2.2.19

Há 65 anos foi assim



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Marques Mendes?



Notícia importantíssima que me teria escapado se não estivesse a ler o Expresso de hoje. Ai se o Alexandre O’Neill ainda por cá andasse…
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Guantánamo, uma «boa» aproximação para resolver o problema da Venezuela?




Esperemos que a UE não aplauda e não se faça eco desta ameaça. E daí… sabe-se lá!
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É isto



(De André Carrilho)

Com dedicatória a José Pacheco Pereira (só para quem leu o seu texto no Público de hoje).
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O percurso estonteante de Marcelo até ao céu



«Um homem é sempre um homem, seja na sua mais simples cidadania ou no exercício da mais alta magistratura. Tem sempre atrás dele um percurso que marca a sua personalidade. A coerência é uma qualidade que distingue aquele que apresenta uma marca indelével daqueloutro que se apresenta aos concidadãos girando em função dos interesses circunstanciais.

Trump, por exemplo, adverte que as suas declarações não são para ser levadas à letra, o seu significado é diferente daquilo que semanticamente se encontra na declaração.

Quando um homem diz, na sua qualidade de mais alto magistrado da nação, que se recandidatará ao cargo que exerce por ser aquele que está em melhores condições para receber o Papa, entra no caminho, tantas vezes condenado nos Evangelhos, da mais pura hipocrisia.

Na verdade, como se pode saber que homem estará em melhores condições para receber o Papa?

O Papa é chefe de Estado e é, segundo o catolicismo, o representante de Deus na Terra.

Vindo como chefe de Estado, o que importa é o que as relações entre os dois Estados saiam reforçadas. Ninguém acreditará que o Presidente da República portuguesa não receba da melhor maneira o chefe de Estado do Vaticano.

Se fosse possível imaginar o Papa em Portugal apenas como mais um católico, quem poderia dizer, sem soberba, quem seria o melhor para receber Francisco? Aquele que mais pudesse oferecer ou quem desse o que tinha, como a viúva referida nos Evangelhos que depositou na caixa das esmolas as duas moedas menos valiosas, mas que eram as únicas que tinha?

Em 2022 realizar-se-ão em Portugal as Jornadas Mundiais da Juventude Católica com a presença do Papa, que serão seguramente enquadradas nas excelentes relações existentes entre Portugal e o Vaticano. Serão um enorme evento, mas não deixarão de ser para o Estado português um acontecimento de caráter religioso. No entanto, a presença de tantas centenas de milhares de jovens e do próprio Papa terá um elevadíssimo significado e, como tal, será devidamente encarado.

A afirmação de Marcelo quanto à sua recandidatura, no momento do anúncio do país escolhido para acolher as Jornadas de 2022, constitui uma argumentação rasteira que exigiria, face à importância do evento, uma outra elevação de espírito.

É algo, em termos de honestidade intelectual, que raia a pouca vergonha, pois o que Marcelo está a querer dar a entender é que ele é o único capaz de receber o Papa... Marcelo confunde o seu beatismo católico com o cargo de PR, o que é muito grave. Habituou os portugueses, ao longo da sua vida política, aos mais estonteantes ziguezagues, ao sim e ao não sobre a mesma realidade, chegando, o ano passado, a fazer depender a sua recandidatura do modo como o Governo resolveria as falhas do Estado... O que lhe chega ao toutiço, às vezes, sai cá para fora.

O facto de Marcelo ser católico não lhe dá nem lhe retira qualquer vantagem quando reunir enquanto chefe de Estado com outro chefe de Estado, neste caso o do Vaticano, e o PR de Portugal deverá pautar a sua conduta nos exatos termos de artigo 41.º da CRP, designadamente o n.º 4: ”(...) As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização”...

Para receber como deve ser recebido o Papa, não é preciso que venha ao de cima a confissão religiosa do chefe de Estado português, basta atentar no modo como Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva os receberam.

