17.2.24

E sai mais um vaso

 

«Jardim», Vaso em vidro de Murano e esmalte, Arte Déco italiana, 1930.
Pintor e gravador: Guido Balsamo Stella. 

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Alfredo Cunha, 25 de Abril (4)

 


«Amigos

 
A partir de agora, recomeço a publicar, na medida do possível, fotografias relativas ao livro "25 de Abril de 1974, Quinta feira". Espero que gostem tanto como eu gostei de o fazer.» 


Alfredo Cunha no Facebook
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Alípio de Freitas – seriam 95

 


Quem o conheceu nunca esquecerá a força que dele emanava. Mas vale a conhecer a sua vida resumida pelo próprio na Introdução do livro Alípio de Freitas, Palavras de Amigos, Edições Pangeia, 2017. Pode ser lida AQUI.

Hoje, a Associação José Afonso recorda-o com um filme e uma sessão musical, como o jornal Público noticia


E há sempre o Zeca:


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O desdém de Navalny

 


«Testemunha de terror político e vítima de perseguição, Hannah Arendt constatou que, ao contrário da opinião comum, o verdadeiro inimigo da autoridade não é a violência, mas o desprezo. E o melhor aliado do desprezo é o riso.

Para Alexei Navalny, o riso e o desprezo foram armas de eleição para contestar o atual regime político da Rússia, também porque lhe restavam poucos outros instrumentos. O desprezo surgia como resposta à incapacidade de participar efetivamente como igual na política do seu país. Após uma carreira de sete anos no partido político Yabloko, no início do século XXI, Navalny aliou-se a alguns partidos ligados ao nacionalismo russo, uma opção que muitas vezes suscitou dúvidas sobre as ideias que defenderia, caso chegasse ao poder. No entanto, essa hipótese nunca se concretizou, uma vez que o regime político da Rússia enraizava-se no poder, em 2012, e placava a contestação popular.

Foi neste contexto que Navalny se tornou uma figura de oposição destemida. Intentou lutar contra as autoridades russas vigentes por via do desdém e riso, que tanto o singularizava. Através do Youtube e do seu blogue Livejournal, expunha o rol de esquemas que facilitavam o enriquecimento ilícito de determinadas elites na Rússia em conjunto com os respetivos métodos ilegais utilizados para manter o poder. Tornou-se, portanto, uma figura popular incontornável, aquando da tentativa de reeleição de Putin, entre 2011 e 2012. Alvo de perseguição crescente, Navalny tentou candidatar-se à presidência da câmara de Moscovo, em 2013, opção negada através de processos judiciais que lhe foram movidos por entidades estatais em meses subsequentes. Procurou ainda ser candidato à presidência russa em 2018, mas novamente decisões judiciais impediram a apresentação oficial da sua candidatura. Putin, inevitavelmente, foi de novo reeleito, desta vez para um quarto mandato.

Enquanto a visibilidade de Navalny aumentava e os seus canais de media desmontavam a corrupção, frequentemente no tom jocoso que tanto o caracterizava, as restrições à sua liberdade não se cingiriam à arbitrariedade da mera admoestação judicial. O regime não respondia da mesma forma; não ironizava com o que era difícil de ironizar. Endurecia as respostas face ao atrevimento de Navalny. Este foi então envenenado com novichok, em 2020, num avião que seguia de Tomsk para Moscovo. Tratou-se da mesma substância aplicada ao antigo espião Sergei Skripal e à sua filha, Yulia Skripal, em Salisbury, no Reino Unido, em 2018.

Depois de sobreviver ao envenenamento, Navalny não se inibiu de continuar a demonstrar o seu desdém contra quem o tentara assassinar. Com o auxílio de outros meios de comunicação, dissimulou a própria identidade para filmar a sua conversa telefónica com um dos alegados responsáveis pela tentativa de assassínio de que foi alvo. O jornalista que o auxiliou nessa revelação mal escondeu o sorriso, perante a revelação do suposto responsável. A tentativa de assassinato parecia agora menos diabólica do que tragicómica.

Depois de convalescer na Alemanha, Navalny regressou à Rússia, no início de 2021. Questionado sobre se continuaria as suas investigações, Navalny afirmou que sim, pois era precisamente esse o motivo para o seu regresso. Foi preso à chegada. Morreu quase três anos depois, com apenas 47 anos, encarcerado na Sibéria, a quase 1500 km de Moscovo; porém, o riso e o sarcasmo permanecerão para sempre ligados ao seu legado.

