31.7.21

Vacinações



 

Li há dois dias, num comentário do Facebook, que um puto de 12 anos esperava ser vacinado. Caso não fosse essa a decisão oficial, iria lamber todos os corrimãos de um centro comercial para ver se conseguia apanhar o vírus e obter o sacrossanto Certificado.

O pai, que contava a história, aplaudia e eu não me importava nada que esse puto fosse meu neto. Quem não tem cão caça como gato. 

Quase aposto que dentro de poucas semanas (ou mesmo dias) a DGS virá dizer que afinal está tudo bem e que os adolescentes dos 12 aos 15 podem, e devem, ser vacinados. Entretanto, só aumentou as angústias e dúvidas de muitos pais.
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E ela terá a App instalada para os ler?

 

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As quotas não fazem mal a ninguém

 


«O Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, publicado esta quarta-feira em Diário da República, não se limita a reconhecer o que todos reconhecemos: existem grupos que são alvo de discriminação muito precisa, em cujos meios é importante intervir.

A medida mais prática e simbólica deste plano é a criação de mais de 500 vagas extras no ensino superior, e nos cursos técnicos superiores profissionais, para alunos oriundos de escolas situadas em zonas desfavorecidas que, sem elas, não acederiam a estes níveis de escolaridade.

Ninguém escolhe o local onde nasce. Mas o ecossistema em que crescemos determina-nos. Crescer no bairro da Lapa, em Lisboa, ou no bairro da Jamaica, em Setúbal, não oferece as mesmas condições no ponto de partida e não garante o mesmo êxito no ponto de chegada. Este desequilíbrio não é forçosamente uma fatalidade. Mas é-o na maioria dos casos.

Portugal não é mais nem menos racista do que outros países. Ainda recentemente, Joe Biden admitiu que os EUA têm um problema estrutural chamado racismo — nunca o supremacismo branco teve tanto impulso como na anterior presidência norte-americana. Temos é um trauma colonial para resolver e sempre que nos é possível fugimos a correr do divã do terapeuta.

Acreditamos no nosso próprio discurso sobre a lengalenga do luso-tropicalismo, convencidos de que a nossa colonização até foi benigna, ou, pelo menos, não tão maligna como a das outras potências europeias. A realidade, todavia, não é tão delicodoce.

Alcino Monteiro, espancado por um bando de cabeças rapadas, no Bairro Alto, há 26 anos, ou Bruno Candé, atingido a tiro por um ex-militar, em Moscavide, no ano passado, morreram por causa da cor da sua pele. Não foram crimes comuns. Quem mata é o racismo, não é o anti-racismo.

O que incomoda é quando as vítimas saem da sombra e ganham voz e protagonismo. O primeiro rapper português, General D, não aguentou a pressão de ser o primeiro a expressar o sentimento do que é ser negro e viver em Portugal, depois de lançar PortuKKKal É Um Erro, em 1994, e emigrou. O SOS Racismo, uma organização com reconhecido trabalho cívico, parece ter-se tornado uma questão desde que começou a ser liderada por um negro.

O oposto de não combater o racismo é incentivá-lo. Este plano impede-nos de fingir que não há racismo em Portugal e é um passo para remediar as consequências que sofre quem já nasceu discriminado. Afinal, as quotas não fazem mal a ninguém.»

30.7.21

30.07.1974 - «A morte do colonialismo»



 

Há 47 nos, milhares de pessoas concentraram-se junto ao Palácio de Belém para manifestarem ao Presidente da República a alegria pelo fim da guerra colonial. A manifestação foi convocada pelos três partidos representados no II Governo Provisório: PS, PPD e PCP.

Na véspera, tinha sido assinado, em Argel, o acordo que reconhecia a independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.

Vale a pena ver a composição do II Governo Provisório:

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Dizem que é jornal de referência



 

Parem as máquinas porque o Expresso acaba de lançar uma notícia de arromba: O CARDEAL CEREJEIRA TINHA UM NETO!
Descobriram que Nuno Cláudio Cerejeira não é sobrinho-neto do cardeal, mas sim neto? Uau!