Proclamar ser candidato a PR pelas razões expostas é algo muito feio, que convoca o que de mais primário pode haver em quem professa a religião católica e disso quer tirar vantagem.

Só a perda da noção da realidade material do mundo em que vive, substituindo-o por outro mundo virtual, onde o que se passa na cabeça de Marcelo é apenas realidade populista, capaz de o lançar num mergulho no Tejo ou numa viagem de camião, explica o destempero beático de sua Excelência o Sr. Presidente da República.

Um homem capaz das mais variadas artimanhas para continuar a ser o que sempre foi é a marca indelével de Marcelo.»

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1.2.19

Circulatura do Quadrado, ainda


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Vermos um Pamplinas por dia, nem sabemos o bem que nos fazia




Buster Keaton, o «Pamplinas», rival e amigo de Charlie Chaplin, morreu em 1 de Fevereiro de 1966 e teria hoje uns impossíveis 124 anos. Pretexto para o recordar.






Com Chaplin em «Luzes da Ribalta»:


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SNS, passado e futuro


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Marcelo pode vetar o que se votou, não quem votou



«Penso que consegui demonstrar, no longo texto que escrevi há dois dias sobre a Lei de Bases da Saúde, que a clivagem entre as propostas do PS, BE e PCP, por um lado, e PSD e CDS, por outro, não é artificial. Não são questões simbólicas ou de retórica. A clivagem faz-se entre duas conceções do Serviço Nacional de Saúde. Uma vê-o como um serviço público, onde o valor do paciente não se mede pela sua rentabilidade, outro baseia-se numa indiferenciação entre público e privado onde, a bem a concorrência, o Estado está obrigado a financiar o sector privado.

No caso do PSD, defende-se que cabe ao Governo estabelecer incentivos à criação de unidades privadas de saúde, no caso do CDS propõe-se que o Estado recorra a seguros privados e adquira serviços públicos e privados em igualdade de circunstâncias. No caso do PS, BE e PCP, defende-se um SNS público que se socorra do privado nos serviços que ele próprio não pode garantir. Para a direita, o Estado é um mero financiador. Para os três partidos de esquerda, as lógicas do público e do privado são vistas como intrinsecamente distintas: o privado avalia a rentabilidade do paciente, o público não tem isso em conta. Isto faz com que o privado abandone o paciente que lhe dá prejuízo, enviando-o geralmente para os serviços do Estado (que ficam com tudo o que é mais dispendioso) e que aposte mais no tratamento do que na prevenção, que lhe retira clientela. São duas lógicas antagónicas. Trinta anos de financiamento público do sistema privado provam os péssimos resultados que tiveram para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.

Apesar de haver quem tente inventar um consenso de décadas entre PS e PSD, a divergência sobre o papel do privado no SNS marcou todos os debates políticos sobre o tema desde o 25 de Abril. O que levou a direita a abster-se na lei de bases que criou o SNS (e a votar contra na especialidade), em 1979, e a aprovar sozinha, em 1990, a Lei de Bases da Saúde que ainda hoje está em vigor. Não é uma fratura nova, nem é uma fratura estéril. São dois olhares muito diferentes sobre o que deve ser o SNS. Isso não é, ao contrário do que parece, um problema. A democracia implica, em muitos casos, escolhas. E em alguns casos, casar o inconciliável dá mantas de retalho inviáveis e sem consistência. Tivesse o Presidente Ramalho Eanes obrigado o PSD e PS a entender-se, em 1979, e provavelmente não teríamos SNS.


31.1.19

Fundação Mário Soares e espólio de Amílcar Cabral




Já que, aparentemente, a Fundação Mário Soares continua com «futuro incerto», ainda bem que algum do fruto do seu excelente trabalho vai para um destino correcto.

