Quem teve filhos que passaram pela saga do acesso ao ensino superior público, nas últimas décadas, dá sempre pelo menos uma vista de olhos às listas de colocações, à oferta e à procura, às notas mínimas para entrada nuns tantos cursos – é uma espécie de trauma que imprime carácter…
Deixando de lado o que se sabe imediatamente quanto a percentagens de sucesso, felizmente muito mais elevadas nos últimos anos, e quanto às tendências que se mantêm ao longo do tempo – os números relativos a Medicina e aparentados e a potenciais arquitectos e outros artistas – , há algumas outras realidades que não deixam de me impressionar.
Uma delas tem a ver com a diminuição crescente da procura de cursos na área das chamadas Humanidades, onde a oferta não é especialmente generosa e, mesmo assim, se entra com médias baixíssimas. Para dar apenas um exemplo que me é próximo, refira-se o curso de Filosofia, que foi tradicionalmente reputado por atrair gente especialmente interessada e com altas classificações no Secundário. Este ano a Clássica de Lisboa abriu 65 vagas, só preencheu 40 e o último aluno a entrar teve média de 10,65… Imagino o pesadelo que seria (será certamente para alguém…) ensinar hoje Lógica ou Teoria do Conhecimento a uma turma destas!
No extremo oposto, Direito intriga-me e, por mais que tente, não consigo interpretar o fenómeno do número de vocações para juristas neste país. Sabendo-se à partida que a maioria esmagadora dos que chegam a entrar não arranjará ocupação adequada à saída, que nem sequer tem a hipótese de emigrar usando o canudo que eventualmente possa levar debaixo do braço porque não há diploma menos «internacionalista», e que o destino mais provável é um Call Center ou uma caixa num hipermercado, por que mágica razão se esgotam as mais de 1.000 vagas abertas em Lisboa, Coimbra e Porto, sendo exigidas médias que vão de 14 a quase 17, o que significa que muitos candidatos ficaram à porta e irão amanhã matricular-se na Católica ou em privadas? Um verdadeiro enigma que não sei se deva ser interpretado como uma vertente masoquista dos nossos jovens ou se é, bem pelo contrário, uma nova forma de espírito missionário de quem nasceu e cresceu a ouvir dizer que é preciso salvar a Justiça…
P. S. – A propósito da média muito baixa que referi para o último colocado em Filosofia, surgiu na Caixa de Comentários a mais do que legítima hipótese de o 40º ser uma excepção e os outros poderem ter excelentes notas, precisamente por se tratar de uma licenciatura com um público especial.
É o tipo de desafio a que não resisto e analisei-os um a um. Conclusão sumária:
- Não há médias excepcionais: um 16, dois 15, seis 14.
- Sobretudo: só para 16 candidatos, Filosofia é a primeira opção. Para 15 deles, é 4ª, 5ª ou 6ª, o que significa que alguns nem virão a inscrever-se naquele curso, optando por universidades privadas (curiosamente, para vários, Direito era a 1ª opção…)
Aproveito para mais uma informação: na primeira metade da década de 60, quando no país havia menos de 25.000 estudantes universitários (ao todo, sim, em Lisboa, Porto e Coimbra), Filosofia tinha, em valor absoluto, mais alunos do que actualmente.
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