Depondo online para um longínquo tribunal, poucas horas antes da sua morte, Navalny troçava do juiz, solicitando-lhe dinheiro para pagar as alegadas coimas que lhe pretendiam aplicar, enquanto permanecia preso. Fica para a história a coragem e o desdém com que Alexei Navalny enfrentou o regime que lhe retirou a liberdade.»

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16.2.24

Casas antigas

 


Uma casa típica do Bairro Francês de Nova Orleãs, fim do século XIX.

Daqui.
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Carlos Paredes – Seriam hoje 99

 



Para melhor o recordar, alguns vídeos AQUI.
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Alexei Navalny

 


Respect.
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Eduardo Gageiro

 


Chega hoje aos 89.

Ver o seu «site».
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O mundo cheira perigosamente a pólvora

 


«A Conferência de Segurança de Munique, um acontecimento anual que agora celebra a sua 60.ª edição, começa hoje e decorre até domingo. Como se tornou hábito, é uma reunião de alto nível. Desta vez, contará com a participação de cerca de 50 Chefes de Estado e de Governo, mais uma centena de ministros e um bom número de líderes de organizações internacionais, de académicos, de pensadores e de jornalistas de relevo internacional.

O relatório que serve de base à conferência deste ano faz um diagnóstico dos principais conflitos em curso e, em resumo, sugere duas conclusões. Primeiro, a competição geopolítica continua a agravar-se, atingindo agora um nível de intensidade e de complexidade sem precedentes desde a criação das Nações Unidas. Segundo, o restabelecimento da cooperação internacional deve ser visto como uma prioridade absoluta. Só assim será possível resolver os desafios mais perigosos, que na realidade não conhecem fronteiras e têm um impacto que não pode ser ignorado. É uma recomendação positiva, num relatório que é, na sua essência, pessimista.

Ao refletir sobre 2024, os relatores chamam sobretudo a atenção para os riscos crescentes em quatro regiões do globo. Dizem-nos que a cena internacional tem mais fogos que bombeiros, que há um acumular de crises graves por resolver e um sistema internacional que deixou de ser respeitado. É uma interrogação clara: em vez de ganharmos todos, preferimos todos perder?

Uma dessas regiões é o leste da Europa. A visão geopolítica que prevalece no Kremlin é uma ameaça que deve ser levada a sério. Consiste numa arrogância e agressividade crescentes, baseadas nas práticas antigas de primeiro inventar conflitos com os vizinhos olhados como rivais, e depois procurar resolvê-los à espadeirada. A minha leitura desta região é conhecida: ou a Rússia se retira e reconhece a soberania da Ucrânia, ou o que agora ocorre nesse país acabará por propagar-se a outros da região. Uma crise desse género traria imensos problemas à unidade da NATO e dos grandes países do mundo ocidental. Em contextos democráticos, estas alianças são mais frágeis do que dão a entender.

No Médio Oriente, que é um barril de pólvora. É uma região de grandes fraturas, onde à xenofobia e à absurdidade das decisões tomadas no século XX, se acrescentam ódios culturais e religiosos, e uma multiplicidade de fronteiras que não respeitam as identidades históricas e dão lugar a nações sem homogeneidade e sem recursos, para além do petróleo e do gás.

O que se convencionou chamar de Indo-Pacífico é outra área problemática. Exige uma atenção crescente, por poder ser o teatro de um conflito de grandes proporções à volta da questão de Taiwan e não só. Xi Jinping acaba de ser reconduzido pela terceira vez como líder do partido único e como Presidente da China, para novos mandatos de cinco anos. Terá, no termo desses mandatos, 74 anos feitos e ninguém sabe se existirão condições para ser reeleito de novo. Ora, na minha opinião, Xi quer ficar na história como o líder que conseguiu subjugar a rebelião de Taiwan. Se essa for de facto a sua ambição máxima, é muito provável que a ação militar contra Taiwan aconteça antes de 2027. E se Trump estiver na Casa Branca, distraído a perseguir os seus adversários internos, a começar pela família Biden, Xi poderá concluir que chegou o momento de avançar e inscrever o seu nome no topo da lista dos heróis da China comunista.

O Sahel forma a quarta região de profunda insegurança. Neste momento, o rol de países absolutamente inseguros inclui o Burkina Faso, o Mali e o Níger. Também deve englobar o Sudão, mergulhado que está numa guerra civil sem dó nem piedade e numa crise humanitária de proporções inimagináveis. Mas o Sudão tem sido excluído dos títulos dos media, de uma maneira inaceitável. As crises no Sahel têm todas as condições para se alastrarem, como já acontece em larga escala na Nigéria e agora no Senegal, por motivo da confusão política criada pelo presidente. No mesmo Senegal que sempre fora considerado como um exemplo de estabilidade e de democracia.