«Entretanto, os manuscritos de Amílcar Cabral, e também CDs e livros digitalizados, que têm estado até agora à guarda da Fundação Mário Soares, uma instituição cujo futuro é ainda incerto depois da morte do seu patrono, vão regressar à Guiné-Bissau, segundo informou esta terça-feira M´Bala Alfredo Fernandes, embaixador guineense em Cabo Verde.»
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«Foi o PSD que criou o Serviço Nacional de Saúde» – Manuela Ferreira Leite dixit



O vídeo com a intervenção de Manuela Ferreira Leite está AQUI e retrata a posição ideológica, pura e dura, do PSD. Basta ver os quatro primeiros minutos, se não houver tempo ou paciência para mais.
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31 de Janeiro




Sobre os acontecimentos, mais AQUI.
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Venham beatos e geeks, mas deixem a religião fora da política



«Sou ateu, laico, republicano e socialista. Mas nada me move contra a Igreja Católica. Nem contra as outras, desde que tenham mais de 500 anos para lhes conhecermos bem as manhas. Os meus amigos até se divertem com o que acham ser a minha lenta caminhada para Roma. Sou de uma família ateia, parte de ascendência judia, e isso dá-me o desprendimento de quem nada tem para resolver com o seu passado.

Como anda o mundo até tenho uma certa simpatia pela existência de comunidades de fé que não permitam que as pessoas com menor formação moral se entreguem ao individualismo sem norte. E como o que vejo crescer, como alternativa, são igrejas de autoajuda, lideradas por semianalfabetos que fazem da fé um mero negócio – pelo menos de forma mais desbragada do que as igrejas tradicionais –, prefiro a velha Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR). Segura e previsível. Ainda mais agora que tem um Papa admirável. Não fosse acreditarem em Deus e terem uma certa tendência para se meterem na vida das pessoas, até me convertia. Ou seja, quando deixarem de ser uma igreja e católicos contem comigo.

Deve ser por esta minha atual bonomia com a ICAR que não me choca nada que Marcelo tenha ido ao Panamá para ficar com os louros das Jornadas Mundiais da Juventude de 2022. Se a fé nas startups traz miúdos imberbes para gastarem dinheiro em Lisboa, contribuindo para a economia nacional, não vejo porque uma fé mais antiga não possa dar o seu contributo. Um milhão de jovens beatos não é pior do que milhares de jovens geeks. Religião por religião, sempre prefiro as do livro às do tablet.

A única coisa que realmente me incomoda é Marcelo Rebelo de Sousa ter decidido associar a sua recandidatura a um momento religioso, através de um intimista “saio daqui com uma grande vontade de, se Deus me der saúde e se eu achar que sou a melhor hipótese para Portugal, me recandidatar”. Uma coisa é ir em peregrinação ao Panamá para sacar mais um evento para a nação – é a nossa especialidade. Outra, um pouco diferente, é associar uma decisão política a um ato de fé e uma recandidatura a um momento religioso.

Agora que todo o país se converteu ao politicamente correto, propondo extradições e despedimentos por causa do uso do vernáculo, não quero parecer excessivamente picuinhas. Mas, parecendo que não, anda por cá uma malta que não é católica. E diz que somos cidadãos. Quando Marcelo disse que ia ser o Presidente de todos os portugueses pensávamos estar incluídos. Não estou propriamente zangado. Mas se desse para separar a política da religião, os não católicos, que ainda são uma boa parte da população, agradeciam.»

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30.1.19

Marcelo a sair do armário?



Ou com esperanças no horizonte?


Mais vale brincar...
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Desabafo de assinante de jornais



Actualmente, assino online dois jornais portugueses: o Diário de Notícias e o Expresso. E tenho duas histórias para contar:

1 – No dia 07.10.2018, critiquei, no Facebook e na caixa de comentários do jornal, o que considerei ser mau gosto reflectido na escolha da imagem para a capa do exemplar desse dia. Horas depois, com espanto e com gosto, recebi um mail do director do jornal em questão, onde me dizia que gostava de falar comigo e pedindo-me o meu número de telefone. Enviei-lho e… silêncio até hoje.

