1.6.24

Mais um vaso e é azul

 


Vaso de cristal Val Saint Lambert, modelo Pax, cerca de 1925.
Joseph Simon.


01.06.1967 – Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band

 


Foi há 57 anos que os Beatles lançaram o álbum em Londres (e, nos Estados Unidos, no dia seguinte).

A BBC considerou que várias canções tinham letras influenciadas por drogas e proibiu que fossem transmitidas. Mas só nos EUA foram vendidas mais de 11 milhões de cópias do LP.

Mais informação e vídeos com três das treze canções AQUI.

Os dois homens mais perigosos do mundo: Putin e Trump...

 


«… e que são aliados. Este par tem como objectivo primeiro deter um poder pessoal absoluto nos seus países. Por isso mesmo, são inimigos, antes de tudo, da democracia, o resto vem por acrescento. As motivações nacionalistas estão estritamente ligadas às suas ambições de poder, mas são, num certo sentido, secundárias e instrumentais e, por isso, não são de imediato antagónicas. Não há, portanto, em ambos uma lógica de confronto nas suas ambições a curto prazo. Os seus inimigos são de dentro, e só os procuram fora quando isso serve para consolidar o seu poder dentro. Putin precisa mais do “fora”, Trump do “dentro”. Trump é isolacionista e Putin quer um espaço vital na Europa, que Trump lhe dará sem problemas. No plano internacional, o isolacionismo dos EUA é o melhor que Trump pode oferecer a Putin. O único elemento perturbador é a China.

Como ameaça à democracia, Trump é mais perigoso, porque actua num país democrático, e num quadro democrático que ele anuncia, sem disfarce, querer subverter. Como afirma, pretende ser “ditador por um dia”, e mesmo que não se tomem à letra as 24 horas, isso basta. Alterará o equilíbrio dos poderes, exercerá o poder presidencial sem qualquer limitação constitucional, e, talvez o mais importante, perseguirá todos os que se lhe opuseram, numa vingança que conduzirá o mais longe que puder. Trump levará, como já de algum modo faz, os EUA a um clima de pré-guerra civil, e só a moleza dos democratas permitirá que ganhe.

Quem está literalmente entalada, entre os dois, é a Europa, e parece que vários dirigentes europeus já perceberam isso. No entanto, não é líquido que os europeus, principalmente os que estão mais longe dos campos de batalha da Ucrânia, o tenham interiorizado. Os países bálticos, a Polónia, a Finlândia percebem-no bem de mais, e basta olhar para o facto de a Suécia, o mais neutral dos países, ter entrado para a OTAN para ver o que é a percepção do risco que nessa parte da Europa existe.

Para os europeus, os termos do dilema são muito simples, tão simples quanto complicados e difíceis de implementar: ou se armam e se preparam para garantir a sua defesa sem terem os EUA de Trump como seu aliado – embora se possa admitir que, mesmo com Trump, possa haver pressões suficientes para actuar contra Putin, só que não é certo – ou ficam sem política externa e de defesa própria, como aconteceu com a Áustria e a Finlândia no pós-guerra. Isto para a Europa ocidental, porque a do centro e leste fica sob a suserania russa.

A Europa tem duas potências nucleares, o que é um relativo poder de persuasão, duas forças armadas capazes, as do Reino Unido e da Polónia, e outras com alguma capacidade bélica, como a França e a Alemanha. Parece bizarro ter de olhar para estes aspectos, mas hoje tem mesmo de ser. O problema para os europeus é tanto maior quanto o quadro da OTAN pode revelar-se muito difícil ou mesmo impossível. A prazo, mesmo no plano convencional, a Europa é capaz de deter a Rússia, e Putin sabe disso, logo investe em líderes como Orbán e na extrema-direita europeia, e numa contínua perturbação das eleições democráticas e num enorme esforço no campo da cibernética e da espionagem.

