26.8.17
Marcelo, esse português simplório
Homebanking não é com ele e deve desconfiar da banca para não permitir débito directo na conta. Enfim…
. Dica (615)
«For years we’ve been told that only deep cuts can save our economy. Portugal’s socialist-led government has proved the opposite.»
. Eu não sei onde se vai legalmente buscar tanto dinheiro…
«…mas há candidaturas autárquicas que transpiram riqueza e largueza de meios por todo o lado. Acompanho, pelas razões de que falei no meu último artigo, quase 500 campanhas diferentes de concelhos e freguesias e a desproporção de meios nalguns casos é flagrante, assim como a abundância de recursos. A ostentação de meios é tão patente, que me pergunto se alguém que deve fazer essa pergunta em termos institucionais, seja a Comissão Nacional de Eleições, seja a Procuradoria, seja lá quem for, não vê o mesmo que eu vejo. Na rua, diante de todos.
Caça aos independentes
As tentativas de usar expedientes processuais para afastar listas de independentes por parte de candidaturas partidárias ou pessoas que lhes fazem o serviço, mostra como se "engole" mal o facto destas listas serem possíveis nas eleições autárquicas e, a julgar pelas últimas eleições, terem um considerável sucesso. O caso de Oeiras com Isaltino e o do Porto com Rui Moreira são exemplo disso mesmo, até porque, quer num caso quer noutro, se trata de candidaturas potencialmente ganhadoras.
Será muito difícil convencer alguém em Oeiras que assinou a propositura de Isaltino sem saber quem estava a apoiar. Isaltino é uma figura muito controversa, muito conhecida e muito popular, e quem de perto ou de longe lhe deu o nome para assinar a candidatura sabia muito bem o que estava a fazer. É muito mais provável que quem tenha assinado as candidaturas de Paulo Vistas ou em particular do candidato do PSD, saiba bastante menos o que está a fazer, e vá ao engano.
Do mesmo modo, o PSD do Porto que processou Rui Moreira por usar a expressão o "Porto é o meu partido", objectando que a palavra "partido" não pode ser usada numa candidatura independente, também não tem estado em Portugal nos últimos anos. Só dando exemplos que recentemente me passaram pelas mãos, o PS em Favaios, freguesia de Alijó tem uma lista intitulada "Favaios o nosso partido", ecoando a lista concelhia que diz "o concelho é o nosso partido", e a lista de uma candidatura independente na Vidigueira diz "o nosso partido é a Vidigueira". E movimento "O nosso partido é a Lourinhã"? Dei exemplos de campanhas eleitorais do Portugal profundo, mas há muito mais por todo o lado.
As candidaturas independentes nas autárquicas são um factor de renovação do pessoal político, e aumentam a competitividade eleitoral. Mesmo quando nessas listas estão os "rejeitados" das listas partidárias, como ainda é muito comum, isso transporta para o eleitorado a decisão que deveria corresponder a uma maior democraticidade interna. Mas é essencialmente o aumento da competitividade que preocupa os partidos e por isso, quer a lei, quer as dificuldades impostas às candidaturas independentes, destinam-se a armadilhar a competição e obrigar a maior militância, maior organização e muitas vezes ter de concorrer com muito pouco dinheiro.»
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25.8.17
Entretanto em Macau
Os nossos órgãos de comunicação social, ocupados com fogos, atentados, Angola e futebóis, noticiaram pouco o que se passou em Macau. E, pelo menos até ontem, previa-se que um novo tufão chegue na próxima 2ªfeira.
Segui um pouco, com uma amiga portuguesa que lá vive, o terror por que passou, não só pela tempestade mas também pela falta de informação – propositada para não prejudicar o negócio dos casinos.
. De Ágata a Ventura
«Está a acabar a silly season mas calma que vem lá a campanha para as autárquicas. De Loures a Castanheira de Pêra, a coisa promete.
