6.10.12

Intervenção de Mariana Avelãs no Congresso Democrático das Alternativas




Não participei nas actividades do Congresso, mas faço questão de divulgar este belíssimo texto que a Mariana Avelãs leu na sessão de encerramento.

«Boa tarde. Queria começar por saudar o Congresso e agradecer o convite para estar aqui.
Mas agradecer também aos organizadores do Congresso a existência de um espaço para crianças, o Congressito. Demasiadas vezes, o facto de terem crianças a cargo implica o afastamento das mulheres da vida política, e pequenos passos como este fazem toda a diferença no sentido da inclusão e da igualdade.

E se fui convidada enquanto ativista e subscritora do texto que serviu de convocatória à manifestação de 15 de setembro, queria deixar bem claro três coisas:

1. Não falo em nome dos movimentos sociais, nem sequer aqueles a que pertenço.
2. Ninguém fala em nome de um milhão de pessoas que saiu à rua.
3. Não falo sequer em nome dos 29 subscritores do texto «Que se Lixe a Troika! Queremos as nossas Vidas!», mas em nome individual, como cidadã.

Estamos aqui no dia em que se celebra a Implantação da República, e eu quero começar por confessar que é um evento tão distante no tempo que eu dou a soberania popular como um dado adquirido, sem refletir frequentemente sobre ela. Mas tenho sempre presente que, se a soberania popular é para mim um dado adquirido, é porque ao longo de muito tempo houve gente que se uniu, que lutou por uma ideia, que recusou a inevitabilidade do sistema em que vivia. Ou seja, se aquilo que foi para muitos uma utopia durante muito tempo é, hoje, para mim, um dado adquirido, é porque houve muita gente que fez por isso, e de muitas maneiras.

Quando se fala em democracia, o evento que me vem à cabeça, obviamente, não é a implantação da República, mas o 25 de Abril. Com a importância acrescida de eu ter nascido em 1974, e portanto pertencer à primeira geração que viveu sempre em liberdade e democracia. Mas não é preciso ter vivido o fascismo para saber que se respirei todos os segundos da minha vida em liberdade, foi porque muita gente se uniu, lutou por uma ideia, recusou a inevitabilidade do sistema em que vivia. Crescer em liberdade significa, é verdade, e ainda bem, digo eu, dar por garantidas muitas das coisas que abril nos trouxe: o Sistema Nacional de Saúde, a escola pública, o emprego e com direitos, o estado social e a confiança num futuro que podia ser cada vez melhor.

Mas nascer em 1974 tem também um peso tremendo: o peso do "E agora?" O que é que se faz depois de uma revolução? O que é que se pode fazer que se compare a uma revolução? Nada. Mas a resposta é simples: o legado tremendo com que viemos ao mundo não foi uma caixa fechada chamada "democracia", para nós agradecermos e irmos fazer outra coisa qualquer. O nosso legado é a responsabilidade de construir a democracia, e esta é umas das poucas alturas em que direi "porque não há alternativa". Quando optamos por abdicar dos mecanismos de participação na democracia também estamos a construir a democracia: é uma democracia mais débil e cada vez mais em perigo, mas é uma democracia pela qual somos todos responsáveis.

Uma construção ativa da democracia só é eficaz se estivermos de acordo que ela pode ser feita de muitas maneiras. Participar nos movimentos sociais é apenas uma delas. E os movimentos sociais são um mundo mais vasto do que por vezes se imagina. Há movimentos sociais em defesa de grupos específicos da população (as mulheres, os precários, os desempregados, a comunidade lgbt, etc.), há movimentos que se inserem em temáticas tão vastas como o ambiente, a paz ou a justiça fiscal em todo o mundo, e há movimentos que surgem para combater medidas específicas (o aumento de propinas, por exemplo) ou promover outras (como a legalização do aborto ou o casamento de pessoas do mesmo sexo). Mas também são movimentos sociais as associações de moradores, as comissões de pais, as sociedades de intervenção social e cultural. Todas são formas de garantir que a democracia existe e funciona.

Neste momento, o impacto crescente dos movimentos sociais faz-me sentir a necessidade de realçar três aspetos que me parecem relevantes, sobretudo pelo que têm de perigoso:

Europa: pouco a celebrar



«Passaram 22 anos sobre a reunificação alemã, em 3 de Outubro de 1990. Neste tempo de outono europeu, em que os dias cinzentos da austeridade podem ser apenas o prelúdio dum inverno continental ainda mais doloroso, carregado de desordem e crispação, é caso para dizer que pouco ou nada resta para celebrar. (...)