Há duas coisas que os candidatos da democracia e liberdade nas eleições portuguesas, que não são todos, deviam estar a dizer de forma clara e não ambígua. Uma é que história com “h” pequeno, a única que existe, é assim mesmo e, por muito que desejemos a paz, convém ter a noção de que a Europa é um continente de guerra. Podemos não gostar, podemos querer parecer o que não somos, mas esta é a Europa de sempre, que só teve paz entre 1945 e o início da guerra da Jugoslávia e que esses anos são recorde de anos da Europa sem guerra. A outra coisa é que a mesma história com “h” pequeno rege-se pela Lei de Murphy: se uma coisa pode correr mal, é muito provável que corra mal. Lá teremos que gastar nos canhões e não no pão.»



Da série Grandes Capas

 


31.5.24

“Perdi a primeira parte da final do Euro 2016 porque fui à Missa. Só havia Missa em Portimão àquela hora“

 


Há oito anos, o rapazinho tinha 20. Bem podia ter ido para um Seminário e seria agora candidato a Patriarca de Lisboa e não estava a entrar-nos pela casa dentro todos os dias.

Daqui.

A juventude retardada

 


«Se os indivíduos até aos 35 anos podem ser classificados como jovens é porque a integração na sociedade adulta, na sociedade do trabalho e da autonomia familiar é cada vez mais precária e tardia, ou nem chega a acontecer, para muitos. O mínimo que se pode dizer é que a juventude perdeu a sua significação política e social e só sobrevive sob a tutela dos pais e do Estado, imobilizada num estado de menoridade. A juventude de hoje vive uma situação desencantada. Foi dilapidada ou, em todo o caso, desapropriada de qualquer missão histórica, uma vocação capaz de dar um nome à tonalidade que marca a nossa época.»


Como há quem esteja inscrito para votar antecipadamente no dia 2…

 


Um país, dois sistemas

 


«Em momentos de maior cinismo, apetece-me agradecer a quem ganha mil euros e votou na AD. A sua generosidade para com os que têm o ‘azar’ de ganhar bem é comovente. E o argumento para a nova política fiscal não podia ser mais classista, como é toda a tralha meritocrática: os invejosos que não querem baixar os impostos a quem ganha mais estão a castigar quem se esforçou. Ficam a saber os milhões de portugueses que, se ganham pouco, é por falta de trabalho e empenho.

Como explica um estudo do Banco de Portugal sobre os efeitos redistributivos dos impostos sobre o rendimento, publicado em dezembro, o atual IRS é “um instrumento privilegiado para reduzir a desigualdade”. Apesar do IRS ser mais progressivo em Portugal, não o é suficientemente, tendo em conta uma desigualdade superior à média europeia. “A taxa média efetiva de IRS em Portugal é baixa”, lê-se no estudo do banco central. Um trabalhador que recebe o salário médio em Portugal paga uma taxa de IRS de 10%, abaixo dos 14% da zona euro.

Depois de uma proposta fiscal que se concentrava exclusivamente nos escalões mais altos, reduzindo a progressividade do sistema, a AD usou a suposta tentativa de conter a emigração de jovens para criar dois regimes em Portugal. Um para os mais jovens, outro para os mais velhos. A guerra de gerações ignora o sacrifício dos que, com poucos estudos e baixos salários, trabalharam para pagar as ferramentas de formação a milhares de jovens que hoje podem competir por um posto de trabalho nos Paí¬ses Baixos, Bélgica ou EUA. Para “protegerem a geração mais qualificada de sempre”, vão ter de pagar impostos muito mais altos do que eles. É tão iníquo um sistema que dá borlas fiscais a estrangeiros como um que permite a quem ganha mais de 6000 euros pagar a mesma taxa de IRS que ‘idosos’ de 36 ou 40 anos que ganhem 1200 euros, um valor abaixo do salário médio. E nada fará para impedir a emigração, que tem tudo a ver com condições laborais e salariais, ambiente nas empresas ou perspetivas de carreira, e muito pouco com impostos. Os nossos salários brutos são muito mais baixos do que os salários líquidos dos países destino da nossa emigração. Na maioria, os impostos até são mais altos.