E não foi lapso no título. Lê-se na notícia: «Nuno Cláudio Cerejeira, neto do cardeal Cerejeira, aliado de Oliveira Salazar, é um dos 27 PHS que vão a julgamento.» 

P.S. - Entretanto, já corrigiram.
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O dinheiro da Extrema Direita contra as mulheres

 


«O Fórum Parlamentar Europeu para os Direitos Sexuais e Reprodutivos acaba de apresentar um relatório sobre o modo como é financiada, na Europa, a ação dos movimentos extremistas contra a autodeterminação das mulheres e a igualdade de género (https://www.epfweb.org/node/837 ). Chama-se “A ponta do iceberg” e é um retrato detalhado das redes de apoio à extrema direita neste continente.

Primeiro dado relevante: entre 2009 e 2018, cerca de 707 milhões de dólares foram mobilizados por 54 organizações – de ONG’s a partidos ou a organizações religiosas – para financiar a sua ação contra a igualdade de género na Europa. Segundo dado relevante: nas três principais fontes geográficas desse financiamento (Estados Unidos, Rússia e Europa), as elites conservadoras juntam-se às organizações de extremismo religioso. Assim, na Rússia, os cerca de 190 milhões de dólares mobilizados foram originados em organizações associadas a dois oligarcas (Yakunin e Malofeev) que se destacam na lavagem de dinheiro para financiamento das campanhas eleitorais de partidos da extrema direita europeia. Nos Estados Unidos, 81,5 milhões de dólares foram, neste período, canalizados para organizações europeias de combate à igualdade de género por 10 think tanks da direita evangélica financiados por fundações ligadas a bilionários do campo trumpista. Terceiro dado relevante: os 438 milhões de dólares mobilizados na Europa para financiamento da agenda contra os direitos das mulheres vieram tanto de organizações católicas ultraconservadoras (polacas, espanholas e alemãs, sobretudo) como de elites empresariais de mais de 20 países.

Portugal não aparece no relatório. Engana-se quem repousar sobre isto. Tanto como se enganou quem repousou na convicção de que Portugal continuaria a ser uma exceção ao crescimento da extrema direita patente em toda a Europa. E é por ajudar a prevenir este repouso distraído que este relatório é tão importante.

Seguir o rasto do dinheiro com que a extrema direita financia as suas campanhas contra a igualdade de género permite-nos desmontar duplamente a ficção de que a extrema direita é “contra o sistema”. Primeiro, porque fica patente que o sistema contra que a extrema direita se move é o sistema dos direitos e da igualdade, de que os direitos das mulheres são um elemento nuclear. Segundo, porque o grosso do dinheiro mobilizado pela extrema direita para este fim vem da aristocracia económica que é o motor do sistema da desigualdade no trabalho, na posse dos bens e no acesso aos direitos.

Siga-se o rasto do dinheiro e perceba-se como a extrema direita é a guardiã do sistema. Na Europa e em Portugal também.»

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29.7.21

Pedro Tamen

 


Calou-se hoje.

Quando a lua de joão penha se põe por sobre as casas
A deitar branco e azul por superabundância,
O fofo descritivo deste começar
Faz-se caroço e tapa a voz que há-de chegar.
E são então os pássaros sem asas
Cheios de bicos, brumas, e de infância,
Na capoeira atada e toda rede
Onde a visão de perto é falta de ar,
onde a memória é sede.

Pedro Tamen, in Daniel na Cova dos Leões, 1970
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Luis Buñuel morreu num 29 de Julho



 

Luis Buñuel morreu em 29 de Julho de 1983. Nascido espanhol, naturalizado mexicano, foi certamente um dos realizadores mais controversos, irreverentes, e mesmo «escandalosos», do século passado.

