariamente; possivelmente, a normalidade é apenas uma ilusão para eles.

O lockdown na Índia forçou a deslocação da população migrante. A pandemia não é uma situação de crise que podemos claramente opor à normalidade; essa é uma crise permanente para milhares de trabalhadores e trabalhadoras migrantes – incapazes de garantir mesmo a própria alimentação – que foram forçadas a regressar a pé às suas cidades, enfrentando descalças centenas de quilómetros, sem comida e sem poderem aceder aos transportes, que pararam. A crise, para eles, não é uma excepção em relação à dita normalidade. Já tantas vezes sentiram a interrupção das suas vidas diárias que a palavra “normalidade” perdeu o sentido para eles.

As suas vidas foram sabotadas pelo “discurso da normalidade”, que faz parecer que as suas vidas são vividas na normalidade, como os restantes compatriotas. Na verdade, foram encurralados num inescapável ciclo de crises pelo Estado, pelas corporações e pela classe média privilegiada. A maioria vive em favelas; sentem a crise através da extrema pobreza, da fome, da doença e da profunda desigualdade salarial. A crise é uma parte essencial das suas vidas, vidas onde a ideia de “vida normal” está ausente.

Eles são o fundamento invisível da sociedade visível, fundamento sobre o qual a nação e o Estado se mantêm. Sem eles, a sociedade indiana não poderia funcionar. Para os 450 milhões de trabalhadores informais indianos, a vida nunca foi normal. Se é que a sua própria existência importa ao Estado indiano – eu tenho sérias dúvidas sobre isso. Sem seguro de saúde, em condições de trabalho precárias, sem segurança social, baixos salários; as suas vidas têm sido um permanente estado de crise, mesmo durante os ditos “tempos normais”.

Durante o infame lockdown indiano, vimos os cadáveres dos pobres, dos famintos, dos pedintes, desempregados, trabalhadores migrantes, mulheres e crianças – desumanamente espalhados ao longo do país. Mesmo nos tempos ditos normais, eles já morriam assim; morriam de fome, de doença, suicidavam-se devido a dívidas, morriam pelas mãos da violência estatal ou da discriminação estatrificada. Não obstante, foi durante os tempos anormais da pandemia que as suas mortes chamaram mais atenção e simpatia. Contudo, aqueles que sobreviveram agora morrem aos poucos com o desemprego, a inflação e a incapacidade para comprarem comida. A transformação necessária na Índia ainda está por acontecer.

De facto, a pandemia perturbou profundamente a vida de milhões, a nível global; contudo, foi a incapacidade da liderança de certos países que exacerbou a crise. O caos organizado do governo da Índia levou a uma crise humanitária de proporções épicas, reproduzindo desigualdades já existentes e aprofundando a exclusão da população marginalizada. São tempos como estes que atestam a capacidade do Estado para assegurar as necessidades básicas da população vulnerável. Em tais crises, a liderança efectiva poderia evitar o desastre, como aconteceu no caso de Portugal e da Nova Zelândia.

Em Portugal, em contraste com a Índia, foi adoptada uma abordagem humana no combate à pandemia. Foi dado tempo suficiente para que as pessoas se organizassem antes que a emergência nacional passasse a ser efectiva – aos indianos, foram dadas apenas horas antes do lockdown – ninguém foi brutalizado pela polícia e o transporte público passou a ser completamente gratuito para todos. No entanto, entristeceu-me ver, em Lisboa (aonde estive durante o lockdown), como alguns empresários da comunidade asiática, principalmente bengaleses, paquistaneses e chineses exploravam os seus empregados asiáticos. Salários diminuídos, extensão das horas de trabalho, demissões sem direitos, coacção, incumprimento do contrato de trabalho – esses são algumas das violações dos direitos humanos a que me refiro. Durante o lockdown, trabalhadores asiáticos sofreram nas mãos dos patrões asiáticos. Mas, em tempos normais, eles sofrem o mesmo destino, diariamente. A normalidade, provavelmente, é uma ilusão para eles – mas a crise não é. Dor, agonia e frustração que emergem da crise é algo bastante real para eles.