2 – No dia 19.01.2019, o Expresso começou a distribuir uma colecção de livros sobre Gandhi, que gostava de dar aos meus netos (em papel, obviamente, e não em versão online, nem sequer partilhável). Perguntei, para quatro endereços electrónicos diferentes do jornal, o que tinham a dizer-me sobre o tema. Recebi dois minutos depois uma resposta de um jornalista do semanário, bem conhecido e director nem sei de quê, na qual me dizia que ia «ver como se pode tratar e resolver essa situação». E… silêncio até hoje.

Nenhum dos dois me conhece. Se eu fosse «importante» para qualquer deles, é óbvio que o comportamento tinha sido outro. Alguma dúvida? Mas pergunto: querem manter assim leitores e assinantes fiéis? Ou só desejam cliques em links e uns euros por mês? Continuem a usar vinagre, mas não se queixem depois se não apanharem moscas.
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«O que sabem os gigantes da internet sobre nós?»



José Alegria, meu ex-colega que sempre soube, e continua a saber, daquilo que fala, teve AQUI uma intervenção importante e cristalina.
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Marcelo e a Lei de Bases da Saúde




Ficamos então com uma lei que foi aprovada só à direta?

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Para além de racistas



«Há tempos vi um vídeo que não vou esquecer tão cedo. É de noite. Vários tipos negros, com camisolas de capuz e ténis, olham à volta agitados. De repente começam a correr, todos na mesma direcção. A câmara mostra então um homem branco já velho, sentado num automóvel, girando a chave da ignição sem sucesso. O homem olha pela janela assustado. Os negros aproximam-se, rodeiam o carro, começam a empurrá-lo. A expressão do condutor é agora de pânico. O plano alarga-se. Percebemos que o carro está parado numa passagem de nível e um comboio vem na sua direcção. Em esforço, os jovens conseguem tirar o carro da linha. O idoso está em choque e os jovens acalmam-no. O condutor sorri-lhes, agradecido.

Não esqueço também O Gosto dos Outros, filme de Agnès Jaoui. O protagonista, um empresário de província, vive para os negócios. Por acidente, a sua vida cruza-se com a de uma atriz de teatro. Nada têm a ver um com o outro. O empresário não esconde o seu desprezo pela cultura erudita. Entre os amigos da actriz, o aspecto do homem, o modo como fala, a roupa que veste, a ignorância que revela sobre arte e outros temas, são motivo de chacota. À medida que as relações se aprofundam, os sinais de pertença de classe esbatem-se, dando lugar a uma comunicação sincera entre pessoas. Entre aqueles que se dispõem a ir além do que parece.

O filme de Jaoui nada tem a ver com racismo, mas tem tudo a ver com preconceito. Como o vídeo que descrevi mais acima. A força destes filmes não está apenas na denúncia da discriminação em geral. São marcantes porque nos confrontam com os nossos próprios preconceitos. Com os meus. Com os de quem está a ler este texto.

À partida, um grupo de jovens negros vestidos à rapper a correr agitados no meio da noite é um bando de vândalos. Um homem engravatado que dá erros de gramática e calinadas sobre arte com pronúncia rural é um pacóvio irremediável. Os nossos preconceitos não ficam por aqui. Estendem-se às tias de Cascais, a quem usa meia brancas, aos políticos e famosos, às mulheres de saias curtas, a quem mastiga de boca aberta, aos feios e gordos, aos belos e ricos, aos homens efeminados, aos ciganos e chineses. Sobre todos temos opiniões formadas. Mesmo sem os conhecer.

O preconceito é uma característica humana e de outros animais. Classificamos tudo em categorias estanques. Construímos expectativas com base em percepções. Generalizamos a partir de experiências únicas. Muitas vezes isto é útil, dá-nos pistas para a acção quando reina a incerteza. Mas o conhecimento indutivo é falível. Se só vimos cisnes brancos, assumimos que todos os cisnes são brancos. Na verdade não são. Só não tivemos ainda a oportunidade de ver cisnes negros. Mais conhecimento, se o quisermos, leva-nos a corrigir os erros da generalização.

