5.12.20

Uma crise muito assimétrica

 


Muitos quase na miséria, outros que nem a sentiram na algibeira.
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Sete anos sem Mandela

 

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O ódio dos covardes que anda por aí

 


José Pacheco Pereira no Público de hoje: 

«O livro de Cristina Ferreira merece ser lido nem que seja pela transcrição de comentários, tweets e outras formas de expressão nas chamadas “redes sociais”, com insultos dirigidos à própria, à sua família e aos seus amigos. E pela intenção de denunciar e combater esse mundo do ódio, de grosseria, de ameaças, de violência. Esse mundo é na sua quinta-essência o de uma forma vil de covardia, porque só o anonimato e a desresponsabilização explicam porque é que gente mesquinha, escondida no canto do seu telemóvel ou computador, faz do insulto, da intriga, da mentira e do ódio um passatempo quotidiano. Todas as pessoas com alguma notoriedade pública sabem que é assim, e um dos exemplos do livro de Cristina Ferreira mostra de que é que estamos a tratar: 

“esta cristina na cama deve ser um cronho, k eu digo vos uma coisa, avaliar pela pessoa que se vê na tv, na cama deve ser um trambolho muita fava pouco vinho, vai te cronho, deves pensar k es a ultima bolacha do pacote, velha caduca…” 

Aqui está do que estamos a falar, obscenidades, machismo, insultos, na linguagem gutural de um tal Paulo. Gostava que esse Paulo desse a cara para melhor se perceber este mundo de covardia, e sabermos do que se está a tratar, com cara e responsabilização. Porque, entre outras coisas, o que deveria acontecer é que o que é lei cá fora devia ser lei lá dentro, e isto é um crime. 

Neste mundo de covardia, o livro é corajoso (comentário previsível: qual quê, essa gananciosa quer é ganhar dinheiro com a publicidade ao livro…). E não se surpreendam com este artigo, porque não me caem os parentes nem os pergaminhos na lama em dizer publicamente que concordo com o que concordo e ver o mérito da denúncia. 

Noutras coisas, o meu mundo tem pouco que ver com o de Cristina Ferreira, não por ser aquilo a que se chama um “intelectual”, hoje mais um insulto do que um mérito, mas porque aqueles programas representam muitas vezes um papel perverso que têm mais relação com o mundo do ódio nas redes sociais do que se pensa. Critiquei António Costa, e essa crítica é extensiva a todos que foram lá fazer de cozinheiros e outras cenas esquisitas, e, eu próprio, tendo sido convidado, declinei agradecendo. 

Nada tenho contra a chamada “televisão popular”, cujo papel em falar para as pessoas a quem ninguém fala e de quem ninguém fala é relevante. Mas não ignoro as relações entre a reality TV e aquilo que Cristina Ferreira critica. Há uma exposição do privado e do íntimo, que não só me repugna como tem um efeito inaceitável num dos valores civilizacionais, precário e frágil, a conquista da privacidade. A promiscuidade de que muitas vezes esses programas se alimentam acaba mais cedo ou mais tarde por limitar a liberdade de quem não traça uma linha muito firme entre o público e o privado. 

Esta exposição e o abandono de qualquer pudor e privacidade que pululam nas revistas do jet-set, com centenas de pequenas figuras de fama escassa ou fugaz a “assumirem” namorados e outras coisas mais, representam um papel promocional na sua carreira que quase depende disso, dessa exposição, nem de obra, nem de talento, nem de esforço, muito menos de saber. Não estou a falar de Cristina Ferreira. E como são modelos para muita gente, que as inveja ou admira, ou as duas coisas ao mesmo tempo, fazem uma antipedagogia para as gerações mais novas e para os mais velhos que vivem dependurados no Facebook, dão origem a milhares de fotos de adolescentes a fazer beicinho, com pouca roupa, e abrem caminho para formas muito comuns de bullying nas escolas. Uma das formas clássicas é exactamente a circulação de fotografias íntimas mandadas a um namorado, que no fim do namoro ou até durante ele as envia para os colegas de turma. Isto e outras coisas mais, que permanecem como um fantasma a vida toda. 