Há, em Portugal, um défice de dados públicos. Mas pior do que não ter informação é usar dados errados. Foi o que aconteceu com a emigração de jovens qualificados, um tema que ocupou o espaço mediático nos últimos dois anos e foi aproveitado para tornar indiscutível a necessidade de descer os impostos aos jovens. Ficámos a saber, sem grande destaque, que uma alteração de metodologia da análise do INE durante a pandemia explica a suposta debandada — que foi muitíssimo mais alta durante a crise financeira. Tivemos, na realidade, mais 46 mil postos de trabalho ocupados por licenciados e não menos 69 mil, como se dissera. Há é mais licenciados do que as nossas empresas conseguem absorver. Mas foi um pretexto para o Governo com mais curto apoio parlamentar da nossa democracia fazer, quase sem debate, a mais violenta transformação do nosso IRS. É verdade que já existe um regime especial de IRS, mas ao diluir-se ao longo dos primeiros cinco anos funciona como um apoio para o início de vida ativa, não como uma nova estrutura fiscal, quase sem progressividade, que se pode aplicar a um terço de uma vida contributiva.

Se um jovem receber 1000 euros, que é o rendimento de dois terços das pessoas da sua geração, poupa apenas 420 euros anuais a partir do quinto ano. Quem recebe 2500 euros fica com mais 3700 euros por ano. Como a taxa tem um efeito de escadinha, quem ganha 6000 mil euros poupa quase 14 mil euros e quem recebe mais de 10 mil euros por mês ficará com mais 19 mil euros anuais no bolso. A ‘borla’ do PS durava apenas cinco anos, a da AD não só se prolonga no tempo como beneficia de forma muito mais rápida quem mais ganha. É aceitável que os jovens que ganham 1000 euros poupem 5% do seu rendimento e quem ganha 5000 poupe 20%? Vai-se exigir um esforço de mil milhões de euros ao país para ajudar, de forma desproporcional, os jovens mais ricos? Ao garantir uma taxa máxima de 15% para rendimentos que englobam até quem recebe mais de 6000 euros por mês, quatro vezes o salário médio do país, o Estado beneficia quem tem maiores rendimentos. A conta será paga, em perda de serviços, pela imensa legião que ganha pouco mais de mil euros. No IMT, a isenção até aos 35 anos em casas vai até 316 mil euros e oferece-se um desconto de mais de 14 mil euros em casas até 633 mil euros, o dobro do valor médio das casas novas à venda.

Mas podem ficar descansados os abonados mais velhos. Isto é só o balão de ensaio para rebentar com a progressividade do IRS, cavando ainda mais o fosso das desigualdades. A proposta de Montenegro é inspirada na taxa plana da IL e do Chega e está a léguas da visão redistributiva defendida, por exemplo, pela descida do IVA para a eletricidade imposta pelo PS, que fez o Governo tocar as sirenes da estabilidade das contas públicas. Quando é para todos já não há dinheiro. Porque a divergência nunca foi se se desce ou sobe os impostos. Foi e será sempre quem paga.»



30.5.24

Mais dedais

 


Dedais em prata de lei, 1890.
E.G. Webster & Filho.

Daqui.

«Surprise»? Claro que não, são farinha do mesmo saco

 



Um pouco mais de azul (10)

 




Os extremistas do silêncio

 


«Hesitei em intitular esta crónica “Orwell está vivo!”, porque, esta semana, recorri ao 1984 para dar uma aula sobre linguagem e, no decorrer desta, não pude deixar de constatar o quanto esta distopia era hoje, de certa forma, uma realidade. Poderíamos substituir o “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força” por “Genocídio é Autodefesa. Infanticídio é Dano colateral. Direitos Humanos são Extremismo”.