Finalizando, pode-se dizer que a pandemia instaurou uma crise de carácter excepcional para as elites e para a classe média. Contudo, para os milhões de trabalhadores migrantes indianos a crise é a normalidade. A pandemia expôs a fragilidade da sociedade indiana. Mostrou o desprezo da sociedade indiana aos seus trabalhadores migrantes. O quanto as sociedades podem aguentar forças de voláteis disrupções – só o tempo dirá. A pandemia pode até ter redefinido a ideia de normalidade aos privilegiados. Mas para os excluídos, marginalizados e discriminados, o conforto da normalidade foi sempre uma ilusão.»

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1.7.20

Amália, 100



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O mundo à janela (16)



Macau, 2018.
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Salgueiro Maia



Seiamr 76 anos hoje.
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Fronteiras Portugal - Espanha



Em Elvas, ao fim da manhã de hoje: Sanchez falou em castelhano, António Costa não falou em português. Agachados estivemos, como sempre.
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A 25ª hora do apartheid



«Calculista, antecipa que terá pela frente não mais do que um protesto fingido dos sauditas, a quem promete uma frente comum contra o inimigo iraniano, um aplauso da Casa Branca, um assentimento compungido de Gantz, com quem formou uma coligação que prometia um caminho distinto desta iniciativa de confiscação territorial, e o entusiasmo da extrema-direita israelita.

Mesmo que nenhum dos seus antecessores tenha tido o atrevimento de proceder a esta anexação, se bem que todos tenham violado as deliberações das Nações Unidas com uma displicência que fez escola, para Netanyahu o jogo é tudo ou nada.

Desde as primeiras vitórias militares contra os palestinianos e os exércitos árabes, e com a ocupação de Jerusalém, Israel tem desprezado a solução dos dois Estados, que aliás se tem revelado um beco sem saída. Impôs assim uma divisão e descontinuidade territorial entre Gaza e a Cisjordânia, operando deste modo uma fragmentação política e impedindo a constituição de uma comunidade nacional da Palestina, e submeteu este povo a uma estratégia que alguns têm comparado, o que é razoável, à da imposição dos bantustões do apartheid.

Ao mesmo tempo, criou uma tecnologia de destruição, de vigilância e de punição coletiva (o assassinato extra-judicial, o derrube das casas das famílias dos acusados) que deixa uma marca irreparável, assente no direito irrestrito de matar e de demolir.

Mas a anexação dá um novo passo nessa escalada, retira território e empurra qualquer reivindicação nacional para a guerra. É mesmo o que Netanyahu pretende, o seu poder interno depende do militarismo, o seu poder externo depende da exibição incontestada do extermínio.

A Cisjordânia é um sexto do Alentejo mas tem mais do quádruplo da população, quase três milhões de pessoas (dos quais só 400 mil são colonos israelitas). É uma gigantesca concentração popular, de gente sofrida e humilhada. A sua terra é o que lhes resta e, por isso, só se pode esperar que esta aventura militar e política acentue a tensão e o conflito. Antes isso do que eleições, pensará o primeiro-ministro: se tivesse que dar direito de voto aos cidadãos da zona anexada (afinal, não se tornam eleitores em Israel se dele fazem parte?), toda a operação ficaria em risco. A guerra permanente é mesmo a política por outros meios.»

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30.6.20

O mundo à janela (15)



Casa Museo Taller Casapueblo, Puta Ballena (perto de Punta del Este), Uruguai, 2015.