Com 17 anos rumou a Madrid para frequentar a universidade, entrou em círculos ligados a cineclubes e inseriu-se em grupos onde se tornou amigo de Dalí, García Lorca e mais uns tantos. Em 1925, partiu para Paris, onde via três filmes por dia, iniciou actividade como crítico de cinema e aproximou-se cada vez mais dos surrealistas, que o adoptaram definitivamente depois da exibição do seu primeiro filme – «O Cão Andaluz» (em 1929).



Seguiu-se «A Idade de Ouro» (1930). Cinco dias depois da estreia, grupos de extrema direita atacaram a sala onde o filme era exibido, as autoridades francesas proibiram-no e recolheram as cópias existentes. Depois de meio século de censura, reapareceu em Nova Iorque em 1980 e um ano depois em Paris.



Seguem-se etapas complicadas nos Estados Unidos, no México e de novo em França, mas recorde-se apenas um dos seus filmes mais emblemáticos, «Viridiana», absolutamente inesquecível, de 1961. Ganhou nesse ano a Palma de Ouro em Cannes, mas, depois de ser condenado pelo Osservatore Romano que o classificou como «blasfémia» e «sacrilégio», foi proibido pela censura em Espanha e só veio a ser exibido em 1977. (Vale a pena ler este texto de Lauro António.)



A célebre cena da Última Ceia:


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Marcelo igual a si próprio

 

«Há uns anos, quando caiu uma avioneta no Lidl, o Marcelo pôs-se em 15 minutos em Tires. Agora não foi capaz de ir ao funeral do Otelo em Alcabideche, o trânsito devia estar terrível. Se tivesse caído uma avioneta no funeral do Otelo, o Marcelo estava lá batido.»

MC Somsen no Facebook
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Para onde fomos?

 


«Não está certo. Uma pessoa vira as costas e, de repente, faltam 213.286 portugueses. E, logo por azar, nos sectores que fazem mais falta.

Sou do tempo em que dizíamos que Portugal tinha 11 milhões de habitantes, mais coisa, menos coisa. Toda a gente sabia que não era mais coisa, que era menos, mas não fazia diferença, por haver tanta gente.

Depois, tivemos de bater a bolinha mais baixo e dizer que éramos 10 milhões e meio. Este “meio” era pindérico. Os países com populações decentes não dizem que têm 60 ou 120 milhões “e meio”.

O “meio” denunciava o nosso complexo de inferioridade. Fazíamos questão de esclarecer que não éramos apenas dez milhões, ó não, nem pensar, ora acrescenta lá mais quinhentos mil tugas, se fizeres favor.

Agora é um pesadelo. O melhor é mudar de assunto mas, caso alguém insista em perguntar, teremos de baixar a voz e dizer que somos “dez milhões”, resistindo absolutamente à tentação de acrescentar “e quase 350 mil”.

Note-se que, como lisboeta e veraneante algarvio, enxoto qualquer responsabilidade neste descalabro. Tanto Lisboa como o Algarve conseguiram aumentar substancialmente o número de portugueses. Em Lisboa lográmos atrair quase 50.000 e no Algarve apanharam mais 16.489.

Cada um desses portugueses custou-nos caro. Para cada um nascer, foi preciso apresentar pessoas, escolher a música certa e esperar que chegassem a vias de facto. Mas, cada vez que morria alguém, lá estávamos nós a telefonar da maternidade, a dizer que tinha sido encontrado um substituto.

E ainda pudemos pôr alguns de parte, para compensar as asneiradas do Alentejo (menos 6,9 %), da Madeira (6,2 %), do Centro (4,3%), dos Açores (4,1%) e do Norte (2,7%), mal adivinhando que não iria chegar para as encomendas.»

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28.7.21

Lutos nacionais (2)




Segundo a Wikipedia, é esta a lista de pessoas ou acontecimentos pelos quais foi decretado Luto Nacional desde o 25 de Abril, decisão que é da competência do Governo.

