24.9.22

Casas de banho

 


Casa de banho da Casa Navas, Reus, Espanha, 1901-1908.
Arquitectos: Domenech e Montaner.
Vitrais feitos por Jerroni Feran Grandell e Manresa.


Daqui.
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Efemérides

 


Eduardo Galeano, Los hijos de los días
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Roger Ferderer



 

A grande despedida de um grande tenista.
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Quando é que o PCP convoca uma manifestação pela paz contra Putin?

 


«O facto de esta ser uma pergunta retórica mostra a absoluta fragilidade da posição do PCP e das organizações a ele ligadas, como o Conselho Português para a Paz e Cooperação, sobre a guerra da Ucrânia em matéria de paz. O que aconteceu nesta semana com o discurso de Putin, a sua intenção de fazer referendos-fantoches e a clara ameaça de uma guerra nuclear colocam o mundo mais perto de um conflito catastrófico do que alguma vez esteve desde a crise dos mísseis em Cuba em 1962.

Se isto não é um ataque à paz, não sei o que possa ser. E neste caso não adianta vir com duplicidades e falsas equivalências: não foram a Ucrânia, nem a NATO, nem os EUA que fizeram esta escalada, mas apenas o Presidente da Federação Russa, que não se limitou a ameaçar com um conflito nuclear, insistindo que o que estava a dizer não era um bluff, era para tomar a sério. Aliás, quem, desde o primeiro dia deste conflito, resultado de uma agressão militar da Rússia à Ucrânia, fez ameaças nucleares foram Putin, Lavrov e aquele belicista sem paralelo no lado de “cá”, Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança russo. Sim, a guerra nuclear, aquela guerra que mata milhões, destrói as grandes cidades do mundo e não tem vencedores, a coisa mais próxima de nos mandar para a ficção científica catastrófica, e para a Idade da Pedra. Senhores que enchem a boca pela paz, há alguma coisa que se compare em dimensão com estas ameaças, do lado da NATO, dos EUA, da UE? Claro que não há, e não há hipócritas comparações nem duplicidades que possam ocultar este facto: se não saírem para a rua claramente contra quem faz esta escalada, pondo o nome às coisas, e Putin e a Federação Russa são os nomes, na verdade não é a paz que desejam, mas uma vitória militar russa.

A sequência perigosa está toda no discurso de Putin. Os referendos-fantoches — e uso a palavra fantoches porque é isso mesmo que são; mesmo que admita que uma parte dos habitantes do Donbass prefere ser russa a ucraniana, não é em guerra e numa ocupação militar que o seu voto tem qualquer valor — vão justificar a anexação de territórios ucranianos à Federação Russa.

Só um parêntesis: se o mesmo tipo de referendos fosse feito em certas zonas geográficas da Federação Russa, como o Cáucaso, também os habitantes votariam ou pela independência ou pela anexação, por exemplo, pela Turquia. A Tchetchénia foi mantida na Federação pela guerra, pela violência e pela repressão.

Os referendos têm apenas o papel de pseudolegitimar conquistas territoriais de um Estado sobre outro, o mais clássico motivo para uma guerra imperialista. E a reivindicação de uma espécie de “droit de regard” armado para “proteger os ‘russos’” é, neste contexto, exactamente o que Hitler fez nos Sudetas. Aliás, onde está Putin coloquem Hitler e as frases são idênticas no verbo e na substância. Logo a seguir à anexação, Putin passa a considerar esses territórios russos, que hoje vão muito para além do Donbass e se estendem a zonas onde se fala ucraniano e onde não há sentimentos pró-russos, mas que Putin quer anexar à Federação porque tem uma posição estratégica relativa à Crimeia e ao acesso da Ucrânia ao mar. E, depois, um ataque a Lugansk é um ataque à Rússia, logo a possibilidade de uma resposta nuclear é possível. “Não é um bluff.”