Hoje temos mais Alemanha, mas muito menos Europa. Os Europeus já não temem os capacetes alemães, mas, pelo contrário, que a Europa se desmorone porque a Alemanha não quer descalçar as pantufas. O imobilismo alemão é hoje a arma de destruição maciça que pode lançar a Europa no caos.»

Viriato Soromenho-Marques

Sem fronteiras



Madrid, 25 de Setembro de 2012.
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Menos deputados? Não, muito obrigada




Deu como motivos conseguir «uma maior proximidade entre eleitos e eleitores e uma menor dependência dos eleitos face às direções partidárias». Não entendo nenhum dos argumentos: não vejo por que razão os futuros 6 ou 7 deputados de um distrito estariam mais perto dos cidadãos do que os hipotéticos 10 actuais, nem por que seriam menos dependentes das direcções dos seus partidos. Talvez muito pelo contrário.

Sabendo-se que «Portugal já tem hoje o menor número de deputados por habitante de todos os países da Europa Ocidental», a que se deve esta «tirada» do líder do PS, em Alenquer?

AJS não nasceu para a política ontem e, apesar de aparentar o contrário, ingénuo é que está longe de ser. Sabe certamente o que é demonstrado sempre que esta discussão renasce das cinzas: diminuir a número de deputados prejudica a representação dos partidos mais pequenos (porque há mais votos «desperdiçados», que não chegam para eleger mais um), com a consequente concentração nos maiores – no caso vertente, nos nossos dois partidos do centrão.

É isso que o PS pretende? É bem possível: seria bem mais fácil ser a «grande esquerda» (quase) sozinho.

P.S. – Depois de publicar este post, vi que o Vítor Dias já tinha abordado o mesmo tema.
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5.10.12

Pensarão eles?



Excertos de mais um bom texto de Miguel Sousa Tavares, no Expresso de hoje (sem link)

«Uma das razões pelas quais a minha fé no sucesso deste Governo está ao nível da minha fé na ocorrência dos milagres de Fátima é porque eu não detecto, nas palavras e nos actos dos actuais governantes, qualquer sinal de pensamento estratégico sobre o que quer que seja. (...)

Passos Coelho não fala com a Europa: fala comos funcionários que a Europa e o FMI lhe mandam. É primeiro-ministro de um país que tem 870 anos de existência na Europa e comporta-se como um emigrante a bater à porta do clube. (...)

Em matéria de economia, este Governo tem a preparação de um contabilista e a sensibilidade de um merceeiro. Rapa, tira, deixa e não põe. Como não pensa o país além do prazo e do programa da troika, acha que tudo o que seja cortar (onde se atreve) é benéfico – mesmo quando cortar hoje cegamente é hipotecar o futuro. (...)

Gostaria de fazer a Passos Coelho a mesma pergunta que há muito tempo fiz a outro primeiro-ministro, Cavaco Silva, o iniciador de todo este desastre: de que viverá Portugal daqui a dez anos, daqui a uma geração?» 
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Já começa a ser monótono, todos dizem os mesmo



«Para pior já basta assim. Para esbulho fiscal já chega o anunciado, não precisamos ainda de mais impostos para pagar ainda menos cortes nas despesas.» 

José Manuel Fernandes, hoje, no Público.
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De cabeça para baixo, andamos nós há muito



Esta foto foi tirada em 25 de Abril de 2011, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. 
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A bandeira içada ao contrário – a foto do dia



Esta manhã, Cavaco içou Portugal de cabeça para baixo. Palavras para quê... Há símbolos tramados!  

O vídeo.

4.10.12

O insulto



Esqueçamos as nossas mágoas com mais um texto de Ricardo Araújo Pereira, publicado hoje na Visão. 

«Para um estudante de um instituto de ciência política, insultar o primeiro-ministro não é passatempo, é dissertação; não é protesto, é TPC. Além disso, o insulto foi tão bem concebido que chamou a atenção de um segurança do primeiro-ministro, que, perante a gravidade da ofensa, se sentiu na obrigação de ser, mais do que guarda-costas, guarda-dignidades.» 