Na mesma, não couberam Salgueiro Maia, Melo Antunes e Otelo Saraiva de Carvalho (casos referidos ontem pelo actual PM.)  Mas não faltam Anwar Al Sadat presidente do Egito, imperador Hirohito do Japão e rei Hassan II de Marrocos.  

·        1977 - vítimas do acidente aéreo no Funchal 

·        1980 - vítimas do sismo dos Açores de 1980 

·        1980 - falecimento do primeiro-ministro, Francisco Sá Carneiro, e do ministro da Defesa Nacional, Adelino Amaro da Costa (Caso Camarate)

·        1981 - falecimento de Anwar Al Sadat, presidente do Egito 

·        1985 - vítimas do desastre ferroviário de Moimenta-Alcafache 

·        1986 - falecimento de Samora Machel, presidente de Moçambique 

·        1989 - falecimento do imperador Hirohito do Japão 

·        1991 - vítimas do massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste 

·        1996 - falecimento de António de Spínola, antigo presidente da República - 2

·        1998 - falecimento de D. António Ribeiro, cardeal-patriarca de Lisboa

·        1999 - falecimento do rei Hassan II de Marrocos 

·        1999 - falecimento de Amália Rodrigues 

·        2001 - vítimas da tragédia de Entre-os-Rios 

·        2001 - falecimento de Francisco da Costa Gomes, antigo presidente da República

·        2001 - vítimas dos ataques de 11 de setembro de 2001 

·        2004 - vítimas dos atentados de 11 de março de 2004 em Madrid 

·        2004 - falecimento de António de Sousa Franco 

·        2004 - falecimento de Carlos Paredes 

·        2004 - falecimento de Luís Nunes de Almeida, presidente do Tribunal Constitucional

·        2005 - falecimento de Jorge Alberto Aragão Seia, presidente do Supremo Tribunal de Justiça

·        2005 - falecimento da Irmã Lúcia 

·        2005 - falecimento do Papa João Paulo II 

·        2005 - falecimento de Álvaro Cunhal 

·        2010 - vítimas da tempestade na ilha da Madeira 

·        2010 - falecimento de José Saramago 

·        2013 - falecimento de Nelson Mandela 

·        2014 - falecimento de Eusébio 

·        2014 - falecimento de D. José Policarpo 

·        2015 - falecimento de Manoel de Oliveira 

·        2017 - falecimento de Mário Soaresantigo presidente da República

·        2017 - vítimas do incêndio florestal em Pedrógão Grande 

·        2017 - vítimas da tragédia com queda de árvore na ilha da Madeira 

·        2017 - vítimas dos incêndios florestais nas regiões Centro e Norte do país 

·        2018 - falecimento de António Arnaut 

·        2019 - vítimas de violência doméstica

·        2019 - vítimas do acidente com autocarro de turismo na ilha da Madeira 

·        2019 - falecimento de Agustina Bessa-Luís 

·        2019 - falecimento de Diogo Freitas do Amaral 

·        2020 - vítimas da pandemia de COVID-19 

·        2020 - falecimento de Gonçalo Ribeiro Telles 

·        2020 - falecimento de Eduardo Lourenço 

.       2021 - falecimento de Carlos do Carmo



E cantou-se a Otelo com Fanhais

 


Francisco Fanhais e um coro improvisado, ontem, no velório de Otelo Saraiva de Carvalho.
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Ricardo Salgado preferiu tirar a máscara

 


«Segundo as notícias, Ricardo Salgado foi fazer exames médicos à Suiça e seguiu daquele país para a Sardenha em férias. Em julho, é normal gozar férias. Aparece nalgumas fotos provenientes da Sardenha e, numa delas, não segue as regras sanitárias do uso de máscara obrigatório em espaços públicos, parecendo ir a caminho de um restaurante/pastelaria.