Três outros grandes temas são igualmente discutidos no relatório deste ano: as crescentes disparidades e rivalidades económicas entre diversos blocos do globo, incluindo no que respeita ao que pode acontecer com o desenvolvimento dos BRICS; as consequências das alterações climáticas sobre as relações internacionais, incluindo as migrações; e o impacto da revolução tecnológica e digital.

O relatório descreve um mundo a evoluir num sentido preocupante. E ficaria ainda pior se fosse reeleito em novembro o espectro que vagueia pelos corredores de Munique, silenciosamente, pois ninguém gosta de falar de maus espíritos. Mas novembro ainda vem muito longe e até lá tudo pode acontecer.»

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15.2.24

Poetas

 


Entrada de uma casa na Rua Falk Miksa, Budapeste, 1911.
Arquitecto: Gyula Fodor.


Daqui.
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Alfredo Cunha, 25 de Abril (3)

 


«Amigos

A partir de agora, recomeço a publicar, na medida do possível, fotografias relativas ao livro "25 de Abril de 1974, Quinta feira". Espero que gostem tanto como eu gostei de o fazer.»

Alfredo Cunha no Facebook
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O jovem turco e o líder do PS

 


«Quando, em 2007, Pedro Nuno Santos e um punhado de outros economistas desalinhados do dominante neoliberalismo fundaram um blogue foram buscar inspiração a esta história, que é o enredo do filme de Vittorio de Sica, de 1948. A escolha foi explicada por a trama deste "Ladrões de Bicicletas"  ser um retrato dos “dilemas trágicos que os indivíduos têm de enfrentar em resultado da falta de recursos e de poder”.»

Ler AQUI que vale a pena.
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O voto útil não é solução para nada

 


«A estratégia mais apoiada contra a extrema direita tem sido a de criar uma dicotomia: todos contra o partido fascista. As recentes eleições alemãs na Turíngia, uma região federal do leste da Alemanha, ilustram bem o que isto implica. No final do último mês, todos os partidos apoiaram o partido do centro-direita, a CDU, contra a extrema-direita, a AfD. Apesar do centro-direita ter ganho, apenas o fez com 4,8% de diferença. Na mesma semana o caso foi feito nos media: "A única solução contra a AfD é o voto útil".

O mesmo acontece nas manifestações contra o fascismo que tem tido grande adesão na Alemanha. Nestas manifestações, vão discursar representantes de vários partidos, dos neoliberais, aos partidos e grupos de esquerda, passando pelo centro. Um dos pedidos é ilegalizar a AfD, medida que, ao ser discutida durante meses sem grandes consequências, só tem contribuído para reforçar a dinâmica de um partido isolado, uma alternativa a tudo o resto.

Porque é que isto é uma tática errada? O meu argumento central é que, com isto, os partidos da extrema-direita são capazes de se tornarem, aos olhos da população, a única alternativa ao discurso político e mediático convencional do grande centro. Discurso esse completamente desfasado das demandas populares por uma vida melhor. Isto é um erro que temos que evitar a todo o custo.

Esta dinâmica fica ainda mais perigosa quando este ‘bloco contra a extrema-direita’ faz apelos ao voto útil — reforçando um debate entre os partidos do centro, que representam as insuficiências do presente, e a suposta alternativa representada pela extrema-direita. A história avisa. Veja-se o exemplo de Paul von Hindenburg, presidente da República de Weimar. Apoiado por vários partidos principais, incluindo os sociais-democratas alemães, ganhou as eleições e era tido como a única esperança para fazer frente a Adolf Hitler. Mais tarde, o próprio nomeou Hitler para chanceler e atendeu ao seu pedido de dissolver o parlamento, resultando numa maioria parlamentar de extrema-direita.

Num passado mais recente, veja-se o apelo ao voto útil contra a extrema-direita pelo Partido Socialista português nas últimas eleições de 2022. Não só destruiu os partidos de esquerda como não impediu um crescimento da extrema-direita. O motivo é claro: uma incompetência social e política do PS, incapaz de justificar que o voto nele em vez do voto na extrema-direita valeu a pena.

Nos EUA, com o regresso de Trump, começam a surgir sinais de que o atual presidente Joe Biden também não conseguiu fazer um bom trabalho nesse sentido. A extrema-direita está a atuar como um mecanismo que tem como objetivo salvar o capitalismo de sua própria crise, conforme previsto. E, por outro lado, preservar a ideia de um estado nação, uma fortaleza fechada, com um nacionalismo que sirva de base para manter a sua posição privilegiada no globo. Com isso surgem campanhas políticas como "America first", "Prima l’Italia", "Brexit", "Deutschland. Aber normal".