[Carlos Páez Vilar, uma das glórias do povo uruguaio, nasceu em Montevideu e morreu em 2014, com 90 anos. Viajou pelos quatro cantos do mundo, foi amigo de Picasso, Dali, Calder, Vinícius de Moraes e muitos outros. Homem de sete ofícios, dedicou-se não só à pintura, escultura e cerâmica, mas também ao cinema e à literatura. Em 1958, decidiu construir uma casa por cima das falésias de Punta Ballena e levou 40 anos a concretizar o projecto. A casa é hoje um Museu (mais um hotel e uma outra parte onde a família continua a viver).]
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Nacionalização da TAP?



45 anos, 2 meses e meio depois da primeira, discute-se a hipótese da segunda. Em francês, há uma boa expressão para isto: «tourner en rond ».
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Efeitos colaterais tristes, muito tristes




«A Cirque terá cerca de 1 mil milhão de dólares (890 milhões de euros) de dívidas, de acordo com a CNN, que se tornaram insustentáveis com a crise pandémica. É ainda anunciado que a Cirque está a despedir cerca de 3.500 funcionários.

“Nos últimos 36 anos, o Cirque du Soleil tem sido uma organização altamente bem-sucedida e lucrativa”, disse Daniel Lamarre, CEO do Cirque du Soleil Entertainment Group, em comunicado. “No entanto, com zero de receitas desde o encerramento forçado de todos os nossos espetáculos devido à covid-19, a administração teve que agir rapidamente para proteger o futuro da empresa”.
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A urgência de um estatuto do SNS



«Sem a existência do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (ESNS) a Lei de Bases da Saúde (LBS) é um conjunto de artigos que pouco contribui para a causa da saúde dos portugueses. Porque, e bem, aquela lei tem em vista melhorar a organização e funcionamento do SNS. Assim sendo, na ausência do coração que lhe dá vida e justifica a sua existência, a LBS está a tornar-se numa espécie de bugiganga que se compra nas feiras a um preço bastante convidativo. Tinham sido escusadas tanta discussão, tantas versões, tantas opiniões, tanta disputa, para tudo acabar em meia dúzia de páginas do Diário da República e por lá ficarem a azedarem.

O ESNS é o conjunto articulado de disposições que organiza, ordena e dá sentido ao SNS. Sem ele, tudo quanto agora se faz, faz-se à luz da experiência dos mais de quarenta anos que já leva o SNS. Faz-se com uma mão aqui e outra mão acolá, às apalpadelas, na expectativa de acertar à primeira. Mas o que se tem visto é que a mão aqui tem servido os interesses estranhos ao bem público, e nisso a mão aqui acerta quase sempre à primeira, ao contrário da mão acolá que farta-se de errar para encontrar o que é preciso. Com o vazio criado pela ausência do ESNS, cada um procura fazer à sua maneira, o melhor que pode e sabe, mas o resultado não deixa de ser uma manta de retalhos, sem que os retalhos tenham já qualquer nexo entre eles, sem que exista já qualquer coerência entre as suas peças. Se quiséssemos encontrar um caso em que o todo é menor do que a soma das partes, o SNS seria o melhor exemplo que poderíamos encontrar.

Estando assente que através do MEE, Portugal tem acesso a 500 milhões de euros para ajudar a financiar algumas despesas da luta contra o coronavírus e sendo o SNS o principal actor dessa luta, o risco de a aplicação desse financiamento não obter os resultados desejáveis é grande se o SNS não dispuser de um guião que oriente a melhor utilização desse dinheiro. É que no actual estado das coisas, lançar dinheiro para cima de uma estrutura que se vai aguentando mas que já não consegue ter a agilidade que se exige no seu funcionamento, que é à custa de um esforço exagerado dos seus profissionais que ainda se consegue responder às necessidades da população, é correr o risco de não se ter em conta a melhor e mais útil aplicação desse dinheiro. E bem pode vir a acontecer que uma fracção importante desses 500 milhões de euros vá parar aos bolsos do sector privado, que não deixará agora de estar disponível para ajudar no apoio à pandemia.