Repito: quando é que o PCP sai para a rua para condenar Putin por colocar o mundo perto de um conflito nuclear? Silêncio. Nem pensar. Seria “fazer o jogo da NATO”. Eu percebo-os. Não tenho dúvidas de que a última coisa que desejavam era esta guerra, porque o PCP e os seus companheiros de estrada sabem que ela teve o efeito contrário ao pretendido, não vai acabar bem para Putin e a probabilidade de ter sido o balão de oxigénio de que a NATO precisava verifica-se todos os dias. Por outro lado, neste contexto, não querem que Putin perca de forma muito evidente e clamorosa. Duvido que apoiem a escalada belicista de Putin, mas também os incomoda muito a eficaz ofensiva ucraniana. É um mecanismo não só político, mas também psicológico, daquilo que tanto pode ser interpretado como comportamento dos indivíduos quando se metem numa argumentação sem saída e, em vez de a corrigirem, sobem de tom e caminham ainda mais para o abismo. O mesmo para aquilo a que antes se chamava “psicologia de massas”. Ou seja, estão metidos num imbróglio que não tem saída feliz, mas que tem um ponto forte: não querem que a Ucrânia ganhe. Não o podem dizer, mas é exactamente isso que desejam, de desejo forte, inominável, feio.

Por isso, estão bloqueados no plano político. Já os comparei aos enfeitiçados pela Bruxa de Blair, paralisados contra uma parede numa cave em ruínas.»

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23.9.22

Sempre ao serviço do povo

 

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Não parece, mas já chegou

 


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Respect, Christiane Amanpour

 



«"Estamos em Nova Iorque, onde não há lei ou tradição sobre lenços na cabeça. Nenhum outro presidente iraniano exigiu isso quando realizei entrevistas fora do Irão", disse Amanpour.
A também Embaixadora da Boa Vontade da Unesco afirmou que o assessor "deixou claro que a entrevista não aconteceria se não usasse um lenço na cabeça".»
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Mahsa Amini

 


Vasco Gargalo no Facebook.
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Ensino tendencialmente incomportável

 

@João Fazenda

«Apesar de tudo, ainda há razões para ter esperança. A falta de professores é perturbadora, claro, mas pode ser contrabalançada em breve pela falta de alunos, o que sempre tranquiliza. Boa parte dos alunos universitários não consegue encontrar casa a um preço acessível. Por outro lado, há queixas incompreensíveis. De acordo com os jornais, um aluno queixa-se de pagar 300 euros por mês para pernoitar numa despensa. Pode dormir sossegado, com vista para dois ou três pacotes de arroz, e ainda se queixa. É improvável que consiga ter acesso a pacotes de arroz de outro modo, tendo em conta o aumento dos preços dos bens essenciais. Oferecem-lhe a oportunidade de contemplar arroz e ele não fica satisfeito. Uma coisa é reclamar o direito a ter condições de alojamento decentes, outra é fazer exigências mirabolantes.

Com sorte pode ver passar um ratinho ou meia dúzia de baratas e, sendo competente a caçar, ficar com uma ou duas suculentas refeições gratuitas. Uma vez que esta, como a maior parte das despensas, não terá janelas, o aluno evita a arreliadora entrada de luz no quarto, pela manhã, que tantas vezes nos acorda. Mas já se sabe como é esta geração: pensam que tudo lhes é devido e Deus os livre de dormirem na companhia de bens alimentares a troco de 10 euros por noite. Com a costumeira tendência para a vitimização, fazem as contas ao preço por metro quadrado e concluem que a renda é exorbitante. Não lhes ocorre calcular o valor do centímetro cúbico e verificar que fizeram, afinal, um bom negócio. Quando lhes disseram que era preciso ter notas para chegar à faculdade, não perceberam que se tratava de notas de cem. Com esta deficiente capacidade de interpretação não irão longe nos estudos superiores. A hipótese de arranjarem um emprego também não lhes ocorre — o que é pena, porque assim solucionariam dois problemas: se estudassem durante o dia e trabalhassem durante a noite, não só conseguiriam pagar a renda da despensa como não teriam tempo de ir lá dormir, o que seria excelente, visto que lhes causa tanta repugnância.