Um centro incapaz de manter a estabilidade social, económica e política, sem um projeto de resposta eficaz a várias crises, gera um grande descontentamento na população. O capitalismo, ao tentar lidar com as suas crises inevitáveis, procura outras formas de ser popular. Se a ascensão do fascismo é a expressão da crise social do capitalismo, a estratégia só pode passar por atacar a raiz do problema.

Para construir uma alternativa à extrema-direita, é necessário ser principalmente uma alternativa ao sistema. Neste sentido, um movimento antifascista só poderá ser bem-sucedido se tiver no seu centro uma crítica anticapitalista forte, que responda às desigualdades sociais acentuadas pelos partidos no poder. A solução necessária a tudo isto é então um projeto radical como uma alternativa ao centro. A extrema-direita é o antídoto à formação de um movimento de massas da esquerda anticapitalista. É o sistema imunitário do capitalismo. A esquerda tem de ser uma alternativa ao centro e isso também implica distanciar-se dele a todo o custo. Procurando assim uma aliança com a população e com os trabalhadores, em vez de uma aliança direta ou indireta com partidos liberais.»

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14.2.24

Dia dos Namorados em 4ªf de Cinzas

 


«JE T’AIME!»

É o que se pode arranjar.
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Debates e democracia

 



Ana Drago
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AD e as mulheres

 


Mais vale rir...
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Mortágua, Ventura e a confusão sobre os populismos

 


«Quando um comentador se sente equidistante de duas forças acha que elas são extremadas e equivalentes. Ora, não há equivalência possível entre o discurso do Bloco de Esquerda e do Chega sobre a imigração ou direitos das mulheres, para pegar em dois temas do debate de ontem entre Mariana Mortágua e André Ventura. São opostos, o que não quer dizer que sejam extremados.

Não vou fazer a análise das vitórias e derrotas de cada um dos intervenientes – concordo com a vitória dada pela generalidade dos comentadores a Mortágua –, nem dos temas. Interessa-me mais a estratégia que Mortágua usou no debate contra Ventura e tem usado na campanha. Independentemente das potencialidades e riscos para a esquerda (não tenho certezas), tem sido a estratégia mais eficaz no enfrentamento com a extrema-direita, como Jean-Luc Mélenchon, figura pela qual tenho pouca simpatia, tem mostrado em França. Tem sido o único a tentar disputar, com algum sucesso, o descontentamento estrutural perante as consequências de um capitalismo globalizado, financeirizado e profunda crise de representação política. Adotando a estratégia do populismo de esquerda, teorizado e defendido por Chantal Mouffe e Ernesto Laclau e outros autores. O mesmo aconteceu com Bernie Sanders, nos Estados Unidos.

Demagogia, populismo e extremismo tornaram-se sinónimos, no debate público. Mas um demagogo não tem de ser populista, um populista não tem de ser demagogo e nem um nem outro têm de ser extremistas. Querem discurso mais demagógico do que a comparação entre as finanças do Estado e das famílias? Não foi sobejamente usado pelo mainstream político, durante a última crise financeira? E dizer que se baixam impostos e a economia cresce milagrosamente? Não é apresentar uma solução fácil para um problema complexo? E não é a base da proposta económica da AD, nestas eleições? Não é o neoliberalismo radical extremista? E que tem ele de populista?

Populismo é das palavras mais esvaziadas de sentido no debate público. Parece servir apenas para desdenhar a popularidade alheia. Como se o problema de uma proposta política fosse ter fácil adesão popular. Apesar de a poder incluir, populismo não é demagogia. Porque ela sempre existiu em todos os campos políticos. Pode ser o discurso que explora o medo das pessoas. Mas, de alguma forma, todas as propostas políticas dependem de esperanças e medos: o medo da insegurança, do desemprego, da guerra, da pobreza, da fome, da doença. Pode ser o discurso que tenta fazer parecer fácil o que é difícil. Mas a simplificação da proposta faz parte da necessidade de conquistar adesão emocional. E o discurso profético é, sempre foi, um elemento central em todo o discurso político.

Na forma como pensa e organiza o confronto político e social, o populista opõe o campo maioritário de oprimidos, o “povo", a uma minoria privilegiada. E propõe-se representar o espaço popular. Mas o populismo de esquerda e de direita são muitíssimo diferentes. Não são eticamente comparáveis e politicamente equivalentes. O primeiro não tem a exclusão e a desigualdade como objetivos e os mais frágeis como alvo. Pelo contrário.