Somos mais ou menos racistas, classistas, sexistas e homofóbicos por instinto. Deixamos de o ser quando a experiência nos mostra que os seres humanos são todos diferentes e todos iguais. Que perdemos mais do que ganhamos quando nos deixamos iludir por preconceitos.

Não nascemos apenas com o poder da discriminação. Também viemos preparados para a questionar. Usemos este dom.»

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29.1.19

Mamadou Ba: «A comunidade negra está a ganhar voz?»




Mais um podacast de «Perguntar não ofende», uma excelente iniciativa semanal de Daniel Oliveira.
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29.01.1963 - «O Tempo e o Modo»



Nasceu há 56 anos, em 29 de Janeiro de 1963. Alguns (cada vez menos, infelizmente...) recordarão a importância que teve o lançamento desta revista como plataforma, para uma ampla esquerda, de um diálogo possível em tempos de censura bem dura, na sociedade portuguesa daquele início da década de 60. Pessoalmente, tive a sorte de nela participar e, para além do enriquecimento que esse facto me proporcionou, permitiu-me colaborar com grupos e pessoas, que, sem a existência da revista, estariam fora do meu universo de então.

António Alçada Baptista, João Bénard da Costa, Pedro Tamen, Nuno Bragança, Alberto Vaz da Silva e Mário Murteira, todos católicos, concretizaram um projecto que, desde o seu início, foi aberto à colaboração de não crentes, o que hoje parece absolutamente trivial, mas que esteve longe de o ser e foi mesmo objecto de uma votação. Não resisto a resumir o que então se passou: antes de a dita votação se efectuar, foi rezada uma Avé-Maria para que o Espírito Santo iluminasse os presentes. A decisão, pela positiva, foi tomada por cinco votos a favor e dois contra, o que permitiu que tivessem sido colaboradores, desde o início, Mário Soares, Salgado Zenha, Jorge Sampaio e Sottomayor Cardia, entre outros. Este episódio, hoje dificilmente compreensível, revela bem o peso da mentalidade então vigente e a importância histórica dos que contra ela lutavam – «abertura» passou a ser um dos sinais de marca de O Tempo e o Modo.

Em 1964, por ocasião do primeiro aniversário da revista, António Alçada Baptista comentou, bem à sua maneira: «O Tempo e o Modo pretendeu ser essa mesa onde as pessoas se conheceram e à volta da qual alguns se quiseram sentar. Depois, e à mesma mesa sentados, acharam que era possível falar. Conversados, reconheceram que muitas preocupações lhes eram comuns e que, talvez, ao tentarem resolvê-las, o poderiam fazer em equipa.» (O Tempo e o Modo, nº 12, Janeiro de 1964, p. 1.)

Foi longa e atribulada a história da revista, publicada entre 1963 e 1977. Recentemente, foram disponibilizados online todos os números das diversas fases.

A ler: O Tempo e o Modo, 50 anos depois.


P.S. – Soube hoje que pode ser vista aqui uma interessante entrevista a Amadeu Lopes Sabino, agora divulgada.
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Marcelo, fé, política e foguetes



«Em 17 de Outubro de 2017 Marcelo disse que a resolução dos problemas que levaram aos trágicos incêndios desse ano seria "um teste decisivo ao cumprimento do mandato". Na prática, o Presidente colocou na capacidade do Governo de resolver todas as falhas do Estado que conduziram à tragédia o alfa e o ómega da sua recandidatura a Belém.

Depois de ter subido a pressão sobre o Governo a este nível estratosférico, Marcelo vem agora anunciar, na prática, que voltará a apresentar-se a eleições. Só que agora há uma diminuição brusca das condições: para o Presidente da República se recandidatar, a condição, como para qualquer coisa da vida, é "ter saúde" e a outra é "saber que não há ninguém em melhores condições para receber o Papa". Entramos num nível quando "ser a melhor pessoa em condições para receber o Papa" se torna um activo eleitoral.