Ágata foi a candidata escolhida por Assunção Cristas para representar o CDS em Castanheira de Pêra. Sou do tempo em que os cantores pimba apareciam nos comícios contratados para cantar. Entrámos numa nova fase. Se esta moda pegar, Marcelo Rebelo de Sousa, afinal, pode ver a sua recandidatura posta em causa pelo Tony Carreira.
Ágata já confessou que não percebe nada daquilo para que se candidatou mas Assunção Cristas diz que acredita na candidata. Eu também, no sentido que ela falou verdade. Eu vi as fotografias de casa da candidata e o meu medo é que o objectivo dela é que Castanheira de Pêra seja toda em cristais e cetim.
Em Loures continua a saga do candidato do PSD. Com três balões em forma das setas do PSD lá vai, dobrando e fazendo chiar, o símbolo PPD, até o transformar numa suástica.
Depois de André Ventura, numa tentativa de desmarcação à Trump, ter dito que o PNR e Bloco de Esquerda são uma vergonha para a democracia portuguesa, o presidente do Partido Nacional Renovador (PNR), José Pinto Coelho, acusou o candidato do PSD à Câmara Municipal de Loures, André Ventura, de "roubar" o discurso e as bandeiras ao seu partido por "puro oportunismo eleitoral", explorando o facto de ser "muito mediatizado". Nunca pensei que um dia viria a concordar com alguma coisa que o líder do PNR dissesse, mas desta vez ele tem razão.
O PR do PNR acusa o candidato a Loures pelo PSD de fazer contrafação da marca do seu partido. Isto é uma espécie de: "Esse tipo de ódio aos outros é meu! Era só o que faltava. Quer ser ignóbil como eu. Isto dá muita trabalho e azia. E a suástica dele nem está bem desenhada, parece um jogo do galo! Anda aqui uma pessoa anos a espalhar o ódio e chega um tipo todo pimpão e rouba-nos a ideia! Isto causa-me ódio que é uma coisa que eu não gosto nada de sentir por brancos heterossexuais de direita."
Segundo os jornais, José Pinto Coelho diz que enviou mensagens para o Ventura de modo personalizado e cito: "pensava que era um simpatizante, mas ele já nem é meu amigo no Facebook, bloqueou-me no Facebook!" É nesta altura que devia entrar uma música da Ágata. Mas o líder do PNR estava à espera de quê?! Um indivíduo que quer proibir a entrada de emigrantes está chateado porque outro tipo, que quer proibir a entrada de gente, o bloqueou no Facebook.
Acho que há aqui demasiada sensibilidade de um lado e do outro. Nos velhos tempos, um fascista não se indignava por ter sido bloqueado no Facebook, isso é demasiado de esquerda. Até o meu pai, que não é facho, vai mais longe que isso e indigna-se por o Facebook existir. Não faz muito sentido: "eu sou contra os judeus, os muçulmanos e todos aqueles que põem cadeados no Twitter".
Estas autárquicas ainda vão acabar com o André Ventura e a Ágata a gravar um disco com versões dos Gipsy Kings.»
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A grande estratégia do medo
«O terrorismo moderno, tal como o mais idealista que Joseph Conrad nos trouxe em "O Agente Secreto", deseja sobretudo acertar na alma do inimigo, fazendo com que o medo e o terror o leve à confusão e que passe a utilizar mal as suas forças.
O terrorismo actual é uma estratégia de características militares em que se pretende ganhar uma guerra através do medo e da confusão do adversário. Não é uma guerra clássica, com exércitos e Estados em confronto. É feita de meios pouco convencionais (aliados a outros mais esperados), como se tem visto em Barcelona ou em França. Quem recorre ao terrorismo sabe que não ganha uma guerra convencional. Os alvos são cada vez mais diferentes: antigamente supunha-se que os alvos dos terroristas seriam as comunicações, os arsenais, os dirigentes políticos e militares. Hoje são cidadãos anónimos. Os ataques destinam-se a causar o medo na população civil, a fazer tremer os pilares da sociedade civil que sustentam as democracias. É um outro estilo de espectáculo aterrador, tal como já tinha sido de alguma maneira o ataque às Torres Gémeas, em Nova Iorque. Os terroristas pretendem sobretudo utilizar o poder adversário e a sua força para o vencer. Derrotá-lo no mundo da comunicação e da percepção. O terrorismo é uma estratégia militar que deseja a mudança numa situação política causando sobretudo o medo. Em vez de causar danos materiais. O medo é a arma essencial de quem utiliza estas tácticas de terrorismo.