O populismo de direita dirige-se para "cima", através do anti-intelectualismo, que escolhe as elites culturais como alvo; e para "baixo", sejam as minorias étnicas e religiosas e os muito pobres, responsabilizados pela insegurança dos "cidadãos normais e de bem", sejam as minorias sexuais, que, responsáveis pela corrupção moral da sociedade. John Judis, em “A Explosão do Populismo”, chamou-lhe de “populismo triádico”.

O populismo de esquerda tem como alvo apenas os "de cima" – a elite económica, associada ao privilégio, à exploração ou à corrupção. Traduz-se na expressão "99% contra o 1%", que marcou o discurso do movimento Occupy Wall Street e de Sanders. Judis chamou-lhe de “populismo diádico”. Não deixa de ter riscos relevantes: o confronto entre "nós" e "eles" acaba sempre por desumanizar o adversário e simplificar os campos políticos. Mas é difícil qualquer confronto político que não se afirme por oposição aos outros.

O relevante do debate de ontem não foi a violência do confronto. Esteve longe de ser o debate mais quente em que o líder do Chega participou. Nem foram as mentiras ou a demagogia. O mais evidente foi o confronto entre estes dois populismos. Mariana Mortágua não atacou André Ventura por ele se afastar do consenso que ela própria partilha com os restantes partidos políticos, contra o securiatismo ou a xenofobia. Também o fez, mas não foi o centro do seu ataque que, apesar de animar sempre os comentadores, nunca fez mossa na extrema-direita. Se fizesse, ela não continuaria a insistir no securitarismo e na xenofobia como tática de crescimento político.

Para além de defender as vítimas preferenciais do populismo de direita – os imigrantes –, Mariana Mortágua empenhou-se em mostrar que o populismo de Ventura protege o poder económico, que nunca inclui na “elite”. Porque depende dele, protege-o e serve-o. Depende do seu financiamento. E protege-o e serve-o na defesa dos off-shores, dos “vistos gold” ou das borlas fiscais, usando os exemplos escolhidos pela líder do Bloco de Esquerda. A prova que esta estratégia é eficaz é que o Chega, que nunca cede no ataque aos de baixo, tenta esconder a proteção que dá aos de cima, simulando a defesa inconsequente de medidas contra a banca, por exemplo. Quem não se recorda, no entanto, das três votações diferentes do Chega sobre a transferência de dinheiro público para o Novo Banco, procurando ficar bem na fotografia sem realmente a pôr em causa? Tenta esconder quem serve, sabendo que a denúncia da sua cumplicidade é eficaz.

Ontem, não assistimos a um confronto entre extremos. Assistimos à disputa da representação de um descontentamento profundo com aquilo a que, simplificando, chamamos “sistema”. E esse descontentamento tem de ser representado e disputado. Não sei se me revejo a consequência deste populismo de esquerda. Sei que ele é indispensável para travar o crescimento da extrema-direita. E não é por fazer essa disputa (não obrigatoriamente pelos mesmos eleitores) que os dois lados se tocam. Só ela pode impedir que o Chega consiga fazer na maioria do povo o que já consegue fazer na polícia. Mariana Mortágua mostrou, no debate de ontem, a eficácia da estratégia. E os seus riscos.»

~.

13.2.24

Land Art

 


Tricô com pedra («Stone Knitting»), 2024.
Jon Foreman: «Criado em Freshwater West [West Wales]. Sem plano, comecei por fazer um ziguezague (com algumas pedras amarelada no centro). O círculo, a cor e a mudança de escala foram ideias secundárias que ocorreram enquanto trabalhava.»

Daqui.
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Dia Mundial da Rádio (2)

 


Recordo uma outra rádio, a que ouvíamos, em tempos negros, com a gravação da voz de Manuel Alegre, mais do que provavelmente na emissão do dia em que Salazar morreu: era segunda-feira, nesse 27 de Julho de 1970, um dos dias da semana em que a Rádio emitia.

Dá-se conta também, entre outras notícias, do acidente aéreo em que tinham morrido quatro deputados da Ala Liberal alguns dias antes.

Ouvir Manuel Alegre, nesse dia, AQUI.
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Dia Mundial a Rádio

 


Depois do relógio de pulso, um rádio privativo era prenda dourada para os adolescentes, a décadas das Play Stations e dos tablets. E foi assim que este aparelho entrou no meu quarto e ficou durante anos numa daquelas mesas de cabeceira antigas com tampo de mármore e uma portinha para o penico. E ainda está algures aqui por casa.