É extraordinária a falta de memória que o Presidente agora mostra da "anterior condição", exposta numa comunicação ao país em Outubro de 2017 e repetida numa entrevista ao PÚBLICO em 8 de Maio de 2018. Há menos de um ano, "se tudo corresse mal outra vez", Marcelo não se recandidataria a Belém. Depois de pôr a repetição do seu mandato dependente da resolução do problema dos fogos, o Presidente agora embarca numa euforia de uma festa católica para anunciar os portugueses que receber o Papa, isso sim, torna-se decisivo.

Está Marcelo agora a ser populista ou já estava quando pôs a condição de não se repetirem os fogos de 2017? Está certamente a ser contraditório ou, pelo menos, esquecido. E nem católicos nem laicos se revêem na instrumentalização de um acontecimento religioso para fazer a pré-abertura da corrida Belém 2021.

Paulo Portas costumava justificar o amplo uso que fazia de uma certa retórica nas margens do panfleto anti-imigração com o argumento de que não podia haver nenhum partido à direita do CDS. De certa forma, ao ir buscar esses temas - como o combate ao antigo rendimento mínimo garantido - tentaria afastar o fantasma do nascimento de um partido de extrema-direita.

Marcelo, que tanto tem zurzido o crescimento dos populismos, parece pensar o mesmo. Uma espécie de "fiquem sossegados, portugueses. O populismo sou eu e ninguém me vai bater neste campo. Eu encolho o espaço disponível". Deve ser mais ou menos isto.»

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28.1.19

Marisa Matias no Parlamento Europeu



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Assim continuamos


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O Bairro da Jamaica não é aqui



«“Pense no Haiti, reze pelo Haiti/ O Haiti é aqui/
O Haiti não é aqui”
‘Haiti’, Caetano Veloso

“É correto dizer a um homem que ate as botas
sozinho, mas exigir a um homem sem botas que
as ate sozinho é uma brincadeira cruel”
Tradução livre de uma frase de Martin Luther King

Contou-me uma amiga escritora que, há uns tempos, de visita a uma dessas escolas dos subúrbios de Lisboa de turmas compostas, na sua maioria, por alunos negros, alguns deles portugueses, outros estrangeiros, pediram-lhes que levantassem a mão aqueles que se sentiam portugueses. Dois ou três, talvez por precipitação ou boa vontade, levantaram a mão. Os outros, quase todos, afirmaram em silêncio que nem este país, para onde os pais vieram trabalhar, em que muitos deles já nasceram, é deles nem eles são deste país. Os países deles chamam-se Cova da Moura, Vale da Amoreira, Bairro da Bela Vista, Quinta da Fonte da Prata, Quinta da Princesa ou, como todos aprendemos nos últimos dias, Bairro da Jamaica. Os mais ingénuos talvez julguem que estes bairros, por se situarem geograficamente em território português, fazem parte de Portugal, mas essa é uma ilusão que não resiste ao mais pequeno escrutínio. Basta olhar para as imagens do Bairro da Jamaica. Olhem para aquelas torres de tijolos despidos, para aquelas ruas lamacentas no inverno e empoeiradas no verão, para os buracos onde deveriam estar janelas e portas, para os tanques de pedra, os estendais improvisados, o lixo que se acumula à entrada e à volta dos prédios, e digam, com toda a honestidade, se isto se parece com um país da Europa Ocidental no século XXI ou se não se assemelha mais às imagens de devastação que nos chegam de países em guerra ou às ruínas de um pesadelo distópico?