Ninguém duvida que estes terroristas (ligados ao Daesh) nunca conseguirão vencer o Ocidente. Mas podem moer as suas sociedades, torná-las mais radicais e xenófobas. A nova vaga do populismo cresce com o terrorismo e com as guerras nos limites do império ocidental que trazem refugiados de todos os tipos em busca da sobrevivência. E aqui coloca-se uma questão: entre a necessidade de derrotar o terrorismo e as formas legítimas e democráticas de o fazer qual é o caminho estreito onde se podem mover as democracias? Entre as medidas preventivas, dissuasoras e estruturais há muito espaço para limitar os direitos dos cidadãos em nome da segurança. Como manter esse equilíbrio. É aqui que joga o poder teatral dos ataques nas grandes cidades, com meios pouco habituais, contra multidões indefesas e incapazes de reagir a um perigo desconhecido. O Ocidente só perderá esta guerra se começar a cometer erros e centrar-se em guerrilhas internas é uma boa forma de isso ser possível.
Os terroristas de hoje jogam com a lógica da resposta desproporcionada de quem tem o maior poder. O objectivo do Daesh é que o Ocidente responda sem tino a estas provocações. Atacando às cegas e causando dor nas sociedades onde consegue angaria simpatia. Pelo meio deste jogo ficam as atrocidades e os inocentes. A ideia é que o Ocidente se derrote a si próprio. A resposta deve ser pensada numa lógica desta terrível "sociedade do espectáculo" onde actua o terrorismo actual. O jogo é mais interessante. O terrorismo quer mudar os equilíbrios do poder político numa altura em que têm apenas algum poder militar. Por isso colocam aos Estados um desafio quase impossível: que estes demonstrem ser capazes de proteger os seus cidadãos da violência. E que para isso, baralhem as cartas políticas da estabilidade, e entrem numa vertigem alucinada e lhes forneçam um trunfo inesperado. O terrorismo joga com o impacto teatral da imagem: matar 14 pessoas em Barcelona vale mais do que liquidar 200 na Nigéria ou 500 no Iraque em termos do que os cidadãos ocidentais intuem. Ao considerarem que é impossível haver qualquer acto de violência política dentro das suas fronteiras, algo que é imanente ao Estado moderno, os países (especialmente os ocidentais) têm de actuar. E é esperando por passos errados que os terroristas anseiam.»
Fernando Sobral
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24.8.17
24.08.1916 – Nasceu o grande Léo Ferré
Nasceu no Mónaco em 24 de Agosto de 1916, o pai trabalhava no Casino, a mãe era costureira e Léo, com 7 anos, já cantava no coro da catedral.
Deixou-nos preciosidades que resistem a todas as décadas, com letras suas ou de Aragon, Rimbaud e mais uns tantos. Quatro dessas «preciosidades», entre muitas outras:
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O homem novo do MPLA envelheceu mal
Ricardo Araújo Pereira na Visão de hoje:
«Ao fim de quanto tempo estarão bilionários os filhos do novo presidente? Que meios de comunicação social portugueses irão eles e os seus amigos adquirir? Qual a lista de livros cuja leitura vão decretar proibida e punida com pena de prisão? Enfim, será sem dúvida nenhuma uma lufada de ar podre.»
Na íntegra AQUI.