Quem paga 300 euros por uma despensa tem um nível de vida superior ao de muita gente que, em proporção, gasta muito menos por uma casa inteira. São privilegiados e ainda se queixam. Excêntricos com despensas caríssimas a queixarem-se de viver mal. Haja paciência!»

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22.9.22

Perfumes

 


Frasco de perfume 'Sucesso' para 'Orsay', 1914.
Rene Lalique.


Daqui.
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Isto pode ter vários nomes



 

Coragem, Luta, Vida.
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Isto vai, isto vai...

 


Acabaram as férias, o Outono chega na próxima madrugada, mas as redes sociais adaptam-se: menos fotografias idílicas, só algumas com nuvens negras a anunciar desejada chuva e até os gatos já tiveram melhor sorte. Mas, mas, a culinária está no pódio e a última das novidades é experimentar, e discutir, receitas usadas pela Rainha Isabel II!
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Sereias e lamuriantes

 


«Esta semana, uma aluna minha confessou que o seu sonho era ser condutora de veículos pesados, mas como nunca tinha visto uma mulher nessa atividade pretende então dirigir-se para um diploma que lhe permita ter um emprego na área da logística e contabilidade. “Professora, vou ficar sentada no escritório”, disse-me ela pouco entusiasmada. Tanto eu como as colegas que ouviram a conversa dissemos-lhe que seguramente havia mulheres nessa atividade, mesmo sendo poucas, e que caso assim não fosse ela até poderia ser a primeira e ser ela a servir de exemplo. A cara dela iluminou-se. Eis uma jovem de 17 anos que deve decidir do seu futuro e se autocensura por falta de modelos. Ela não é caso único e confirma de forma inequívoca que a representação importa.

Nas últimas semanas, assistimos a mais um patético número de lamentação de quem até é capaz de dizer que não vê cores, mas que não suporta que uma personagem ficcional meio-peixe meio-humana possa ser negra. A grotesca lamúria contrastou com a genuína surpresa e alegria de muitas meninas negras ao verem que uma personagem central da Disney se parece com elas. Estas meninas não têm como projeto profissional de sonho serem sereias como a minha aluna sonha conduzir camiões, mas emocionam-se com o facto de, enfim, terem acesso a personagens centrais com as quais se identificam, que não sejam a amiga negra rabugenta ou o amigo negro cómico.

A identificação é um processo complexo e a cor da pele ou a textura dos cabelos não são as únicas características pertinentes, mas também contam e muito num universo infantil (e adulto) constituído na sua maioria por figuras estereotipadas e onde a diversidade positiva ainda não é uma evidência, apesar dos progressos. Sobretudo, no que diz respeito às crianças e à problemática do racismo interiorizado, face aos resultados desastrosos do “teste da boneca” da psicóloga Mamie P. Clark e do psicólogo Kenneth B. Clark patentes no estudo Racial identification and preference among negro children. Neste teste de 1947 as crianças negras têm de escolher entre uma boneca branca e uma boneca negra, em tudo o resto idênticas, e na sua esmagadora maioria elas preferem a boneca branca, e apesar de se dizerem mais parecidas com a boneca negra afirmam que esta última é “mais feia” e “mais malvada”. Este teste foi replicado várias vezes em várias partes do mundo até hoje com os mesmos resultados. A representatividade é indispensável para a autoestima das crianças e pode ter repercussões para toda a vida em vários dos seus domínios.

Ainda nas últimas semanas, a agremiação dos lamuriantes também não gostou de saber que haveria um casal de mulheres lésbicas, mães de uma personagem no desenho animado A Porquinha Peppa. “Família é um pai macho e uma mãe fêmea”, bramam chorosos. O problema não é tanto a questão da diversidade em si, mas a possibilidade de uma diversidade positiva. Para os lamuriantes as obras artísticas podem representar mulheres, pessoas negras ou pessoas LGBT+ desde que estas apareçam em lugares fossilizados. O que lhes causa no mínimo comichão é ver estas personagens geralmente subalternas, sem profundidade ou poder, passarem a personagens centrais. Negras e negros escravos, delinquentes, submissos ou perigosos, aceita-se, mas super-heroínas ou heróis, rainhas ou reis, ou qualquer outro tipo de representação de poder já não passa. Os lamuriantes sabem, mesmo se de forma não consciente, que a representatividade importa, senão não se incomodariam tanto com estas questões e não entrariam numa espécie de pânico de grande substituição.