Ao considerarmos que é urgente meter mãos à obra e elaborar tão depressa quanto possível o ESNS é também porque não se deve desperdiçar a ocasião para incluir nele as lições retiradas do que correu bem e do que falhou na concepção da resposta à pandemia. Se em muitos aspectos, sobretudo na sua fase de instalação e desenvolvimento, as soluções se mostraram ajustadas ao risco, já na fase de desconfinamento não aconteceu a mesma coisa. O seu planeamento tinha de ter começado muito antes, o envolvimento das comunidades locais tinha sido indispensável e era obrigatória a participação das lideranças informais. É também por isso que é urgente que o SNS seja dotado de um Estatuto que inclua a resposta a todos estes aspectos. Desde a pandemia à dor de dentes.»

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29.6.20

O mundo à janela (14)



Casa do Governo, Baku, Azerbaijão, 2011.
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Os tempos e os modos



Não sou dos que consideram que os responsáveis políticos não devem ir a programas populares de grande audiência, como, por exemplo, os da da manhã na SIC ou na TVI - inserem-se, para o bem e para o mal, no mundo que governam à maneira deles e atingem populações que nem vêem telejornais.

Mas há tempos para tudo e alguns são para um certo recato e seriedade – na minha opinião, evidentemente. E, por isso, confesso que nem consegui sorrir com as graçolas e a (péssima) prestação de António Costa, ontem, no programa do RAP (e antibiótico para tratar do vírus, sr. PM?...), nem com a ida da ministra da Saúde ao «5 para a meia noite», precisamente no dia da problemática reunião no Infarmed e daquilo que se seguiu.
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PS e Offshores


Será desta? Esperar para ver e para crer.


«À semelhança do que exigem BE e PCP, também o PS quer impedir as empresas com sede em offshores de beneficiarem de apoios públicos no futuro. Porém, dada a complexidade do assunto, não está garantido que as propostas em cima da mesa passem na votação na especialidade do Orçamento Suplementar uma vez que “dependerá muito do desenho da medida”, nota João Paulo Correia, em entrevista ao ECO publicada esta segunda-feira.»
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Cidadania digital sem Estado



«Amanhã é o Dia Mundial das Redes Sociais. Se no passado foi importante avaliar o perigo do excesso do seu uso, no presente faz sentido questionar se as democracias se ajustaram à cidadania digital.

Não são só os fenómenos Donald Trump ou as milícias digitais de Jair Bolsonaro que merecem reflexão. Os estados necessitam de reformar as suas práticas online, sob pena do fosso entre eleitos e eleitores aumentar. Em Portugal, 95% dos cidadãos fazem login numa rede social uma vez por dia e, naturalmente, ninguém ficou com dúvidas que as redes foram uma mais-valia durante o período de confinamento. Mais do que afastar quem está perto, como tantas vezes são acusadas, aproximaram quem está longe. Tornaram-se ainda mais transversais. Fizeram com que o isolamento fosse menos penoso para muitos idosos. Foram ainda fundamentais no networking, aliadas na "escola em casa" e, em muitos casos, a única oportunidade para os negócios e para as manifestações culturais. Se já eram ferramentas poderosas, tornaram-se engrenagens essenciais. Em resumo, permitiram manter o contacto com o Mundo e o Mundo em contacto e minimizaram o seu lado mais obscuro.

Mas será que os poderes, os decisores, os políticos em geral estão e querem compreender esta cidadania digital ou só lhes convém a maior visibilidade mediática que as plataformas lhes conferem?

E como é que as democracias vão lidar com fenómenos complexos quando já todos percebemos que os extremistas sabem tirar mais proveito das redes do que os seus opositores? E ficarão sempre dependentes da autorregulação dos gigantes tecnológicos e de umas cosméticas em prol da privacidade, da segurança e da liberdade de expressão das comunidades? Continuarão ainda com leis fiscais obsoletas e à mercê das artimanhas dos líderes do digital?