Temos assistido a esta inversão de palavras, de conceitos, de práticas de várias formas. Um dos exemplos mais emblemáticos é o da palavra woke, que surge inicialmente em movimentos antirracistas que defendem a necessidade de acordar, de estar consciente dos processos de discriminação e dominação e que, entretanto, foi subvertida numa palavra com uma conotação negativa pela extrema-direita e uma parte da esquerda. O “wokismo”, tal como a fantasiosa “ideologia de género”, transformou-se assim numa ideologia caracterizada como perigosa ao ponto de certas vozes não hesitarem em qualificá-la de fascista, vozes para quem o facto de já não poderem utilizar insultos como “preto” ou “maricas” sem serem criticadas passou a ser visto como o expoente máximo da opressão. Isto, no mesmo momento em que pessoas são violentadas ou mortas só por serem negras ou LGBTI+.

No contexto da guerra genocida de Israel contra o povo palestiniano, esta inversão é recorrente a vários níveis, um dos mais perturbantes é a crítica indignada do slogan “From the River to the Sea” como sendo um cântico nas manifestações que defende o desaparecimento de Israel, no mesmo momento em que Israel está de facto a destruir a Palestina, a massacrar crianças. Não são cânticos, é fome, sede, mutilações, queimaduras, pessoas enterradas vivas, assassinatos, bombas, destruição de casas, museus, bibliotecas, universidades, escolas, tendas, etc.

Outra inversão surpreendente é a de chamar radicais ou extremistas a quem se manifesta contra um genocídio, contra um massacre abominável , e não só as últimas imagens insuportáveis do ataque ao campo de refugiados em Rafah, são as de milhares de crianças com corpos queimados, decapitados, imagens tão monstruosas que não seriam sequer possíveis nos mais violentos filmes gore. Quem reage a estas imagens e grita para que este horror cesse não é uma pessoa radical ou extremista, é uma pessoa humana, que está no lado certo da História. É a radicalidade de quem permanece em silêncio face a esta monstruosidade que nos deveria preocupar.

Num artigo sobre a passividade dos observadores norte-americanos, com poder de decisão, do genocídio do Ruanda, “Bystanders to Genocide” (2001), da jornalista, escritora e diplomata Samantha Power, a questão da culpa é sublinhada por várias pessoas entrevistadas. Algumas lamentam não ter feito mais, questionam se se deviam ter demitido de forma pública ou até, como testemunha Prudence Bushnell, na altura colaboradora do gabinete dos Assuntos Africanos do governo de Bill Clinton, corrido nua pela Casa Branca para chamar a atenção. Apesar de achar que o seu gesto poderia nem ter sido notado, lamenta não o ter feito.

Uma outra alta funcionária, Susan Rice, declara também sentir culpa e que deveria ter agido de forma mais drástica: “Jurei a mim mesma que, se alguma vez enfrentasse uma crise semelhante novamente, tomaria uma ação dramática, mesmo que isso significasse fracassar de forma espetacular.” Na altura, provavelmente, se estas diplomatas tivessem recorrido a ações espetaculares seriam chamadas loucas, radicais ou extremistas. Pensamos que a neutralidade, o silêncio é a atitude moderada face aos problemas do mundo, e, no entanto, o silêncio tem consequências dramáticas. O silêncio, explica Ervin Staub, especialista em psicologia do genocídio, no artigo “The Psychology of Bystanders, Perpetrators and Heroic Helpers” (1993), “incentiva os perpetradores, que frequentemente interpretam o silêncio como um apoio às suas políticas”. Em matéria de genocídio, de massacre de crianças, não há silêncios inocentes.»


29.5.24

Vitrais

 


Vitrais centrais do Teatro Colon, Buenos Aires, 1907.
Casa Gaudín de Paris.
(Por causa da sua forma, chamam-lhe "o guarda-chuva,")


Daqui.