Podia dizer, como dizia Vicente Jorge Silva, o que é que “eles”, neste caso os políticos, querem quando se põem a jeito? Para “eles”, que se expõem para ganhar votos ou audiências ou dinheiro, não deveria existir a protecção da privacidade, vale tudo. Discordei, numa antiga polémica, com ele. Não, não vale tudo, mesmo quando o alvo se põe a jeito. 

Já agora, sugiro à claque do ódio vários temas para comentários, tweets e outras excrescências sobre este artigo nas redes sociais, a começar pela acusação mais desejada, o miserável dinheiro. Não estou eu a querer agradar à minha “patroa” da TVI? Não estou eu a ajudar a vender o livrinho da dama por qualquer interesse financeiro ou para me promover à custa dela? Não quererei encostar-me à fama da senhora para obter likes e quejandos? Tudo isto será escrito porque o que faz mexer a cloaca das redes sociais são paus de madeira desta natureza. 

Sempre existiu esta indústria do vilipêndio e agora vê-se mais? É verdade que sempre existiu e que agora se vê mais, mas também é verdade que agora é mais, mais descarado, mais vergonhoso, envolvendo mais gente, mais atenção fútil, mais dedicação ao mal, mais perseverança no insulto, mais covardia. Há gente quase profissional disto, que deve passar horas a escrever comentários como o que citei acima. Imaginem como é o mundo deles. 

Sim, este elogio da denúncia de Cristina Ferreira é para vosso escarmento, vosso opróbrio, vosso desluzimento, vossa vergonha e, se tiverem de ir ao dicionário para perceber algumas palavras, ao menos ganha-se alguma coisa.»
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4.12.20

Marisa Matias, candidata

 


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Na saúde, prometer não vale

 

«O congresso do PCP em Loures festejou medidas aprovadas no Orçamento, entre as quais a extensão dos horários dos centros de saúde até às 22h e a sua abertura aos sábados entre as 10h e as 14h. Uma excelente regra para os cuidados primários de saúde. Só que não vai ser aplicada. A Associação de Medicina Familiar explicou a razão com meridiana clareza: faltam os profissionais que garantam essa extensão de horário. De facto, os centros de saúde fazem-no nos picos da gripe, mas por poucas semanas e com horas extraordinárias. Não têm médicos e enfermeiros para o fazer todo o ano. 

E, como se viu, não é fácil: ficaram desertas um terço das vagas do recente concurso para 435 especialistas em medicina familiar. Veremos as contas no fim do ano, mas arriscamo-nos a que no fim de 2020, com as aposentações, tenhamos menos médicos de família do que no início do ano. A promessa de horários alargados é uma intenção sem meios. Faltou a única regra que salvará o SNS: ir buscar especialistas ao privado.» 

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Plano de vacinação e imprudências inexplicáveis

 



Estas afirmações do secretário de Estado, que não fazem mais do que confirmar o que ontem foi anunciado oficialmente, são no mínimo imprudentes, já que criam demasiadas expectativas quando há tanto esforço e mil imprevisíveis em jogo. Não só, mas especialmente em Portugal, onde o planeamento está atrasadíssimo e quando os centros de saúde já estão a avisar de que não têm capacidade nem para assegurarem a primeira fase.
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Pior do que Floyd

 


«O assassinato de George Floyd, que espalhou indignação pelo mundo, não tem a gravidade do que se passou com Ihor Homeniuk no aeroporto de Lisboa, em meados de março. E, no entanto, tenho de olhar para o jornal para escrever bem o seu nome. Nem uma manifestação, nem uma palavra do prolixo Presidente. Foi tal a indiferença que durante oito meses a diretora do serviço que alegadamente torturou e matou o imigrante ucraniano se manteve calada. Há 15 dias, confessou que nem lhe ocorreu pôr o seu lugar à disposição. Também não contactou a família de Ihor. Parece que foi mais um dia no escritório. Na sua cabeça, a culpa é de umas maçãs podres, não é do SEF. 