. O sonho da razão
«Os Estados Unidos da América são a ilustração actual da gravura de Goya "os sonhos da razão engendram monstros". A sociedade que ocupa o lugar de centro hegemónico do mundo moderno evoluiu para o estado de sociedade dividida, onde as racionalizações de grupos sociais nostálgicos de uma estrutura de ordem do passado, onde a população branca tinha a supremacia incontestada, se opõem às posições dos grupos sociais orientados para a construção do futuro, em que a população branca será minoritária e em que a referência dos que têm capacidade competitiva já não será nem a identidade rácica, nem a dimensão nacional, mas já é a competência e a escala global - e nem a raça, nem o nacionalismo, respondem às questões colocadas pela competência e pela escala. As sociedades divididas são politicamente polarizadas, configuradas em relações de confronto e de intolerância em relação aos outros, mas o ambiente de guerra civil que assim se estabelece é estéril: mesmo que enveredassem pela guerra civil, o vencedor seria o derrotado porque os Estados Unidos perderiam a sua posição dominante no mundo - depois de terem destruído as condições do desenvolvimento e do progresso.
As sociedades divididas não conseguem decidir, as sociedades politicamente polarizadas não conseguem estabelecer uma estratégia. As sociedades divididas e politicamente polarizadas são sociedades com medo, porque não aceitam o que o futuro lhes mostra e refugiam-se na nostalgia do passado como um sonho da razão.
Donald Trump é o produto do sonho da razão. Ele foi engendrado por uma sociedade dividida, estimula a polarização política e alimenta o medo que paralisa agora a sociedade americana. Mas é ele que, depois de eleito, continua fixado naqueles que venceu, precisando de os invocar para partilhar a responsabilidade pelo que acontece. É pelo sonho da razão que o poder apodrece, deixando-nos com os monstros instalados no poder.»
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23.8.17
PSD e a pena de morte
Li a notícia, decidi ver e ouvir para crer: AQUI, a partir o minuto 8. Como é possível que o PSD mantenha esta candidatura a Loures? Até onde veremos ir este partido?
, 23.08.1927 – Sacco & Vanzetti
Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti foram acusados do homicídio de duas pessoas, nos Estados Unidos, e acabaram por ser condenados à pena de morte e electrocutados em 23 de Agosto de 1927, apesar de, cerca de dois anos antes, uma outra pessoa ter confessado ser autora dos crimes.
Na sessão do tribunal em que a sentença da condenação foi lida, Vanzetti incluiu o seguinte nas suas longas declarações finais:
«I would not wish to a dog or to a snake, to the most low and misfortunate creature of the earth. I would not wish to any of them what I have had to suffer for things that I am not guilty of. But my conviction is that I have suffered for things that I am guilty of. I am suffering because I am a radical and indeed I am a radical; I have suffered because I am an Italian and indeed I am an Italian...if you could execute me two times, and if I could be reborn two other times, I would live again to do what I have done already.»
Nunca pararam as reacções e os protestos contra um caso que, com toda a sua trama, passou a funcionar como um símbolo de desrespeito flagrante pelos princípios da justiça na América.
Deu origem a um filme, inspirou escritores, pintores, músicos como Woody Guthrie . Joan Baez viria a consagrar uma das canções mais divulgadas, até Dulce Pontes interpretou «The Ballad of Sacco e Vanzetti», etc., etc.
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Que consenso nacional?
«A única moeda que Groucho Marx usava para a troca era o riso. Todos gostam de fazer acordos comerciais com ela. O marxismo, segundo Groucho, era a provocação e a insolência. Por isso o seu capital eram as palavras.
Por exemplo: "Estes são os meus princípios, e se não gostarem deles, tenho outros". Este era puro marxismo político, que ainda hoje pode ser utilizado para se entender o labirinto partidário nacional. Seja na sua versão séria, seja na sua parte de "stand-up comedy" ou mesmo de "discurso estilo-selfie". Basta ver a reacção do PSD à entrevista de António Costa ao "Expresso". Depois de dois anos a amansar os cérebros de Bruxelas que desejavam fazer à chamada "geringonça" o que os dragões de Daenerys Targaryen fazem aos inimigos, Costa vira-se para o futuro. Quer, no fundo, um pacto de regime ao centro para os próximos anos. E acenou ao PSD com toucinho. É claro que Costa sabe que Pedro Passos Coelho não pode aceitar acordo nenhum plano estratégico para o país. Se fosse necessário um exemplo, bastava Hugo Soares, versão Harpo Marx, que usa buzinas em vez de frases para se expressar. Quando ele diz que "a periodização das obras públicas como factor de competitividade do país é algo que deixa o PSD manifestamente preocupado", é algo que não nos pode deixar perplexos. A inanidade política é isto.