Um esplêndido passado pela frente?

 



SNS

 


Blá, blá,blá. E «Money, Money, Money»? O projecto de António Arnaut e João Semedo terá levado hoje uma valente estocada, O passado já não tem futuro?

Não reconhecer o Estado da Palestina é manter-nos numa ilha moral

 


«Ontem, Noruega, da NATO, e Espanha e Irlanda, da União Europeia, juntaram-se aos 142 países que reconhecem o Estado da Palestina (na UE, são Bulgária, Chipre, Hungria, Malta, Roménia, Polónia, Eslováquia – a Chéquia recuou no reconhecimento – e Suécia, a que se juntam mais dois), ignorando assim uma espécie de veto da Alemanha que, fazendo outros pagar pelos seus próprios crimes, bloqueiam um passo fundamental para a resolução do conflito israelo-palestiniano. Esperam-se, nas próximas semanas, que outros países, como a Bélgica e a Eslovénia, sigam o mesmo caminho.

António Costa tinha dado sinais de querer acompanhar este movimento, em conjunto com os espanhóis. No "Perguntar Não Ofende", Marta Temido defendeu esta posição, que também já parecia ser a de Mariana Vieira da Silva. Não é esse o entendimento do novo governo.

Em reunião com o chanceler Olaf Scholz, Luís Montenegro manteve Portugal na ilha de 48 países (em 193) que, fingindo defender a solução dos dois Estados, se recusam a reconhecer um deles. O argumento alemão, repetido acriticamente por quem prefere não ter política externa própria, é de um extraordinário cinismo: não existe clareza na definição das fronteiras. Há dezenas de Estados com disputas fronteiriças. E estas, se são indefinidas, são-no para a Palestina e para Israel, Estado reconhecido por Portugal e Alemanha e, já agora, pela OLP (desde Oslo), gesto que nunca teve reciprocidade.

Luís Montenegro diz que é contra reconhecimentos unilaterais (não é a UE que reconhece Estados, o que quer dizer que Portugal prescinde de um poder soberano), apesar de 10 dos 27 já terem reconhecido a Palestina. Para Montenegro, participar num reconhecimento “multilateral” é ter autorização da Alemanha.

Reconhecer o Estado Palestiniano é reconhecer a Autoridade Palestiniana como seu governo. É assumir que a situação de semi-autonomia das autoridades palestinianas é um passo para a soberania, não uma aceitação de um regime colonial. É dar força aos que, em Israel, ainda defendem uma solução negociada. É assumir que o território palestiniano da Cisjordânia, onde se instalam centenas de milhares de colonos que roubam terras e casas a palestinianos e onde as tropas israelitas impõem a sua ordem arbitrária, são territórios ocupados por outro Estado. E é não deixar que os crimes cometidos nesses territórios continuem a ser tratados como assunto interno de Israel.

Quem diz defender uma solução de dois Estados tem de reconhecer, para começar, a existência de dois Estados. Não reconhecer um deles é aceitar a ocupação colonial e, no limite, a sua consequência extrema, que é o genocídio.

Perante o desprezo pelo direito internacional, os mandados do Tribunal Penal Internacional, as decisões do Tribunal Internacional de Justiça e o agudizar dos abusos (vale a pena ler a reportagem do “Washington Post” sobre a organização de milícias de extrema-direita que destroem ajuda humanitária aos palestinianos com a complacência das autoridades e ajuda de militares e polícias) e a pressão da opinião pública, se não é agora que se reconhece a Palestina, nunca será. Esperar que o serviço esteja terminado em Gaza é ser cúmplice do que se está a fazer em Gaza.

Ao não acompanhar o movimento de vários Estados da União, alguns com peso político, para retirar a Europa do isolamento moral em que se encontra, Portugal fica, usando um termo com que embirro, do lado errado da história. Num momento em que o líder de um Estado ocupado, com quem somos justamente solidários, nos visita, é exibir ao mundo o rosto cínico da incoerência. Não podemos exigir solidariedade com os ucranianos se ignoramos o sofrimento dos palestinianos.»