Sabem ou deveriam saber, por exemplo, para que serve a representação de uma figura como Jesus em bebé ou adulto loiro de olhos azuis, e porque não se embaraçam com argumentos de plausabilidade histórica, social ou cultural como o fazem no caso de personagens de ficção negras. Como explica a socióloga e militante antirracista francesa Colette Guillaumin em A ideologia racista (1972) o problema do racismo carrega consigo um potencial afetivo muito elevado, obscurece a reflexão, “as questões colocadas por este ato social que é o racismo são profundamente marcadas por motivações inconscientes da própria conduta racista”.



Independentemente das razões comerciais e/ou progressistas de quem produz hoje obras mais inclusivas, a verdade é que a representação de uma diversidade positiva é necessária. Estas iniciativas devem ser encorajadas e desenvolvidas de forma ainda mais exigente. E os lamuriantes deveriam ler as doutas palavras do sociólogo e historiador inglês Paul Gilroy em Melancolia Pós-colonial (2004) que os aconselha a aceitar um “destino crioulo inevitável” porque a “presença incomodativa” das pessoas negras, e eu acrescento da diversidade em geral é irreversível. Não sabemos ainda a história desta pequena sereia que só estreará em maio do próximo ano, se respeitará o desenho animado, a história original de Hans Christian Andersen ou ainda uma outra versão, mas se for para servir de novo às crianças modelos hétero-normativos de submissão da mulher aos desejos masculinos, a iniciativa deixará ainda muito a desejar.

A representação importa e é uma de entre outras vias, mais ou menos urgentes, mais ou menos necessárias para a vida em conjunto. O progresso em matéria de direitos humanos é real, mas foi sempre feito à custa de uma luta contínua em várias frentes. Estamos numa fase de retrocesso em várias partes do mundo, com fantasmas do passado rejuvenescidos para os quais os direitos humanos e até uma sereia negra são uma ameaça. Os lamuriantes estão a ganhar terreno no campo das ideias e o poder efetivo em vários cantos do mundo. Conseguem fazer acreditar que, hoje, quem luta pelos direitos humanos é extremista, radical, terrorista. Ser feminista, antirracista, antifascista, pro-LGBT+, pro-refugiados, preocupar-se com os mais vulneráveis, os mais pobres, passou a ser uma radicalidade, um perigo.»

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21.9.22

Azulejos

 


Belos azulejos Arte Nova no hall de entrada de uma casa antiga.
Breslávia, Polónia.


Daqui.
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Russos em fuga

 



«Voos partindo de Moscovo e de São Petersburgo hoje. A Associated Press informa que os voos internacionais que partem da Rússia esgotaram ou dispararam em flecha depois de Putin anunciar uma mobilização de reservistas.
Pesquise SVO, VKO, DME para aeroportos de Moscovo e LED para São Petersburgo.»

Daqui.
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E se estudassem antes de legislar?



 


Reina a confusão, para além do que se lê nesta notícia, já que, aparentemente, há mais sistemas de reformas especiais para além das bancárias. A procissão ainda não saiu do adro.

E porquê 125 euros? «Contudo, a insatisfação permanece. "Foi um avanço, mas os sindicatos continuam a exigir o mesmo tratamento dado aos pensionistas da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações que vão receber mais meia pensão".»
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21.09.2012 – O dia em que o aumento da TSU borregou

 


Faz hoje 10 anos. Seis dias depois da manifestação de 15 de Setembro, fomos milhares os que estivemos em frente ao Palácio de Belém (e muitos outros, pelo país fora, noutros locais), à espera das conclusões de uma reunião do Conselho de Estado.