Só com outra liderança o PSD poderia discutir um modelo de país. Porque o diálogo nasce sempre a partir do cálculo das forças em presença. Quando se sabe que não existe força suficiente para se impor uma versão da realidade, o que é que anima os adversários ao diálogo? O diálogo existe quando há consciência da responsabilidade geracional e histórica. Aqui não existe isso. Veja-se: não há qualquer hipótese de consenso sobre o modelo económico, sobre o modelo ecológico ou empresarial da nossa floresta, sobre o modelo de saúde ou de ensino (para já não falar de um modelo cultural). O PSD fala de "falta de estratégia" porque o Diabo económico preferiu ficar de férias em Biarritz. De resto não sobra mais nada.»
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22.8.17
A poesia vai
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive de voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
– Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –
Manuel António Pina, Poesia, saudade da prosa.
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Chile: Respect
«Le projet Dominga inclut la construction d’un port et l’installation de mines à ciel ouvert, pour atteindre une production annuelle de 12 millions de tonnes de fer et 150 000 tonnes de concentré de cuivre. L’investissement total serait de 2,5 milliards de dollars. L’activité minière est un moteur de l’économie du Chili, principal producteur de cuivre avec un tiers de l’offre mondiale.»
. Dica (613)
Who are the new jihadis? (Olivier Roy)
«The reasons for the rise of Isis are without question related to the politics of the Middle East, and its demise will not change the basic elements of the situation. Isis did not invent terrorism: it draws from a pool that already exists. The genius of Isis is the way it offers young volunteers a narrative framework within which they can achieve their aspirations. So much the better for Isis if those who volunteer to die – the disturbed, the vulnerable, the rebel without a cause – have little to do with the movement, but are prepared to declare allegiance to Isis so that their suicidal acts become part of a global narrative.»
. O gambozino da maioria absoluta
«Que há quem garanta que os gambozinos existem, é ponto assente; mas que nunca foi caçado tal bicho, parece mais do que certo. Descontando as inquietações popperianas sobre a dificuldade de refutar a primeira hipótese, resta o problema maior para os duvidantes: devemos caçar gambozinos na presunção de que existem ou de que não existem? A questão complica-se ainda mais para quem sustenta que a inexistência de provas documentadas sobre alguma aparição do animal sugere que se trate de uma ficção. Então, a questão passa a ser: devemos aceitar a ideia da caçada que tomamos por pueril ou devemos recusar o jogo, ainda que algum dia pudesse ser provado que a ausência do registo do bicho foi descuido nosso?
A questão da maioria absoluta é mais ou menos como escolher com que estado de espírito se devem caçar gambozinos. Se tomamos por certo que não haverá maioria absoluta possível na actual configuração da relação de forças, então nem vale a pena considerar a fera. E há boas razões para tal agnosticismo: para uma maioria absoluta, o PS teria de comprimir o PSD muito para além do seu mínimo histórico, mesmo considerando que o CDS já está enfraquecido. Então, a única questão interessante passa a ser: porque é que se fala de coisa nenhuma e se discute uma inviabilidade, ou porque é que nos entretemos com uma veleidade gabozinesca?
A resposta pode ser: não interessa a fantasiosa maioria absoluta, interessam os motivos para se falar dela. Exemplo, para o director do Expresso é preciso que o PS tenha maioria absoluta para então ser mais pressionado do que agora. O raciocínio é decerto contraditório com a experiência dos eleitores: eles sabem que se o PS tivesse tido maioria absoluta teríamos tido pensões congeladas por mais quatro anos, redução nas pensões sociais (o previsto era 1020 milhões) e uma nova regra para facilitar despedimentos, pelo menos. O problema não é de pressões, é de realizações.