 Na íntegra AQUI.
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Não vale e pena chamar o Buíça



... porque o povo é sereno. Mas, pelo sim e pelo não, o Presidente da República decidiu que as comemorações do 5 de Outubro não terão lugar nos Paços do Concelho da Câmara de Lisboa, como sempre, mas sim num pátio interior reservado a convidados oficiais – o Pátio da Galé, palco habitual da Moda Lisboa (o que parece apropriado e dá para imaginar desfiles delirantes...)

Estou em crer que os serviços de segurança terão aconselhado o presidente a tomar esta decisão, desconfiados que estarão por se tratar do único dia e hora sem nenhuma manifestação marcada para Lisboa.

Entretanto, António Costa nega que a alteração se deva a receio de manifestações e diz que, no Pátio da Galé, «sai mais barato»...

Já se sabe que o primeiro-ministro (não) festejará em Bratislava, mas, em contrapartida, o nosso herdeiro ao trono, Duarte Pio de sua graça, fará uma comunicação ao país sobre o «actual momento político e económico».

Será que ainda temos alguma saúde mental por sermos mesmo um país de opereta? 
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O debate na Assembleia da República terminou...




... e eu vou almoçar. Não sem que, antes disso, dedique esta sempre actual canção de Pete Seeger a quem, uma vez e como sempre, não lhe respondeu – o PS, evidentemente.


P.S. - «O PS está tão longe da agenda neoliberal do Governo, como está igualmente longe de uma agenda neomarxista de uma extrema-esquerda completamente desligada da realidade», diz Francisco Assis. O PS ainda não percebeu que isto de sermos os realistas é bom quando a realidade é uma coisa simpática. Quando a realidade é uma merda, como nos dias que correm, o realismo dificilmente deixará de ser a arma dos merdosos, se é que me perdoam o inglês. (Zé Neves no Facebook)
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No dia em que não há palavras



... deixemos as imagens: as capas dos jornais diários de hoje falam por nós. 




Austeridade: Junho 2011 – Agosto 2012



50 medidas de austeridade 

Depois, veio e virá muito mais.

(Henrique Monteiro, ontem: Levem tudo!)

3.10.12

Lusa: Resolução do Plenário de trabalhadores




Considerando que:
1 - A agência Lusa tem um insubstituível papel estratégico de fazer chegar a todo o mundo as posições de Portugal, a forma e o sentir do povo português e difundir a língua e a cultura nacionais no mundo;

2 – A agência Lusa tem um papel determinante, com a amplitude e a diversidade dos acontecimentos cuja cobertura assegura e através da sua presença em todo o país e dos seus correspondentes, para a sobrevivência da imprensa regional e mesmo nacional;

3 – A agência noticiosa, através da sua presença em todo o país e dos seus correspondentes nos países com grandes comunidades de emigrantes portugueses, tem uma importância significativa na coesão nacional e na importante função de levar aos portugueses na diáspora a cultura e a língua nacionais, contribuindo para cimentar as suas relações com Portugal;

4 – A difusão de notícias sobre Portugal, enviadas pela agência, nos órgãos de comunicação social (jornais, rádios e televisões) portugueses existentes nas zonas de grande concentração de emigrantes nacionais reforça a ligação dos emigrantes e luso-descendentes ao país de origem;

5 – Que a agência nacional tem um papel fundamental no reforço das relações entre os países que têm em comum a língua portuguesa e na difusão da cultura portuguesa e lusófona;

Tendo ainda em conta que:

6 – O valor do contrato de prestação do serviço noticioso de interesse público decorre das obrigações estabelecidas no contrato programa do Estado com a Lusa e visa compensar os custos da prestação de serviços contratados com o Estado português;

7 – Que, ainda assim, a agência está a reclamar judicialmente o pagamento dos custos da Lusa com a manutenção e funcionamento das delegações em Macau e Pequim em 2000, ao funcionamento das delegações em Dili e Jacarta em 1999 e 2000, com os serviços prestados a agências noticiosas dos PALOP e o valor do desconto de 50% no preço do serviço para as rádios locais e imprensa regional. Isto significa que os valores pagos pelo Estado nem sempre são suficientes para compensar os custos de serviço público;

8 – Neste contexto, é totalmente absurdo que, depois de decidir renegociar o contrato programa do Estado com a Lusa, possam ser definidas as verbas a alocar à compensação dos serviços a que a agência fica obrigada antes de se saber quais são esses serviços;