O insulto já não é o silêncio. Nem é a insensibilidade perante a família de Ihor. É Cristina Gatões ainda ser diretora do SEF. A naturalidade com que vários agentes entraram, depois do espancamento, na sala onde Ihor foi torturado e o apoio que os agressores tiveram para esconder o crime indica que não se tratou de um episódio isolado. As descrições que aparecem no “Diário de Notícias” desta semana são a de um inferno. Com imigrantes isolados do mundo e sem intérpretes, o Centro de Instalação Temporária (CIT) do aeroporto seria, segundo uma testemunha, um lugar de ameaças, pancada e medo. Onde os inspetores levariam os “passageiros” para uma sala e, com uma “luva preta, para não deixar impressão digital”, sem identificação e com um cassetete, teriam “conversinhas” com quem cometeu o crime de querer vir para Portugal. Cristina Gatões não teve os primeiros sinais de alarme em março. Quando chegou ao cargo, em janeiro de 2019, já tinha ouvido a provedora de Justiça chamar ao CIT de Lisboa “terra de ninguém”, um universo mais impenetrável do que as prisões. Já conhecia o relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura, que comunicou inúmeras falhas, relatou suspeitas de maus-tratos e agressões e a sensação de que as pessoas tinham medo de falar. Ela própria fora inspetora no aeroporto. Por isso, Cristina Gatões é politicamente responsável por o que aconteceu a Ihor Homeniuk. Oito meses de silêncio depois, veio confirmar que o seu serviço tinha sido responsável por “uma situação de tortura evidente”. Da qual não tirou qualquer consequência. Nem a de se demitir, nem a de contactar a família da vítima, nem a de assumir o dever de a indemnizar. Nada. 

A culpa é como um vírus. Se ninguém faz nada para a conter, alastra pela cumplicidade do silêncio. Cada dia que passa com a diretora do SEF no lugar é mais um dia que o ministro que a mantém assume para si a culpa. Cada dia que passa sem que o ministro nada faça é um dia em que o primeiro-ministro assume para si a culpa. Pelo que nos é descrito sobre o que se passava no CIT, é natural que aqueles inspetores se sentissem à vontade para dar largas à sua bestialidade. E é natural que só uma denúncia anónima e um médico legista tenham tornado impossível esconder um crime que até o diretor de Fronteiras de Lisboa terá tentado fazer passar por “morte natural”. Que cultura de impunidade torna tudo isto possível? A que se instala quando os políticos têm medo dos serviços que deviam dirigir: nasce um Estado dentro do Estado, onde a arbitrariedade é lei. A morte de George Floyd virou os EUA de pernas para o ar. Aqui, depois de oito meses sem que a diretora do SEF se demitisse ou fosse demitida, é o ministro que está a mais. Alguém tem de varrer o SEF de alto a baixo. Nenhum deles o fará.» 

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3.12.20

Mais um Estado de Emergência

 

DECRETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA Nº /2020

Já enviado para votação na AR amanhã, 04.12.2020
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Quando o «normal» era assim

 

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03.12.1930 – Jean-Luc Godard

 


Jean-Luc Godard chega hoje aos 90. Informação e vídeos NESTE post de 2019.
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As lições de 2019

 


«Na actual situação sanitária do país, e o investimento pessoal que todo Ministério da Saúde se vê obrigado a fazer, o que menos se deseja é que, relativamente à regulamentação da Lei de Bases da Saúde, e em especial do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, se repita a situação que envolveu o processo de elaboração e aprovação daquela lei. Algumas lições hão-de ter sido tirado do que aconteceu. A principal das quais foi que, apesar de todas as resistências, e até oposições, no dia 19 de Julho de 2019, alguns dos resistentes de esquerda, nomeadamente o PS, se congratularam com a legislação que tinha sido aprovada, reivindicando-a como sua. Daí não veio nem vem mal ao mundo. Importante mesmo foi que nos livrámos de um chapéu-de-chuva que só servia para cobrir os negócios que o sector privado fazia debaixo dele. 

O articulado daquela lei já contém algumas disposições que dão sinais de mudança na política de saúde, principalmente no que respeita às relações com o sector privado e na valorização que é dada a aspectos centrais de qualquer política de saúde, como seja toda a actuação que cobre a actividade que não está directamente ligada ao tratamento da doença. 