O director do PÚBLICO segue outra via e pergunta-se se a entrevista recente de Costa, sugerindo um pacto com o PSD depois das autárquicas para decidir fundos estruturais, é mesmo uma abertura a um novo bloco central e portanto a uma maioria absoluta que “só será possível se for construída por quem tem ideias semelhantes sobre como funciona a economia livre, num mercado europeu e cada vez mais global e competitivo.”
Desculpem a franqueza, mas são gambozinos. Nem haverá pacto, cujo enunciado é o tradicional jogo do empurra das culpas, nem haverá vontade de mudar de parceiro a meio do tango. Haverá mais dificuldades nesta segunda metade do mandato, isso tratarei proximamente, mas ninguém pode voltar para trás. É aliás por causa desta certeza que alguns preferem sonhar com a maioria absoluta, reconhecendo que nada podem fazer agora contra as condições que impuseram esta forma de maioria.
Para o PS, a maioria absoluta é também um gambozino: é evidentemente desejada, mas para jogar esse jogo tem de garantir que não conhece o bicho. Ora, vale a pena perguntar porquê. Qualquer enlevo do PS com essa ideia faria ressuscitar os temores de muitos dos seus eleitores, e mais ainda daqueles que precisa de ganhar para concretizar tal ambição, de que o PS volte ao seu programa e à sua política tradicional. Ou seja, para muitos eleitores do PS, a satisfação com a governação actual deriva essencialmente da certeza de que as circunstâncias excepcionais obrigaram o PS a um acordo com a esquerda. E uma maioria absoluta do PS significaria romper com esse acordo para voltar a um passado que assusta.
Assim, a equação gambozino passa a ser: o PS sabe que só conseguiria a maioria absoluta que lhe permitiria afastar os seus parceiros de esquerda se garantisse aos eleitores que nunca o faria e que, se tivesse o poder absoluto, nunca cumpriria o seu programa, antes continuaria submetido a esse mesmo compromisso que pretenderia romper. Gambozinos, portanto.»
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21.8.17
Em Bruxelas, coração da Europa
«Umas centenas de refugiados somalis, eritreus e ... chegaram na última semana a Bruxelas e estão a dormir ao relento na Gare du Nord, sob ameaça da polícia, que começou por lhes retirar mantas e agasalhos. A Plataforma Cidadã recolheu em três tempos uns milhares de euros e comprou sacos-cama para todos. Sacos-cama identificados com o nome do proprietário, cidadãos belgas que assinaram o "seu" saco, e da própria plataforma. Se a polícia os retirar aos refugiados, é roubo.
Diga-se ainda que estes sacos cama foram comprados na Decathlon e que a empresa os vendeu a preço de custo, assumindo o imposto. É assim que a sociedade civil belga cumpre o seu dever de solidariedade e dá lições de moral ao governo. Entretanto, a Bélgica tem um secretário de Estado, Theo Francken, que é um Trumpzinho de trazer por casa e anunciou que vai reenviar os refugiados para os seus países a bem ou a mal. Mas não vai.
Os belgas sabem o que é ter de fugir da guerra, sabem o que é viver em guerra, não esquecem a ocupação nazi durante a guerra. E sabem responder com solidariedade a estes dramas. Uma mulher grávida de oito meses dormiu apenas a primeira noite na Gare du Nord. Ao segundo dia já estava em casa de um casal belga. E todos os dias há quem entregue donativos, roupa e alimentos, no Centro Maximilien.
******
Hoje [2ªf.] de manhã, a polícia apreendeu tudo... A Plateforme e os cidadãos que assinaram os sacos vão apresentar uma queixa colectiva contra a polícia.»
António Costa Santos no Facebook
. Nem Descartes safou os franceses: se pensassem, Macron não existia!