9 – Reduzir as verbas entregues à Lusa para compensar o serviço público antes de este estar definido é subverter completamente a filosofia subjacente ao contrato de serviço público do Estado com a Lusa;

10 – Que com um corte tão significativo da contribuição do Estado como o que foi hoje comunicado pelo ministro da Tutela à Comissão de Trabalhadores da Lusa, numa lógica meramente economicista, significaria a impossibilidade de a Agência Lusa cumprir o papel estratégico que lhe cabe, com evidentes prejuízos para os interesses do Estado e da sociedade portuguesa, incluindo no plano económico,

Os trabalhadores da Agência Lusa, reunidos em Plenário no dia 3 de Outubro de 2012, decidem:

1 – Rejeitar liminarmente qualquer redução arbitrária das verbas destinadas a compensar o contrato programa do Estado com a Lusa, numa lógica exclusivamente economicista, e exigir que as verbas para a agência apenas sejam definidas em função do pagamento dos custos em que a empresa incorre pelo serviço público que lhe cabe assegurar;

2 – Mandatar o Sindicato dos Jornalistas, a Comissão de Trabalhadores e o Conselho de Redação para solicitar audiências com caráter de urgência ao Presidente da República, à Presidente da Assembleia da República, ao ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, ao ministro das Finanças, à Comissão de Ética, Sociedade e Comunicação e aos grupos parlamentares para lhes expor as posições dos trabalhadores da Lusa;

3 - Convocar para segunda-feira, dia 8 de outubro, uma vigília à porta da Agência, convidando a comunicação social, nacional e estrangeira, a estar presente;

4 – Solicitar aos sindicatos que representam os trabalhadores da Lusa a emissão imediata de um pré-aviso de greve por tempo indeterminado.

5 – Marcar novo Plenário de Trabalhadores da Lusa, para o dia 9 de outubro, a realizar no sexto andar da sede da agência, para fazer o ponto da situação e marcar datas da greve dos trabalhadores da Lusa.

PROPOSTA APROVADA POR UNANIMIDADE E ACLAMAÇÃO
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Vítor Gaspar – na ressaca



Os comentadores estão a fazer as contas e começam a revelar números assustadores, o comum dos mortais ainda está a digerir – e à espera do que está para vir, porque ainda não foram anunciados os cortes na educação, na saúde e nas prestações sociais. 

Retive duas frases que registo para não caiam no esquecimento: 

«O ajustamento das famílias e das empresas é notável» – uma afronta intolerável perante a terrível situação em que se encontram os compatriotas deste louco perigoso! 

«Este é o caminho da liberdade e da responsabilidade política, é o caminho que assegura o futuro de Portugal». O futuro de Portugal será totalmente negro se esta farsa não tiver um fim em tempo útil. Será um caminho sem liberdade e de irresponsabilidade política – das poucas coisas que temos garantidas. 
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Para as agendas


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O Bloco e os seus sonhos



As moções de censura apresentadas pelo PCP e pelo Bloco serão votadas depois de amanhã e já se sabe que o PS decidiu ontem, em reunião da Comissão Política e por unanimidade, abster-se em relação às duas. Quem se surpreendeu que levante o braço.

Afinal a «convergência» entre PCP e Bloco limitou-se à decisão de apresentar moções agora e de fazer o anúncio no mesmo dia, o que nem me parece mal, mas não é isso que interessa agora. 

É óbvio que os textos (que podem ser lidos no site da AR) vão ambos no sentido de críticas severíssimas ao governo, mas são muito diferentes quanto ao estilo e quanto a posicionamento táctico (ou estratégico...)  Mesmo antes de os conteúdos estarem oficialmente disponíveis, Daniel de Oliveira definiu, cristalinamente e bem, as ditas diferenças: «Do que se imagina, o texto da moção do PCP deverá ser mais alargado no seu âmbito, não dando grande espaço para desafiar deputados do Partido Socialista a votá-la favoravelmente. O do Bloco deverá ser mais comedido, tentado que os deputados socialistas associem o seu voto a ela.» Não sei se o Bloco aposta agora na grande esperança de ver uma meia dúzia de deputados do PS (sempre os mesmos) furarem a disciplina de voto...