A reunião do dito Conselho durou oito horas e emitiu um comunicado, inócuo, mas que incluía o único parágrafo que interessava: «O Conselho de Estado foi informado da disponibilidade do Governo para, no quadro da concertação social, estudar alternativas à alteração da Taxa Social Única». Era de esperar outra coisa? Não, de modo algum. A batalha tinha sido ganha antes disso. Na rua, meia dúzia de dias antes.

«Que força ERA essa, que força ERA essa…»
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O velório do planeta não nos entretém

 


«A não ser que viva numa bolha climatizada, já ninguém precisa que lhe expliquem que o dantesco futuro que nos anunciavam chegou. Se a memória mediática não fosse a de um peixe, políticos e comentadores que andaram a negar a ciência teriam a sua credibilidade enterrada. Assim não será, porque desde que a irresponsabilidade seja viral, o seu negócio está garantido.

Como se previa, os maiores poluidores per capita, que vivem no conforto provisório que os protege, serão os últimos a sentir as consequências da ausência de vontade política para enfrentar o maior combate da história da humanidade. Primeiro serão os pobres dos países pobres, depois os pobres dos países ricos e só no fim, tarde demais, os ricos, que não têm país.

António Guterres propôs, ontem, que os países mais ricos taxem mais os lucros extraordinários e “imorais” das empresas energéticas (e da banca) e que os utilizem para “apoiarem as pessoas mais vulneráveis nestes tempos difíceis”, incluindo os países mais pobres. Lembrou que os lucros combinados das maiores empresas de energia a nível global aproximaram-se dos cem mil milhões de dólares no primeiro trimestre deste ano.

As décadas que tem a proposta da Taxa Tobin, sobre os fluxos financeiros, parecem ser séculos. Quem nos dera que os governos fossem sequer capazes de cobrar impostos a estas empresas para os canalizar para os seus próprios pobres. António Costa lá veio dizer que acha muito bem os impostos sobre lucros inesperados. Até vai votar a favor da proposta da Comissão Europeia. Mas seremos dos últimos a aplicá-la, porque a nossa prioridade é cortar em salários da Função Pública, pensões futuras e IRC a todas as empresas, sem qualquer critério.

O mesmo António Guterres bem tentou que o mundo, olhando para ele, olhasse para a tragédia imensa que se abateu sobre o Paquistão. Mais de 1500 mortos, mais de um milhão de casas danificadas ou destruídas, mais de 33 milhões de paquistaneses afetados, centenas de milhões de animais mortos. Só na província do Baluchistão estimam-se prejuízos que se aproximam dos mil milhões de dólares. Uma parte da província de Sindh ficou transformada num lago com cem quilómetros de largura, isolada do resto do território.

Na visita ao Paquistão, Guterres explicou que a área inundada era três vezes maior que a de Portugal. E acrescentou: “Tenho visto muitos desastres humanitários em todo o mundo, mas nunca vi uma carnificina climática a esta escala. Simplesmente não tenho palavras para descrever o que vi hoje.” Isto começou há quase um mês, e num terço desse mês as televisões dedicaram-se a uma única morte que, ainda por cima, não tem qualquer consequência prática ou política. Entretanto, as águas começaram a regredir. Vai durar entre dois a seis meses e deixará as regiões inundadas infestadas de malária, dengue, diarreia e problemas de pele. A visita de Guterres foi um dia depois da morte de Isabel II. Teve azar. O mundo não quis saber.

Um jornalista que respeito partilhou, imagino que como mero registo pessoal, imagens suas na Ucrânia e em Londres, durante as cerimónias fúnebres da Rainha Isabel II. A legenda era: “Estas duas imagens têm apenas cinco meses de diferença. Um ano absolutamente louco."

A morte de uma senhora de 96 anos não se enquadra propriamente num ano louco. E a guerra, infelizmente, também não. Não passou um ano sem uma. E bem mortíferas, por sinal. Temos é andado distraídos. Tanto que, enquanto um território três vezes o português sentia, debaixo de água, os efeitos das alterações climáticas, o mundo ficou de olhos postos numa fila de um velório. Sim, o mundo está louco. Mas não foi este ano. E pagaremos bem cara a loucura.»