«Após mais de 100 dias no Eliseu, exercendo o cargo de Presidente da República, os franceses que votaram nele como uma barreira contra o avanço das forças reaccionárias da extrema-direita, personificadas em Marine Le, estão desencantadas com ele.(…)
“É um ditador”, “é um muito dirigista e distante”, “não respeitas as pessoas e é vaidoso”.»
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. Janela para o medo
A fome almoça medo. O medo do silêncio atordoa as ruas. O medo ameaça.
Se amas, terás sida.
Se fumas, terás cancro.
Se respiras, terás contágio.
Se bebes, terás acidentes.
Se comes, terás colesterol.
Se falas, terás desemprego.
Se caminhas, terás violência.
Se pensas, terás angústia.
Se duvidas, terás loucura.
Se sentes, terás solidão.
Eduardo Galeano
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Francisco Louçã sobre o Capitalismo
Concorde-se ou não, vale a pena ouvir e, muito provavelmente, aprender umas coisas.
«Neste episódio abordámos um tema muito vasto e complexo: O Capitalismo. Fomos ao ISEG, falar com o Francisco Louçã, Doutorado em Economia, fundador do Bloco de Esquerda e Conselheiro de Estado para ele nos oferecer uma perspectiva crítica deste sistema económico e social, segundo o qual as sociedades Ocidentais, e muitas outras, se organizam nos dias de hoje.
Durante pouco mais de meia hora, falámos sobre a história do Capitalismo, quais as suas origens, as várias transformações que sofreu e as críticas que lhe foram sendo feitas. Falámos sobre o Capitalismo actual, sobre neo-liberalismo e a sua influência no processo democrático, e em instituições como a União Europeia. Olhámos também para o futuro. Procurámos debruçar-nos sobre para onde seguem as sociedades capitalistas. Quais as várias transformações que podem vir a sofrer numa era onde a inovação tecnológica acontece a uma velocidade estonteante. Falámos de possibilidades como a “Uberlândia”, regimes autocráticos e de soluções para o futuro como o Rendimento Básico Incondicional.»
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21.08.1968 – Era madrugada em Praga
A não perder, este belíssimo vídeo com mais fotografias.
(Texto e fotos de Josef Koudelka, Invasion of Prague, Thames & Hudson, 2008.)
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20.8.17
O meu padrinho mulato nasceu num 20 de Agosto
(Karel Pott ao meio, comigo ao colo)
Há uma meia dúzia de anos, uma troca de comentários num blogue, que já não existe, levou-me a revelações absolutamente inesperadas. Nasci e passei a infância em Lourenço Marques e os amigos, inseparáveis e quase únicos dos meus pais, eram Karel Pott e a mulher. Fui criada praticamente como irmã dos filhos deles.
De pai holandês e mãe negra, terá sido o primeiro mulato moçambicano a obter um diploma de curso superior, em Coimbra. Era advogado, com escritório num belíssimo prédio na Baixa de Maputo - o Prédio Pott -, hoje (ou pelo menos há uns anos) em ruínas e ocupado por marginais, objecto de justas exigências para ser recuperado. A tal ponto desfigurado que nem o reconheci quando voltei a Maputo e o procurei em vão.
Com orgulho póstumo, descobri então que Karel Pott teve um conjunto de interesses e actividades que eu ignorava totalmente. Por exemplo que foi um dos fundadores do jornal O Brado Africano e que, como presidente do Grémio Africano, protestou nos anos 30 porque «fechavam-se as escolas e dificultava-se o ingresso de alunos negros e mulatos nas existentes, jogando-os, se homens, na marginalidade, e, se mulheres, no "monturo ignóbil da prostituição". Falando com a experiência de quem havia representado – como atleta de corrida – Portugal nas Olimpíadas de Paris, em 1924 [à esquerda, na foto aqui ao lado], lamentava que, em Lourenço Marques, "terra mais de pretos portugueses que de brancos portugueses", fechava-se a porta aos primeiros…». Percebi também por que motivo a sua actividade como advogado nunca lhe foi facilitada...