Mas para quê esta obsessão absolutamente irrealista de acreditar que é com o actual PS que se chegará à «grande esquerda», social e politica, que vai governar o país depois de amanhã? E como é que não se entende que, «picando» o PS, o resultado é exactamente o oposto, porque a maioria esmagadora dos militantes socialistas se sentem encostados às cordas e reagem cerrando fileiras? Não há memória ali pela Rua da Palma? Ou trata-se de paciente pesca à linha em minorias descontentes?

Na minha opinião de (perplexa) eleitora do Bloco, isto não vai acabar bem. E, correndo o risco de rivalizar com o camarada Jerónimo no recurso a aforismos, se a ideia é que «água mole em pedra dura, tanto dá até que fura», parece-me antes que «não é com vinagre que se apanham moscas».
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Os últimos a saber



(Gui Castro Felga)
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2.10.12

Cardoso Pires, 87



Seria a idade que teria a partir de hoje, se ainda por cá andasse – e bem falta faz. Nem imagino o que pensaria sobre o estado actual do «português», mas retomo este texto que não me canso de reler: 

«Lá vai o português, diz o mundo, quando diz, apontando umas criaturas carregadas de História que formigam à margem da Europa.

Lá vai o português… lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a de facto, e que remédio – índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol-a-sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce deixa de ser criança: fica logo com oito séculos.

No grande atlas dos humanos talvez figure como um ser mirrado de corpo, mirrado e ressequido, mas que outra forma poderia ele ter depois de tantas gerações a lavrar sal e cascalho? Repare-se que foi remetido pelos mares a uma estreita faixa de litoral (Lusitânia, assim chamada) e que se cravou nela com unhas e dentes, com amor, com desespero, ou lá o que é. Quer isto dizer que está preso à Europa pela ponta, pelo que sobra dela, para não se deixar devolver aos oceanos que descobriu, com muita honra. E nisto não é como o coral que faz pé firme num ondular de cores vivas, mercados e joalharia; é antes como o mexilhão cativo, pobre e obscuro, já sem água, todo crespo, que vive a contra-corrente no anonimato do rochedo. (De modo que quando a tormenta varre a Europa é ele que a suporta e se faz pedra, mais obscuro ainda).

Tem pele de árabe, dizem. Olhos de cartógrafo, travo de especiarias. Em matéria de argúcias será judeu, porém não tenaz: paciente apenas. Nos engenhos da fome, oriental. Há mesmo quem lhe descubra qualquer coisa de grego, que é outra criatura de muitíssima História.

Chega-se a perguntar: está vivo? E claro que está: vivo e humilhado de tanto se devorar por dentro. Observado de perto pode até notar-se que escoa um brilho de humor por sob a casca, um riso cruel, de si para si, que lhe serve de distância para resistir e que herdou dos mais heróicos, com Fernão Mendes à cabeça, seu avô de tempestades. Isto porque, lá de quando em quando, abre muito em segredo a casca empedernida e, então sim, vê-se-lhe uma cicatriz mordaz que é o tal humor. Depois fecha-se outra vez no escuro, no olvidado.

Lá anda, é deixá-lo. Coberto de luto, suporta o sol africano que coze o pão na planície; mais a norte veste-se de palha e vai atrás da cabra pelas fragas nordestinas. Empurra bois para o mar, lavra sargaços; pesca dos restos, cultiva na rocha. Em Lisboa, é trepador de colinas e de calçadas; mouro à esquina, acocorado diante do prato. Em Paris e nos Quintos dos Infernos topa-a-tudo e minador. Mas esteja onde estiver, na hora mais íntima lembrará sempre um cismador deserto, voltado para o mar.

É um pouco assim o nosso irmão português. Somos assim, bem o sabemos.

Assim, como? 

José Cardoso Pires, E Agora, José ?, 1977.
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1% para a Cultura



«O tempo de pôr fim a este rumo de desastre é o tempo de hoje. Tempo de protesto e de recusa. Tempo de mobilização de toda a inteligência, de toda a criatividade, de toda a liberdade, de toda a cólera contra uma política que chama “austeridade” à imposição de um brutal retrocesso histórico. Defender a Cultura é uma das mais inadiáveis formas de fazer ouvir todas as vozes acima do medíocre ruído dos “mercados”. Manifestamo-nos em defesa da cultura. E agiremos em conformidade.» 


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O dr. Portas às voltas com o Excel?