A presença e ação do Estado na rede é anacrónica, desajustada e tímida. Até mesmo na gestão de crises, não aproveitando as potencialidades óbvias. Recordemos os incêndios de 2017 e agora a pandemia. Basta contar quantas aplicações institucionais temos instaladas nos smartphones para o perceber ou enumerar quantas vezes vimos organizações do Estado no nosso feed.»

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28.6.20

O mundo à janela (13)



Instituto de Estudos Budistas Karma Shri Nalanda, Sikkim (Himalaias Orientais), Índia, 2010.
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Realidade dos factos


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Devíamos estar no mesmo barco



«Nos últimos dias, as notícias relativas à evolução da pandemia na região de Lisboa trouxeram-me à memória a extraordinária comédia de Ettore Scola "Feios, porcos e maus".

Por vezes é preciso fazer-se um retrato exagerado de uma realidade dura e persistentemente colocada na margem, para que as consciências dos acomodados despertem e o coletivo abandone a indiferença.

É confrangedor olhar para o mapa das freguesias da Área Metropolitana de Lisboa - um cordão infecioso em torno da capital que só exclui Oeiras e Cascais - onde está inscrita toda uma trajetória de segregação espacial de classe. De que é que estou a falar? De processos de décadas, recentemente muito acelerados pelo frenesim turístico e imobiliário, de expulsão das populações trabalhadoras e de imigrantes para as periferias de Lisboa. Essas populações estão sujeitas a penosas mobilidades diárias casa-trabalho-casa que acrescentam horas de incómodo aos horários de trabalho já de si longos, à vida em urbes degradadas onde não há condições para garantir os direitos fundamentais. Em muitos casos têm domicílios sem condições de higiene e habitabilidade.

Apanhadas no turbilhão da covid, parte significativa dessas populações teve de continuar a trabalhar. O seu trabalho não pode ser feito a partir de casa e sem ele todos os cidadãos teriam ficado privados de bens e serviços essenciais e impedidos de se confinarem. Encontraram, no seu vaivém diário, transportes servidos a meio gás, muitas vezes apinhados como dantes. Passaram os dias em espaços de trabalho sem a necessária higienização e adequadas medidas de proteção, espaços esses tão congestionados como as festas de aniversário de que o coronavírus gosta para proliferar.

Agora, na Grande Lisboa, há mais contaminados que em todas as outras regiões. No início da pandemia viveu-se essa situação nas periferias industriais da região do Porto. E são tão patéticas as afirmações que no início da pandemia insinuavam que a sua extensão no Norte era inerente a pressupostos défices culturais da população, como aquelas que hoje atribuem as culpas do alastramento na região de Lisboa aos descuidos dos cidadãos que aqui habitam.

Sem diminuir a condenação de todos os descuidos e desrespeitos, há que dizer: o problema central é nunca termos estado todos no mesmo barco. E o mais perverso é que nas entrelinhas do discurso público se vão encontrando alusões, por enquanto envergonhadas, a "bairros perigosos" e "classes perigosas" que devem ser confinados com todo o rigor.

O coronavírus é um vírus muito discriminatório: começa por preferir idosos e pessoas com saúde frágil, gosta de trabalhadores das periferias urbanas, delicia-se com imigrantes desprotegidos, com trabalhadores precários e temporários e, vai-se lá saber porquê, até distingue ramos de atividade - a indústria de processamento de carnes, a construção civil e, claro, os profissionais de saúde e de prestação de cuidados a idosos.

Uma resposta decente e porventura eficaz à covid e às suas consequências será tudo fazer para nos metermos todos no mesmo barco. Isso aconselha a que se abandonem respostas discriminatórias baseadas na identificação de alvos de confinamento cada vez mais finos, que se proteja a sério trabalhadores e populações mais carenciadas e se trabalhe, com visão estratégica, uma sociedade mais igual e coesa.»

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