A Sardenha é conhecida pela sua beleza e pelas praias paradisíacas que bordejam as suas costas. A cor das suas águas está espalhada pelo mundo. Um homem que enfrentou o oceano a caminho das terras de Vera Cruz nos seus iates, sempre bem acompanhado, não desprezaria nunca as águas da Sardenha.

Há um apelo antiquíssimo de algumas estirpes de homens e mulheres por certos lugares. No fundo, esses seres humanos aceleram o percurso que os leva ao Paraíso, frequentando estágios de habituação a esse destino final.

Antes da existência legal de estágios laborais, nos antípodas situavam-se os estágios permanentes dos Todo-Poderosos nos mais belos locais do “nosso” Planeta.

De Petra ao Taj Mahal, do Machu Picchu ao Nilo, da Patagónia ao Gobi, das noites brancas do Ártico ao Palácio Azul de Pequim, estes Senhores estagiaram antes de as suas almas viajarem a velocidades hipersónicas a caminho do verdadeiro Paraíso pelo qual, às suas ordens a golpes de espada e de balázios, enviaram milhões para o Inferno, os quais acreditavam que voavam para outro Paraíso que não o dos vencedores.

À medida que o longo tempo se foi derramando, a Humanidade inventou as Casas da Justiça, as quais, na boa interpretação original, deveriam ser um paraíso porque ali se faria justiça igual para todos e todas. Esta é a justiça terrena capaz de apaziguar e, nesse sentido, os chamados àquela casa nela entrariam como quem um dia entrará no Reino da melhor justiça, aquela em que cada crente entende ser a melhor, ficando de fora os não crentes ou ateus.

Apesar disto, é compreensível que Ricardo Salgado, antigo dono do BES, não troque as águas turquesas da Sardenha pelos bancos rudes e duros do Tribunal Criminal de Lisboa, habituado desde menino aos melhores paraísos desta Terra.

De cima da sua idade não podia correr o risco de se infetar na Casa da Justiça. Os tribunais podem contagiar, mesmo com máscara. Na Sardenha, Salgado tirou a máscara e desmascarou-se.»

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27.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 1-13


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Foi em 1970

 


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Lutos nacionais



 

Quando a Irmã Lúcia morreu foi decretado luto nacional. Assumo que o seu contributo foi considerado mais importante para o país do que aquele de quem comandou a acção que nos devolveu a Liberdade. Registe-se.
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Já se sentiu espiado pelo seu telemóvel?



 

«Pegasus. Assim se chama o software de espionagem mais invasivo do Mundo, utilizado por serviços secretos de vários países para vigiar jornalistas, organizações não governamentais, académicos, líderes religiosos e membros de governos. Ao todo, segundo a investigação divulgada pelo jornal "The Guardian", em que participou também a Amnistia Internacional, são mais de 50 000 entidades vigiadas, muitas de forma ilegal.

O método é assustadoramente simples. O Pegasus entra nos telemóveis como um vírus, passando a ter acesso a todos os movimentos do seu utilizador, a todas as horas. E não é pouco o que um telemóvel pode contar, se pensarmos no poder deste software para gravar chamadas telefónicas ou conversas tidas ao alcance do microfone do aparelho, para usar a câmara e aceder às fotografias, mas também e-mails, mensagens ou pesquisas de Internet.

Na origem do dispositivo está a israelita NSO, uma das muitas startups que, sob a capa de "combate ao terrorismo", desenvolvem os mais sofisticados dispositivos securitários. Não é por acaso que Israel, um dos estados mais militarizados do Mundo, que promove uma violenta perseguição ao povo palestiniano, acolheu muitas destas empresas. Não são novas as denúncias de obtenção ilegal de informações pessoais junto de palestinianos, que depois eram utilizadas em todo o tipo de chantagens e ameaças destinadas a desestabilizar os territórios ocupados.