Para a criança de menos de dez anos que era quando sai de Loureço Marques, ele foi apenas o padrinho extremamente carinhoso que vivia numa modesta moradia no Palmar, separada do areal por uma mísera estrada e umas urzes, onde eu passava quase sempre os fins-de-semana. Por vezes vinha visitá-lo a mãe que se recusava a dormir noutro sítio que não fosse uma simples esteira estendida no chão. Recordo-me também de os meus pais me explicarem que eles não iam connosco em férias à África do Sul porque o meu padrinho não seria bem tratado por ser mulato – é a minha primeira recordação de um pré-apartheid, que nunca esqueci porque me causou na altura a maior das perplexidades.
Poucas horas depois de escrever um texto semelhantes a este, aqui no blogue, recebi um mail de um sobrinho, apareceu-me um neto na Facebook, recebi muitas informações através de bloggers moçambicanos, descobri uma referência de José Craveirinha («o Dr. Karel Pott, que foi uma referência muito forte na minha vida»). Mais tarde, e também no Facebook, retomei contacto, que ainda mantenho, com um dos seus filhos – o «Berty», com quem cresci durante os primeiros anos da minha vida.
Hoje, «regressei» à minha cidade das acácias vermelhas.
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«Remove» Trump: era bom, era!
Remove Him Now (Robert Reich)
«I know, removing Trump would mean having Mike Pence as president. But a principled right-winger is better for America and the world than an unhinged sociopath.
Republican as well as Democratic members of the House and Senate must commit themselves to removing this president.
Those of you represented by Democrats in the House or Senate must get their commitment to remove him, as soon as possible.
Those of you represented by Republicans in the House or Senate must let them know that you will campaign vigorously against them in 2018 unless they commit to removing Trump as well.
It is time to end this disgrace.»
. Topos de gama e gamas de topo
«Gama, terceira letra do alfabeto grego, mas também expressando uma série de coisas da mesma categoria, ordenadas segundo o seu valor. Topo, entre outras significações, quer dizer o grau mais elevado que se pode alcançar. Topo de gama, uma expressão recentemente lexicalizada de carácter qualificativo, que atribui a um dado objecto um lugar preferencial numa determinada escala.
O tempo de agora convive bem com esta desengonçada expressão. A obsessão topo-gamista invade tudo e enevoa cabeças. (…)
Evidentemente que o topo de gama pode ser mais de topo do que de gama, ainda que de gama, enquanto tempo de um verbo, se possa sempre dizer algo mais. Sobretudo, considerando a convergência, que por vezes existe, entre o topo de gama e a gama fiscalmente declarada do salário mínimo nacional, ou seja, o rendimento de menor grana, mas de maior gama.
O verbo topar é inseparável do topo de gama. Porque este só faz sentido se for topado. Quer dizer, falado, comentado, invejado, atraído, comparado. A relação com outro verbo – gamar – não é absoluta, mas a sua correlação é crescente. Quer dizer, gamar pode ser uma condição necessária para se chegar ao topo de gama, dependendo, obviamente, da gama e do gamão. Topam? (…)
Falando em impostos, é verdade que os há também topo de gama. Mas esses ninguém os quer exibir, embora, por vezes, topem (isto é, tropecem) nas declarações tributárias. (…)
Pena é que o IVA da electricidade que é de alargada gama, mas não é de topo, tenha a mesma taxa de IVA dos diamantes, carros de alto luxo ou vestuário sacado aos animais selvagens que são de restrita gama, mas de elevado topo.
Há ainda os topos de gama literários. Há quem lhes chame best-sellers, ainda que os dois conjuntos não sejam necessariamente iguais. Mas basta ir a uma livraria para apanharmos nas ventas logo à entrada os topos de gama “light” (lidos (?) agora, nas praias e arredores), enquanto nos vemos em palpos de aranha para encontrar um livro de Torga, Jorge de Sena ou Herberto Helder.»
António Bagão Félix
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