A situação que estamos a viver desde Março é um exemplo extremo dos défices que se foram acumulando numa área que agora se percebe que tem de ser tratada com maior exigência, a saúde pública e todos os aspectos que a ela estão associados, o principal dos quais é a prevenção da doença. Podemos mesmo afirmar que ela é a coluna vertebral das políticas de saúde, que têm a saúde positiva dos cidadãos como principal fundamento para a sua actuação, na medida em que representa a interface entre os serviços e a comunidade. Tem sido esta visão da política de saúde que tem contribuído para que, em alguns países, a esperança de vida tenha aumentado na parte que diz respeito à esperança de vida saudável. 

Tudo isto está contemplado na Lei de Bases da Saúde. Não é, portanto, por ausência de pensamento sobre o que é relevante que se podem apontar dificuldades em transferir este pensamento para uma disposição legislativa que o torne operacionalizável. E é esse défice que vem aumentando de dimensão. Na década de 90, foram necessários três anos para que o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde decorrente da respectiva lei fosse aprovado. Se os tempos são outros, e são, há então, mau grado as circunstâncias, que actuar de maneira diferente. E actuar de maneira diferente significa também agir com a celeridade que o tempo político exige e que as condições de funcionamento do SNS impõem. 

Neste caso, do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, estou-me a referir a que a sua organização e funcionamento deve estar mais bem adaptado ao SNS. Isto significa que não deverão ser as características e especificidades das comunidades, e até as suas idiossincrasias culturais, que hão-de adaptar-se aos serviços. Do que deve ser tratado no Estatuto é de uma nova entidade, de uma síntese entre as comunidades e quem está habilitado a contribuir para que ela seja mais saudável. Continuar a manter instalações e equipamentos de um lado e comunidades do outro é replicar um modelo que já mostrou ser bom para aumentar a esperança de vida, mas em que pouco contribui para aumentar a esperança de vida saudável. 

Se entendemos que é urgente que o SNS seja dotado de um Estatuto é porque a sua elaboração exige um trabalho paciente, rigoroso e participado por muitos actores sociais. E, sobretudo, com a maleabilidade suficiente para poder ser apropriado tanto pelo Escoural como por Pitões das Júnias. Por Melgaço e Barrancos. Por Beja e Viseu.» 

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2.12.20

Lá chegaremos

 

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Eduardo Lourenço e a santa ignorância

 


As televisões passaram o dia de ontem a falar de Eduardo Lourenço, como seria de esperar. A páginas tantas, a SIC Notícias chamou Reinaldo Serrano, jornalista da casa desde a sua fundação e ligado ao comentário no domínio da cultura. E foi então que surgiu a «pérola» inesperada: 

«O grande legado dele [Eduardo Lourenço] é obrigar as pessoas à reflexão e é uma reflexão contínua. É curioso que ele em muitos textos, sobretudo em crónicas, utilizava uma expressão também lindíssima da literatura e que já ninguém usa: depois da crónica dizia "Vence em...." 2000, por exemplo. Ou seja aquela crónica tinha uma data de validade porque a própria realidade e a sua dinâmica faz com que nada seja definitivo.... » 
O comentário pode ser visto e ouvido AQUI

Ninguém é obrigado a saber que Eduardo Lourenço fixou residência em Vence, no Sul da França, desde 1965, mas todos os que se deram ao trabalho de acompanhar o seu percurso o sabem, pela importância que isso representou na sua vida. O que não devia acontecer era que uma TV chamasse, num dia tão especial, um comentador que desconhece a vida do comentado.
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Opinião – Bom senso e razoabilidade

 


«Nunca se ultrapassar o limite do bom senso e do que é razoável”. Assim fixou António Costa a orientação para o Orçamento de Estado para 2021. Acho sinceramente que tinha toda a razão. Falemos então de bom senso e razoabilidade. 

É de bom senso – não só agora, no cenário de sobre-pressão sobre o SNS, mas também depois, quando tivermos que recuperar a imensa atividade assistencial adiada – forçar um hospital a esperar meses pela contratação centralizada de uma médica ou de um enfermeiro? É razoável manter como resposta à evidente necessidade de robustecimento do SNS uma rotina de falta de ambição que se traduz em menos 1029 médicos agora que em janeiro? Não é razoável que se atribua aos hospitais autonomia para fazerem as contratações, não apenas as de emergência mas as que se revelarem necessárias para a garantia do direito à saúde de todos? É razoável contratar serviços a privados e não contratar os profissionais de saúde que fazem falta ao SNS? 