Sobre a desculpa esfarrapada desta empresa milionária, que diz servir o combate ao terrorismo, a Amnistia Internacional responde que a "NSO Group não pode continuar a garantir que os seus produtos só são utilizados contra delinquentes quando mais de 3500 ativistas, jornalistas, opositores políticos, políticos estrangeiros e diplomatas têm sido selecionados... não há dúvida de que o seu software espião é utilizado para exercer repressão à escala mundial: as provas são irrefutáveis".

Mas a Amnistia vai mais longe, ao denunciar a existência de um mercado de ciberespionagem fora de controlo, que opera à margem da legalidade, em violação grotesca de direitos fundamentais, ao serviço de estados, serviços secretos e, quem sabe, até de empresas privadas.

Em Portugal, a utilização destes mecanismos é proibida. O que não impede que existam portugueses espiados pela NSO. E isto sem falar, é claro, naquela sensação estranha ao vermos no telemóvel um anúncio a um produto que já tínhamos referido em conversa...

Parece contraditório que sociedades que tanto prezam o segredo bancário e profissional, facilmente concebam a transformação de informações pessoais e políticas em produtos comerciais. A contradição é apenas aparente, já que tudo é, afinal, um negócio ao serviço dos grandes poderes.»

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26.7.21

Tal e qual



 

Eu podia ter escrito isto.
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Então não somos?

 

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Até sempre, Amigo Otelo!

 


Este pequeno texto fica para a nossa (H)istória:

«O Otelo partiu. Será, no entanto, eterna a memória que a História de Portugal dele registará. Lamento a perda para o País de um homem como ele, lamento a perda de um amigo. São muitas as histórias que nos ligam. Lembro-me sobretudo da incerteza partilhada durante a Conspiração e, mais ainda, da alegria das nossas vitórias.

Longe de termos estado constantemente de acordo, acabámos sempre por nos unir em torno do que tínhamos em comum, da História que construímos juntos, do sucesso que alcançámos na epopeia colectiva que foi o 25 de Abril. Em meados de Novembro de 1975, chegámos a chorar os dois em pleno COPCON, quando, no meio de uma discussão, nos apercebemos que cada um de nós estava de um lado da barreira, defendendo caminhos diferentes para atingir os nossos ideais – que esses, sim, continuavam comuns. Nesse dia, soubemos que teríamos sempre mais a unir-nos do que a separar-nos.

Depois, com mais ou menos concordâncias, não nos alheámos e continuámos a luta pela consolidação dos ideais de Abril. Hoje, não teremos o Portugal com que cada um de nós sonhou, mas temos o Portugal que os portugueses têm sido capazes de construir. Em Liberdade e em Democracia.

No início do próximo ano, os dias de Democracia em Portugal ultrapassarão o tempo que vivemos em Ditadura. O Otelo já não viverá esse marco na História, mas deixa nela o seu contributo fundamental – e, mesmo que controverso, sempre honesto.

Um abração de Abril, Amigo Otelo. Até sempre!»

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O Otelo que escolho celebrar

 


«Não há mortes nas trincheiras deste tempo de redes sociais. Mas cada morte transforma-se numa trincheira. E com o crescimento de uma extrema-direita revanchista, cada morte tem a função de legitimar ou deslegitimar pedaços da nossa história. Essa parte não é nova. Quem pensa que o passado é uma coisa que está pousada para os historiadores contarem como foi nunca compreenderá a forma como todos os regimes, sejam ditaduras ou democracias, todas as correntes políticas, sejam de esquerda ou de direita, e todas as nações, sejam europeias ou africanas, precisam dele para se explicarem à luz do que é o seu presente e do que querem para o seu futuro.

Era inevitável que a morte de Otelo Saraiva de Carvalho, uma das figuras mais controversas do período revolucionário e pós-revolucionário, ele próprio cheio de figuras controversas, levasse à única forma de análise histórica que hoje conhecemos no espaço público e mediático: a maniqueísta. Se isso aconteceu com a morte de Marcelino da Mata, a léguas da relevância histórica e do impacto político de Otelo, como não aconteceria com a dele?