Eram muito poucas as famílias «normais» que tinham acesso a televisão, quem nos dava electricidade ainda não eram os chineses (pelo menos em Lisboa era a CRGE), se já existiam hackers tinham outro nome e nunca se lembraram de me impedir de fugir dos adultos logo que possível e de ouvir rádio horas a fio. De noticiários não me lembro, futebol não me interessava, mas o paraíso chegava com os relatos dos campeonatos de hóquei em patins, certamente porque Portugal ganhava muitas vezes. Havia muita música portuguesa e talvez ainda saiba de cor o refrão do hino de «Os companheiros da alegria».
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Alfredo Cunha, 25 de Abril (2)

 


«Amigos

A partir de agora, recomeço a publicar, na medida do possível, fotografias relativas ao livro "25 de Abril de 1974, Quinta feira". Espero que gostem tanto como eu gostei de o fazer.»

Alfredo Cunha no Facebook
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Debates para comentadores

 


«É uma espécie de jogo de boxe, em alguns casos; noutros, uma disputa a ver quem consegue interromper mais vezes o adversário, quem consegue falar mais depressa, quem consegue lançar para cima da mesa acusações, nunca depois verificadas, e que, para os menos informados ou desatentos, figurarão como verdades.

Os debates nos canais televisivos para as legislativas, desde há uma semana no ar, assumem esta forma. Esclarecer o eleitorado devia ser o objetivo. Não é. Quando muito, será mais um espetáculo televisivo, onde o líder do partido, candidato às legislativas do próximo dia 10 de março, tem pouco mais de uma dezena de minutos para apresentar as suas propostas, debatê-las com o opositor. A moderar, não raro, um jornalista, pouco poupado nas palavras, acaba por ocupar tanto tempo no debate como os seus convidados - esquecendo que o frente a frente existe para se ouvir propostas dos candidatos, sem abdicar, naturalmente, de questionar.

É esse o seu papel. Mas, enfim, começa a ser regra relegar os convidados para segundo plano. E como se o mundo estivesse invertido, as televisões dão agora mais espaço ao comentário dos debates do que aos próprios debates. É o metadebate, um cenário novo que já motivou uma carta aberta do Conselho Nacional da Juventude dirigida ao presidente da República, à Comissão Nacional de Eleições e aos órgãos de Comunicação Social. Nessa missiva, é pedido mais tempo, do que “uma pausa para café”, para os candidatos explicarem as suas propostas ao país.

No que assistimos, dizem, “resta apenas a desinformação, a política do soundbyte e dos pequenos cortes de vídeo de um minuto, contribuindo para criar caos, não sendo fiel aos desígnios que um debate devia cumprir: esclarecer e informar”. Quem escolheu este modelo achará que o esclarecimento vem, logo a seguir, com notas e tudo, pela boca dos doutos comentadores - estão lá, como dizia um especialista em comunicação, para descodificar o discurso dos políticos, como se os portugueses tivessem orelhas de burro.»

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12.2.24

Quando se usava tinteiros

 


Tinteiro Arte Nova com tampa dupla de vidro. Decoração magnífica gravada a ácido, pintura com esmaltes policromados de duas libélulas em vôo sobre violetas em flor. 1890-1900.
Daum.

Daqui.
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12.02.1929 - Nuno Bragança

 


Eu já divulguei, mais de uma vez, quase tudo o que digo neste texto. Mas faz-me alguma impressão pensar que o Nuno chegaria hoje aos 95, quando ainda o revejo sempre com 30 e tal ou 40.

Morreu com 56 e vale a pena voltar a ouvir um notável documentário que a RTP tem online, com curtos extractos de uma entrevista e, sobretudo, com depoimentos de um conjunto de pessoas que o conheceu bem: Pedro Tamen, Maria Velho da Costa (depoimento interessantíssimo do ponto de vista literário), António Alçada Baptista, Nuno Teotónio Pereira, Carlos Antunes, Maria Belo e Fernando Lopes – todos menos uma já desaparecidos.

Mas retomo também as minhas recordações pessoais, ainda bem vivas. De uma colheita anterior à minha, foi sempre reconhecido por todos como absolutamente excepcional, mesmo antes, bem antes, de A Noite e o Riso por aí aparecer com estrondo.