28.5.24

Fachadas

 


Detalhe de uma fachada, Paris, 1911-1913.
Arquitecto: Henri Deneux.
Azulejos fabricados por Gentil & Bourdet.


Daqui.

28.05.1926 – Um dia decisivo

 


Recordo a data quase todos os anos, não só para preservar a memória, mas porque ela deixou marcas – talvez mais visíveis hoje do que há alguns anos.

Em 1926, um dia terrível e decisivo na nossa História, marcou o fim da 1ª República e esteve na origem do Estado Novo. Todos os anos havia comemorações, mas duas ficaram na memória.

Foi num outro 28 de Maio, mais concretamente em 1936, no 10º aniversário da «Revolução Nacional», que Salazar proferiu um discurso que viria a ficar tristemente célebre: «Não discutimos a pátria...»





Ainda num outro aniversário – no 40º, em 1966 – o chefe do governo, então com 77 anos, viajou pela primeira vez de avião até ao Porto (entre os outros passageiros, acompanhado pela governanta) para assistir às celebrações que tiveram lugar em Braga.

Fez então um discurso que ficou célebre sobretudo pela expectativa que criou e que deixou o país suspenso - lembro-me como se fosse hoje!. Vale a pena ver a partir do minuto 30:44:

«Neste lindo dia de Maio, na velha cidade de Braga (…), ao celebrar-se o 40º ano do 28 de Maio (…), eis um belo momento para pôr ponto nos trinta e oito anos que levo feitos de amargurado Governo.» Depois de uma interrupção provocada por muitos gritos de protesto da assistência, continuou: «Só não me permito a mim próprio nem o gesto nem o propósito, porque, no estado de desvairo em que se encontra o mundo, tal acto seria tido como seguro sinal de alteração da política seguida em defesa da integridade pátria e arriscar-se-ia a prejudicar a situação definitivamente conquistada além-mar pelos muito milhares de heróis anónimos que ali se batem. É então mais que justo que os recordemos e saudemos daqui».





E ficou – até que uma cadeira cumpriu a sua missão histórica.
.

Espanha e Palestina

 


«“Trata-se de uma decisão histórica. Agimos de acordo com o que se espera de um grande país como é Espanha. Não é só uma questão de justiça histórica, é a única maneira de avançar no sentido de uma solução de um Estado palestinianos que conviva com o Estado de Israel em segurança e paz”, sublinhou Sánchez, o primeiro dos três chefes de Governo dos países que vão reconhecer a Palestina esta terça-feira a falar. Espanha, Irlanda e Noruega anunciaram esse reconhecimento a semana passada.».

E Portugal? Shame on us.

Quem não está comigo, está contra mim

 


«Dois dias depois de o Tribunal Internacional de Justiça de Haia ter ordenado a Israel que parasse imediatamente a sua ofensiva em Rafah, um bombardeamento aéreo causou um massacre no domingo, no campo de deslocados de Tel Al Sultan. O ataque provocou um incêndio que se alastrou pelas construções precárias de chapa, plástico ou tecido até acabar com a vida de pelo menos 45 pessoas, 23 delas menores e mulheres. O incrível é que o Governo israelita admitiu que o incêndio ocorreu durante o lançamento de um assassinato seletivo, no qual matou dois comandantes do Hamas. As imagens são chocantes e mostram corpos carbonizados, inclusive de bebés e jovens.