Por desconhecimento das pessoas quanto às suas posições políticas ou talvez apenas por se ter afastado, Salgueiro Maia (a quem Cavaco Silva recusou uma pensão póstuma enquanto as aceitava para ex-agentes da PIDE) foi dos poucos capitães de abril que sobreviveu à enxurrada de lama que a reescrita da história, sempre tão benigna com os cobardes criminosos do Estado Novo, lançou sobre aqueles jovens cheios de coragem. Mas é bom perceber quem eram. Talvez com a exceção do mais brilhante e sensato de todos, Melo Antunes, eram politicamente imaturos. Depois de 48 anos de ditadura, tirando alguns quadros do PS, os comunistas que vinham da clandestinidade e os que aceitaram participar na vida política institucional fraudulenta do Estado Novo, todos eram.

Os jovens capitães de abril não escolheram a história, foram escolhidos por ela depois de todos os velhos oficiais se terem acobardado, esperado pelo momento certo, fazendo cálculos às perdas e ganhos. Generais que não se esqueceram de aparecer para receber o poder, quando a vitória foi certa. Foram escolhidos quando foram atirados para uma guerra colonial anacrónica, injusta e condenada à derrota política. Foram escolhidos quando eram a última linha para dar o golpe de misericórdia a uma ditadura moribunda. A sua preparação política fez-se nas casernas, as suas leituras fizeram-se nos meses rápidos da revolução, o seu protagonismo foi meteórico. O papel que tiveram no PREC foi ditado por instinto, impreparação e, em muitos casos, doses excessivas e naturais de voluntarismo. Como acontece em qualquer país onde, durante meio século, a participação cívica e política se paga com prisão. Com todos os erros que cometeram, e Otelo estará entre os que cometeu mais, não posso esquecer o dia que permitiu que eu estivesse aqui a escrever o que escrevo. É provável que a sua impreparação política, que era a impreparação política do país, nem lhes tivesse dado um vislumbre do que aí viria.

Não venho do espaço político de Otelo. Pelo contrário, a esquerda onde me formei sempre o viu como um aventureiro irresponsável. E tinha toda a razão, como a história provou. O que veio depois confirmou que Otelo, com toda a sua coragem e voluntarismo, era vaidoso e politicamente impreparado. As FP25, fruto do desnorte de uma área política que, ao contrário do PCP, perdeu total relevância política depois do PREC, não foram “só” um crime. Foram uma traição. Otelo, que sempre se desresponsabilizou pela liderança política desta aventura criminosa, traiu o 25 de abril. As FP não foram apenas um episódio na vida de Otelo, confirmaram o percurso que fez naqueles anos.

Num país que nunca julgou ou condenou os crimes do Estado Novo, permitindo que torturadores e homicidas da PIDE nunca respondessem perante a justiça, faz pouco sentido criticar a sua amnistia. Resultou, com base na narrativa de imbróglio jurídico, da pacificação com a história, que também levou a esquecer o terrorismo do ELP e do MDLP, de onde vem o vice-presidente de um partido cujo líder escreveu ontem que Otelo devia ter morrido na prisão.

Otelo não é apenas Otelo, com todas as suas contradições, generosidades, crimes, valentias e vilanias. Otelo é, como todas as personagens da história, sempre mais contraditórias do que gostamos de as retratar, o que mais importante fez na história. No seu caso, o 25 de abril. A democracia, quando ele se voltou a candidatar à Presidência já distante dos anos conturbados pós-revolucionários (em 1980 não chegou aos 1,5%, bem abaixo dos 16,5% que tivera em 1976), ou quando concorreu em movimentos eleitorais (primeiro os GDUP e depois a FUP, que significativamente tinha a sua cara como símbolo), teve a cautela de circunscrever a sua relevância política a um período determinado.