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20.9.22

Sofás

 


Conjunto com armários de vidro laterais e painel com dança catalã «La Sardana», cerca de 1903.
Gaspar Homar, Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona.

Daqui.
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Entretanto no Irão

 


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Pensões: despesas e receitas



 


Em resumo: «O Governo entregou na Assembleia da República as projeções de impacto da lei de atualização de pensões. O documento reporta-se apenas à despesa, ignorando a evolução da receita que pode chegar aos 1.300 milhões».
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20.09.1934 – Sophia Loren

 


Sophia Loren chega aos 88 anos: relembre 5 papéis icônicos da atriz italiana
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Comunitarismo ou luta de classes?

 


«Vários países do mundo são hoje governados por forças autoritárias ideologicamente vinculadas ou próximas da extrema direita. Tais forças podem ser chamadas, consoante as circunstâncias, de protofascistas ou neofascistas, mas uma coisa é inegável: todas elas estão ligadas entre si, formal ou informalmente, pelo que não é estulto falar na existência de uma "extrema direita mundial". À medida que essas forças forem conquistando posições em cada país, a sua constituição num movimento orgânico à escala planetária ganhará cada vez mais consistência.

É verdade que circunstâncias pontuais poderão atrapalhar essa tendência, mas a longo prazo ela parece irreversível. É o que acontece na atual guerra na Ucrânia: apesar de não existir uma diferença ideológica fundamental entre as forças que governam os dois países, os mesmos defrontam-se hoje militarmente, por causa de problemas mal resolvidos herdados do período da guerra fria, a que não é alheia, obviamente, a pretensão do chamado Ocidente de destruir a Rússia.

As figuras mais conhecidas desse movimento vão desde o ex-presidente norte-americano Donald Trump ou o líder russo, Vladimir Putin, ao ainda chefe de estado brasileiro, Jair Bolsonaro, passando pelo líder húngaro Viktor Órban. Mas há outros, mais ou menos disfarçados, em todas as regiões do mundo. Alguns deles, inclusive, são provenientes do campo político da esquerda e já quiseram construir o "homem novo" nos seus países, tendo-se transformado, contudo, em autocratas e ditadores, assumindo algumas das causas e bandeiras da extrema direita mundial, como a xenofobia, o racismo, a misoginia ou a homofobia.

A que se deve essa ascensão da extrema direita em vários países, como, apenas para me limitar à Europa, está a suceder há anos em França, acaba de ocorrer na Suécia e pode acontecer, em breve, na Itália? As explicações, claro, são múltiplas. No presente artigo, abordarei apenas uma delas, que muitos progressistas se recusam, infelizmente, a encarar: as responsabilidades das forças que se consideram de esquerda.

Socorro-me, para isso, de uma crónica publicada no último sábado, 17, no jornal francês Le Monde, sob título "Como impedir os eleitores populares de votar Le Pen se certas forças de esquerda alimentam polémicas que os incomodam?" e assinada por Philippe Bernard. Este lembra, no texto em questão, que, em França, o voto operário no partido de Marine Le Pen passou de 17% em 1988 para 39% em 2017 e 42% nas últimas eleições, realizadas este ano. O autor não tem dúvidas em identificar a principal causa desse crescimento: "A esquerda está mais mobilizada em torno de questões 'societais' do que nas problemáticas sociais", escreveu Bernard.

Para o articulista do Le Monde, as forças de esquerda abandonaram a luta pelo "valor-trabalho", isto é, o combate pelo trabalho justamente remunerado, em detrimento de outras causas, vou dizê-lo, "pós-modernas", como as lutas comunitárias e grupais (um exemplo são as lutas identitárias, cada vez mais fragmentárias). Assim, a relação entre as forças progressistas e as classes populares tem-se tornado crescentemente "assistencialista". O resultado é que, pelo menos em França, a esquerda tornou-se bem sucedida entre a burguesia urbana, enquanto a extrema direita constitui hoje a força dominante nas áreas suburbanas e rurais.