 
Isto é aquilo a que pode chamar-se grande sentido de Estado de Paulo Portas e grande confiança nos seus colegas do governo, incluindo os do seu partido!

«Sem chefe de Estado ou de Governo para fazer a sua intervenção, Portugal fica relegado para as últimas horas do último dia da Assembleia Geral, que é quando intervêm todos os países sem representação ao mais alto nível (...) Desde 1997, Portugal colocou na tribuna três ministros dos Negócios Estrangeiros, um secretário de Estado da mesma pasta - Gomes Cravinho, em 2009 -, dois Presidentes da República - Jorge Sampaio em 1999 e Cavaco Silva em 2008 - e cinco primeiros-ministros.»  

Shame on us!...

Jorge Nascimento Fernandes



O Jorge morreu ontem e fui agora dar um abraço à Ana Maria que conheço há mais de 30 anos. 

Enquanto vinha para casa, rebobinei uma série de etapas desde que, há seis ou sete anos, um amigo comum – o Fernando Redondo – nos albergou no seu blogue. Eram tempos blogosféricos amenos, em comparação com os actuais, escrevíamos só de vez em quando (ele mais do que eu), trocávamos opiniões nem sempre coincidentes. Ficou a cumplicidade. 

Em 2007, eu abri este Brumas e ele criou o Trix Nitrix uns meses mais tarde. Nunca deixámos de interagir. Quando nos encontrávamos por aí, por vezes perto de casa porque éramos quase vizinhos, em sessões diversas ou em manifestações, havia um diálogo que se tornou quase um ritual. Ele suspirava e dizia, sempre a rir: «Continuo a ter inveja de ti por conseguires escrever posts com menos de dois ecrãs!». E eu respondia-lhe que continuasse a tentar... 

Nada disto tem agora importância, a não ser para mim: a internet cria laços de que só nos apercebemos quando desaparecem – por morte ou porque as curvas da vida acabam por os secar.

O Jorge lutou dez anos contra a doença, com uma coragem incrível. Nas últimas semanas terá desistido. E ontem acabou. 
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Parece um pouco assustador



... e nada auspicioso para o futuro próximo da humanidade: Mundo precisa de mais 600 milhões de empregos em 15 anos

«Cerca de 200 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam o desemprego, 75 milhões das quais têm menos de 25 anos», afirma-se num relatório do Banco Mundial.

E, além disso: «Muitos outros milhões de pessoas, mulheres na maioria, encontram-se totalmente excluídas da força laboral. Olhando para o futuro, nos próximos 15 ambos serão necessários 600 milhões de novos empregos para absorver a crescente população em idade laboral, sobretudo na Ásia e na África subsaariana.» 

«O banco sugere ainda aos países que concebam políticas laborais que se possam traduzir em oportunidades de emprego e que identifiquem "estrategicamente" que postos de trabalho mais ajudam ao desenvolvimento de cada país específico, e acabem com os obstáculos que impedem a criação de um maior número desses empregos.» 

Exactamente o oposto do que a Europa está a fazer. Se o futuro próximo é extremamente preocupante a nível mundial, parece sê-lo dupla ou triplamente para os jovens europeus. Nada que não fosse já sabido, mas, com números, torna-se mais evidente e mais cruel. 
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1.10.12

E quanto ao PS


... e à triste figura que se apressou a fazer, logo após o anúncio das moções de censura pela esquerda, sugiro o mesmo que o Miguel Cardina

 «Três sugestões para o Largo do Rato: ou deixam de distribuir cogumelos alucinogénos no bar, ou dão umas lições avulsas de história recente aos seus dirigentes (já não há pachorra para a narrativa aldrabada sobre o PEC 4...) ou fazem um processo rápido de cura psicanalítica, que este paleio às vezes cheira a "transferência". E sintonizem que os tempos estão a precisar é de mais esquerda, não de abstenções violentas, hesitações indignadas e umbigos dilatados.» 
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Prós & Prós




No seguimento do post imediatamente anterior a este.
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Prós & Contras de hoje – Recusa de participação


(Gui Castro Felga)

Subscritores e subscritoras da manifestação de 15 de Setembro contra o programa "Prós e Contras" de hoje à noite 

Realiza-se esta noite na RTP1 um programa "Prós e Contras" sobre o aparecimento de grandes manifestações em vários países da Europa e os desafios que elas colocam à ordem estabelecida. Alguns subscritores e subscritoras do apelo da manifestação de 15 de Setembro "Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!" foram abordados pela produção do programa para estarem na plateia esta noite, juntamente com "a jovem Adriana que abraçou um polícia". No palco, a escalpelizarem longamente as manifestações e as suas características, foram convidados a estar o director nacional da PSP, um responsável da GNR e dois antigos ministros da Administração Interna.