E, no entanto, é ali que vivem cidadãos portugueses ou cidadãos estrangeiros que Portugal acolheu, é ali que vivem contribuintes ao lado de desocupados, criminosos ao lado de mulheres que, ainda de madrugada, passam hora e meia nos transportes para trabalhar nas limpezas a troco do salário mínimo, é ali que vivem miúdos que desistiram da escola ao lado de jovens universitários que trabalham em part-time no McDonald’s, que têm de aquecer água numa panela para tomarem banho e que aprendem desde muito cedo a omitir de onde vêm porque sabem que Bairro da Jamaica num currículo é pior do que cadastro. É ali, naquelas condições degradantes, em que só com um esforço sobre-humano, uma tenacidade feroz, se consegue pôr a cabeça de fora, lutando contra todas as formas de preconceito, contra os mecanismos de perpetuação da pobreza, lutando muitas vezes contra os hábitos e a cultura de família e amigos, é ali, dizia, que vivem seres humanos que depois censuramos por não serem suficientemente agradecidos, por não amarem este país que lhes deu tudo o que têm: uma miséria que nos devia envergonhar.

A sensação que eles têm não é diferente da de muitos portugueses que vivem no interior. Esses portugueses velhos, doentes, abandonados pelo Estado à sua sorte, que morrem nos incêndios e cuja vida depende em alguns casos das atividades lúdicas do médico que serve no helicóptero do INEM, também se sentem revoltados, queixam-se de ser cidadãos de segunda. Porém, com esses conseguimos ser empáticos. Não lhes dizemos: “Venham para as cidades.” Mesmo quando há sinais de incúria, percebemos que pessoas de poucos rendimentos não os queiram desperdiçar em exercícios para os quais também lhes faltam as forças. É que eles nos lembram os nossos avós. Nos lugares onde eles morrem íamos nós passar as férias de verão. Mas ninguém passa férias no Bairro da Jamaica. É aqui bem perto das nossas cidades e até podemos cruzar-nos com pessoas que vivem lá. Pode ser que algumas delas limpem os escritórios onde trabalhamos ou tomem conta dos nossos filhos. Acontece que os nossos avós não vieram de lá nem nunca viveram lá. Além disso, os nossos avós não eram pretos. Nós não somos pretos. Nós não somos pobres. Já fomos, mas graças ao nosso empenho, às nossas virtudes, deixámos de ser. Somos a prova viva que só é pobre quem quer. Só é preto quem quer. Só vive no Bairro da Jamaica quem quer.



27.1.19

Sem Mahalia Jackson há 47 anos



A grande Mahalia Jackson, «The Queen of Gospel», morreu em 27 de Janeiro de 1972. Calou-se então uma das vozes mais extraordinárias do século XX e que associaremos também, para sempre, às lutas contra a segregação racial nos Estados Unidos.








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Vergonha alheia





Mais:

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Quadratura do Círculo




A escolha do nome demonstra uma imaginação prodigiosa… Sempre tinha mais piada se tivessem recorrido à língua dos «pês»: «Qupuapadrapratupurapa dopo Círpírcupulopo».

Entretanto, parece que vão concorrer, à mesma hora, com «O Eixo do Mal» na SIC N. Comentários para quê…
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A ministra que acirra os ânimos



«”É óbvio que me preocupa [o racismo nas forças de segurança], não podia deixar de me preocupar. (...) Quando as alegações de racismo aparecem, é preciso verificá-las até ao limite. E é, sobretudo, preciso intervir, tanto na perspetiva pedagógica, como na perspetiva repressiva, sempre que for o caso."

As palavras tão claras e corajosas são da ministra da Justiça, Francisca van Dunem, em novembro. Van Dunem, que ainda na semana passada, em entrevista ao Expresso, afirmou estar muito preocupada com o aumento do discurso de ódio no país, já várias vezes denunciou a "dimensão da violência da discriminação racial" existente em Portugal. Como quando escreveu: "Nenhum facto da vida me deu tanto a dimensão da violência da discriminação racial como o estupor com que os meus filhos João e José, cada um a seu tempo, mas sem terem ainda completado os três anos, chegaram da escola e, entre o amargurado e o atónito, me interpelaram sobre a razão por que a diferença da sua condição racial legitima outros a amesquinhá-los e maltratá-los."