Esclareço que não sou contrário ao comunitarismo e acredito radicalmente que as lutas de diferentes grupos historicamente discriminados pelo resgate e valorização da sua identidade é justa e necessária. Defendo, assim, um diálogo produtivo entre o universalismo proposto pela esquerda tradicional, com base na luta de classes, e as lutas identitárias.

Entretanto, o comunitarismo não pode ser absoluto, sob pena de ser capturado não apenas pela direita liberal (vejam-se as políticas identitárias assumidas pelas grandes corporações, por uma inegável estratégia de marketing), mas pela própria extrema direita, como o discurso supremacista desta última, em todo o mundo, o demonstra.»

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19.9.22

Já percebemos

 

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19.09.1981 – Simon & Garfunkel no Central Park

 




Há 41 anos, teve lugar o memorável concerto que Simon & Garfunkel deram no Central Park de Nova Iorque. Reza a história que assistiram 500.000 pessoas e foi gravado ao vivo, dando origem a um álbum lançado no ano seguinte. Os lucros obtidos reverteram para a reforma e manutenção do parque e nós herdámos um espectáculo inesquecível.

Algumas das grandes canções:









E o concerto na íntegra:


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Barómetro Intercampus

 


Ler aqui.
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Um país caro de mais para estudantes

 


«Esta semana, sucederam-se as notícias sobre a falta de alojamento para estudantes universitários sobretudo nos grandes centros urbanos, onde estão as maiores faculdades. Em Lisboa, em particular, foram noticiados quartos a preços exorbitantes. O que são preços exorbitantes? 600 euros por um quarto que resulta de uma sala dividida ao meio ou 300 euros por uma “despensa”.

Cada proprietário faz o que bem entende com os seus imóveis e ganha a vida como melhor sabe: alojamento local, turismo de luxo, aluguer a famílias ou a imigrantes, etc. Não são todos especuladores e não lhes cabe a eles resolver um problema que foi criado por outrem.

Querer uma cidade moderna e atractiva, mas também low cost, que ganha dinheiro com turistas em vez de o ganhar com impostos resultantes da construção desenfreada tem alguns benefícios, sem dúvida, mas também tem consequências devastadoras para alguns. E, como vimos esta semana, não é só para as jovens famílias que se vêem obrigadas a sair para os subúrbios para conseguirem ter uma vida melhor.

É também para os estudantes universitários que, em alguns casos, são os primeiros da família a vir para a faculdade e não têm um primo ou um tio em Lisboa que os receba em casa por um preço simbólico — como acontecia muito no meu tempo de estudante. O drama dos pais destes miúdos não é novo, mas, quando 80% dos quartos que havia para alunos estão a ser retirados do mercado, passa de drama a tragédia. E a necessidade de novas residências universitárias passa a ser uma emergência nacional.

O que podemos fazer para que não haja alunos impedidos de seguir o curso em que entraram por mérito próprio por falta de alojamento? Podemos encarar isto como encarámos a pandemia, criando soluções temporárias (antes das residências definitivas)? Chegámos a isolar “covidados” no Zmar e agora não encontramos instalações públicas encerradas que possam ser úteis? Um quartel fechado há anos? Um forte que só recebe chefes de Estado de vez em quando? Uma ala num antigo hospital militar?

Há aqui um tipo novo de pobreza... e não é de espírito. Uma pobreza que acaba por perpetuar e dar mais peso à elite lisboeta que não precisa de sair de casa para ter acesso ao melhor ensino, à melhor saúde, aos melhores transportes e salários, às melhores oportunidades.

Quando me instalei em Lisboa senti muito o peso dessa elite, mas acredito que quem cá vive nunca tenha sequer olhado para as coisas por esse prisma.

Por enquanto preocupa-nos a falta de professores, que se agrava de ano para ano, e a falta de quartos condignos a preços suportáveis para os estudantes que vêm de fora. Qualquer dia, vamos preocupar-nos também com a falta de alunos, quando boa parte dos colocados desistirem de ocupar as vagas por não conseguirem pagar uma despensa a 300 euros (seria importante saber se já há casos desses e quantos). Pobreza também é isso.»