Errando pelos mesmos meios oposicionistas, os destinos juntaram-nos também em casa de amigos comuns, onde passámos longas semanas de férias – nos tais anos sessenta que por cá também foram loucos embora só para minorias, em plena Serra da Arrábida, sem electricidade e quando um gira-discos a pilhas, vindo da América, fez figura do mais sofisticado robô. Um pouco mais tarde, viria a acampar, no sentido estrito da palavra, no minúsculo apartamento em que o Nuno viveu vários anos em Paris. E confirmo o que a lenda conta: saía de casa por volta das cinco da manhã para escrever durante algumas horas antes de iniciar mais um dia de trabalho.

Para a História ficou sobretudo o escritor e o excelente documentário U Omãi Qe Dava Pulus, de João Pinto Nogueira. Eu registo também o católico resistente, boémio e espartano, fundador de «O Tempo e o Modo», membro do MAR (Movimento de Acção Revolucionária), colaborador das Brigadas Revolucionárias, o conspirador por feitio e por excelência – neste caso, não tanto A Noite e o Riso, antes Directa e Square Tolstoi.

Reencontrei há alguns anos esta velha fotografia de um jantar colectivo, onde fiquei sentada quase em frente do Nuno. Quase todos os que lá estavam já se foram embora. Mas devo-lhes muito do que hoje sou. Muito, mesmo.



«O» Debate de hoje

 


Às 21:00 na RTP 1. Este é que não perco, vai ser de rebimba o malho. E eu que não tenho pipocas em casa!
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O 25 de abril não chegou à justiça

 


«Faço um intervalo na análise da campanha eleitoral, momento central do que construímos a partir do 25 de abril, para assinalar um insulto à liberdade que também conquistámos nesse dia. De nada serve apontar o dedo a políticos que desrespeitam, em palavras e propostas, os fundamentos do Estado de Direito Democrático, se ficamos calados quando esses fundamentos são atacados, em atos, por aqueles que os têm de defender.

Serei dos últimos suspeitos de qualquer simpatia por aqueles que fazem parte do polvo da Madeira, onde a promiscuidade entre o partido quase único e os negócios se mistura com a perseguição à oposição e à liberdade de imprensa. Denuncio-os há décadas, o que me valeu sucessivos processos judiciais do poder jardinista, de que esta gente é um decadente despojo. Mas isso não faz recuar a minha indignação perante o abuso de poder que representa a detenção, para realizar um interrogatório, do ex-autarca Pedro Calado e dos empresários Avelino Farinha e Custódio Correia, por 19 dias (desde 24 de janeiro), antes de qualquer decisão de um juiz sobre as medidas de coação a aplicar.

Estes três cidadãos em pleno gozo dos seus direitos não estão detidos porque um juiz tenha verificado as condições para a aplicação da prisão preventiva. Isso é o que se espera que seja decidido, provavelmente quarta-feira (21 dias de detenção), porque a liberdade teve direito a tolerância de ponto. Estão detidos como qualquer um de nós poderia estar, se tivesse de ser ouvido por um juiz. Estão privados da sua liberdade muito para lá do que a lei pretende para uma detenção. Estão, com base numa leitura abusiva de uma lei demasiado vaga, sequestrados pelo Estado.

As celas da PJ, onde ficarão enclausurados por três semanas, são pequenas e não permitem visitas ou passeios. Porque são pensadas para dois ou três dias, tempo aceitável de detenção, em casos excepcionais – o normal deveria ser a liberdade, até se decidirem as medidas de coação, apresentando-se voluntariamente a interrogatório.

Se as recorrentes detenções inúteis, em casos mediáticos, é uma forma de reforçar a imagem pública de culpabilidade (tal como o espetáculo de transportar Pedro Calado algemado, para Lisboa), estas detenções muito prolongadas pretendem quebrar o arguido nos interrogatórios. Uma técnica digna de ditaduras que, ainda por cima, acaba por condicionar a escolha das medidas de coação: como pode, depois disto, não decidir a prisão preventiva, sem um pedido de desculpas?

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) disse, há 12 dias, que estava “preocupado” com a demora nos primeiros interrogatórios judiciais e admitiu estudar “soluções práticas” para defender o direito constitucional dos arguidos, sugerindo mudanças na lei. Como afirmou o advogado de Pedro Calado, Paulo Sá e Cunha, se o CSM estava preocupado não precisaria de atirar os direitos destes cidadãos concretos para as calendas. Bastaria pôr mais juízes de instrução a ouvi-los. Perante isto, espero que este caso chegue à justiça europeia e que o Estado português seja, mais uma vez, punido.