É de bom senso, numa altura em que o desemprego está a crescer em flecha, admitir que empresas que têm lucros e que beneficiam de apoios públicos, possam despedir? 

É de bom senso que, sabendo que cerca de metade dos desempregados não beneficiam de qualquer prestação de desemprego e que só 2% acedem ao subsídio social de desemprego, se mantenham as restrições nestes dois apoios que a austeridade e a troika impuseram? É de bom senso mantermos prestações de desemprego abaixo do limiar de pobreza? É de bom senso, nestes dias de despedimentos em massa que atiram tantos milhares de homens e mulheres para o vazio, manter as compensações por despedimento nos 12 dias por cada ano de trabalho impostos pelo governo das direitas, quando a própria Troika tinha fixado 20 dias, reduzindo os 30 que vigoravam até então? Não era razoável a crítica acérrima que o PS então fez a esta medida do governo PSD-CDS? 

É razoável admitir uma nova transferência de 470 milhões de euros para o Fundo de Resolução injetar no Novo Banco sem primeiro haver uma auditoria que permita avaliar a gestão do banco? É de bom senso tomar como intocável o cumprimento do ruinoso contrato de venda se a gestão pela Lone Star se confirmar ruinosa? 

É razoável e de bom senso o minimalismo do “atuar na margem”, com medidas pontuais e transitórias, voltando já a pôr no centro da política orçamental a redução do défice e, portanto, a contração do investimento público, como defendeu o Governador do Banco de Portugal na sua admonitória intervenção de doutrinamento do Governo? 

Razoabilidade e bom senso, para o tempo que estamos a viver, só podem significar máxima determinação na rutura com o budget as usual. Agir na margem e manter a redução do défice como mandamento, mesmo quando os ortodoxos de Bruxelas o dispensam, é estado de negação. Ou preconceito ideológico. Ou as duas coisas.» 

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1.12.20

01.12.1955 – O dia em que Rosa Parks recusou levantar-se

 


No dia 1 de Dezembro de 1955, em Montgomery, a parte da frente de um autocarro reservada a passageiros brancos já não tinha nenhum lugar vago e o condutor ordenou que Rosa Parks se levantasse e cedesse o seu na secção dos negros. Rosa recusou, foi presa e o seu acto passou a ser um marco importante na luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos. 

A história está bem resumida neste vídeo: 



E Pete Seeger não a esqueceu:


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Woody Allen, 01.12.1935


 

Na minha próxima vida quero vivê-la de trás para a frente

Começar morto para despachar logo o assunto.
Depois acordar num lar de idosos e sentir-me melhor a cada dia que passa. Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a pensão e começar logo a trabalhar. Receber logo um relógio de ouro no primeiro dia. Trabalhar quarenta anos até ser novo o suficiente para gozar a reforma. Divertir-me, embebedar-me e ser de uma forma geral promíscuo, e depois estar pronto para o liceu. Em seguida a primária, fica-se criança e brinca-se. Não temos responsabilidades e ficamos um bebé até nascermos. Por fim, passamos nove meses a flutuar num SPA de luxo com aquecimento central, serviço de quartos à descrição e um quarto maior de dia para dia, e depois....voilá! 
Acaba tudo com um orgasmo!
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Salvar as presidenciais

 


«Tudo indica que, a 24 de janeiro, aquando da primeira volta das presidenciais, o contexto sanitário não será muito diferente do atual. Mesmo que já libertos do estado de emergência, continuará a haver restrições de movimentos e de aglomerações, em particular ao fim de semana. Para muitos portugueses, o confinamento será mesmo uma obrigação, por estarem infetados ou por fazerem parte dos grupos de risco, como acontece com os 100 mil idosos que vivem em lares. Obviamente, a pandemia não pode suspender direitos e deveres políticos e não há nenhum motivo para adiar as presidenciais. Em todo o caso, estas eleições não podem ser marcadas em registo burocrático, fingindo que não é preciso fazer nada para tornar possível o voto. 