Francisca van Dunem é negra. É a primeira ministra negra da história de Portugal. É triste que tenha sido preciso haver uma governante negra para que se denunciasse tão claramente aquilo de que todos deveríamos dar-nos conta e que antes dela todos os governos da democracia deveriam ter querido combater: a violência do racismo que perpassa a sociedade portuguesa. Porque qualquer pessoa pode e deve reparar na invisibilidade dos negros e dos ciganos nas estruturas de representação e poder, na sua ausência quase total no panorama jornalístico-mediático, na falta da sua voz pública; qualquer pessoa deveria preocupar-se com isso, estranhar isso. Qualquer pessoa, independentemente da cor da sua pele, deveria estar preocupada com o sentimento de exclusão que aflige uma parte da população portuguesa.

Qualquer pessoa deveria interessar-se por ouvir e investigar as denúncias de violência contra essa parte da população. Qualquer pessoa deve estar preocupada com a frequência das denúncias de brutalidade policial contra ela, sem confundir isso com "estar contra" ou "a favor" das forças policiais - como se fizesse algum sentido considerar que investigar denúncias de comportamentos ilegais e ofensivos dos direitos humanos é um ataque e não apenas a sindicância normal, obrigatória, das instituições num Estado de direito.

Algo está pois muito errado num país no qual essa consciência parece tão arredada da generalidade da população; onde perante a divulgação de um vídeo no qual elementos policiais brutalizam uma série de negros os protestos e a indignação suscitados por essas imagens são tratados como "ataques às forças policiais".

Algo está extremamente errado num país no qual o facto de uma deputada ter exprimido a sua preocupação face a essas imagens e exigido uma investigação é apelidado por partidos com assento na Assembleia da República como "incitamento à violência"; algo está extremamente podre num país em que o desabafo de um dirigente de uma associação de combate ao racismo num post de Facebook - alguém que todos os dias é insultado e ameaçado por ser negro e por lutar contra o racismo - suscita muito mais fúria que as afirmações insuportavelmente racistas de um neonazi num programa de TV, os insultos e ameaças racistas proferidos por membros das forças de segurança nas redes sociais, as revelações feitas no julgamento de quase todo o efetivo de uma esquadra por sequestro, tortura e discriminação racial e a forma repugnante como esse mesmo dirigente é perseguido e caluniado por elementos de extrema-direita no meio da rua.

Há algo de terrivelmente preocupante num país no qual, malgrado repetidos alertas de instituições internacionais em relação à violência policial, um primeiro-ministro, perante imagens de vários polícias armados a brutalizar pessoas desarmadas, escolhe dizer "o nosso lado é o das forças de segurança" em vez de "o nosso lado é o da Constituição, dos direitos humanos e da lei". O país no qual o presidente do partido do governo, esquecendo que ainda em junho, perante aquilo que não teve dificuldade em qualificar com um episódio racista (a agressão a uma jovem por um segurança dos transportes do Porto), exigia a sua "sobrevalorização" pelas forças de segurança, apelando a que se "aprofunde na sociedade portuguesa o debate sobre o racismo" porque "Portugal não é uma exceção ao fenómeno", vem agora certificar que "estas situações são inéditas e pouco comuns em Portugal."

Em sete meses, de um país que deveria aprofundar o debate sobre o racismo Portugal passou, para o PS, para um país onde falar de racismo "acirra os ânimos" e onde exprimir preocupação com o racismo das forças de segurança é um insulto. Portanto, das duas uma: ou o PS acha que afinal não há racismo nenhum em Portugal ou acha que o país é tão racista que melhor é nem abordar o assunto, com medo de perder votos. Qualquer das hipóteses é acabrunhante; qualquer delas envergonha o Partido Socialista.E em qualquer delas talvez se imponha mudar de ministra da Justiça. É que uma ministra negra que combate o racismo acirra com certeza muito os ânimos - dos racistas.»

Fernanda Câncio
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