Tendo em conta que o tema do programa, de acordo com o que lhes foi comunicado pela produção, é o próprio aparecimento das manifestações e não "a segurança nas manifestações", vários/as organizadores/as da manifestação de 15 de Setembro consideram que a discussão sem manifestantes é transformar um programa de debates numa sessão de manipulação da opinião pública. Como vem sendo demasiado hábito neste programa, estamos perante um verdadeiro "Prós e Prós", em vez de uma emissão jornalística de confronto de ideias. Diversos subscritores e subscritoras do apelo "Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!" recusaram estar presentes para legitimar tal emissão de características securitárias. Sugerimos aos organizadores do programa "Prós e Contras" que alterem a sua célebre promoção em que aparecem manifestantes e polícias frente a frente, tentando cada um deles perceber o ponto de vista do outro, já que o programa em questão raramente tenta dar a conhecer, de forma equilibrada, a perspectiva de ambos os lados.

Vivemos uma situação em que centenas de milhares de pessoas pela Europa se revoltam contra memorandos da troika, governos troikistas e politicas de austeridade que, com o pretexto de não haver alternativas, destroem as suas vidas. A face mediática desta política desastrosa são os debates de sentido único, como neste programa "Prós e Contras", em que a palavra é dada aos do costume e os outros estão lá apenas para fazer figuração. Discutir o momento actual segundo o ponto de vista da polícia e de ministros da Administração Interna é fazer todo o esforço possível para abafar os verdadeiros motivos da onda de revolta que varre a Europa.

Assinado por: Ana Carla Gonçalves, Ana Nicolau, António Costa Santos, António Pinho Vargas, Belandina Vaz , Bruno Neto, Diana Póvoas, Frederico Aleixo, Joana Manuel, João Camargo, Luís Bernardo, Magda Alves , Magdala Gusmão , Marco Marques , Margarida Vale Gato, Mariana Avelãs, Myriam Zaluar, Nuno Ramos de Almeida, Paula Marques, Paulo Raposo, Ricardo Morte, Rita Veloso, Rui Franco, Sandra Monteiro. 

(Daqui)
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Analfabetos éticos



Ainda a propósito das diatribes de António Borges: 

«Há pessoas assim. O mundo pode perecer, desde que o seu ego gigantesco não sofra qualquer dano. (...) AB ficou com uma ferida narcísica, pois foi ele quem ditou ao PM o repulsivo discurso de 7 de setembro. (...) A economia foi fundada em 1776 por Adam Smith, um dos mais importantes escritores morais de sempre. Nessa altura, chamava-se "política". 

A economia não fazia abstração das pessoas, nem das suas relações e valores. Hoje, o que falta em pensamento amplo sobra no malabarismo dos modelos, manejados por aprendizes de feiticeiro. Analfabetos éticos que têm semeado, com impunidade, a ruína pelo mundo. Do subprime ao escândalo da Libor. Ensinando uma opinião arrogante, disfarçada de ciência. Uma economia sem "coração", nem economia chega a ser. Já "chumbou" no exame da Vida.»  

Viriato Soromenho-Marques

Última hora – União das esquerdas



Perante a notícia de uma iniciativa conjunta de PCP e BE, a ser anunciada esta tarde, António José Seguro acaba de recordar que é o líder do maior partido de esquerda e convoca uma conferência de imprensa, a três, para esta noite. A expectativa é grande, mas parece que «já está» – desta é que é! 

Também tenho direito à minha Imprensa Falsa, não? É que começa a irritar-me muito ver tantas reacções ao anúncio de ontem, nas quais, velada ou explicitamente, se recorda que há mais esquerda para além de comunistas e bloquistas, como se estes tivessem culpa de que outros recusem juntar-se-lhes, depois de se terem deslocado aceleradamente para o centro – ou para «o meio», como agora é moda dizer-se. 
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Também marcou presença, claro


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30.9.12

É já depois de amanhã



d(Eficientes) Indignados

Esperamos ter muita gente na concentração que convocámos para o dia 2 de Outubro.