A questão é fundamental. Uma das obrigações do Estado é garantir e promover a participação política. É possível antecipar que teremos uma campanha desafiante para todos os candidatos, sem momentos de massas, com poucos eventos e que, por isso, contribuirá marginalmente para a mobilização eleitoral. Há um risco de termos um surto de abstenção, o que diminui objetivamente a legitimidade dos eleitos. Mas, além disso, emerge também um problema com o voto, que merece reflexão, debate e propostas em tempo útil. 

Tal como no estado de emergência têm de ser garantidos direitos políticos aos partidos, os cidadãos não podem ser privados do direito ao voto. Agora que faltam curtos 60 dias para as eleições, está o Parlamento a trabalhar em alternativas para alargar os mecanismos de participação? A CNE tem alguma ideia de como incentivar os portugueses a votar? O Ministério da Administração Interna está a trabalhar em soluções complementares ou vamos ter um ato eleitoral igual aos do passado? O Presidente da República promoveu alguma reflexão sobre o tema? 

Não somos o primeiro país a organizar eleições em tempo de covid, pelo que talvez valha a pena olhar para o que se passou noutras democracias. E a questão não pode ser apenas assegurar condições sanitárias (o que implicará transformações nas mesas de voto). Nestes meses, já ocorreram experiências interessantes que vão do alargamento do voto antecipado e por correspondência, passando por voto através de drive-through (de modo a diminuir contactos), até à criação de urnas móveis, levadas ao local onde se encontram, por exemplo, idosos confinados. 

Independentemente das soluções a adotar, não se pode alterar procedimentos destes sem um debate público alargado e sem o envolvimento dos vários interessados, sob pena de assistirmos entre nós à repetição de processos eleitorais marcados por incidentes. Se não houver discussão e transparência agora, as presidenciais correrão riscos.» 

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Cuidado com as prendas de Natal

 

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30.11.20

We have given everything and you’re still taking

 


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Tribunal dos Direitos Humanos dá “luz verde” a processo de jovens portugueses contra 33 países

 



Ler mais AQUI.
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Em luta com Zita Seabra


 

... por um lugar num pódio?
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Quebrar o círculo

 


«Muito se tem falado da dimensão dos apoios do Estado na resposta à crise e de que a elevada dívida pública é um garrote para uma intervenção massiva. 

Na realidade, o endividamento é enorme e não pode ser ignorado, mas a retórica de que somos um país pobre e endividado e, como tal, não podemos ter manias de país rico e devemos gastar poucochinho para reagir à intempérie, não ajuda a resolver nem a pobreza nem o endividamento: como somos pobres não podemos pagar a dívida, como temos dívida não podemos intervir massivamente e logo crescemos pouco, e como não crescemos a dívida não diminui. Ou seja, sermos pobres e endividados obriga-nos a continuarmos pobres e endividados. 

Este discurso fatalista tem que mudar e temos de quebrar o círculo vicioso da pobreza. Este Governo mostrou que, mesmo devolvendo rendimentos, se consegue diminuir a dívida de forma sistemática: entre 2018/19 apenas quatro países da União Europeia a reduziram, em pontos percentuais, mais do que nós. Temos, neste momento, uma Europa cooperante e acesso a fluxos financeiros como não tínhamos há mais de duas décadas, temos juros historicamente baixos e uma reputação internacional restaurada, ou seja, estão reunidas as condições para rompermos com a sina de cauda da Europa e tentarmos dar um salto em frente. 

Ora, a dívida é relevante como percentagem do PIB (é um rácio) e podemos ser um pouco mais relaxados com o numerador se criarmos condições para o denominador crescer. Mesmo assim é perigoso, previnem-nos: os juros têm que subir um dia e o serviço da dívida ficará difícil de suportar. Sim, eventualmente, mas não sabemos quando. E não devemos deixar de aproveitar o capital disponível e barato, por medo de que um amanhã (cinco, 10 anos) obviamente incerto, nos traga juros elevados. Mais, se tivermos quebrado o círculo, quando tal acontecer estaremos mais bem equipados para fazer face a conjunturas adversas, porque teremos uma economia mais dinâmica, competitiva e resiliente. 