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18.9.22

Taças

 


Taça de porcelana, ouro e esmalte, cerca de 1900.
André-Fernand Thesmar, Museu de Orsay, Paris.


Daqui.
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Jorge Sampaio

 


Seriam 83. Já não foram.
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Irene Papas (03.09.1929 – 14.09.2022)

 


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A sociedade da avaliação contínua

 


«Na escola é um método de avaliação em que o que conta é o desempenho integral dos alunos e não apenas os exames. Mas a avaliação contínua há muito que saltou dos bancos estudantis. Hoje parece que nada escapa ao cálculo, à medição ou quantificação. Pessoas, actividades ou instituições vivem obcecadas com pontuações, indicadores e rankings.

Uma cara verde sorridente. Uma cara amarela que nem sim nem não. Uma cara vermelha furiosa. Em lojas, hotéis, restaurantes ou instituições surgem ecrãs que nos permitem clicar num destes ícones para expressar o nosso grau de satisfação com os empregados. O mesmo sucede, depois de uma chamada para um operador telefónico, uma visita do canalizador ou uma viagem de Uber, classificando-se o serviço de 0 a 5 estrelas, tal como se qualifica bares, hospedagens ou pessoas em aplicações de encontros.

Nas redes sociais, milhares de olhos escrutinam os nossos comentários. No Twitter grita-se. No TikTok dança-se. No Facebook hostiliza-se. E no Instagram provoca-se inveja. Enquanto isso, na TV os júris de programas incitam os concorrentes a melhorar a marca pessoal e a vender melhor o seu produto. Já os jornais enchem-se de artigos sobre a melhor forma de sairmos da zona de conforto, de pensarmos fora da caixa, de superar os limites. Há muitos elementos no nosso quotidiano que parecem conspirar para nos fazer sentir sempre avaliados, julgados, vigiados e comparados.

Nas relações de mercado a competição e a ambição são muito valorizadas. Mas essa lógica concorrencial não se limita aos negócios ou transacções comerciais. Tornou-se uma característica da vida quotidiana. Vivemos num estado permanente de rivalidade, não apenas em termos de riqueza, estatuto e poder. A roupa, a aparência, os clubes desportivos a que pertencemos, os consumos culturais que fazemos, o trabalho, a habitação, a família, o número de seguidores nas redes sociais ou a percentagem de gordura corporal que muitas vezes está acima do que é recomentado no artigo da revista, também servem para os mais diversos cálculos. Nesta era hiperconectada proliferam formas de medir o nosso desempenho. A classificação constante dos outros determina o estatuto de uma pessoa em tempo real.

Dessa maneira é produzida uma nova normalidade social que se caracteriza pela indiferença para com aqueles que não são considerados úteis. Nas sociedades dominadas pela ideologia hiper-individualista, por um lado, temos aqueles que são enaltecidos como clientes, e muitos outros que são culpabilizados pelo aparente insucesso na corrida implacável pela competitividade. Quanto mais somos influenciados por esta ideologia, mais nos enredamos num ciclo destrutivo, que gera angústia, mina a auto-estima e produz ressentimento.

Os números são relevantes para decifrar a realidade. O problema é o sentido acrítico com que lidamos com eles. Às vezes mais parecem mitos que se explicam por si próprios. O filósofo espanhol Daniel Inneraty dizia que, quando não entendemos uma sociedade, passamos o tempo a medi-la e a quantificá-la. O drama é quando fazemos cálculos a partir de erros de base. Na vida colectiva passamos o tempo a guiar-nos pela ideia de crescimento — sem articular quantidade com qualidade, equidade, sustentabilidade, boa governança, protecção ambiental ou bem comum. E individualmente é a desigualdade gerada pelo sistema económico que atinge muitos no amor-próprio e no medo de serem julgados insignificantes, nesta sociedade da avaliação contínua.»

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