Daí a urgência da ordem emitida pelo Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas para que seja cumprida. Aliás, esta decisão representa um salto qualitativo na pressão global sobre o Governo de Benjamin Netanyahu, a que se junta o pedido do Ministério Público de outro órgão judicial global, o Tribunal Penal Internacional, da prisão do presidente israelita, do seu ministro da Defesa e dos três altos funcionários do Hamas. O Governo de Benjamin Netanyahu parece estar a borrifar-se mesmo para aqueles que sempre foram os seus aliados, como os Estados Unidos ou os países europeus. Netanyahu olha para os apelos de paz ou para o reconhecimento da Palestina como um Estado, como o fez a Espanha, Irlanda e Noruega, como se os outros estivessem a validar as ações criminosas do Hamas, que a 7 de outubro, assassinou mais de 1200 pessoas, quando não é isso que está em causa.

A dinâmica que vive Gaza, onde a maioria dos mortos são civis, os feridos não podem ser tratados porque os hospitais foram destruídos e os sobreviventes enfrentam a fome, não é o resultado de uma circunstância incontrolável, mas de decisões conscientes por parte de Netanyahu.»


27.5.24

Bugalho e a IVG

 


Isto vem de longe

 


Palavra do ano?

 


A aritmética e a política

 


«Pela quinta vez, o PS conseguiu aprovar uma proposta no Parlamento porque beneficiou da abstenção do Chega. Depois de ter inviabilizado em duas ocasiões (2020 e 2022) a redução do IVA da eletricidade quando era governo, o PS congratula-se agora por avançar com uma iniciativa “socialmente justa” e “financeiramente responsável” (Alexandra Leitão dixit). As propostas mais ambiciosas de outros partidos para minorar a pobreza energética foram todas chumbadas. Em tom de indisfarçável gabarolice, Pedro Nuno Santos resumiu o infortúnio de Luís Montenegro: “O Governo não conseguiu até agora aprovar uma única proposta na Assembleia da República”. E enumerou as outras quatro vitórias parlamentares: a dedução de rendas em sede de IRS, a eliminação das portagens nas ex-scut, a exclusão dos rendimentos dos filhos como condição de acesso ao complemento solidário para idosos e o alargamento do apoio ao alojamento estudantil para os estudantes deslocados da classe média.

O PSD fez as contas ao que considera a “irresponsabilidade” do PS e estima que o impacto destas propostas - que só terão alcance no próximo ano - ascenda a dois mil milhões de euros, o que vai condicionar o próximo Orçamento do Estado. Mas, antes disso, o Governo tem outras frentes de batalha. Como o recém-aprovado pacote de apoios para os jovens que já mereceu críticas do PS ou a revisão dos escalões do IRS - tema em discussão em sede de especialidade, depois das propostas da Esquerda terem sido viabilizadas com a abstenção do Chega.

Os resultados das legislativas que partiram a Assembleia da República em três blocos já faziam antever que a governação obrigaria a uma complexa aritmética. E os resultados estão à vista. Em quase dois meses, a AD ainda não negociou qualquer medida com os outros partidos e arrisca ver bloqueadas todas as decisões que passem pelo Parlamento. PS aprovou cinco medidas com o apoio do Chega. Ventura mostra a força dos seus 50 deputados ao viabilizar as propostas da Esquerda, empurrando Montenegro para as cordas. A matemática, para já, demonstra uma evidência simples: é mais fácil ser oposição do que governar.»


Sebastião e as mulheres

 



26.5.24

Boa oportunidade

 


Sebastião e os frangos do KFC

 


«A sociedade do espetáculo que o PSD promove através de um concorrente do Big Brother de nome Sebastião Bugalho é uma sociedade em que as imagens funcionam como meio de dominação através dos meios de manipulação da opinião, os mass media. (…)

Os especialistas em marquetingue do PSD conhecem os impulsos que levam seres comuns a disporem-se a tudo para sair do anonimato e sabem que criar uma imagem é mais fácil sobre uma tábua lisa do que sobre uma superfície rugosa e com inscrições anteriores. (…)

Estamos, com este concorrente, a ser atraídos pelo espetáculo de um jovem armado de certezas, disposto a tudo, a iniciar-se numa montra do Bairro das Luzes Vermelhas, não em Amesterdão, mas em Bruxelas, que é perto e mais moderno.»