Não foram pequenos os erros de Otelo e o que fez antes deles nunca os apagará. Mas à coragem daquele dia inicial inteiro e limpo devemos quase tudo. Houve um jovem capitão que, na companhia de muitos outros e quase todos esquecidos, fez o que velhos generais não se atreviam. Por isso, e apesar de vir de uma área política diferente de Otelo, aos que querem mais uma trincheira sobre um cadáver não faço companhia. Porque sei que não são os seus erros e crimes que querem atingir, mas o seu acerto: o 25 de abril. Só não o conseguem fazer de forma direta. Ainda. De Otelo, escolho o momento em que arriscou tudo num país onde tão poucos com muito mais poder do que ele estavam dispostos a fazê-lo. Chega para fazer uma vida.»

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25.7.21

Em Busca do Passado (não) Perdido – 13

 


Já que estamos em Jogos Olímpicos…

Estive em Olímpia há alguns anos e percorri o sítio arqueológico onde se vêem ruínas do que foi o santuário de Zeus com os seus vários templos, do estádio propriamente dito e de instalações destinadas a atletas e não só. É para o local que a imagem mostra que é trazida actualmente a chama olímpica, é reacesa normalmente de dois em dois anos utilizando a luz do Sol reflectida por um espelho parabólico, e é daí que parte para o país onde vão realizar-se os Jogos que se seguem.

Só com muita imaginação podemos reencontrar o espírito dos Jogos da Antiguidade na parafernália de que se revestem hoje e no espírito ferozmente competitivo que os caracteriza. O prémio para o vencedor era então feito a partir de uma coroa de flores silvestres de oliveira…
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Vai jantar fora hoje?



 ,

Nos braços de Nadege

 


«A estatística de acolhimento de refugiados em Portugal tem duas caras. Somos dos países europeus mais solidários, por termos recebido, nos últimos anos, 2 807 cidadãos estrangeiros ao abrigo de programas internacionais; mas temos uma das mais altas taxas de recusa da União Europeia: em 2020, dos 420 pedidos de asilo efetuados, 325 acabaram indeferidos.

O saldo, ainda assim, é francamente positivo. E podemos afirmar, com alguma ponta de orgulho, que a nossa pobreza sistémica não nos impede de esbanjarmos decência e humanidade. A estatística, porém, não é capaz de nos contar as histórias de quem forra os números com dramas familiares que nos confrontam com os nossos luxos quotidianos e contentamentos frágeis.

A cruzada de Nadege Ilick é, nesse capítulo, exemplar do que deve ser a política de acolhimento de um país e, sobretudo, da forma como as organizações não governamentais devem trabalhar, em comunhão com os estados e as empresas.

A jovem camaronesa deixou, em 2016, os três filhos na terra natal, de onde fugiu para não ser vendida para um casamento forçado. Nadege passou pela Argélia, pela Líbia, foi de barco para Itália e, em setembro de 2019, fixou-se em Braga, amparada pela Plataforma de Apoio aos Refugiados. Nunca esqueceu os filhos. E, cinco anos volvidos, os braços desta jovem mãe puderam agrilhoar Brenda, Beryl e Jhoae. Nadege teve de tratar de documentos, estabelecer-se, aprender português, encontrar um trabalho. A burocracia não a vergou. E várias vontades se juntaram.

A camaronesa foi acolhida pelo Colégio Luso-Internacional de Braga (sendo acompanhada de perto por Helena Pina Vaz), teve a preciosa ajuda do embaixador Luís Barros, que concedeu três salvo-condutos às crianças, contou com o apoio da administração da Mota-Engil (que tem obras nos Camarões) e pôde confiar nas asas da Turkish Airlines para trazer os menores nesta viagem bonita. Descrito desta forma, até parece fácil. Mas não é. Nesta história tudo funcionou como devia porque todos fizeram o que deviam. E isso merece ser aplaudido. Por Nadege, por Brenda (que também estava na iminência de ser vendida), por Beryl e por Jhoae. Por nós.»

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