O que assistimos, em casos mediáticos como estes, não é exatamente igual ao que se passa com o cidadão comum. Há coisas mais graves, que resultam do exibicionismo justicialista, outras menos, por haver mais escrutínio. Mas é a mesma cultura que explica que um dos países mais seguros do mundo tenha a média mais alta de duração das penas de prisão da Europa (mais do dobro), aparecendo as degradantes condições dos seus estabelecimentos prisionais em sucessivos relatórios internacionais. O 25 de abril nunca chegou à justiça. E isso ajuda a explicar porque se tornou tão permeável ao populismo judicial.

A campanha e os debates têm passado ao lado deste tema, o que não deixa de ser caricato, quando as eleições acontecem por causa de um caso judicial. Todos parecem levar à letra a frase que António Costa foi repetindo (até lhe tocar): à justiça o que é da justiça, à política o que é da política. Os políticos parecem achar que a sua função se resume à mera gestão administrativa da máquina judicial. Como se direitos, liberdades e garantias; organização e autonomia do Ministério Público; e instrumentos de combate à corrupção que equilibrem eficácia e direitos (têm faltado as duas coisas) não tivessem de ser tratados pelos eleitos. Têm medo que pareça que se estão a proteger. Ou de serem alvo da aliança entre jornalismo tabloide e o justicialismo de alguns procuradores. Têm medo de defender os valores democráticos.

Estes cidadãos detidos representam tudo o que combato na ilha onde estão boa parte das minhas origens. E, na indignação, até faço coro com Alberto João Jardim, o homem que usou e abusou da justiça para perseguir adversários e jornalistas, eu incluído. Não me incomoda. A defesa do Estado de Direito Democrático começa na defesa dos direitos dos nossos adversários. É uma vergonha que Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia estejam detidos, sem uma decisão de um juiz sobre as medidas de coação, há cerca de 20 dias. Como canta Sérgio Godinho, “a corda dum outro serve-me no pé, nos dois punhos, nas mãos, no pescoço”. Sou eu que estou detido. Somos nós. Enquanto não pensarmos assim o 25 de abril não se cumpriu.»

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11.2.24

Alfredo Cunha, 25 de Abril (1)

 


«Amigos

A partir de agora, recomeço a publicar, na medida do possível, fotografias relativas ao livro "25 de Abril de 1974, Quinta feira." Espero que gostem tanto como eu gostei de o fazer.»

Alfredo Cunha no Facebook
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11.02.1990 – A libertação de Mandela

 



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Há 17 anos, a vitória da IVG

 

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A formiga no lavatório

 


«Vou lavar a cara e o lavatório está cheio de formigas. Até estava giro. Atribuí-lhe um prémio de design e o preço numa loja chique de decoração: 3500 euros, com as torneiras (também com formigas) à parte, 1150 cada uma.

Pensei no Dalai Lama – esse exibicionista – mas não hesitei. Abri a torneira e levei as formigas num caudal de água, pelo ralo abaixo.

Morreram 30 e tal. Mas uma, que estava escondida atrás da torneira (esperta!), sobreviveu. Essa não fui capaz de matar. Estive para escrever “essa deixei viver”, mas as frases armadas em Deus ficam sempre mal.

Enquanto lavava a cara, entrevistei a formiga para uma televisão americana, com vista a publicar um bestseller sobre o sucesso de uma formiga que ousou lutar contra o sistema – e venceu.

A formiga contou-me que, lá no formigueiro onde foi criada, toda a gente era contra a expedição ao lavatório. “Vais morrer!”, disseram. “Os humanos matam-te!”, gritaram.

Mas a formiga era teimosa e foi na mesma. Estava convencida que conseguiria. E conseguiu mesmo: a prova é estar aqui, neste momento, a falar consigo.

São assim todas as histórias de sucesso dos nossos dias: toda a gente era contra, disseram-me que era impossível, ninguém acreditou em mim, mas eu mandei-os todos pentear macacos, fiz-me à estrada e... o resto já sabem.

O pior é que só ouvimos quem triunfou. E as 30 formigas que morreram?

Também eram teimosas. Também eram valentes. Também levaram na cabeça lá no formigueiro. As famílias delas também se puseram de joelhos a pedir que não fossem ao lavatório. Mas elas foram na mesma.

A verdade, formiguinha, é que, por trás de cada êxito está uma improbabilidade. Por cada fumador que viveu até aos 90 anos e que aparece nas televisões todas, há 90 que estão há 45 anos caladinhos no cemitério, mortos por um cancro nos pulmões.

A estatística é que diz a verdade.

Se as formigas soubessem, antes de partir, que só havia uma chance em 30 de sobreviver, quantas teriam partido?»

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