Carlos Matos Gomes

Ler a texto na íntegra AQUI

Avós vencidos

 



O limbo dos refugiados climáticos

 


«O limbo dos refugiados climáticos «Segundo um relatório do Internal Displacement Monitoring Centre, desde 2008 mais de 376 milhões de pessoas foram obrigadas a deslocar-se involuntariamente devido a cheias, tempestades, terramotos e secas. Em 2022 tivemos o recorde anual de 32,6 milhões de pessoas deslocadas por eventos climáticos. O Institute for Economics and Peace prevê que até 2050 o número total de refugiados climáticos chegue aos 1,2 mil milhões. Mas o que é um refugiado climático?

A definição não é clara, e o conceito não está abrangido pela Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, que define o que é um refugiado, estabelece os direitos a quem é concebido o direito de asilo, assim como as responsabilidades dos Estados que o concedem. Segundo esta Convenção, um refugiado é um indivíduo que tem razões legítimas para temer ser perseguido segundo a sua raça, religião, nacionalidade, ser membro de um grupo social ou pelas suas opiniões políticas que não consegue ter proteção por parte do seu país. Em nenhuma destas categorias se enquadra a deslocação por força das alterações climáticas.

Enquanto os tratados universais dos direitos humanos não referem um direito específico a um ambiente saudável e seguro, todos os tratados das Nações Unidas reconhecem a ligação entre o ambiente e um número de direitos humanos, como o direito à vida, à saúde, à comida, à água e à habitação. Todas estas áreas são suscetíveis de interferência por parte das alterações climáticas.

Desde a 24.ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) que se tenta definir este conceito. No entanto, os países integrantes têm declarado que preferem resolver e mitigar os efeitos das alterações climáticas na sua origem, como a diminuição dos gases de efeito de estufa. O problema desta narrativa é que já sentimos os efeitos das alterações climáticas. Em setembro de 2023, a tempestade Daniel vitimizou 12.000 vidas na Líbia e 40.000 pessoas foram forçadas a realojar-se. No verão de 2023, as cheias na região Emília-Romanha, em Itália, matou 14 pessoas e 50.000 ficaram sem as suas casas.

No ano anterior, cheias no Paquistão desalojaram mais de dez milhões de pessoas. Estes cenários tendem a piorar, e se é verdade que a maioria destas pessoas se desloca para outras regiões do seu próprio país, existem muitas outras que não, o que leva a que fiquem num limbo jurídico e prático. Durante uma audição do Comité Europeu Económico e Social, Isabel Borges, professora da Universidade de Oslo, explicou que a falta de uma definição do que constitui uma pessoa deslocada por motivos climáticos resulta na incapacidade de medição das pessoas afetadas.

No entanto, mesmo dentro das Nações Unidas não existe consenso em relação a definir um “refugiado climático”. Um refugiado pressupõe na sua definição jurídica que está impedido de regressar ao seu país de origem por perseguição do próprio Estado, tal não acontece em desastres climáticos. A solução poderá passar por realizar um novo tratado ou convenção, sendo a próxima COP29, que se irá realizar em novembro no Azerbaijão, o momento ideal para se retomar este diálogo e encontrar uma solução para os futuros refugiados climáticos.

No que toca à ajuda financeira, as próximas eleições europeias deveriam também debater estas questões, visto que o Sul Global é a região mais afetada pelas alterações climáticas e os Estados-membros têm uma dívida moral para com esta região. Uma solução seria a União Europeia alocar a receita do novo Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) a fundos de emergência para apoiar as populações que mais vão sofrer.

Sendo considerado por muitos como um imposto ambiental, não fará sentido a sua receita ser alocada à mitigação dos resultados das alterações climáticas e não ao orçamento geral da União Europeia como está previsto?»