É o momento de tentarmos inverter o processo, garantindo o acesso generalizado a boa educação pública e a um serviço nacional de saúde de qualidade, levando a cabo uma transição digital inclusiva e, finalmente, procurando ultrapassar algumas questões estruturais da economia portuguesa: diminuindo fragilidades do mercado de trabalho, pagando salários mais próximos dos da Europa, nomeadamente um salário mínimo digno (com empresas capazes de o suportar), renovando o tecido empresarial, diversificando a base produtiva, apostando em setores e projetos competitivos e rentáveis (e consequentemente que se paguem a si próprios). 

Isto exige investimento público, bem dirigido e focado, eficaz e eficiente e, sobretudo, catalisador do investimento privado. Exige, evidentemente, muito Estado. Um Estado que apoie as pessoas, ajude a requalificar e redirecionar competências e garanta a todos um mínimo de condições de vida digna e de bem-estar. Isto requer dinheiro e, consequentemente, mais dívida. 

Mas é como pedir emprestado para mudarmos as janelas da casa: no futuro, a fatura da eletricidade será bem menor. 

Se aproveitarmos esta oportunidade para darmos um salto grande, a fatura para as próximas gerações, será com certeza muito mais fácil de pagar.» 

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29.11.20

António Damásio sobre os portugueses

 


Interessante.

Entrevista ao Público (29.11.2020)
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É isto

 

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A fadiga tem muitas faces

 


«A OMS alertou para a subida da fadiga pandémica que pode atingir até 60% dos membros de certos grupos, traduzida por uma apatia que faz baixar a guarda e desleixar as estratégias preventivas. 

Comparemos Primavera e Outono, o rebentar da flor e o cair da folha. Alguém defenderá que a chegada da pandemia e o confinamento que se seguiu foram fáceis de digerir? Mas o discurso oficial e o nosso desejo construíram um cenário a prazo, "sofra agora e ressuscite depois, mesmo que não saibamos definir o novo normal". Os profissionais de saúde eram guerreiros que teriam o merecido repouso, poucas vozes e testemunhos se levantavam contra a narrativa de "todos no mesmo barco", os avisos sobre uma segunda vaga outonal não estrangulavam a satisfação pelos nascentes dias de sol ou a esperança de a sentir "apenas" como uma réplica do terramoto inicial. 

E ela veio. Surpreendentemente, até os que para ela nos tinham alertado se declararam... surpreendidos! O que não tranquilizou as pessoas, sobretudo porque foi evidente que algumas das (boas) medidas tomadas deveriam ter sido planeadas durante o período estival e a outras faltava coerência ou explicação clara. A fadiga regressou, mas era diferente. A seguir ao Outono chegará o Inverno, que não costuma ser meigo em termos de saúde. O túnel parece mais longo e a luzinha que lhe decreta o fim mais periclitante. O cansaço e alguma banalização do risco partilham a boca de cena com o desespero de muitos, que temem por emprego, negócio, habitação; futuro. 

A tolerância sofre de anemia. Tomemos uma frase do PM: "Se os portugueses estão cansados, imaginem os profissionais de saúde". Ouvi alguns comentarem que não aspiram a ganhar o campeonato do cansaço, mas a ter melhores condições de trabalho; e profissionais de outras áreas murmurarem que preferiam estar exaustos e não a caminho da falência. 

A fadiga tem muitas faces, a agressividade é uma. Não me refiro a indivíduos ou grupos que aproveitam o clima pesado para alimentarem agendas políticas. Falo do cidadão comum - mais triste, sedento do toque, apreensivo quanto ao futuro, namorando a contragosto a solidão. 

Velha frase reaparece, "ando com os nervos à flor da pele". Receio que neste momento nos assemelhemos a cactos, espinhos e flores coabitam, mas tendem a ser os primeiros a vir à porta. Recomendo mezinha caseira - abrir sorriso e mãos, o Outro saberá que vimos em paz e aceitará o respectivo cachimbo. 

Mas para muitos portugueses o Outro não tem rosto, chama-se desemprego, precariedade ou pobreza e exibe a sensibilidade de um rolo compressor. A revolta enrouquece nas ruas e volta para casa de mãos a abanar. Esse, é o verdadeiro cansaço que não conseguimos imaginar.» 

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