Mas vai ser mais do que uma concentração.

Vai ser uma vigília. Uma vigília a sério.

VAMOS FICAR EM FRENTE À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, DE DIA E DE NOITE, ATÉ SERMOS OUVIDOS PELO GOVERNO.

Quando está para ser discutido o Orçamento Geral do Estado de 2013, ainda há uma correcção a fazer ao de 2012. 

Não admitimos o corte de 30% na verba para produtos de apoio. Para que se saiba, produtos de apoio são o que necessitamos para viver. São fraldas, são sondas, são cadeiras de rodas, é tudo aquilo que a lei diz que é de atribuição UNIVERSAL e GRATUITA e que nos recusam ano após ano. 

Sairemos de lá quando for reposta a verba necessária para os pedidos que foram recusados.

Relativamente à discussão do orçamento de 2013 temos uma proposta para os partidos da governação:

SEJAM COERENTES 

Quando José Sócrates nos retirou os Benefícios Fiscais em 2007, defenderam a nossa posição e apresentaram propostas de alteração à Lei do Orçamento no sentido da reintrodução dos Benefícios Fiscais. Só exigimos coerência e que voltem a apresentar a mesma proposta corrigindo os valores de acordo com a inflação verificada desde então.

VAI SER ASSIM. 

SABEMOS QUE VAI SER DIFÍCIL, MAS JÁ ESTAMOS FARTOS DE SER CIDADÃOS DE 2ª.
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Optimismo



Um povo que sobreviveu a este passado que teve há-de pôr fim ao pesadelo que está a ter agora. 

(Imagem «oferecida» por António Domingues no Facebook)
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A direita desunida...

Da urgência



No rescaldo do dia de ontem, convém ver para além das imagens de multidões que encheram as ruas de Lisboa, Madrid, Atenas, Berlim, Roma (e até Tbilisi...). A onda de protestos que corre a Europa revela mais do que descontentamentos «normais» em países democráticos: é um alerta para perigos maiores que se avizinham e que não se evitam com receitas avulsas para o dia de amanhã. Gostava de ter a certeza – e não tenho - de que estamos suficientemente convencidos desta realidade, crua e dura: é a própria democracia que está em perigo.

Foi o que pensei ao ler o texto de Pedro Marques Lopes, hoje, no DN: «É tempo».

«O tempo por estes dias corre mais depressa. A torrente de acontecimentos é tal que a palavra dita ou escrita já perdeu actualidade no segundo seguinte. Acontecimentos, estudos, notícias que seriam dissecadas e permaneceriam no espaço público muito tempo são rapidamente substituídos por outros. (...)

Não surpreende por isso que a sondagem do DN/Universidade Católica do já muitíssimo distante dia 20 tivesse sido devorada pela enxurrada de acontecimentos: desde esse dia o mundo, segundo esta agenda de galinha bêbada, já teria mudado dez vezes. (...) Sim, sabíamos que as pessoas não andavam contentes, mas provavelmente não imaginaríamos que 87% dos portugueses estariam desiludidos com a democracia. (...)

Os tais 87% de portugueses desiludidos com a democracia são os mesmos cidadãos que se manifestam em Atenas ou Madrid. Iguais aos catalães que pensam que a sua independência (o paralelo com os anos 30 do século passado arrepia) lhe resolverá os problemas económicos (ou alguém pensa que o que se está a passar na Catalunha estaria a acontecer num período de saúde económica?). Estes portugueses são os italianos, os franceses, os holandeses e os próprios alemães daqui a uns meses. Gente que deixa de acreditar na democracia pela mais simples razão do mundo: para eles democracia significa bem-estar, direitos sociais, boas perspectivas para eles e para as suas famílias.(...)

O que está em causa não é mais ou menos austeridade, um menor ou maior empobrecimento, mais ou menos défice, já estamos para lá disso. O que está em causa é se queremos continuar a viver em democracia ou não. As manifestações, os insultos aos políticos são só o primeiro sinal. A conjugação, mais ou menos indissociável, entre a quebra de confiança em toda a classe política e a brutal queda nas condições de vida das populações é absolutamente letal para a democracia, e, claro está, para o País.

Infelizmente, não será só em Portugal que tudo isto corre o risco muito sério de acontecer, será em toda a Europa. Convinha mesmo acordar antes que seja tarde demais.»

Na íntegra aqui.
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